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KEEPING UP WITH THE KARDASHIANS: A NATURALIZAÇÃO DOS REALITY SHOWS E A NOVA CONCEPÇÃO DE CORPO FEMININO - Clécia Junqueira

Clécia Junqueira

KEEPING UP WITH THE KARDASHIANS: A NATURALIZAÇÃO DOS REALITY SHOWS E A NOVA CONCEPÇÃO DE CORPO FEMININO

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A visibilidade é uma armadilha. (Michel Foucault)

O vigiar no contemporâneo vem assumindo uma nova perspectiva. Já não se tem aquele estranhamento de antes. O monitoramento do comportamento dos indivíduos vem se tornando moeda de troca e a exibição de um corpo belo tornou-se primordial. A vigilância já não é mais símbolo de medo, de invasão de uma determinada privacidade, mas sim sinônimo de um status e reconhecimento daquilo que se pretende ser dentro da visibilidade das câmeras.

A cidade contemporânea é atravessada, visível e invisivelmente, por um conglomerado de dispositivo de controle e vigilância. Esses dispositivos de monitoramento, embora apresentem uma confguração física mais discreta, vêm, por outro lado, mais invasivos e invisíveis de modo que produzam fortemente nos indivíduos uma sensação de naturalidade e familiaridade com a vigilância excessiva.

No cenário das refexões de controle e vigilância dos indivíduos, esse artigo se concentra nos desdobramentos dessas redes de moni-

toramento nos indivíduos e na sociedade como um todo. As câmeras com as mais diversas potencialidades atuam em uma perspectiva de registrar os mais variados acontecimentos da esfera pública, ou ainda, de provocar outras concepções que atravessam as técnicas e permeiam os caminhos do invisível e dos deslocamentos internos provocados por esse movimento que mescla visibilidade e aparência.

Dentro dessa emergente vigilância, novas tiranias camufadas são inseridas, ocasionando em novas condições para pensarmos o comportamento do indivíduo diante das câmeras e as rotulações criadas por essas imagens produzidas.

Nessa pesquisa, o arsenal conceitual tem o sentido de relacionar a potência das câmeras de monitoramento dentro de um de seus produtos que seriam os reality shows. O intuito é compreender como acontece uma determinada naturalização dessa vigilância nesses programas audiovisuais e como a produção dessas imagens acarretam os mais variados sentimentos tanto em quem é flmado, quanto em que vê aquela imagem. São diversos os efeitos que são gerados, desde o comportamento e a aparência, até a relação do indivíduo com o mundo.

Para compreender melhor como o fenômeno dos reality shows vem sendo compreendido dentro dessa lógica de videovigilância incessante, analisaremos o programa que exibe a vida da família Kardashian predominantemente composta por mulheres que são monitoradas por câmeras e passam uma imagem de comportamento naturalizado por meio dessa vigilância. O reality Keeping Up with the Kardashians1 , que completou 10 anos em 2017, mostra a trajetória das irmãs e como elas também conseguiram, ao longo dos anos, mostrar uma nova concepção de beleza e de corpo feminino que, de alguma maneira, rompe com algumas ideias já estabelecidas.

Nesse cenário de excessiva visibilidade, muitas fguras célebres acabam tornando-se um novo seguimento de desejo de imagem e

1 A série de reality show americano vai ao ar no canal pago E!. O programa estreou em 14 de outubro de 2007 e tornou-se uma das séries mais longas no país. A 15ª temporada do seriado estreou em 5 de agosto de 2018.

comportamento. A forma como é exibido o reality show produz uma sensação de familiaridade no receptor principalmente por abalizar uma dinâmica de naturalidade em frente às câmeras, que trabalha em uma perspectiva de aproximação da cotidianidade do outro. Os reality shows, como aponta Maria Rita Kehl (2004), trabalham em um sistema ilusório, que apresenta uma caraterística de cotidianidade sob uma concepção de espetáculo, ganhando um viés mercadológico na tentativa de se tornar um refexo da esfera pública.

Por essa mesma razão, o reality acaba por apresentar uma gama de discursos que giram em torno da concepção de imagem de corpo feminino no contemporâneo. As “Kardashians”, como são popularmente conhecidas, apresentam dentro desse contexto de vigilância novas formas de concepção de beleza, que acabam indo na contramão de padrões estabelecidos, apresentando, assim, novos fenômenos e novos estereótipos em relação ao corpo dentro dessa dimensão dos holofotes. O conteúdo do reality Keeping Up with the Kardashians é um dos mais vistos nos Estados Unidos, e no Brasil é exibido pela emissora E!, contando com uma audiência predominantemente feminina.

