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O CORPO BELO NA PUBLICIDADE E NA MODA  - Fernanda Barbosa dos Santos

Fernanda Barbosa dos Santos

O CORPO BELO NA PUBLICIDADE E NA MODA

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Assimilando o conceito de Belo, presente na moda, em nossas relações pessoais e na comunicação, especialmente na propaganda, temos como objetivo visualizar a participação da mulher negra nas campanhas publicitárias1 ; bem como problematizar a noção do corpo belo feminino. Para isso adotaremos uma abordagem estética, preocupada com o Belo, tendo o campo da moda e da comunicação como ambientes para nossa investigação.

Tal perspectiva se deve principalmente porque a comunicação e a moda são, neste caso, os vínculos fundamentais do diálogo presente nas sociedades e servem de guia para as nossas primeiras impressões sobre a atuação da mulher negra na publicidade de moda. Assim, podemos observar o que tem sido considerado Belo, as características físicas e estereotipadas de modelos, que normalizam um padrão de beleza e comumente é reproduzida de forma preconceituosa e excludente pela mídia, a mulher negra.

1 Esse texto faz parte de uma pesquisa apresentada como resultado de trabalho de conclusão de curso. E como objeto de pesquisa analisamos os anúncios com alguma representatividade negra na revista de moda Glamour, no período de março a dezembro de 2017.

Apresentaremos, portanto, alguns exemplos de anúncios publicados na revista de moda Glamour na qual questionamos como tem sido representada a beleza negra nos anúncios veiculados nela, já que a revista é uma das mais populares no mercado editorial brasileiro de moda, de acordo com informações do Instituto Verifcador de Comunicação (IVC). Faremos considerações sobre a relevância do corpo para esse padrão instituído por intermédio da moda e da comunicação, protagonizado assim nos anúncios publicitários. E para isso utilizaremos como metodologia os referenciais teóricos que reiteram as questões sobre o tema com base em alguns autores como: Umberto Eco, História da beleza (2004), Renata Pitombo Cidreira, A moda numa perspectiva compreensiva (2014), Sueli Carneiro, Identidade feminina (1993) e Nízia Villaça, A edição do corpo: tecnociência, artes e moda (2007). Além de outros autores para fundamentar nosso questionamento dentro da comunicação e, especifcamente, nos anúncios impressos, que adota o corpo humano, ou partes dele, como personagem, geralmente protagonista, usufruindo dos benefícios trazidos pelo produto ou serviço anunciado.

Nesse sentido, uma das questões que guiam a presente análise é a seguinte: O corpo da mulher negra está no status de “corpo belo”? Buscamos compreender, dessa forma, o que esses anúncios revelam sobre as questões da moda, do Belo e do corpo da mulher negra na publicidade de moda.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CORPO E A MODA

O corpo é confgurado como símbolo da sociedade, nele é atribuído sentidos de caráter, valores e aspectos ligados à cultura e ao sistema de cada comunidade. É através dessa percepção de corpo que surgem as primeiras roupas para cobri-lo, sendo uma maneira de constituir a aparência e, mais tarde, as distinções sociais e de classes. Atrelado à vestimenta, cria-se uma identidade social, que interage e forja regras de relações entre os grupos.

É na transição do século XIX e XX que o corpo se torna objeto de preocupação na relação com a visualidade e aparência – temas

que nos interessam particularmente –, em função da revolução industrial, da modernidade e da sociedade de consumo, consequentemente, “assim como podemos considerar a beleza como um valor associado à civilização, o culto ao corpo é aspecto intimamente ligado à construção do moderno” (CASTRO, 2007, p. 22).

E a roupa – peça mais próxima do corpo –, revela uma série de aspectos relativos ao sujeito. Por isso, Villaça, reforça:

A aderência ao corpo mais evidente é certamente a roupa: embalagem que vela e desvela, simula e dissimula. Fisicamente autônoma, ela é, entretanto, intimamente ligada ao corpo do qual recebe odores e calor e ao qual oferece um estatuto. O tecido cortado ou drapeado torna-se imagem no momento em que é vestido (NIZIA VILLAÇA, 2007, p. 142).

Fomos historicamente vestidos desde o nosso nascimento, mostrando o valor da roupa, para cobrir e confgurar as pessoas. Nesse sentido, o corpo ganha, portanto, com a vestimenta, a adequação possível de transformação que caracteriza a persona, ou seja, ela é fundamental para o aspecto visual e comportamental dos seres, que vai além da aparência; mas que também é constituído por ela.

Não é por acaso que as revistas de moda vendem as roupas em manequins e não simplesmente desenhadas ou fotografadas. Na sua variedade, a roupa decide o que mostrar ou esconder e fixa, simbolicamente, certas partes anatômicas (VILLAÇA, 2007, p. 142).

Verifcamos essa perspectiva nas peças publicitárias onde o corpo é utilizado como cabide nos mais variados anúncios que, algumas vezes, aparece “protegido por uma camada” (VILLAÇA, 2007, p. 142) que intermedeia esse aparecimento. Podemos observar, por exemplo, a fgura 1: nessa confguração, o corpo serve de cabide para as joias anunciadas, a fm de evidenciá-las e fxá-las. Apenas partes do corpo são cobertas na tentativa de fxar os olhares nas joias, gerando o desejo de possuir. A roupa utilizada não tem muitos detalhes, justamente para prender esse olhar. A modelo

é a ativista, cantora e compositora Lady Gaga; conhecida por ser extravagante, que pode simbolizar uma mulher forte, ajudando a promover o produto.

Figura 1 – Lady Gaga em campanha para marca de joias. Fonte: Revista Glamour, nº 63, 2017.

Neste anúncio, o movimento do corpo, principalmente das mãos, juntamente com a roupa que cobre partes deste corpo, ressalta as joias utilizadas pela modelo. Um exemplo do uso constante do corpo pela publicidade e, principalmente, pela moda, com objetivo de demonstrar as possíveis transformações corporais com objetos, adereços e roupas, possibilidades estas, criadas por intermédio da moda e publicizadas pela propaganda de moda, levando ao desejo de consumo.

E esse corpo, protagonizado nos anúncios, segundo Novaes (2011), adquire, na contemporaneidade, um estatuto nunca antes

experimentado. Tornou-se também objeto do sujeito e de maior importância, principalmente, para a moda, como verifcamos no anúncio acima destacado. O corpo vestido ressignifca a aparência da modelo, em companhia com a roupa, o cabelo e a maquiagem que cobrem o corpo, evidenciando o produto anunciado sem negligenciar o corpo – principal suporte para o produto, para demonstrar seu uso e para chamar a atenção do leitor. Sem desprezar a edição de arte e fotografa.

Quando pensamos especifcamente na moda, reconhecemos que logo depois que as criações são produzidas estão nos manequins e à venda para os consumidores. Cria-se uma expectativa no desfle, mantém-se essa expectativa com os manequins nas vitrines das lojas e é dada uma continuidade com os anúncios publicitários, despertando o desejo no consumidor para adquirir o produto.

Essa infuência exercida pela moda e pelo regimento sedutor da comunicação declara a forma de se vestir e de aparecer, expressa na dinâmica do comportamento das pessoas, e lança pistas sobre a nossa identidade, considerando as roupas importantes para defnir essa imagem. É, portanto, uma representação simbólica, histórica e cultural, constatando esse processo de consumo, como efêmero.

E mesmo tendo como função vestir, proteger e cobrir o corpo, limitando ou ampliando nossas possibilidades de movimento, a moda também atua gerenciando aspectos sociais e culturais.

Com seu efeito transitório, a moda eleva o grau de consumo, permitindo experimentar novas tendências referentes à aparência que envolve, principalmente, o corpo e sua forma. As curvas e cinturas tão desejadas pelas mulheres da década de 1950, por exemplo, ou as cirurgias modeladoras do século XXI são ações que acionam o comportamento e os modos de aparência com uma promessa da forma ideal.

Desse modo, a moda é “inegavelmente um fenômeno cultural”, como afrma Ruth Jofly (1991), um estímulo para a sociedade, considerando o modo de aparência e os costumes de cada cultura, de cada população e de cada época; são acordos feitos e

admitidos pelas sociedades, mesmo que de forma inconsciente, em alguns casos.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O BELO

O Belo, para a estética, está associado a um processo de criação, fruição e expectativa. O Belo é muitas vezes identifcado ou confundido com a própria criação, mas também está relacionado a uma sensação de prazer a partir da presença ou percepção de um objeto. Para tentar esclarecer alguns aspectos sobre o Belo, acionaremos, portanto, Umberto Eco, (2004), que diz:

Na concepção neoclássica, como de resto em outras épocas, a Beleza é vista como uma qualidade do objeto que percebemos como belo e por isso recorre-se as definições clássicas, como “unidade na variedade” ou “proporção” e “harmonia” (ECO, 2004, p. 275).

As defnições da qualidade do objeto que percebemos como Belo, a harmonia e a proporção são características do Belo, mas como destaca Eco (2004), não se pode negar que existe uma linha de gosto e graça que reside no objeto e independe do seu criador.

Segundo Umberto Eco (2004), no século XVIII, começaram a impor alguns termos como “gênio”, “gosto”, “imaginação” e “sentimento”, que deixam entender que estava se formando uma nova concepção do Belo. As ideias de “gênio” e “imaginação” remetem a quem inventou ou produziu algo Belo, ou aquela capacidade de produzir com criatividade. E o “gosto” seria a capacidade do expectador, uma sensação pessoal, característica de quem aprecia o objeto.

Eco ressalta que o mais importante é perceber que o que interessa não são as características do objeto em si, mas o sentimento que um objeto é capaz de provocar: diz respeito às qualidades, às capacidades ou às disposições do sujeito: “Seja aquele que produz, seja aquele que julga o Belo”. E ainda no século XVIII, se iniciam as defnições da experiência do Belo de acordo com as capacidades

estéticas do sujeito, ou seja, Belo é algo que como tal se mostra para nós (ECO, 2004, p. 275).

E da mesma forma que Eco contextualiza a ideia do Belo no século XVIII, sendo resultado do modo como aprendemos e como analisamos o gosto, isso se refere como percebemos o efeito que ele produz e como se mostra para nós, estando ligado aos sentidos e ao reconhecimento de um prazer.

Umberto Eco (2004) salienta as considerações que o flósofo Immanuel Kant fez na Crítica da faculdade de juízo. Para Kant, as características do Belo são: prazer sem interesse, fnalidade sem escopo, universalidade sem conceito e regularidade sem lei. A beleza, portanto, não é suscetível a uma defnição, sua intenção é frmar parâmetros para o julgamento estético não sustentado em conceitos, mas em regras implícitas que poderiam eventualmente ser assumidas por todos.

Embora a noção de Belo seja comumente defnida como aquilo que é ordenado, sincronizado, agradável, e por despertar o sentimento de admiração, as motivações, a reciprocidade e a forma como é exposto o objeto são fundamentais para construção do que é Belo ou do que pode ser considerado como Belo. Como destaca Cidreira:

De todo modo, sabe-se que a beleza é comumente associada à simetria, à proporção, justamente porque esses elementos supostamente geram uma sensação agradável. A grande questão em torno da simetria é que ela tanto pode ser agradável e proporcionar uma sensação de prazer quando se dá o ato perceptivo, quando pode ser monótona, ao eliminar a variedade. Ainda assim, afirmar que a sensação de prazer se dá na justa relação entre as coisas não significa estabelecer qual seria a medida desta justa relação (CIDREIRA, 2014, p. 96).

Assim, observamos que o Belo, nas concepções mais contemporâneas, não pode ser compreendido, apenas como algo organizado, harmonioso, simétrico e regular. Isso vem perpassando a arte, a moda e a comunicação, instâncias fundamentais para construção

da consciência social, de compreensão de grupos e da própria noção de identidade.

O que é considerado como Belo pode ser uma característica presente em determinado período da história, revelando um padrão estabelecido pelo senso comum, mas a nossa capacidade de compreensão e imaginação se constitui ao longo das épocas.

O CORPO “BELO”

Motivado por um desejo de modelar o corpo, a moral e a ideologia da alma se submetem ao corpo, que se submete a roupa, a fm de alcançar um ideal estético que agrade a sociedade, tornando-se uma cena do cotidiano. É cada vez mais comum ver pessoas vestidas com roupas super apertadas, assim como faziam as mulheres que usavam espartilhos para moldar o corpo, com objetivo de “reescreve o corpo, dando forma e expressão diferentes”, pois a roupa é seu principal aliado nessa nova regra, da remodelação e rearranjo corporal e gestual.

E sendo o corpo, o lócus principal de construção identitária, que aos poucos foi ganhando ênfase, por causa das motivações formadas pela interação na sociedade, buscando sempre um corpo ideal, na tentativa de monopolizar essa confguração de identidade e essa sociedade. As imagens femininas, por exemplo, foram exploradas ainda mais nas propagandas, com as transformações, o movimento modernista e a industrialização, estimulando o consumo de produtos.

A partir das observações dos autores sobre o Belo, tentaremos identifcar o que tem sido estabelecido como corpo Belo, atentando não só “às regras de Beleza, pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da observação daquilo que agrada e desagrada, quando apresentados” (ECO, 2004, p. 276), mas também a construção da recepção, presente, principalmente, nas mídias de comunicação e veiculação, demandando a aceitação desses corpos na contemporaneidade.

Apesar disso, gozar da beleza não signifca possuí-la, é um sentimento que todos nós podemos ter. Ao estabelecer um juízo de gosto ou de valor, estamos dizendo que tal corpo é Belo e outro não. O corpo também pode ser visto Belo independente do padrão estético estabelecido.

Nesse sentido, uma flor é um exemplo típico de coisa bela, e justamente nesse sentido entende-se também porque faz parte da Beleza a universalidade sem conceito: porque não é juízo estético aquele que afirma que todas as flores são belas, mas aquele que diz que tal flor particular é bela, e porque a necessidade que nos leva a dizer que esta flor é bela não depende de um raciocínio estético baseado em princípios, mas de nosso sentimento. Temos então, nessa experiência, um “livre jogo” entre a imaginação e o intelecto (ECO, 2004, p. 296).

Compreendemos então que os sentidos são ativados no estado de contemplação do objeto, acionando o sentimento para perceber o Belo como uma sensação de prazer. A partir das observações de Eco e Kant sobre o Belo, podemos considerar também que para o corpo ser Belo não se institui um conceito, contudo trata-se do que diz respeito à aparência, ao contexto social, e aos padrões estabelecidos, que interferem nas percepções.

As confgurações que nos fazem reconhecer alguma coisa como Belo são infuenciadas também pela moda, pois, como já citamos, ele se refere à aparência. A arte também tem sua parcela de contribuição em suas manifestações artísticas, os estilistas e criadores das roupas bebem dessa fonte, do que é comunicado como Belo pela arte. Se inspirando e trazendo para o corpo e para aparência uma nova dimensão de volume, cor, corte e modelagem, ou seja, um novo traje, que pode desenvolver nosso mundo pessoal.

Considerando cada período da história, a moda e a arte produzem possibilidades perceptivas e visuais, seguindo em um ciclo de orientação coletiva, tanto para os criadores inspirados pela arte, como para as pessoas que são estimuladas por ambas,

cooperando nas produções de moda, podendo até voltar ao passado, mas com um objetivo em comum: defnir o que é Belo naquele momento.

A moda e a comunicação são “ferramentas visuais e funcionais, que nos reenviam a imagens do nosso tempo” (CIDREIRA, 2005, p. 82), numa expressão que orientam os indivíduos, mesmo que de maneira imperceptível, ao Belo. A moda é compreendida como refexo da arte, mas ela própria também é dinâmica de artisticidade e de afrmação do corpo Belo, que direciona o gosto pessoal com suas multiplicidades e efemeridade. Podemos considerar ainda que mesmo quando não é assimilada como Belo, a fgura representada através da moda sempre transmite algo, estabelecendo uma experiência visual e quem sabe estética, referindo-se às criações artísticas da arte e da moda.

E ao longo dos séculos, um padrão de beleza é gerado pela indústria cultural, concebida como uma única forma de ser, e que hoje está sempre mudando. Mas no que diz respeito à publicidade, ela ainda é excludente: por exemplo, a beleza que se vê são de mulheres magras, brancas e de cabelos lisos. Pois como afrma Carneiro (1993): “As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como as antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca” (CARNEIRO, 1993, p. 191). Tivemos nossa identidade construída a partir de elementos históricos, culturais e religiosos, onde fazemos parte de um grupo de mulheres idealizadas como objetos, antes pertencentes às sinhazinhas e senhores de engenhos, hoje as empregadas domésticas ou mulatas para exportação. Projetadas como produto de consumo, mas não como detentora de uma beleza, presente apenas para apontar sua existência. Tomamos como exemplo o anúncio veiculado em julho de 2017.

Figura 2 – Anúncio mostra mulher negra como coadjuvante entre modelos brancas. Fonte: Revista Glamour, nº 63, 2017.

Neste anúncio publicado na edição da revista do mês de Junho, observa-se o exemplo da modelo negra contracenando com outras modelos brancas. Ela está em cena, mas não assume o papel principal; a posição corporal e sua expressão gestual revelam sua posição de coadjuvante e direcionam o olhar para as outras modelos em evidência. A mulher negra aparece integrando o anúncio assinado pela Levis, marca de Jeans.

O corpo da mulher negra não está no status de “corpo Belo”, o problema da beleza negra está na construção da identidade social dessa mulher, que está fora dessa categoria de beleza; está associado às construções concebidas sobre essa mulher. Em primeiro lugar, o ser negro era relacionado a pessoas pobres, que trabalhavam exaustivamente sob o sol e que exerciam a força bruta, ou seja, contraria-

mente aos princípios de ideal do Belo: claro, ordenado e prazeroso; gerando uma subalternidade das pessoas negras, e se opondo ao reconhecimento de outros padrões existentes, tendo como modelo de beleza a mulher branca, tipicamente europeia: nariz e lábios fnos, magra e de cabelos lisos.

Conforme apresenta Schaun (2008), na propaganda, o corpo é utilizado como personagem, idealizado e manifestado como objeto de desejo e paixão, um corpo esteticamente perfeito dentro dos padrões de beleza da época, compondo juntamente com o texto o anúncio, que emerge para uma sociedade machista e de consumo, ou seja, a beleza da mulher negra, não é evidenciada como tal.

De acordo com Ana Lúcia de Castro, em seu livro Culto ao corpo (2007), das cirurgias realizadas no Brasil, 80% tem fnalidade estética, enquanto apenas 20% são reparadoras, isto é, têm uma relação direta com a saúde. Há, portanto, um rompimento nas fronteiras de limites do corpo com o crescimento do mercado de beleza e a preocupação de estar dentro desse “padrão” estabelecido pela moda; as mulheres são as mais preocupadas com a aparência e o corpo. E isso se dá nos processos das relações sociais entre os agenciadores e instituições, indivíduo-sociedade, provocando uma obsessão pela aparência, centralizando o corpo nessa cultura contemporânea.

E de acordo com Ana Lúcia de Castro, “a mídia [...] explora este traço cultural, mediando a relação indivíduo-sociedade, sinalizando tendências, impondo e reciclando demandas dos mais diversos segmentos de leitores-expectadores” (CASTRO, 2007, p. 44). Para provocar o desejo do expectador, a publicidade impulsiona essa relação através da mídia. Ela utiliza dessa predisposição da sociedade – o comportamento – para conquistar os olhares dos expectadores, para criar imaginários e sonhos, na tarefa de “seduzir consumidores e vender bens simbólicos ou materiais”.

Sendo assim, não podemos dissociar o corpo da moda, principalmente vestido, e da publicidade. Pois são associações que caracterizam um conjunto de atitudes, gostos, comportamentos e de visualidade, ou seja, estão ligados e compõem a identidade das pessoas, dos grupos e das sociedades.

A partir de uma estratégia de comunicação, cria-se uma narrativa que informa as particularidades dos produtos ou serviços, mas também se incentiva o consumo, que nem sempre é um produto, mas, pode ser um de estilo de vida, uma ideia, uma sensação e, com isso, gera o sonho de uma recompensa. É aqui que o corpo entra em cena para compor essa idealização. “A imagem serve de polo de agregação às diversas tribos que formigam nas megalópoles contemporâneas” (VILLAÇA, 2007, p. 138).

Nos anúncios referentes à moda, é inegável o uso do corpo, pois se destacam nos sentidos. Primeiro cria-se uma espécie de referência, segundo de beleza e terceiro de padrão, e modifcando a regra e o papel dos objetos, de agregar valor social e econômico, revolucionando com a apresentação do corpo.

Assim, o esforço por um corpo midiático e Belo associou-se ao cotidiano das pessoas, e para satisfazer a esse padrão, elas fazem regimes alimentares na tentativa de modifcar o corpo, ou recorrem às cirurgias modeladoras e plásticas para “colocar no lugar” o que não está ou está fora do padrão, além disso, há também massagens modeladoras que unidas a práticas de esportes e alimentação adequada, prometem redução das medidas. Ou seja, há uma grande expectativa por esta adaptação do corpo como se todos fossem únicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, o corpo tem ganhado cada vez mais espaço na sociedade e nas discussões referentes ao regimento da subjetividade e identidade, desse ser expansivo. É sobre a presença deste corpo, utilizado pelas marcas que estamos refetindo.

O organismo biológico corporal se tornou objeto de mercado e suas delimitações múltiplas e plásticas são cada vez mais modifcadas. As tecnologias que moldam o corpo em função de um corpo ideal, que é vislumbrado pelas agenciadoras do consumo, as grandes marcas que exploram o uso do corpo como se fosse uma mola propulsora da sociedade, interferem no sentido de viver das pessoas,

consequentemente, nas suas decisões corporais, criando um sonho de corpo perfeito.

O anúncio publicitário vem, portanto, sendo um intermediador da cena de consumo, utilizando o corpo como protagonista, gozando dos benefícios do serviço e/ou produto anunciado nessa narrativa. Neste sentido, o corpo supera os limites do próprio organismo, modifcando-se e transformando-se em prol do culto ao corpo, do corpo ideal, servindo como um meio de comunicação e interação para as marcas e produtos, que de maneira geral, procuram ressaltar os valores sociais e gerais que ela projeta para o consumidor e a personalidade que a marca atribui ao usuário.

Desse modo, nossa maior inquietação é pela representatividade da mulher negra em anúncio publicitário. Vimos que sua beleza é inquestionável e que, não cabe a nós julgá-la como feia ou bela. O que queremos compreender é se ela está sendo projetada nesta perspectiva de status que o corpo tem atingido na contemporaneidade.

As estratégias comunicacionais e de publicidade têm impulsionado um ideal de corpo feminino. Mas é preciso fugir de um padrão, de uma unidade. Ou da aparência, da cor e do cabelo. A pluralidade dos anúncios depende dessas imagens, dessas pessoas que são tão numerosas em nosso país e, no entanto, pouco representadas nas mídias. Trata-se de uma questão de conscientização do corpo da mulher negra como imagem de representação, fundamentando valores e identidade social.

E, ciente das modifcações corporais e do que antes era considerado como Belo e hoje não é mais, dentro dos padrões de exteriorização e aparência, pudemos constatar que a identidade é uma construção social, corespondente de uma defnição social. Sendo assim, reconhecemos que o corpo da mulher negra foi marcado como propriedade, como objeto de gozo e como geradora de mão de obra escrava para os escravocratas, forjando assim, uma incongruência sobre a mulher negra como objeto sexual, e não como uma mulher para idealizar como bela.

A partir da compreensão do Belo pela perspectiva da estética para identifcar qual corpo tem sido defnido como Belo, levando

em consideração os padrões de beleza utilizados ao longo dos séculos e da análise e classifcação dos anúncios como ferramenta de identifcação do corpo feminino negro na revista Glamour, podemos evidenciar – pelos dados da pesquisa – que o corpo utilizado como padrão de beleza ainda é o de modelos brancas, magras e de olhos claros. Revelando assim, o poder que a cultura e a moda têm em estabelecer e reverberar distinções étnicas e sociais, demonstrando até hoje como essas interações e desigualdades são marcadas, principalmente, com as mulheres negras.

A mulher negra aparece em muitos anúncios analisados apenas como presença, e não como representatividade. Os aspectos da beleza negra genuína são muito raros nos anúncios estudados, ou seja, o corpo da mulher negra não está no status de “corpo Belo”, e pode até aparecer, mas a representação dada não é de associação com a beleza.

Referências

CARNEIRO, Sueli. Identidade feminina. In: Cadernos Geledés IV. São Paulo: Geledés – Instituto da Mulher Negra, 1993. Disponível em: https://www. geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/05/Mulher-Negra.pdf Acesso em: 06 set. 2017.

CASTRO, Ana Lúcia de. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2 ed. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2007.

CIDREIRA, Renata Pitombo. A moda numa perspectiva compreensiva. Cruz das Almas: UFRB, 2014.

CIDREIRA, Renata Pitombo. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura. São Paulo: Annablume, 2005.

ECO, Umberto. História da beleza. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2004.

JOFFILY, Ruth. O jornalismo e a produção de moda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

NOVAES, Joana de Vilhena. Beleza e feiura. Corpo feminino e regulação social. In: História do corpo no Brasil. Mary Del Priore, Marcia Amantino (Orgs.) São Paulo: Editora Unesp, 2011.

SCHAUN, Angela, SCHWARTZ, Rosana. O corpo feminino na publicidade: aspectos históricos e atuais. Jornal da ALCAR – Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia, nº 3, 2012. Disponível em: http:// www.ufrgs.br/alcar/jornal-da-alcar-no-3-agosto-de-2012/O%20corpo%20 feminino%20na%20publicidade.pdf. Acesso em: 06 set. 2017.

VILLAÇA, Nízia. A edição do corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri: Estação da Letras Editora, 2007.

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