A fabulosa morte do professor de Português

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– Severino Severo é um provinciano às avessas. Ou seja, pra ele, tudo o que é produzido na nossa cidade é ruim. Em compensação, ele acha bom tudo que vem de fora. Por isso, quero aqui defender os escritores da nossa cidade. Afinal, porcaria se escreve em todo lugar. Concluída a entrevista, desliguei o gravador. – Já temos uma declaração forte – disse Tédio. – Nossa manchete será: Severino Severo é o inimigo número um da literatura.

Uma soqueira e uma ameaca erto da escada que dava acesso ao subsolo da livraria, um homem muito alto – que falava rapidamente, amontoando uma palavra em cima da outra – discursava para meia dúzia de ouvintes. – Ligue o gravador – comandou Tédio. – Esse cara é o Manuel Fieira, famoso autor de novelas policiais. Fiz o que meu colega mandava. – Desde garoto eu já sonhava em ser escritor – disse o altão. – Mas tive um sério problema aos onze anos. Na quinta série, escrevi a mais bela das minhas redações sobre a primavera, mas recebi nota quatro... – Credo! – espantou-se alguém. – Quem era seu professor? Manuel Fieira enrugou a testa e apertou os olhos, como alguém que corta cebolas, e disse: – Severino Severo. Primeiro ele elogiou muito minha redação, mas depois comentou que ela estava tão boa que devia ter sido copiada de um livro. Eu caí no choro. Naquele momento quase desisti de ser escritor... 32


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