VISIBILIDADE: A RELAÇÃO ENTRE REAL E IMAGINÁRIO NOS REALITY SHOWS

Nesse monopólio da aparência, tudo que ficar do lado de fora, simplesmente não é. (Paula Sibilia)

O que antes era privado, hoje se torna exibicionismo exacerbado. Os desdobramentos dos fenômenos da vigilância romperam com toda e qualquer concepção de privacidade. O que era impossível acontecer no âmbito público se naturaliza nas imagens contemporâneas. As relações institucionais que controlavam os comportamentos e ações dos indivíduos assumem uma nova roupagem. Aparece um cenário em que somos controlados discretamente com a concepção de uma “liberdade” de visualidades. Esse controle acontece como um despertar para um imaginário onde tudo acon-

tece naturalmente como forma de entretenimento e aproximação com quem aparece na tela. Nesse contexto emergente podemos compreender que:

Na sociedade do espetáculo, em que o espaço da politica é substituído pela visibilidade instantânea do show e da publicidade, a fama torna-se mais importante do que a cidadania; além disso a exibição produz mais efeitos sobre o laço social do que a participação dos sujeitos nos assuntos da cidade/sociedade, ou do que a produção de novos discursos capazes de simbolizar o real (KEHL, 2004, p. 143).

A partir dessa perspectiva, nota-se que as concepções em torno dessa visualidade que atravessa os reality shows geram um sintoma na esfera pública que penetra na vida das pessoas com uma grande velocidade e, ao mesmo tempo, mexem com o imaginário dos indivíduos e naturaliza as ações desses fenômenos. O ver se torna mais importante do que todo e qualquer comportamento social. A ação perde espaço para o campo do ilusório, criando um ciclo que propõe o “devorar”. Devorar de imagens, comportamentos, símbolos e novas estruturas de padrões que impactam diretamente nos mais variados âmbitos, desde os modos de agir em sociedade até o que o indivíduo irá vestir. No devir incessante do contemporâneo, o que torna perceptível é que essas produções de visibilidades denominadas reality shows promovem no espectador uma promessa de reprodução fel do cotidiano. Um sentimento que faz o indivíduo se sentir representado e que vem fortemente com um conglomerado de padrões emergentes, que consequentemente levam o espectador a consumir aquilo que de alguma maneira apresenta uma ideia de representação.

Na medida em que esses reality shows se incorporam na cotidianidade social, torna-se por sua vez natural querer ser/parecer com aqueles indivíduos que embora se apresentem como relatos da vida real, atuam como personagens do espetáculo da visibilidade. O ser vigiado para quem é monitorado tornou-se uma ferramenta

de poder e aparição. Em matéria da Revista online da Vogue, Kim Kardashian, uma das irmãs participantes do reality, declara abertamente que sua visibilidade abriu espaço para um maior poder aquisitivo que construiu, a partir das redes sociais e do reality, um “Império de beleza”. Nessas proporções, observa-se que a própria Kim Kardashian acredita que o cenário da visibilidade da sua fgura apresentou novas formas emergentes de ver e compreender a poética do corpo feminino sob a potência dessas ferramentas de vigilância da imagem.

A grande visibilidade que a família Kardashian alcança no contemporâneo se deve a essa sensação de proximidade com o espectador que se apresenta como uma relação banal; mas que, ao mesmo tempo, potencializa esses pseudo-personagens, gerando uma comodidade visual elevando essas fguras emergentes a um patamar de celebridade infuenciadora. É o que os contextos digitais chamam no contemporâneo de digital infuencer. “Hoje, nenhuma celebridade adquire reconhecimento público sem a ajuda de intermediários culturais”, observa Rojek (2008, p. 12).

Kim Kardashian, que era uma assessora da socialite Paris Hilton, hoje se caracteriza como um fenômeno da moda, do comportamento e do corpo. Dentro desse sistema de excessiva vigilância e de um viés que prioriza que ser vigiado é algo natural, a família Kardashian hoje alcança um espaço que a coloca como um exemplo de genealogia a ser seguido e, principalmente, aparece para o público como algo reconhecível; o espectador tende a se reconhecer na cotidianidade das Kardashians, mesmo não compartilhando de todo aquele controle luxuoso das suas mansões, nem possuindo um terço de toda a fama que elas possuem.

Esses programas que formulam uma naturalidade cotidiana atuam nessa perspectiva de uma invasão minuciosa, imperceptível que vem se tornando cada vez mais consentida. O ser vigiado tem alcançado uma lógica de naturalidade. É a recriação de um sistema ilusório, apresentação de paredes de vidro e experiências empobrecidas já alertadas por Walter Benjamin. Um cenário que Maria Rita Kehl (2004) denomina como “cativeiros luxuosos”, onde aparece a

concepção de sonhos empobrecidos cujo foco está em uma espetacularização das ações que tendem a priorizar o aparecer para ser/ter. Sobre essa refexão podemos compreender que:

Os reality shows, a adesão dos espectadores às cenas da banalidade cotidiana representadas pelas diversas ‘casas’ de artistas ou de anônimos, as gincanas em que os concorrentes disputam para mostrar quem vai mais longe à direção oposta a dos ideais são o sintoma do sofrimento do sujeito contemporâneo, que perdeu a dimensão pública de seus atos e de sua existência e tenta substituí-la pela dimensão espetacular, do aparecimento de sua imagem corporal (KEHL, 2004, p. 160).

O fortalecimento desses reality shows, principalmente o da família Kardashian, está essencialmente associado a uma exarcebação da “aparição da imagem corporal no campo do outro” (KEHL, 2013, p. 159). É a visibilidade que atravessa nosso imaginário, proporcionando a sensação de espontaneidade desses programas que fortalecem essas celebridades emergentes e as colocam no centro dos modelos de comportamento e beleza.

Nesta cultura das aparências do espetáculo e da visibilidade, já não parece haver motivos para mergulhar naquelas sondagens em busca dos sentidos abissais perdidos dentro de si mesmo. Em lugar disso, tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o reconhecimento nos olhos alheios e sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada vez mais, é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo de visibilidade – seja dentro de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio – corre o triste risco de não ser interceptado por olho algum. E, de acordo com as premissas básicas da sociedade do espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista (SIBILIA, 2008, p. 111).

Como se percebe, assiste-se à espetacularização da aparência e nesse “viés interpretativo pode-se pensar que a expressão dos modos de aparecer através da moda, ou seja, da modelação da aparência

corporal, estabelece um dos primeiros vínculos entre os homens aculturados” (CIDREIRA, 2013, p. 119). Nesse espaço em que um indivíduo se consagra enquanto ídolo, aparecendo através das ferramentas de visibilidade, são elas que provocam esse sentimento de realidade diante da abstração. É uma visibilidade excessiva, mas que vem se tornando plausível mediante as máscaras positivas que se criam para denominar esses programas, mas especifcadamente os reality shows.

VISIBILIDADE DO CLÃ KARDASHIAN: SÍMBOLO DE BELEZA E CORPO PERFEITO NO CONTEMPORÂNEO

Um fator incontestável no contemporâneo é que a concepção de aparência está inteiramente ligada a uma perspectiva de beleza na qual as fguras célebres se tornam intermediárias desse processo. O poder de infuência das irmãs Kardashians, também conhecido como o clã Kardashian, se apoia nesse sistema de visibilidade “naturalizada” e vem cada vez mais ganhando espaço quando o quesito é beleza e defnição de corpo feminino.

A disseminação dos modos comportamentais das Kardashians atinge todas as percepções, generalizando a partir de suas dimensões de beleza aquilo o que é visualizado enquanto belo e digno de contemplação. Houve, no decorrer da história, um deslocamento das concepções de corpo e beleza, que nos trouxeram ao contemporâneo a partir de novas reformulações do que realmente é digno de representação feminina. Sobre o panorama dessas mudanças, Lars Svendsen (2010) apresenta:

O corpo se torna algo que estará sempre aquém do objetivo. O ideal muda constantemente, em geral tornando-se mais extremo, de modo que alguém que, acaso consiga um corpo ideal, logo ficará aquém do próximo. Até modelos têm dificuldades em corresponder às normas: já nos anos 1950 não era raro que algumas se submetessem a interversões cirúrgicas para se aproximar da norma, por exemplo extraindo

terceiros molares para obter faces sulcadas, ou costela para dar ao corpo a forma correta (SVENDSEN, 2010, p. 94).

De fato, é reconhecível que os sistemas de violência contra as formas corporais femininas perduram, entretanto se torna mais interessante tais refexões quando podemos vislumbrar que as irmãs Kardashians, principalmente a Kim Kardashian, nos apresenta uma nova maneira de conhecer e se reconhecer a partir dos seu corpo que está potencialmente abarcado por curvas visivelmente modeladas e por vestimentas que revelam ainda mais as suas nuances corporais. Em uma sociedade que sempre esteve acostumada com a concepção de beleza enquanto magreza, que faz o contraponto do corpo com “o sublime enquanto um efeito da arte” (Eco, 2004) enquanto ligação a um culto heroicizado, observar a imagem de Kim Kardashian gera um determinado impacto para quem está acostumado às regras de visibilidade do corpo feminino. É o que podemos visualizar nos comentários de modelos e artistas abaixo:

— Como pode? Eu, que sou modelo, visto 38. Aquele bundão ali deve ser 42 — comenta a top Bianca Klamt, que já foi modelo de prova de Vera Wang e Valentino. — As famosas têm atenção especial dos estilistas e, com certeza, eles ajustam para ela. Sem falar do marido, que a ajudou a criar essa imagem fashion. A modelo e apresentadora Talytha Pugliesi, manequim 36, vai um pouco mais longe:

— Por conta de seu quadril gigante, acho que ela usa 46.

A top Raica Oliveira tem outra teoria: — Acho que a roupa dela é toda sob medida. Pelo tamanho do quadril, nada caberia ali. (JUNIOR, Gilberto. Revista Ela, 2016).

Figura 1 – Kim Kardashian e marido Kanye West, rapper e produtor musical Fonte: Foto reprodução site Ela (O Globo) Disponível em: https://oglobo.globo.com/ela/beleza/ descobrimos-manequim-de-kim-kardashian-fashionistas-ficam-divididos-com-revelacao-16948185#ixzz5L5NRQDwl. Acesso em: 10. jun. 2018

Como se vê, as proporções dessas modulações corporais remetem a um choque nas composições da aparência compreendidas na esfera pública. Nesse âmbito do visível, em que as críticas e os modos de vigilância pela perspectiva “selfsta”2 são incessantes. Há tanto uma espetacularização das imagens, quanto um incômodo em perceber novas nuances corporais, como uma nova concepção de observar as formas de corpo e beleza. É nesse confito entre uma “composição da aparência” (CIDREIRA, 2013) e uma naturalização da imagem de Kim Kardashian que acontece a sua forte infuência, como já apresentamos aqui pelo termo digital infuencer. Ana

2 A self, ou melhor, a fotografia de si mesmo se tornou uma das atitudes mais emblemáticas do universo das redes sociais contemporâneas. Kim Kardashian é considerada a “Rainha das selfies”, inclusive lançou, em 2015, pela editora Rizzoli um livro de selfies que ficou entre os mais vendidos nos Estados Unidos e na Inglaterra. "Selfish" tem 352 páginas repletas de fotos da Kardashian.

Lúcia de Castro (2007, p. 14) auxilia para uma maior compreensão sobre esse fenômeno de uma visibilidade excessiva:

(...) a construção da aparência – envolvendo adornos, posturas e modos de vestir – passa a depender cada vez mais das formas e volume corporais e torna-se elemento central no projeto reflexivo do self. Daí, a crescente importância do fitness e do vestir para o desenvolvimento da auto narrativa do self, ou da re(definição) constante da identidade na condição contemporânea. Como sugere Giddens (1997), tanto o planejamento da vida como a adoção de opções de estilo de vida se tornam integrados com regimes corporais, ou seja, diante da complexidade e fragmentação contemporâneas, o corpo torna-se elemento central na busca de sentidos e referências mais estáveis, talvez por constituir-se em único domínio ainda controlável pelos indivíduos (CASTRO, 2007, p. 14).

Como se percebe, pelo menos no que diz respeito a essa cultura “selfsta” contemporânea, a relação do corpo enquanto refexo de uma aparência se torna ainda mais intensa devido ao número de aparatos tecnológicos e às falsas sensações de naturalidade e facilidade proporcionada por eles. As curvas das irmãs Kardashians e os seus modos de se vestir, que se caracterizam por vezes como “sexy”, exibicionista, e “avantajado”, conseguiram proporcionar uma determinada quebra nos padrões de beleza femininos, impactando e levando o público a criar um imaginário de reconhecimento daquele corpo enquanto uma visualidade de semelhança. É ainda dentro desse contexto das ferramentas digitais que as Kardashians propagam seu poder de infuência no mundo da moda e acabam promovendo novas refexões sobre o corpo feminino.

A dimensão da infuência da família Kardashian aparece, como já citado neste trabalho, enquanto uma dimensão de poder que associa aparência e corpo. Vivemos no auge de uma corrida pela excessiva visibilidade e quando essa concepção de aparência surge como um novo sistema de moda e beleza, consequentemente abre um espaço para novas refexões sobre esses sistemas. É como observa Cidreira (2013, p. 153):

É cada vez mais frequente a observação de certa exibição corporal pelos indivíduos no seu dia a dia, nas suas tarefas corriqueiras; e é aqui que o universo da moda se fortalece, juntamente com todas as esferas que auxiliam na composição da aparência, permitindo uma aparição espetacular (CIDREIRA, 2013, p. 153).

A aparência se tornou sinônimo de interação e representação de um corpo, aparecendo como um cartão de visita, mexendo com as mais variadas dimensões interpretativas. Diante desse contexto, compreendemos que o espetáculo está dentro das dimensões visuais das Kardashians. Mas o que não se pode negar é que, embora haja toda uma padronização dos comportamentos dessas atrizes sociais, elas conseguiram de alguma maneira mostrar uma nova percepção tanto em relação ao vestir, quanto em relação ao corpo feminino. Elas conseguem abrir um espaço onde “a existência é determinada pela aparência idealizada e construída para ocupar e/ou invadir o espaço da cidade com as transgressões das normas já instituídas” (CARVALHO, 2015, p. 98).

Figura 2 – Imagens das Kardashians. Foto que marcou os 10 anos do reality Keeping Up with the Kardashians. Fonte: https://vogue.globo.com/moda/gente/noticia/2017/08/10-anos-das-kardashian-revista-faz-ensaio-com-familia-mais-famosa-do-showbizz.html. Acesso em: 10. jun. 2018

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se propôs a realizar uma análise sobre os efeitos da excessiva vigilância e as formas de naturalização que acometem os reality shows. O estudo da relação entre visibilidade, corpo e beleza com foco nas fguras célebres emergentes no contemporâneo, as Kardashians, demandou um pensar aberto e disposto a refetir sobre essas reformulações da aparência propiciadas pelo controle da visibilidade. Não há como negar que as ferramentas de vigilância proporcionaram que a família Kardashian pudesse ditar novos sentidos comportamentais e arrastar uma legião de fãs que imitam, seguem, representam e, principalmente, distribuem likes3 de forma instantânea e imediata. Mas se torna também interessante perceber como são as incessantes formas de visualizar o âmbito da beleza.

Dentro das teorias confuentes dos autores que trazemos aqui, podemos perceber que mesmo com um caráter exibicionista e inseridas em uma era “selfsta”, as novas percepções sobre o corpo e a beleza trazidas pelas Kardashians nos levam a refexão de que as coisas se deslocam, o cenário se transforma e que podemos observar as formulações de corpo e beleza sobre outras visualidades. Talvez seja nesse limiar entre o reconhecimento de um corpo que essa naturalização dos reality shows penetre de maneira mais fácil na vida dos indivíduos. O “reconhecer-se” dentro daquele sistema ilusório de naturalidade pode ter muito haver com o sentimento que aquela aparência passada nas imagens desperta no público.

Por fm, foi perceptível, a partir dessa pesquisa, observar que a visibilidade da família Kardashian consegue gerar novas concepções a partir dessas relações entre aparência, beleza e laços familiares, produzindo um caminhar em torno de uma naturalidade que afeta seus públicos, reconfgura algumas percepções sociais e, principalmente, oferece novas ações de comportamento e mutações constantes na composição de aparências (CIDREIRA, 2013).

3 Palavra de origem inglesa que significa curtir, apreciar, gostar de algo a partir de um click nos perfis expostos nas redes sociais.

Nesse sentido, é importante esclarecer que o presente estudo não procurou fazer um juízo de valor, nem mostrar um viés positivista da vigilância excessiva. O que se procurou foi, de alguma maneira, apresentar esse sistema que mexe com o olhar do outro, que ressignifca as formas de agir em sociedade e de como essas mudanças vão se tornando por vezes sintonizadas ao mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, perceptíveis nas novas refexões sobre a beleza e o corpo feminino.

Referências

BUCCI, Eugenio. KEHL, Maria Rita. Videologia. São Paulo: Boitempo, 2004.

CARVALHO, Agda. Corpo/vestir: uma experiência. In: Moda, vestimenta, corpo. Beatriz Ferreira Pires, Glaucia Garcia e Suzana Avelar (Orgs). São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015.

CASTRO, Ana Lúcia de. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. São Paulo: Annablume, 2007.

CIDREIRA, Renata Pitombo. As formas da moda: comportamento, estilo e artisticidade. São Paulo: Annablume, 2013.

ECO, Umberto. História da beleza. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2004.

ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2008.

SVENSEN, Lars. Moda: uma filosofia. Tradução Maria Luiza X. De A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

Site JUNIOR, Gilberto. Descobrimos o manequim de Kim Kardashian – fashionistas ficam divididos com a revelação. Revista Ela [on-line], 2016. Disponível em: https://oglobo.globo.com/ela/beleza/descobrimos-manequim-de-kimkardashian-fashionistas-ficam-divididos-com-revelacao-16948185 Acesso em: 10 jun. 2018.

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