8 minute read

NOUVELLE GÉNÉRATION

Next Article
HISTÓRIA BORDADA

HISTÓRIA BORDADA

DIANTE DOS MOVIMENTOS Y E Z QUE CADENCIARAM A CRIAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DESTE SÉCULO, MENTES COM FRESCOR E LIBERDADE COMPÕEM O NOVO MOOD DO DESIGN COM ORIGEM BRASILIENSE, MAS NUMA JORNADA

SEM FRONTEIRAS POR THEODORA ZACCARA

Advertisement

Dói ouvir, mas falar em luxo é falar em lixo: em 2014, uma pesquisa feita pela organização Greenpeace encontrou materiais poluentes nos produtos de Giorgio Armani, Hermès, Christian Dior, Louis Vuitton e Marc Jacobs – a lista segue. Em resposta, a União Europeia enrijeceu o controle sobre o uso de químicos industriais – e de lá para cá muito mudou.

Gucci, Jimmy Choo e Versace tonaram-se, ou estão se tornando, carbon neutral. Pandora prometeu comprar apenas metais reciclados. Prada jurou “de pé junto” que só venderá peles sintéticas. Stella McCartney desenvolveu um couro à base de cogumelos. Greta Thunberg é uma super star. Ter propósito é ser chique.

Em escala internacional, o mercado começou a não apenas procurar, como também exigir um posicionamento evolutivo das divisões de luxo em roupas, itens decorativos, joias, e mais. Pagar caro passou a simbolizar “pagar bem”, e os cifrões nas etiquetas começam a garantir a certeza de um consumo que não vai doer no bolso do planeta, nem no da moral.

A tendência foi traduzida, subsequentemente, em hábitos locais. “Pense globalmente, aja localmente”, diz a paráfrase do biólogo escocês Patrick Geddes, que pulou do livro Cities in Evolution (1915) para cartazes e hashtags do novo milênio. Na pequena cidade grande de Brasília, o mindset pauta a operação de grifes que fazem “o novo luxo”: feito para sentir, para refletir, para fazer pensar. Conheça quem são.

EXCUSE MY FRENCH

Nascida em Paris, Augusta é uma mulher que não liga muito para o Instagram. É desapegada das redes, prefere viver o que a vida oferece. Tem o tempo próprio, não se apressa por ordem de ninguém. Tem o jeito leve, singular, uma coisa ‘meio Paris, meio São Paulo’. Meio Brasília e Rio de Janeiro. “Sustentabilidade é luxo, luxo é sustentabilidade. E o que é o luxo para você? É uma logomarca? Ou é exclusivida-

de, tempo de qualidade, peças feitas com cuidado e consciência?”, sugere Carolina Neumann, designer-fundadora da grife franco-brasileira representada por essa mulher tão eterna, tão ‘do agora’.

“Desde que me mudei para a França, há mais de oito anos, sabia que minha marca na moda seria pautada pelo meu propósito: pelo respeito ao meio-ambiente, ao tempo necessário para manter uma linha de produção responsável e àquilo que eu acredito e que é a minha essência”, explica, relembrando os anos de estudante na Escola do Sindicato da Haute Couture, em Paris.

De lá para cá, centralizou a operação na Europa, levando uma vida que Coco Chanel entenderia muito bem: vivendo do ateliê, trabalhando de casa. “Não opero em formato de coleções sazonais, crio peças perenes e pedidos feitos sob encomenda, com hora marcada”, afirma. E mesmo que seja ‘do mundo’, guarda a capital não só na certidão de nascimento, como também no coração. “Brasília me desperta uma sensação engraçada, enxergo ela com olhos de quem vê tanto de dentro como de fora”, filosofa.

É filha do cinema, casou a paixão das telas com a paixão dos manequins, se encontrou fazendo figurinos e concebendo histórias. “As duas coisas andam muito ligadas, né?”, propõe. Mas o ponto focal de sua grife é outro: sustentabilidade.

A matéria-prima tem procedência local, seja o ‘local’ no Brasil ou na França. As embalagens são criadas a partir de materiais recicláveis e até o marketing, um conceito que por essência é nímio, ganha uma abordagem mais mansa. “Não adianta pregar a ideia de conservação e apoiar uma estratégia de propaganda exagerada. O propósito slow fashion da Augusta é incorporado em todas as facetas da marca, não só na confecção”.

Durante uma conversa que extrapolou o horário comercial, Carolina falou sobre herança, história e o resgate de uma moda com significado. Lembrou dos tapetes persas que os avós alemães comercializavam, e como o toque das tramas despertou o amor pela indústria têxtil.

Falou de família, de Brasília, de Paris, de ser reconhecida ‘lá fora’ e de ‘reconhecer’ a cena criativa do quadrado toda vez que visita a cidade. “A massificação de produção nos últimos 30 anos afetou tudo, não apenas o varejo fashion. Hoje em dia, está na moda ser sustentável, mas será que é algo genuíno? O mercado anda muito transparente, e se essa abordagem não for verdadeira, o cliente irá perceber”, dispara.

Nesse sentido, a descendência germânica dá uma ‘mãozinha’: “é um povo que viveu guerras, que entende a importância de uma compra, de uma posse. Não se vê tanto desse consumo desregrado por lá”. Com isso, explica que nunca irá contrariar sua visão estética em resposta às demandas do mercado – mesmo que a rotatividade da moda, por vezes transforme o que Neumann faz em tendência.

