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CORPOS MAGROS, CORPOS BELOS: IDEAL DE BELEZA E MÍDIA - Naiara Moura Pinto

Naiara Moura Pinto

CORPOS MAGROS, CORPOS BELOS: IDEAL DE BELEZA E MÍDIA

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Concebemos o corpo enquanto sede da signifcação e dos processos simbólicos (MERLEAU-PONTY, 1999), através do qual apreendemos objetos e sensações e somos colocados como ser-no-mundo em relação com o outro, atuando com gestualidades e comportamentos diversifcados. Justamente por se tratar da sede da experiência, a forma de aparição do corpo é uma forma de deixar-se ver, uma doação de um mundo sensível ao sujeito da experiência (CIDREIRA, 2013).

A autora (2013) pontua que, para compreender a existência, a aparência é abordada nas variadas formas de apresentação do corpo, especialmente nas suas relações com os modos de vestir, uma vez que a expressão dos modos de aparecer, seja através da vestimenta ou modelação corporal, estabelece um dos primeiros vínculos entre os homens aculturados.

A questão das aparências para Maisonneuve e Brucho-Scheweitzer (1999) envolve sobretudo o agradar ao outro enquanto agrada a si mesmo:

o olhar do outro e os signos de atração que ele nos mostra ou nos recusa, vêm, assim, confirmam ou não, a

experiência do nosso espelho, fortificando ou mortificando a nossa imagem do corpo, lugar bastante sensível da nossa identidade (MAISONNEUVE; BRUCHO-SCHEWEITZER, 1999, p. 27, tradução nossa).

O corpo, além de estar ligado à natureza (funções e necessidades comuns à sua espécie), entra em interação com os semelhantes, vivenciando uma experiência de imagens, afetos, códigos e rituais (MAISONNEUVE; BRUCHO-SCHEWEITZER, 1999).

Neste sentido, a discussão neste trabalho centra-se nas signifcações atribuídas aos corpos a partir de convenções sociais que modifcaram a relação dos indivíduos com os próprios corpos. Gradativamente, o corpo vem assumindo posição central no tocante à confguração da identidade, existindo enquanto algo plástico que pode mudar constantemente para se adequar às novas normas à medida que elas emergem (percebemos a capacidade de modifcar para agradar) (SVENDSEN, 2010).

Serão observados elementos pertinentes na mídia voltada à corporeidade, englobando saúde, beleza e bem-estar, especifcamente na revista Boa Forma. A revista se declara ser uma fonte de informação confável relativa à mudança de vida, dedicando-se às dietas, nutrição, ftness e beleza. Para este ensaio, foram averiguadas seis capas da revista publicadas, desde janeiro até junho de 2018, nas quais elementos textuais e imagéticos são levados em consideração.

CORPOS MAGROS: COMPORTAMENTO E DISCURSO MIDIÁTICO

Diversos autores datam uma intensifcação do culto ao corpo a partir do século XX, e há elementos variados que corroboram para estas perspectivas. O desnudamento do corpo através da fexibilização da roupa fez com que a aparência física dependesse mais do corpo e o cuidado com este tornou-se uma necessidade. “As saias se encurtam, as meias valorizam as pernas e os tecidos vão sendo substituídos por mais macios que salientam as curvas do corpo” (PROST, 1992, apud CASTRO, 2007, p. 27).

Del Priore (2000) observa as modifcações na família – famílias menores, urbanas com mulheres ocupando o mercado de trabalho – bem como um aumento da longevidade enquanto elementos cruciais da sociedade que valoriza a juventude e o progresso. Assim, o corpo da mulher se despiu das vestimentas e se cobriu de cremes, vitaminas, colágenos e procedimentos cirúrgicos, a fm de enfrentar o envelhecimento e a possibilidade de ganho de peso. A autora (2000) defende que a tríade que confgura a identidade do corpo feminino estaria composta de beleza, saúde e juventude.

A obesidade começa a tornar-se um critério determinante de feiura, representando o universo do vulgar, em oposição ao elegante, fino e raro. Curiosamente, esbeltez e juventude se sobrepõem. Velhice e gordura, idem (DEL PRIORE, 2000, p. 75).

Não surpreendentemente a magreza é o componente que convoca esses três elementos, sendo intensifcado pela busca pelo bem-estar que vem acompanhado de uma harmonia. Para Lipovetsky (2016), este culto ao bem-estar é uma das manifestações da cultura hedonista, que se apoia na valorização do corpo e dos seus prazeres na qual o neonarcisismo está “obcecado tanto pela imagem padrão do corpo quanto pelo desejo de encontrar prazeres oferecidos pela sensação de leveza física e interior” (LIPOVETSKY, 2016, p. 85).

Esta obsessão pela magreza (que seria uma leveza subjetiva) é descrita por Lipovetsky (2016) como parte da busca por tornar a vida mais leve, sob a qual prevalecem produtos e cozinha “mais leves”, fobia do sobrepeso e dietas visando emagrecimento. Del Priore (2000) sustenta justamente o caráter libertário da magreza, com a qual as mulheres teriam mais mobilidade, teriam corpos mais ágeis e rápidos.

Até a Idade Média, a magreza causava horror por evocar elementos como fome, pobreza e melancolia, sendo considerada a mulher bela a “gorda e carnuda” (LIPOVETSKY, 2016). A mudança para os perfs esbeltos é indicada a partir do século XIII, chegando ao momento em que “a espessura e o volume começam

a perder seu prestígio, o medo de engordar se afrma ainda mais” (LIPOVETSKY, 2016, p. 89). A magreza que era marca de pobreza hoje é um ideal estético, apoiado em argumentos médicos associado a uma mudança de comportamento – o excesso de peso é apresentado como perigoso e as imagens midiáticas corroboram na necessidade de um corpo magro (LIPOVETSKY, 2016).

O papel da mídia (jornais, revistas, cinema, publicidade, redes sociais digitais) nesta propagação de um ideal corporal é um papel prescritivo e disciplinador, tratado com Del Priore (2000) como um algoz. Provoca-se uma tirania da perfeição física do ideal corporal, que é inalcançável até mesmo para os profssionais, modelos, mesmo sendo os que mais se aproximam da norma, tem ainda seus corpos alterados por edição computadorizada de imagens (SVENDSEN, 2010). “Com as modelos esqueléticas ou anoréxicas, a leveza obedece a uma lógica hiperbólica e publicitária, típica da hipermodernidade” (LIPOVETSKY, 2016, p. 92).

Castro (2007) destaca o papel da imprensa escrita para a divulgação de informações relativas ao corpo, apoiadas em especialistas, a fm de dar dicas relativas a cuidados com o corpo no campo da sexualidade, moda, dieta, beleza e atividade física. O papel do veículo de comunicação seria o de fltrar e “traduzir” o conhecimento científco para o universo e linguagem das leitoras.

A fotografa de moda, por exemplo, busca progressivamente apresentar uma imagem na qual o corpo da modelo é portador de valores simbólicos (SVENDSEN, 2010). Nos últimos anos, algumas celebridades se expressaram publicamente insatisfeitas em relação a edição de imagens em revistas voltadas para o público feminino, a exemplo de Lupita Nyong’o que criticou a revista britânica Grazia UK por ter alterado os seus cabelos crespos em novembro de 20171 , ou da cantora brasileira Manu Gavassi que demonstrou descontentamento com a alteração das suas formas corporais na revista

1 http://activa.sapo.pt/celebridades/2018-02-28-Famosas-contra-o--ab-uso-dePhotoshop. Acesso em: 28 maio 2018.

VIP em 20162, em ambos os casos, a insatisfação não foi sufciente para tirar as impressões das bancas.

O não reconhecimento de si ocorrendo por parte das próprias celebridades que são fotografadas endossa a ideia de um corpo inalcançável mesmo para os sujeitos em evidência; o que Svendsen (2010) chama de uma fcção, mesmo que sejamos cientes da edição computadorizada, esta fcção não perde sua função normativa para leitoras e consumidoras daqueles produtos midiáticos.

A formação de uma mídia específca voltada para o corpo segue um processo semelhante, narrado por Castro (2007). No Brasil, as duas publicações voltadas a corporeidade de maior destaque são a Corpo a Corpo (Editora Escala) e Boa Forma (Editora Abril). Castro (2007) observa que, no processo de transformação de guia para um revista, houve uma modifcação sobretudo na abordagem do corpo, em que se enfatiza a busca pela qualidade de vida. Dentre os aspectos detectados pela análise, Castro (2007) constata que a revista se tornou um dos artifícios “de autoajuda disponíveis aos indivíduos nas sociedades atuais, colaborando para a refexividade, fundamental para a construção do projeto self, ou para a elaboração das identidades na contemporaneidade” (CASTRO, 2007, p. 53). A autora acrescenta ainda que ao observar a trajetória das revistas é possível perceber como o culto ao corpo se posiciona e se dissemina na sociedade.

Para este trabalho, centramo-nos na análise da revista Boa Forma por se tratar da publicação com maior tiragem do segmento, segundo o Instituto Verifcador de Comunicação (IVC) 3 , com uma circulação de mais de 78 mil exemplares, além dos 1,3 milhão de seguidores na rede social Facebook4, 622 mil seguidores

2 https://emais.estadao.com.br/noticias/gente, manu-gavassi-critica-propria-capa-da-vipe-reclama-de-edicoes-exageradas, 100000371200. Acesso em: 28 maio 2018. 3 Fonte: http://publiabril.abril.com.br/marcas/boa-forma/plataformas/revista-impressa. Acesso em: 30 maio 2018.

4 Fonte: https://www.facebook.com/revistaboaforma/ Acesso em: 30 maio 2018.

no Instagram5, 90.800 seguidores no Twitter6 e, conforme o próprio site da revista, uma visitação de quase 2 milhões de usuários7 . Castro (2007) aponta que Boa Forma tematiza a estética, utilizando a linguagem da musculação, do universo ftness, dialogando com a possibilidade de um corpo condicionado fsicamente e bonito; capitalizando uma tendência de comportamento que vai além das dimensões de estética e saúde (CASTRO, 2007).

REVISTA BOA FORMA: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

No mercado desde 1984, a revista Boa Forma já passou por alguns reposicionamentos, quando deixou de ser uma espécie de guia para esportistas profssionais e tornou-se uma revista voltada para um público não especialista, universitário e feminino em meados de 1992 e 1993, segundo Castro (2007). Atualmente, a própria revista descreve-se como fonte de informação para a mulher que busca mudança de estilo de vida, tal concepção já discutida por Featherstone (1995), enquanto aspectos de uma individualização, auto expressão e consciência de si estilizada, no qual o estilo é um projeto de vida, manifestado através da individualidade e na especifcidade do conjunto – roupas, práticas, experiências, aparências e disposições corporais.

Especializada em dieta, nutrição, fitness e beleza, a marca desafia e motiva a leitora a transformar seus hábitos e seu corpo. Ao estabelecer metas atingíveis e inspiradas em histórias reais, BOA FORMA estimula a autoconfiança dela para dar o impulso inicial e, depois, seguir firme em todos os seus novos objetivos.8

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6 Fonte: https://www.instagram.com/boaforma/ Acesso em: 30 maio 2018. Fonte: https://twitter.com/revistaboaforma Acesso em: 30 maio 2018.

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http://publiabril.abril.com.br/marcas/boa-forma/plataformas/site. Acesso em: 30 maio 2018. 8 Fonte: http://publiabril.abril.com.br/marcas/boa-forma/plataformas/revista-impressa. Acesso em: 30 maio 2018.

Percebemos, apenas nesta breve descrição, aspectos elencados por Castro (2007) – são argumentos estéticos e técnicos (utilizando-se de médicos ou profssionais de educação física, por exemplo) para o convencimento de tornar-se bela e atraente, mantendo uma vida saudável e, sobretudo, procurando sentir-se bem.

De forma multimidiática, a revista situa-se na versão impressa mensal, em um site atrelado a rede MdeMulher (portal do grupo Abril), nas redes sociais Facebook, Instagram e Twitter e com um aplicativo Atitude Boa Forma (disponível para smartphones com sistemas Android ou iOS).

Nas páginas do Facebook e Twitter, o engajamento ocorre através da replicação das matérias do site, compartilhando o link originário do site da revista. No perfl @boaforma no Instagram9, as capas mensais são divulgadas, bem como são repostadas fotografas e vídeos de celebridades em momentos de treino ou relaxamento, bem como pessoas anônimas que utilizam a tag10 #atitudeboaforma em suas postagens. Verifcamos ainda postagens de imagens com mensagens motivacionais (alguns temas foram objetivos da semana, sonhos, persistência) ou interativas (perguntas sobre os exercícios favoritos ou imperativos interpelando os comentários na publicação). Há a possibilidade de fotografas e relatos que utilizam a tag serem publicados nas páginas da revista impressa.

A apropriação dessas redes (RECUERO, 2009) por um veículo de imprensa (e não um indivíduo) contribui para o processo de seleção e difusão dessas informações especializadas, processo que pode ser de confito, competição e cooperação – sendo o último o que verdadeiramente aparece, através da colaboração dos

9 Nesta rede social, há uma presença relevante de pessoas públicas que fazem publicações voltadas à corporeidade e ao universo de saúde, bem-estar e beleza; tais personalidades, conhecidas como blogueiras fitness são objeto de análise da pesquisa de mestrado em andamento. 10 As tags servem como marcação para associar uma publicação a um tema ou discussão, servindo como link de busca. Quando o usuário clica na tag é direcionado a todas as postagens relacionadas ao tema.

leitores que utilizam a tag proposta pela própria revista nas suas publicações pessoais.

O aplicativo Atitude Boa Forma promete auxiliar na busca de uma vida saudável, oferecendo direcionamentos personalizados para as atividades físicas, dietas e peso ideal. Existe a possibilidade de se tornar um usuário com mais benefícios caso se torne assinante do serviço.

O site da revista publica matérias classifcadas nas sessões: dieta, ftness, beleza, nutrição, culinária saudável, saúde, moda, celebridades e estilo de vida; e dispõe de uma área de vendas para produtos divulgados e recomendados na revista e no site e uma outra área para o serviço de assinatura de produtos do gênero alimentício, como pães, doces e snacks. A presença destas duas ferramentas de compra no site da revista atestam elementos da cultura de consumo (FEATHERSTONE, 1995), onde não há apenas o consumo de valores de uso ou utilidades materiais, mas um consumo de signos. “A publicidade da cultura de consumo sugere que cada um de nós tem a oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a si próprio, seja qual for a idade ou a origem de classe” (FEATHERSTONE, 1995, p. 123).

Algumas das matérias do site fazem parte da publicação impressa, sendo adaptadas conforme o veículo. Mesmo com a variedade de sessões citadas acima, na capa da revista impressa ganham relevância apenas três destas: ftness (treinos), dietas e estilo de vida.

Examinando as seis capas da revista publicadas em 2018 (de janeiro a junho), verifcamos aspectos comuns aos corpos apresentados e elementos textuais. Das seis mulheres que foram fotografadas, apenas uma havia sido modelo profssional anteriormente (Ana Hickman); as outras eram atrizes (Erika Januza, Taís Araújo, Bianca Bin), a cantora Claudia Leitte e a jornalista Fátima Bernardes. Tais personalidades representariam bem os Olimpianos descritos por Edgar Morin (1997), que articulam o imaginário e o real para os leitores – são pessoas públicas, articuladas à grande mídia, cujo aspecto “humano” é revelado na matéria da revista.

Com este propósito, a revista aciona a capacidade de identifcação, tratando-as como modelos de conduta.

Figura 1 – Capa de Janeiro a Junho de 2018 da revista Boa Forma Fonte: https://boaforma.abril.com.br/ Acesso em: 30 maio 2018.

As vestimentas deixam barriga, braços ou nádegas expostas, sendo trajes de banho (biquíni ou maiô) ou trajes esportivos (shorts ou calças), vemos assim uma identidade procurada no corpo e as roupas são efetivamente uma continuação imediata deles, uma vez que reescrevem o corpo, dando-lhe forma e expressão diferenciados (interferindo assim na sua plasticidade) (SVENDSEN, 2010). O cenário das fotografas predominante é o ambiente de praia (apenas uma das capas tem uma pista de corrida como cenário), no qual é mais comum os corpos estarem descobertos, deixando suas formas em evidência.

Não há dobras nas barrigas, nem marcas de estrias ou celulites em nenhuma destas, o que reforça o ideal estético da magreza, apoiado no argumento médico, em que o excesso de peso é considerado perigoso e incompatível com a beleza feminina, e na mudança comportamental e cultural, oriunda desta nova leveza afetada diretamente pela moda, o cinema, novas práticas de lazer relacionadas aos esportes e à praia (LIPOVETSKY, 2016).

É possível categorizar as chamadas de matérias de capas em três grupos: treinos, dietas e estilo de vida (havendo as que se enquadram em mais de um grupo). As matérias atribuídas às modelos de capa variam entre orientações de treinos utilizados para alcançar aquela forma física em evidência na imagem, bem como estratégias alimentares para uma melhoria pessoal. Listamos abaixo as matérias e suas respectivas personalidades: t Janeiro: “A série #lacradora de Claudia Leitte para defnir o corpo e ter energia no Carnaval”; t Fevereiro: “A reviravolta de Bianca Bin: Como ela ganhou defnição e controlou a ansiedade sem radicalismo”; t Março: “Erika Januza: Conheça o treino HIIT na esteira e os cuidados da atriz com o cabelo crespo”; t Abril: “Mais feliz, Mais livre – Fátima Bernardes – Ela prova que é possível: Se reinventar após os 50 + Ter pique para dançar todos os dias + Emagrecer 7 kg sem grandes restrições; t Maio: “Tais Araújo: as estratégias alimentares que controlam a alergia respiratória, melhoram o sono, dão energia e mantêm a forma da atriz”; t Junho: “Ana Hickman: Hoje peso 10 kg a mais do que na época de modelo, mas ganhei músculos e fôlego com muay thay”;

Diante apenas destes elementos textuais, constatamos a noção de um corpo que pode ser constantemente esculpido e modelado, na busca de uma forma corporal que traga mais satisfação pessoal. “Do joelho ao culote, do braço à panturrilha, o corpo é visto como

fragmento; cada parte podendo ser reesculpida, consertada, desconectada de um todo” (DEL PRIORE, 2000, p. 93).

Além desta característica plástica do corpo, o bem-estar é um dos elementos de busca oferecidos pela revista em suas matérias. Este culto ao bem-estar é uma das manifestações da cultura hedonista, que se apoia na valorização do corpo e dos seus prazeres na qual o neonarcisismo está “obcecado tanto pela imagem padrão do corpo quanto pelo desejo de encontrar prazeres oferecidos pela sensação de leveza física e interior” (LIPOVETSKY, 2016, p. 85).

Um outro aspecto desta amostra é a presença majoritária de mulheres com mais de 30 anos (Ana Hickman, 37; Erika Januza, 33, Claudia Leitte, 37; Taís Araújo, 39) destacando a presença de Fátima Bernardes, a única que teve a idade citada enquanto aspecto relevante no conteúdo sobre si (55 anos). Conforme a área de publicidade da revista Abril, o público da Boa Forma é composto em 73,9% por mulheres com mais de 30 anos (entre faixas etárias de 30 a 39, 40 a 49 e mais de 50 anos). Verifca-se uma exposição de fguras com as quais as leitoras devem identifcar-se, seja pela faixa etária (omitida) ou pelas características físicas e comportamentais, ou projetar-se, enquanto metas a serem alcançadas, com a mídia reforçando dois elementos: uma crença de cada um em sua imagem e uma preocupação de se identifcar com uma imagem de si que seja bem sucedida (NOVAES, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto mídia, a revista Boa Forma oferece ao seu público elementos de culto ao corpo diluídos em temáticas pertinentes ao dia a dia de uma mulher, das classes A, B e C (audiência da mesma). A abordagem de dietas que auxiliam na perda de peso com “lanchinhos proteicos”, “elementos compatíveis” ou “mudanças de hábitos” nas edições observadas demonstra o mérito atribuído à alimentação para que se alcance esta boa forma conceituada pela revista.

A prática de atividade física é aludida de maneira praticável para todas; “vai que dá” ou “apenas 12 minutos por dia” são alguns dos

tratamentos aos exercícios que irão ajudar a moldar os corpos das leitoras que se dispuserem a adotar as medidas deste “manual”.

Por último, o elemento crucial que conecta os anteriores é o estilo de vida, seja pela mudança de hábitos (alimentares, práticas de exercícios ou forma de pensamento) ou pela alusão de uma autoestima, inspirada por pessoas “comuns” ou personalidades que dão forma física a estes ideais propostos pela revista.

Deste modo, as imagens das mulheres na capa da revista acompanhadas dos elementos prescritivos citados acima atestam o caráter de guia e orientação da revista nos quais há um destino fnal, um objetivo ou uma referência a ser seguida; e há os direcionamentos, as orientações para alcançá-los, perpetuando a concepção de que há um corpo cuja forma é uma boa forma e há maneiras de obtê-lo – o esforço para chegar a este fcaria a cargo da leitora em sua rotina.

Observamos, então, que existe uma aspiração pelo reconhecimento entre o possível modo como a leitora desejaria aparecer buscando primeiramente agradar a si mesmo (com o reforço da autoestima), mas também agradando aos outros, e os corpos que efetivamente aparecem na capa da revista; nesta conexão, as imagens propiciam uma experiência de códigos e rituais pelos quais a leitora deveria se submeter.

Referências

CASTRO, Ana Lucia de. Culto ao corpo e sociedade: mídia, cultura de consumo e estilos de vida. 2 ed. São Paulo: Annablume, 2007.

CIDREIRA, Renata Pitombo. As formas da moda: comportamento, estilo e artisticidade. São Paulo: Annablume, 2013.

DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. Tradução de Julio Assis Simões. São Paulo: Studio Nobel, 1995.

LIPOVETSKY, Gilles. Da leveza: rumo a uma civilização sem peso. Tradução de Idalina Lopes. Barueri: Manole, 2016.

MAISONNEUVE, Jean. BRUCHON-SCHWEITZER, Marilou. Le corps et la beauté. Paris: PUF, 1999, p. 05-30.

MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

NOVAES, Joana de Vilhena. Beleza e Feiura: Corpo feminino e regulação social. In: Del Priore, Mary. Amantino, Marcia (Org). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp.

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