“Timing é uma coisa engraçada! Percebo como hoje, após anos que montei a marca, como as tendências chegaram ao estilo da Augusta, que é clássico, campestre, real”. Faz referência à série Bridgerton, original da Netflix, e ao estilo cottagecore, ambos elementos que dispararam o interesse do público fashion por essa moda com cara de outrora. E mesmo que Daphne Bridgerton tenha vindo muito depois de Carolina Neumann, as duas teriam muito o que conversar. Afinal, Augusta, do latim, significa nobre.

Carolina Neumann

@augustaparis Tel.: +33 6 03 20 19 38

Uma “dobradinha” com a Europa também é parte pulsante da Acqua di Profumo: marca de nome italiano, mas “100% brasiliense!” – jura a empresária Flávia Santoro.

Enamorada pelo universo da perfumaria, trouxe para a cidade um conceito que casa o charme de Florença com o modernismo da capital federal. “A grafia da nossa logo é inspirada no trevo de quatro folhas, nossas famosas tesourinhas!”, explana.

Com Brasília como norte e as mãos estendidas para criar uma relação com o sentido olfativo, Flávia fundou a etiqueta de “artigos cheirosos” em janeiro de 2018. Hoje, são seis diferentes tipos de produto, entre velas, águas perfumadas, colônias, aromatizadores e mais.

Flávia Santoro

“Acreditamos que as fragrâncias criam impactos e fortalecem memórias. Por isso, o nosso maior objetivo é materializar sentimentos em cheiros”, abre.

O carinho pelo Planalto Central move também a vontade de gerar um impacto de proporções locais, que coloque o “produto candango” como sinônimo de qualidade e virtude. “Ao falar de sustentabilidade, não tem como não passarmos pelo consumo consciente e pela responsabilidade social”, desenvolve. “Infelizmente, o brasileiro tende a valorizar mais o que vem de fora, por isso, me orgulho ao ressaltar que, apesar do nome italiano, nossa marca é brasileiríssima”, frisa.

Em prática, a filosofia se materializa em embalagens de refil, campanhas que incentivam o reaproveitamento dos frascos, uso de matérias-primas e insumos naturais, embrulhos feitos com papel de origem certificada, vernizes e tintas à base de água e uma ligação com fornecedores que atuam com base nos mesmos pilares.

“Por vezes esbarramos em inúmeros problemas de logística que surgem da busca pela sustentabilidade, mas sabemos da nossa responsabilidade social e estamos sempre apostando na melhoria contínua para minimizar os impactos ambientais”. Nem por isso desanima – acredita que o material concebido com visão de futuro gera apego, esmero, e não cruza a linha final de descarte. “Nossa coleção especial Vibrazione, por exemplo, valoriza as pedras naturais brasileiras, cuidadosamente selecionadas, respeitando as formas e singularidades de cada pedra. Além de perfumar, se tornaram itens decorativos que dão um charme a mais na decoração do ambiente”, exemplifica.

@acquadiprofumo www.acquadiprofumo.com.br

ILUMINADO

“Obra de arte para ser vestida”: como um poema, Luciana Narciso e Yasmim Passos deixam a gema escolher a história que quer contar. No geral, a narrativa é lírica, mistura fluente de prosa e poesia, fantasia e fábula que conglomera arte e joia. “Faz parte de nós essa busca incansável pelo belo, pela perfeição e pela satisfação de quando nosso olhar captura as vibrações dos corações”, poetiza Yasmim. Trabalhar com ouro, afinal, é trabalhar com o desejo em sua forma mais sensível.

Esfumando as linhas que dividem clássico e contemporâneo, a grife criada em 2016 traz da arte as referências que pautam a moda. Entre os períodos favoritos, a Renascença Italiana é fonte de ângulos e linhas que, com esmeraldas, rubis, águas marinhas e até mármore, tomam vida.

Entretanto, não vá pensando que as peças procedem de uma leitura ipsis litteris do passado, nem da manifestação de uma visão puramente jovem sobre a joalheria: são mistura simétrica de influências antigas e novas, resultando em coleções que chamam atenção com essa harmonia tão charmosa.

“Cada joia reflete uma interpretação contemporânea particular, cuja inspiração é sempre baseada em referências que simbolizam o eterno, o atemporal”, explica. “Joias para serem passadas de geração em geração, levando a diante não somente a história da peça, mas também de quem a usa”. Assim, compreende-se que uma vez comprada, a peça viaja pelo tempo sustentando sua essência, sem agredir nem machucar. E mesmo que o conceito de “joia de família” não seja nada revolucionário, ouvi-lo da boca de empresárias em seus vinte-e-poucos-anos, é um tanto revolucionário. “Para que isso seja possível, trabalhamos com materiais nobres e eternos, como o ouro 18k e gemas naturais”.

Vênus, Madonna, Piccolomini, Marble, Timeless e Twisted são os nomes das linhas já lançadas. O approach, percebe-se logo de cara, envolve abstrações como Botticelli, Siena, arte sacra, Michelangelo e outros elementos de uma cultura tão perene. “Queremos que elas façam parte da história de quem as usa, estando presente em todos os momentos, tanto nos simples quanto nos mais memoráveis”.

Luciana Narciso e Yasmim Passos

@lucianayasmimbr www.lucianayasmim.com

This article is from: