www.revistacultivar.com.br
/revistacultivar
Destaques
26
@RevistaCultivar
Índice
Safra de desafios
De que modo otimizar os resultados do manejo de doenças em soja em um cenário de alta incidência estimado para a safra 2020/21
10
/revistacultivar
Atenção ao clima
Os efeitos das condições climáticas tanto na incidência da giberela como nas aplicações
Diretas
04
Bicho-mineiro e broca-do-café
06
Efeitos do clima em giberela
10
Previna a cigarrinha-do-milho
14
Informe: aliado contra nematoides
18
Raquitismo-das-soqueiras em cana
20
Capa - Doenças na soja
26
Manejo de pragas de solo
30
Resposta do solo a nematoides
34
Nutrição em soja
38
Nematoides em algodão
40
Coluna Agronegócios
44
Coluna Mercado Agrícola
45
Coluna ANPII
46
de fungicidas contra a doença em trigo
20
Ação estagnadora
Como o raquitismo-das-soqueiras vem corroendo a capacidade produtiva dos canaviais de modo silencioso e traiçoeiro Cultivar Grandes Culturas • Ano XX • Nº 256 Setembro 2020 • ISSN - 1516-358X Crédito de Capa: Marcelo Madalosso/Elevagro Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ : 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300 Diretor Newton Peter www.grupocultivar.com contato@grupocultivar.com Assinatura anual (11 edições*): R$ 269,90 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan)
Números atrasados: R$ 22,00 Assinatura Internacional: US$ 150,00 Euros 130,00 Nossos Telefones: (53) • Geral 3028.2000 • Comercial: • Assinaturas: 3028.2065 3028.2070 3028.2066 • Redação: 3028.2067 3028.2060
Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.
Expediente Fundadores: Milton Sousa Guerra, Newton Peter e Schubert Peter
REDAÇÃO • Editor Gilvan Dutra Quevedo
COMERCIAL • Coordenação Charles Ricardo Echer
• Redação Rocheli Wachholz Karine Gobbi Cassiane Fonseca
• Vendas Sedeli Feijó José Geraldo Caetano
• Design Gráfico e Diagramação Cristiano Ceia
CIRCULAÇÃO • Coordenação Simone Lopes
• Revisão Aline Partzsch de Almeida
• Assinaturas Natália Rodrigues
GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda.
• Expedição Edson Krause
Diretas Novos rumos
Malu Nachreiner é a nova líder da Divisão Crop Science da Bayer no Brasil. Anteriormente a executiva estava à frente da área de Marketing na Divisão para a América Latina. Malu é agrônoma, com mais de 15 anos de atuação na empresa, e já ocupou posições de liderança nas áreas de Vendas, Operações Comerciais e Marketing. Substitui Gerhard Bohne, que atuava há 34 anos na empresa e vai conduzir o processo de transição. Mateus Barros, líder da Climate Latam, assume a liderança da recém-criada área Digital & New Business Models Latam. Para a liderança da Climate Latam assume Abdalah Novaes, responsável por Acesso ao Mercado na área de Marketing de Clientes Brasil. Luis Offa, líder da área de Estratégia Regional de Negócios, fica responsável também pela área de Marketing Latam.
Lucas Silveira
Algodão
Malu Nachreiner
A Corteva Agriscience e a Tropical Melhoramento & Genética (TMG) apresentam ao mercado de algodão a tecnologia WideStrike 3, que oferece proteção no controle das principais lagartas que atacam a cultura. “Com esta parceria, a Corteva e a TMG unem suas expertises em tecnologia, inovação e genética para contribuir com o crescimento sustentável da cultura do algodão”, opinou o líder de Portfólio de Algodão da Corteva, Lucas Silveira. A biotecnologia estará presente nas cultivares TMG 50WS3 e TMG 91WS3. “A parceria com a Corteva está relacionada ao nosso DNA de inovação, para nós é muito importante nos antecipar e atender o produtor com o melhor que a tecnologia oferece e, também, melhorar a competitividade de mercado para os nossos multiplicadores de sementes”, avaliou o diretor-presidente da TMG, Francisco Soares.
Luto
A pesquisa brasileira perdeu em setembro o pesquisador da Embrapa Cerrados Djalma Martinhão Gomes de Sousa, de 70 anos, por leucemia. Com 45 anos de intensa atividade profissional dedicada à instituição, foi um dos principais protagonistas no desenvolvimento de tecnologias na área de fertilidade e química do solo para a região do Cerrado, com destaques para correção de acidez superficial e subsuperficial, adubação com macro e micronutrientes, fontes alternativas de fósforo e técnicas de manejo de solo e fertilizantes estudadas em experimentos de longa duração, com o objetivo de aumentar a eficiência de uso dos nutrientes pelas plantas. Generoso ao dividir conhecimento, colaborou com diversos artigos técnicos nas revistas Cultivar Grandes Cultura s e C u l t i va r Hortaliças e FruDjalma Martinhão Gomes de Sousa tas.
04
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Eduardo Menezes
Plataforma
A plataforma de inovação e empreendedorismo da Basf AgroStart está com inscrições abertas para uma nova turma de aceleração. A iniciativa é voltada aos empreendedores de toda a América Latina. “A colaboração para resolução de desafios dentro e fora da porteira é algo fundamental para trazer boas soluções ao setor. Entendemos que o apoio às startups e a parceria com empresas, aceleradoras e fundos são essenciais para levarmos soluções diferenciadas aos agricultores”, comenta Eduardo Menezes, gerente de Produtos Digitais da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf na América Latina.
Soja Intacta
A Bayer realizou a segunda edição do I2X Talks, evento que reuniu pesquisadores, consultores e técnicos para discutir inovações e tecnologias de aplicação de herbicidas para a terceira geração da soja transgênica Intacta 2 Xtend, prevista para a próxima safra 2021/22. “A construção do encontro para a plataforma Intacta é baseada em ciência e transparência. Nada mais importante do que construir o lançamento de uma tecnologia que envolve toda a cadeia, gerando conhecimento e compartilhando ele. Nosso desafio é usar a tecnologia e fixar importantes informações para o agricultor”, ressaltou o líder de lançamento da plataforma, Fábio Passos.
Seminário
A FMC participou de mais uma edição do Herbishow, seminário sobre o controle de plantas daninhas que ocorreu em setembro, em plataforma on-line. “Nossa presença é garantida todos os anos, sabemos da relevância de estarmos próximos e discutindo avanços para a cadeia, nesse que é um dos principais eventos técnicos do setor. Nosso objetivo sempre é compreender a demanda do campo e contribuir para a produtividade nas lavouras, possibilitando conveniência para o produtor com desenvolvimento de inovações tecnológicas” explicou o gerente de Cultura, Christian Menegatti. A empresa apresentou sua campanha institucional “Onde tem cana, tem energia”, além de tecnologias como os herbicidas Stone, Boral e Reator 360 CS. Ronaldo Giorgi
Desafios
A Syngenta está atenta às dificuldades e aos desafios da digitalização no campo, como a falta de sinal de internet e a ausência de mão de obra qualificada. "Para superar a falta de cobertura, temos desenvolvido soluções que operem off-line e que sincronizem as informações quando os dispositivos chegam a um local com cobertura. Em paralelo, temos buscado apoiar os produtores na jornada de transformação com nosso time de especialistas e temos disponibilizado treinamentos, como o Digital Academy, para melhor prepará-los", explica o diretor de Agricultura Digital da Syngenta no Brasil, Ronaldo Giorgi. A companhia conta ainda com o Cropwise Protector, sistema que coleta dados da lavoura e os transforma em diagnósticos para o gerenciamento remoto com possibilidade de uso em modo off-line.
Christian Menegatti
Café
Após o término da colheita do café, é hora de o produtor voltar a atenção para a suplementação do cafezal. E uma das opções disponíveis no mercado é o produto Axis, um NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) líquido de alto desempenho desenvolvido pela Ubyfol. “A suplementação com Axis pode reduzir o nível de desfolha do cafeeiro. Pesquisas apontam que a desfolha reduz até 50% do pegamento de florada, que é imprescindível para a boa produção da safra 2020/2021”, avalia o representante da Ubyfol, Jefferson Ricardo.
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
05
Café
Dupla desafiadora A cada safra, o bicho-mineiro-do-cafeeiro e a brocado-café estabelecem uma disputa acirrada e nefasta pelo status de principal praga na cultura. A convivência e o manejo desses dois insetos exigem estratégia, racionalidade e principalmente monitoramento vigilante para embasar as decisões de controle
A
cafeicultura é patrimônio nacional por fazer parte da história e do dia a dia do povo brasileiro. O café, além do aspecto cultural, exerce papel fundamental na economia do país, maior produtor e exportador do grão. De acordo com os dados da Organização Mundial de Café, até abril de 2020 já tinham sido exportadas mais de três milhões de sacas de 60kg para inúmeros países. Para manter este imenso potencial produtivo, é essencial minimizar os fatores responsáveis por perdas na produção cafeeira, principalmente aqueles relacionados ao ataque de insetos-praga. No Brasil, o bicho-mineiro-do-cafeeiro (BMC) [Leucoptera coffeella (Lepidoptera: Lyonetiidae)] e a broca-do-café (BDC) [Hypothenemus hampei (Coleoptera: Scolytidae disputam, safra após safra, o status de principal praga da cultura. Ambas as espécies são de difícil controle e ocasionam danos expressivos, reduzindo drasticamente a qualidade dos grãos, representando metade dos gastos fitossanitários de uma fazenda cafeeira. Em muitos países produtores, o bicho-mineiro-do-cafeeiro é a praga de maior importância, cujos danos podem reduzir até 50% da produção quando em elevados níveis de infestação. Por sua vez, os prejuízos relacionados à broca-do-café tenderam a aumentar a partir de 2012, devido ao impedimento de uso do inseticida endosulfan (organoclorado) nas lavouras. Como a BDC é uma praga que causa danos diretos aos frutos, estima-se que os prejuízos decorrentes de seu manejo ineficiente atinjam 300 milhões de dólares ao ano entre os principais países produtores. Tanto as larvas como os adultos da BDC causam danos aos frutos. As fêmeas constroem, preferencialmente, um orifício na região da coroa e depositam seus ovos em uma galeria construída no endosperma da semente. A BDC possui um comportamento endofítico, passando todo seu ciclo de vida dentro do fruto, o que dificulta o seu monitoramento e controle. O adulto do BMC é uma micromariposa que faz a postura dos ovos sobre as folhas. Após a eclosão, as lagartas iniciam a alimentação e confeccionam minas, que são responsáveis por reduzir a área fotossintética, afetando indiretamente a qualidade dos grãos.
06
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Fotos Jéssica Gorri e Edson Luiz Lopes Baldin
POR QUE É TÃO DIFÍCIL CONTROLAR ESSAS DUAS PRAGAS?
Uma das maiores dificuldades para o controle do BMC e da BDC está relacionada à desuniformidade dos métodos de manejo, muitas vezes iniciados quando as populações das pragas já se encontram muito elevadas. Isso ocorre devido à falta de amostragens precisas e, principalmente, à adoção contínua de um sistema de controle calendarizado; ou seja, os produtores determinam datas fixas para realizar pulverizações com inseticidas e/ou herbicidas (quando se apoveita a ida do pulverizador a campo com misturas), independentemente dos níveis populacionais das pragas. Adicionalmente, essa prática, ainda muito comum, negligencia a necessidade de rotacionar ingredientes ativos dos inseticidas, além de empregar muitas vezes doses superiores às recomendadas. Essas ações desordenadas têm favorecido a incidência crescente do BMC e da BDC ano após ano, gerando outros problemas (veja o box).
Fazenda Primavera do Sobrado-MG em época de colheita mecanizada A
B
C
COMO CONTROLAR ESSA DUPLA?
Não existe um método de controle que propicie a erradicação das duas pragas nas lavouras de café. O clima favorável e a extensão de áreas plantadas fazem do Brasil um ótimo território para o desenvolvimento do BMC e da BDC. Dessa maneira, é preciso aprender a conviver com esses inimigos.
D
E
Detalhes de ovo (A), mina (B), lagarta (C), crisálida (D) e adulto de bicho-mineiro-do-cafeeiro (E) A
B
C
ESTRATÉGIAS DE CONVIVÊNCIA
Monitoramento das áreas por técnicos que possuam conhecimento específico sobre as fases do ciclo das pragas. Por exemplo, os ovos do BMC são de difícil localização e identificação. Acompanhamento profissional durante as pulverizações. O controle químico deve ser rotacionado com grupos de inseticidas diferentes e que não prejudiquem inimigos naturais, ou seja, priorizar o uso de inseticidas seletivos. Manejo de pragas secundárias, plantas daninhas, além de cuidados nas entre linhas e acompanhamento de aspectos nutricionais, fortalecendo a planta para que a lavoura esteja protegida e uniforme em todas as áreas. Integração do controle químico com outros métodos, como o cultural e o biológico. Para obter melhores benefícios desta prática, o produtor deve recorrer a profissionais que o auxiliem, uma vez que o controle biológico pode ser muito efetivo desde que utilizado corretamente.
MONITORAMENTO É COISA SÉRIA, MAS COMO REALIZÁ-LO?
Atualmente, com todo o volume de informação disponível aos produtores, as aplicações calendarizadas começam a ser cada vez mais questionadas nas fazendas, dando lugar a pulverizações específicas e devidamente justificadas pelos níveis populacionais das pragas. Assim, de forma crescente, produtores mais tecnificados têm apostado em treinamentos
Ovos (A), fêmea (B) e fruto broqueado (C) pela broca-do-café
sobre manejo integrado de pragas, possibilitando amostragens eficientes de suas áreas. É importante observar as etapas para a realização do monitoramento assertivo das infestações do BMC e da BDC (Figura 1).
MONITORAMENTO DO BICHO-MINEIRO-DO-CAFEEIRO
Dividir a área em talhões, sendo escolhidas aproximadamente 20-30 plantas/talhão que representem a área.
Problemas do controle calendarizado - Desequilíbrio ambiental: redução da quantidade e diversidade de insetos benéficos; - Desenvolvimento de populações resistentes a inseticidas e, consequentemente, perda de eficiência dos ingredientes ativos recomendados; - Falhas da certificação e redução na qualidade dos grãos; - Aumento dos custos operacionais e fitossanitários; - Dificuldade em manter as populações das pragas abaixo dos níveis de dano econômico. www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
07
Fotos Jéssica Gorri e Edson Luiz Lopes Baldin
Figura 1 - Esquema de amostragem para o bicho-mineiro-do-cafeeiro e broca-do-café
Ovos de bicho-mineiro-do-cafeeiro
De maneira aleatória, amostrar cinco folhas do terço médio, localizadas em ramos laterais de cada lado da planta. Para cada ramo, avaliar uma folha do 4° par de folhas. Após a retirada das folhas, determinar a presença de minas ativas, ou seja, aquelas com presença de lagartas vivas (Figura 1). Caso a incidência de minas ativas esteja acima ou igual a 20% em relação às folhas amostradas, o controle deve ser efetuado.
MONITORAMENTO DA BROCA-DO-CAFÉ
Dividir a área em talhões, sendo escolhidas no mínimo 30 plantas. Em cada planta deve-se escolher um ramo de cada terço (superior, médio e inferior), de onde serão retirados dez frutos. Os frutos perfurados devem ser contabilizados, somados e divididos por 18. Caso o valor obtido seja maior ou igual a 3%, deve-se iniciar o controle. Após a primeira pulverização, o monitoramento deve ser repetido a cada 25-30 dias. Contudo, a partir desta fase, os frutos perfurados (broqueados) devem ser coletados e abertos. Devem ser contabilizados apenas os insetos adultos vivos. O valor obtido deve ser multiplicado por 100 e dividido pelo número total de adultos encontrados em todos os frutos. Caso o valor obtido seja maior ou igual a 3%, recomenda-se uma nova
Lagarta de bicho-mineiro-do-cafeeiro
08
pulverização.
QUANDO E POR QUANTO TEMPO EU DEVO MONITORAR?
Cafeicultores que não querem ter problemas com o BMC e a BDC nas safras subsequentes, devem iniciar imediatamente os planos de amostragem, pois o sucesso de uma safra começa na safra anterior. Vale destacar ainda que a cafeicultura é uma atividade bastante dinâmica e, por ser adotada em diferentes regiões do País, não segue um cronograma comum. De tal forma, um produtor que acabou de finalizar seu processo de colheita pode estar imediatamente sujeito a novas infestações provenientes de áreas adjacentes, onde a colheita ainda está em andamento e/ou sendo finalizada. Assim, a prevenção é a melhor recomendação que deve ser feita ao produtor.
APÓS A COLHEITA EU NÃO TENHO FRUTOS NA PLANTA, COMO MONITORAR A BROCA?
O período de frutificação entre o final de fevereiro até o início de junho normalmente coincide com o pico populacional da BDC. Nessa fase, a umidade dos frutos proporciona fonte de alimento e abrigo ideais para o desenvolvimento dos insetos. Logo, o monito-
Mina ativa de bicho-mineiro-do-cafeeiro (coloração com aspecto brilhante e sem perfurações). Ao colocá-la contra a luz, é possível observar as lagartas
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Frutos perfurados pela broca-do-café na região da coroa
ramento após a colheita é muito importante e garante a redução da população da BDC na safra seguinte. Na maioria das regiões produtoras do Brasil, o período compreendido entre setembro até o início de novembro (80-90 dias após a florada principal) é conhecido como período de trânsito da BDC, fase em que as fêmeas sobreviventes da entressafra (frutos remanescentes nas plantas, ausência de repasse etc.) vão procurar novos frutos e iniciam a reinfestação. Contudo, a amostragem deve ser iniciada antes mesmo dessa fase e continuada durante toda a fase reprodutiva das plantas. Isso é necessário, uma vez que embora estes frutos possam ainda estar verdes (sem teor de umidade favorável à BDC), as fêmeas da BDC normalmente voltarão aproximadamente 50 dias para a oviposição, quando os frutos estarão mais adequados. Esses aspectos comportamentais da BDC podem mudar conforme particularidades climáticas e variações nos períodos de trânsito entre as lavouras. Entretanto, se o monitoramento estiver ocorrendo de maneira adequada, o produtor estará ciente quanto à flutuação populacional da praga, bem como quando deve controlá-la. Em adição, o período pós-colheita é o momento de se colocar em prática algumas medidas culturais. É importantíssimo reavaliar se é necessário um repasse com a colhedora, coleta manual e cata no baixero. A limpeza embaixo da saia do cafeeiro é essencial, para não deixar frutos na planta ou no chão, locais que servem de abrigo para a BDC na entressafra.
PREVENIR ANTES DOS PICOS DO BICHOMINEIRO-DO-CAFEEIRO
O bicho-mineiro-do-cafeeiro é uma praga que tem seu desenvolvimento favorecido em regiões de clima seco. De
maneira inversa, as populações tendem a cair durante as estações chuvosas. Geralmente, quando não ocorrem grandes mudanças nas estações climáticas brasileiras, os picos populacionais dessa praga ocorrem em duas épocas: a primeira nos meses de abril e maio e, a segunda, geralmente mais forte, entre setembro e outubro. Assim, não é recomendado esperar as épocas mais quentes para iniciar o controle do inseto. O monitoramento deve ser iniciado logo após a colheita, ou mesmo direcionado aos talhões que já foram colhidos. Desse modo, evita-se chegar a época seca e mais quente sob elevado nível populacional da praga.
O CERRADO PRECISA DE ATENÇÃO REDOBRADA
Entre todas as regiões produtoras do País, o Cerrado é a que possui maior intensidade de ataque do BMC. Isso ocorre devido ao clima da região, à grande área cultivada com café e à falta de manejo adequado com inseticidas, gerando inúmeros relatos de resistência da praga aos principais grupos químicos disponíveis no mercado. Nesse caso, além de um monitoramento durante todo o ano, recomendam-se aplicações preventivas com inseticidas sistêmicos via solo antes dos picos populacionais ou em períodos de estiagem.
OUTROS TIPOS DE CONTROLE BIOLÓGICO
O controle biológico aplicado, ou seja, aquele em que se adquire o inimigo natural para utilização direta na lavoura, não é prática usual para o manejo do BMC. Já o controle biológico natural é feito de maneira contínua e significativa por vespas predadoras, embora acabe muitas vezes prejudicado pelo excesso de pulverizações com inseticidas sintéticos não seletivos. Com relação ao controle biológico
Vespa predadora do bicho-mineiro-do-cafeeiro (Vespidae)
da BDC, existem produtos à base de fungos entomopatogênicos no mercado, com relatos de bons resultados quando associados a inseticidas sintéticos. No entanto, para obtenção desses resultados, necessita-se de clima com elevada umidade relativa e emprego de tecnologia de aplicação.
COMO EVITAR OS PRINCIPAIS ERROS?
A colheita bem feita, seguida de repasse, é uma prática eficaz contra a BDC. Uma lavoura bem nutrida permite à planta originar frutos de qualidade, entretanto, uma adubação desequilibrada, principalmente com excesso de nitrogênio, favorece o desenvolvimento do BMC. A falta de rotação de ingredientes ativos e o uso de inseticidas de largo espectro prejudicam a população de inimigos naturais e favorecem o surgimento de pragas resistentes aos inseticidas registrados para o cafeeiro. O monitoramento periódico e a capacitação dos funcionários e técnicos são práticas fundamentais para estimar o nível populacional do BMC e da BDC e permitem a adoção de ações mais assertivas no manejo das duas pragas. A tecnologia de aplicação dos defensivos deve ser adaptada às particularidades biológicas e comportamentais do BMC e da BDC, para possibilitar boa penetração e cobertura C das estruturas vulneráveis às pragas. Jéssica Gorri, UFV-CRP FCA-Unesp Edson Luiz Lopes Baldin, FCA-Unesp
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
09
Trigo
Atenção ao clima Como as condições climáticas e em especial a quantidade de precipitações podem impactar tanto na incidência da giberela quanto no resultado das aplicações de fungicidas para conter a doença na cultura do trigo
O
cultivo do trigo é de extrema importância para a sustentabilidade de pequenas e médias propriedades da região Sul do Brasil. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra de 2019 no estado do Rio Grande do Sul, foram aproximadamente 2.207,7 mil toneladas obtidas, número 17,9% superior à temporada anterior. A produtividade média ficou em 3.000kg/ha, e a área plantada foi de 735,9 mil hectares. Dentre os fatores que podem atingir o ciclo da cultura do trigo e afetar sua produtividade e qualidade, a giberela encontra-se como uma das principais doenças fúngicas que atacam a cultura na região Sul do País, devido ao patógeno encontrar-se presente na área, bem como a ocorrência de variações nas condições ambientais, principalmente de temperatura (15°C a 25ºC), umidade relativa do ar (acima de 40%) e a frequência de chuvas, o que favorece o desenvolvimento da doença durante a safra de inverno. Evidenciando alternativas de controle químico da doença de giberela realizou-se um trabalho, a fim de analisar o efeito de diferentes doses
10
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Marcelo Madalosso
e épocas de aplicação de um mesmo fungicida, com base em um programa de controle no período de espigamento e antese, em função do índice de controle da doença de giberela sobre os componentes de rendimento da cultura do trigo e ainda verificar a produtividade obtida em função dos tratamentos realizados. O trabalho foi realizado em campo experimental no município de Entre-Ijuís (Noroeste do Rio Grande do Sul) na safra de inverno 2019/2019, com a cultivar “TBIO Sossego”, no dia 12 de junho. O trabalho contou com 40 parcelas divididas entre dez tratamentos, sendo o tratamento 1 a testemunha sem nenhuma aplicação de fungicida e os demais tratamentos com aplicações de um mesmo fungicida (metconazol + piraclostrobina) na dosagem de 0,75L/ha, com aumento de dose no tratamento 10 para 1L/ha. As épocas de aplicações foram: tratamento 2 (aplicação em 5% de espigamento), tratamento 3 (aplicações em 5% de espigamento; 5% de antese e 5% de antese + 15 dias), tratamento 4 (aplicações em 5% de espigamento e 5% de antese), tratamento 5 (aplicações em 5% de antese e 5% de antese + 15 dias), tratamento 6 (aplicações em 5% de antese e 5% de antese + sete dias), tratamento 7 (aplicações em 5% de espigamento + sete dias e 5% de antese), tratamento 8 (aplicações em 5% de espigamento + sete dias; 5% de antese e 5% de antese + sete dias), tratamento 9 (aplicações em
5% de antese; 5% de antese + sete dias e 5% de antese + 15 dias) e tratamento 10 (aplicações em 5% de espigamento; 5% de antese e 5% de antese + 15 dias). As análises de incidência de giberela e de colheita foram realizadas no Laboratório de Fitopatologia da URI Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. A chuva acima do normal, que ocorreu na safra de 2019, pode ter sido o fator determinante para a alta intensidade da doença no experimento. Esse fato foi associado com o estádio de antese, que permitiu uma incidência suficiente para discriminar os tratamentos, quanto à eficácia de controle e produtividade. A giberela no trigo foi detectada primeiramente no tratamento 1 (parcela testemunha sem nenhuma aplicação de fungicida), que apresentou aproximadamente 80% de incidência da doença na cultura, sendo estatisticamente maior que os demais tratamentos (Gráfico 1). Essa porcentagem de giberela mostra que os tratamentos foram expostos a uma quantidade significativa da doença no campo, devido às condições ambientais durante o período de pré-antese, antese e pós-antese, e estiveram favoráveis ao desenvolvimento da doença na lavoura. A alta incidência da doença também pode estar correlacionada com a cultura no inverno anterior (azevém). Por ser um fungo saprofítico, o mesmo sobrevive em restos culturais de diferentes culturas (Reis et al., 1995). Contudo, Almeida (2006) estudando formas de manejo em plantio direto observou que em anos de epidemia de giberela, o fator preponderante para ocorrer maior incidência da doença foi a condição climática no momento do espigamento das plantas e não a quantidade ou a origem de palhada da cultura antecessora. A giberela infecta as espigas em condições de alta umidade favorecidas por períodos longos de molhamento, ou seja, superiores www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
11
a 30 horas (Del Ponte, 2007). Bem como as temperaturas entre 20°C e 30ºC aliadas a este fator favorecem a infecção do fungo (Del Ponte et al., 2004), e isso está em consonância com a precipitação pluvial e a temperatura no período relacionado ao espigamento e à antese no local do experimento realizado nesta pesquisa. Em estudos de De Luna et al. (2002), os autores concluíram que o aumento de liberação de esporos ocorre durante e até seis dias após a chuva, embora sejam liberados na sua ausência. A chuva dispararia a maturidade final de ascósporos e peritécios antes da liberação. Segundo estudos de Paulitz (1996), chuvas leves temporariamente retiraram os esporos do ar, enquanto que chuva contínua de grande intensidade promoveu o mesmo efeito por um período mais prolongado. Portanto, considera-se o período de chuva durante a antese, um fator altamente contribuinte para a infecção do patógeno. Durante este estudo, a ocorrência de precipitações três dias anteriores e posteriores aos períodos de aplicação dos tratamentos indica condição de molhamento favorável ao patógeno (Figura 1). Além da condição de molhamento, a temperatura favoreceu a enfermidade. Nos meses de setembro e outubro as temperaturas médias ficaram em 16,4°C e 20,8°C, mantendo-se em faixas adequadas para o desenvolvimento e, portanto, à ocorrência da epidemia de giberela na cultura, causando instabilidades da safra de trigo. Em setembro, o volume total de precipitação foi de 82,6mm. Já em outubro o volume foi mais elevado, fechando o total de 305,8mm. Em geral, períodos de três dias contínuos de chuva e temperaturas médias acima de 17ºC predispõem a infecção. Esses fatores foram predominantes para a incidência da doença na área avaliada. Dentre os demais tratamentos observou-se que o T2 (5% antese) e o T5 (5% de antese; 5% de antese + 15 dias) apresentaram ser estatisticamente semelhantes, mostrando-se os piores tratamentos de épocas de aplicação de fungicida do experimento. Apesar de em ambos os tratamentos terem sido efetuadas as aplicações em 5% de antese, no T2 não ocorreu a próxima aplicação e no
caso do T5 ocorreu, porém foi tardia, não sendo suficiente para o controle da doença. De acordo com Reis et al. (1996), o melhor controle é observado quando se realiza aplicação de fungicida no momento em que o trigo apresenta maior proporção de espigas com anteras expostas, ou seja, aproximadamente aos oito dias desde o começo do espigamento. Reis (1988) analisou a desuniformidade da antese do trigo, em que observou que a duração da mesma pode ser de quatro dias em uma espiga, de 12 dias em uma planta e de até 25 dias em uma lavoura. A desuniformidade da floração pode ser um dos motivos do baixo nível de controle obtidos referentes às épocas de aplicações dos fungicidas no campo. Uma eficiência maior talvez possa ser obtida utilizando-se cultivares com floração uniforme. Quando se compara os resultados obtidos nos tratamentos T4 (5% de espigamento; 5% de antese) e T10 (5% de espigamento; 5% de antese; 5% de antese + 15 dias), observa-se que também apresentaram porcentagens estaticamente semelhantes. Sendo que, em ambos os tratamentos ocorreram aplicações em 5% da antese, porém no T4 houve uma aplicação anterior à antese, no espigamento. Já no T10 não ocorreu essa aplicação e sim uma aplicação posterior, sendo 15 dias após 5% da antese. O fator dose no T10 não contribuiu para o aumento de eficácia. Ao analisar as condições climáticas do período das aplicações dos tratamentos T4 e T10, verificou-se que foram favoráveis à infecção, podendo ter causado um aumento da densidade de inóculo no ar, principalmente pela frequência de chuvas ocorridas nos quatro dias anteriores à aplicação do tratamento. Devido a isso, a incidência da doença obteve as melhores condições para progressão. Portanto, ambos os tratamentos se mostraram ineficientes estatisticamente para o controle da doença. Não foi responsiva a aplicação anterior à antese (espigamento) nas condições climáticas apresentadas. Da mesma forma que Milus & Parsons (1994) verificaram em seus estudos que os fungicidas quando aplicados antes da antese não têm efeito sobre a doença. As variáveis dos tratamentos T3 (5% de espigamento; 5% de
Gráfico 1 - Incidência de giberela (%) nas espigas de trigo e controle (%) da doença em relação à Testemunha, Entre-Ijuís, 2019
Gráfico 2 - Resultados da produtividade obtida no experimento, em função dos tratamentos, Entre-Ijuís, 2019
12
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Figura 1 - Condições climáticas em relação aos períodos dos tratamentos
to; 5% de antese; 5% de antese + 15 dias) mostrou que mesmo com o aumento de dose do fungicida (1L/ha), não foi possível compensar a falha de posicionamento. Com isso, o momento da aplicação ainda é mais importante que o aumento de dose. Assim, ao observar as condições meteorológicas, verifica-se que nos dias 17/9/2019 e 2/10/2019 as precipitações coincidiram com as aplicações dos tratamentos, porém as aplicações ocorreram anteriormente à chuva, o que indica que a proteção do fungicida anterior ao período de molhamento mostrou-se conveniente nos tratamentos T6, T8 e T9 (5% de antese; 5% de antese + sete dias; 5% de antese + 15 dias). As menores incidências de giberela foram detectadas nas espiguetas do tratamento 9 (5% de antese; 5% de antese + sete dias; 5% de antese + 15 dias), com quase 10%, resultando na maior eficácia encontrada. Este foi, estatisticamente, o melhor tratamento do estudo, refletindo
também na maior produtividade (Gráfico 2). Fazendo um paralelo entre aplicação, estádio da planta e clima, foi possível observar que o início da antese ocorreu em ambiente seco (1ª aplicação). Logo após a 2ª aplicação, ocorreram oito dias com chuvas e dias nublados e depois tempo seco novamente, na 3ª aplicação. Em suma, a análise mostra que a 2ª aplicação, antes do início das chuvas nas anteras, foi fator determinante para impedir o aumento da incidência de giberela. Esta foi a única diferença para o tratamento T5, porém este com quase 30% a menos de controle. Possivelmente, neste tratamento 9, a proteção das espiguetas foi máxima, mostrando que o período ideal de aplicação deve ser estendido, à medida que as anteras são emitidas, especialmente se houver C precipitação nesta fase. Jaíne Iung da Silva, Eduarda Casarin Kronhardt, Eduardo Argenta Steinhaus, Luiz E. Braga e Marcelo Gripa Madalosso, Universidade Regional Integrada, Campus Santo Ângelo – Grupo de Proteção de Plantas
Marcelo Madalosso
antese; 5% de antese + 15 dias) e T7 (5% de espigamento + sete dias; 5% de antese) apresentaram os valores de porcentagem de giberela estatisticamente semelhantes. Sendo realizadas aplicações em ambos os tratamentos no período anterior à antese, porém, no T3 a aplicação foi realizada em 5% do espigamento e no T7 a aplicação foi realizada após sete dias do 5% do espigamento. Da mesma forma que os períodos de antese, coincidiram com os períodos de molhamento e condições de temperatura elevadas. Entende-se que estes fatores aliados podem ter favorecido a infecção do patógeno, refletindo em alta incidência e severidade da doença. Sugerindo então o motivo da baixa eficiência de ambos os tratamentos no controle da doença. Ao comparar os tratamentos T3 (5% de espigamento; 5% de antese; 5% de antese + 15 dias) e T10 (5% de espigamento; 5% de antese; 5% de antese + 15 dias), os momentos de aplicação foram os mesmos, porém no T10 a dose de fungicida utilizada foi de 1L/ha, já no T3 utilizou-se 0,75L/ha de dose do mesmo produto. Contudo, os resultados mostram que o tratamento com dose menor apresentou significativamente uma porcentagem inferior de giberela comparado ao tratamento com dose mais elevada. Com isso, entende-se que não há necessidade de aumento de dose do fungicida sob esse mesmo posicionamento de controle. Nos tratamentos T6 (5% de antese; 5% de antese + sete dias) e T8 (5% de espigamento + sete dias; 5% de antese; 5% de antese + sete dias) os valores de porcentagem de giberela apresentaram-se estatisticamente semelhantes. Em ambos foi realizada a aplicação em 5% de antese e outra após sete dias, mostrando que a aplicação que foi realizada no T8 anterior a 5% da antese, não se diferenciou estatisticamente do outro tratamento, sendo no caso, então, desnecessária essa aplicação anterior para o controle da doença. Reis (1988) relata que duas aplicações durante a antese poderiam ter melhor efeito. Portanto, nos resultados desta aplicação verificou-se que duas aplicações durante a antese mostraram ser o segundo melhor tratamento do experimento. O tratamento 10 (5% de espigamen-
A giberela é uma das principais doenças fúngicas em trigo na região Sul do País
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
13
Milho
Manejo preventivo Por se tratar de um inseto-vetor, e por ser muito rápida a transmissão dos patógenos, não se aplica à cigarrinha-do-milho o conceito de nível de dano normalmente utilizado no controle de pragas. As ações contra Dalbulus maidis para o controle dos enfezamentos devem ser essencialmente preventivas, de modo a evitar a alimentação dos insetos infectantes nas plântulas de milho
A
cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis é o inseto responsável pela transmissão dos patógenos, agentes causais dos enfezamentos pálido e vermelho. Os enfezamentos são doenças que, quando ocorrem em elevada incidência, podem resultar em grandes prejuízos em lavouras comerciais e em campos de produção de sementes de milho. Embora surtos de enfezamentos no Brasil venham ocorrendo desde a década de 1990, foi a partir de 2015 que o país experimentou os maiores prejuízos com essas doenças em várias regiões, principalmente nos estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Esse fenômeno tem sido atribuído, em grande parte, ao fornecimento ininterrupto 14
e abundante de milho e às altas temperaturas, que representam condições favoráveis para o aumento da população do inseto-vetor e do inóculo dos patógenos.
COMPLEXO DE ENFEZAMENTO
Os enfezamentos são doenças sistêmicas do milho, causadas por micro-organismos denominados molicutes (classe Mollicutes, divisão Bactéria), que infectam o floema da planta. Existem dois tipos de enfezamento: o enfezamento-pálido, causado por um espiroplasma (Spiroplasma kunkelii), e o enfezamento-vermelho,
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
causado por um fitoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma = MBS-fitoplasma). As plantas de milho infectadas com esses molicutes podem ser infectadas também com Maize rayado fino virus (MRFV), uma vez que esses três patógenos são transmitidos pelo mesmo inseto-vetor, a cigarrinha D. maidis. No Brasil, essa virose é denominada risca. A infecção da planta de milho pode ocorrer de forma isolada ou simultânea com um, dois ou três desses patógenos, fato que dificulta a individualização dessas doenças no campo e justifica a denominação comum utilizada por alguns técnicos: complexo de enfezamento. Essas doenças ocorrem no milho nas regiões tropicais e subtropicais das Américas, o que inclui o Brasil. Os sintomas foliares dos enfezamentos manifestam-se caracteristicamente na fase reprodutiva das plantas de milho. Para o enfezamento-pálido, os sintomas característicos e inequívocos para a identificação são estrias cloróticas esbranquiçadas que se formam nas folhas e na palha das espigas, estendendo-se da base em direção ao ápice e que podem coalescer, atingindo toda a área foliar. Entretanto, dependendo do genótipo de milho, plantas infectadas com esse patógeno podem apresentar apenas clorose seguida por avermelhamento ou seca, principalmente nas margens e na parte apical das folhas. As plantas com essa doença apresentam internódios mais curtos e espigas menores que as plantas sadias, podendo ser drástica a redução no desenvolvimento e na produção. Para o enfezamento-vermelho, os sintomas característicos são intenso avermelhamento das folhas associado à proliferação das espigas, em geral, ao longo do colmo da planta. Entretanto, plantas infectadas com esse patógeno podem apresentar apenas clorose seguida por seca, principalmente nas margens e na parte apical das folhas, e espigas pequenas. Além disso, pode ocorrer redução no comprimento dos internódios da planta com enfezamento-vermelho, em grau variável dependendo do genótipo de milho. O enfezamento-vermelho causa grande redução na produção da planta infectada; as espigas são, em geral, pequenas e formam poucos grãos. Os sintomas da risca aparecem nas folhas da plântula, cerca de duas semanas após a infecção com o
Fotos Elizabeth de Oliveira
MRFV, e permanecem claramente visíveis na planta adulta. Esse vírus infecta tecidos do parênquima, e a doença manifesta sintomas que se caracterizam pela formação de pontos cloróticos nas folhas, que coalescem formando riscas paralelas às nervuras e que se estendem da base em direção ao ápice. A infecção com espiroplasma e/ou com fitoplasma e/ou com o MRFV pode ocorrer em qualquer estádio de desenvolvimento da plântula de milho. Quanto mais jovem a plântula de milho suscetível for infectada, maior será o dano no seu desenvolvimento e produção. Apenas não ocorrerá dano no desenvolvimento e na produção do genótipo de milho suscetível se a infecção com esses patógenos ocorrer a partir da fase de florescimento da planta. Nas plantas afetadas por enfezamentos, a produção de grãos pode ser reduzida em mais de 70% em relação às plantas sadias. A redução total em uma lavoura é diretamente dependente do percentual de plantas doentes. Os enfezamentos podem atingir até 100% das plantas de lavouras ou de campos de produção de sementes causando prejuízos expressivos.
A CIGARRINHA-DO-MILHO DALBULUS MAIDIS
A cigarrinha-do-milho é o único inseto-vetor conhecido no Brasil capaz de transmitir os agentes causais do enfezamento-pálido (espiroplasma), do enfezamento-vermelho (fitoplasma) e da risca (MRFV). É um inseto pequeno com comprimento de cerca de 4mm. Apresenta coloração amarelo-palha ou esbranquiçada. Entretanto, espécimes mais escuros podem ser encontrados dependendo da região e do clima. Os adultos possuem duas manchas circulares negras bem marcadas no alto da cabeça, entre os olhos, e essa característica permite distinguir D. maidis da maioria das espécies de cigarrinhas comumente encontradas na cultura do milho. As fases jovens (ninfas) são amareladas e não apresentam asas. Esse inseto habita preferencialmente o interior do cartucho das plantas de milho, mas ocorre também sobre as folhas das plantas adultas. Originária do México, a cigarrinha-do-milho ocorre apenas no continente americano. No Brasil, apresenta ampla distribuição geográfica, podendo ser encontrada em todas as regiões produtoras de milho,
Estrias cloróticas esbranquiçadas características de enfezamento-pálido
desde cultivos em áreas extensas até em pequenas áreas de subsistência. A biologia de D. maidis varia de acordo com as condições climáticas, sobretudo com relação à temperatura ambiente. Esse inseto se desenvolve de forma mais rápida em regiões mais quentes. Sua postura é feita no interior das folhas do milho, preferencialmente na nervura central. Os ovos são brancos, alongados e medem cerca de 1,3mm. Após a postura, os ovos podem levar de cinco dias a oito dias para dar origem às ninfas. Esse inseto apresenta cinco instares e a duração total da fase ninfal é de aproximadamente 17 dias, podendo variar, por exemplo, de 14 dias (em temperatura de 26°C) a 115 dias (em temperatura de 10°C). Os adultos podem viver entre 50 dias e 60 dias e as fêmeas podem colocar de 400 ovos a 600 ovos durante toda sua vida. Com base nos dados biológicos dessa espécie, é possível afirmar que a cigarrinha-do-milho complete uma geração em cerca de um mês e que seja capaz de produzir diversas gerações por ano principalmente nos meses mais quentes. No Brasil, D. maidis só se reproduz no milho. Na ausência de sua planta hospedeira (milho), esse inseto-vetor migra a longas distâncias para encontrar novos plantios de milho, ou permanece localmente utilizando as plantas de milho voluntárias (tiguera) que emergem após a colheita desse cereal. Entretanto, estudos recentes realizados em campo e em condições controladas têm demonstrado que na ausência do milho, a cigarrinha D. maidis pode também utilizar outras espécies gramíneas da família Poaceae, como espécies de braquiária,
Intenso avermelhamento das folhas provocado pelo enfezamento-vermelho
sorgo e milheto, para abrigo e/ou alimentação, aguardando a emergência de plântulas de milho tiguera ou da semeadura subsequente desse cereal.
MANEJO
Por se tratar de um inseto-vetor, e por ser muito rápida a transmissão dos patógenos, não se aplica à cigarrinha-do-milho o conceito de “nível de dano” utilizado no controle de insetos-praga. As ações para controle de D. maidis e para o controle dos enfezamentos devem ser essencialmente preventivas, para evitar a alimentação das cigarrinhas infectantes nas plântulas de milho. É importante ressaltar que nem todas as cigarrinhas de uma população que chega à lavoura de milho são infectantes, ou seja, portadoras dos patógenos. O percentual de cigarrinhas infectantes que chega à lavoura de milho em estágio de plântulas depende da origem da população. Se essa população provém de lavoura com alta incidência dessas doenças, a taxa de infectividade das cigarrinhas será alta. Assim, o uso de inseticidas químicos ou biológicos, registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para o controle dessas cigarrinhas recém-chegadas pode não resultar no controle imediato dos enfezamentos na lavoura tratada. Essa medida, no entanto, auxilia na redução da população de cigarrinhas que migrarão para as lavouras subsequentes. Ressalta-se, no entanto, que o uso excessivo de inseticidas, além de ser ineficaz no controle desse inseto-vetor e dos enfezamentos, pode eliminar os inimigos naturais da cigarrinha, favorecendo seu aumento populacional.
MANEJO DO RISCO
Não há uma prática agronômica que, isola-
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
15
Elizabeth de Oliveira
Sintomas da risca aparecem nas folhas da plântula aproximadamente duas semanas após a infecção
damente, seja eficaz o suficiente para controlar os enfezamentos e/ou a cigarrinha no milho. Porém, diversas práticas são recomendadas para reduzir o risco de danos por essas doenças e necessitam ser adotadas por todos os produtores em uma região, para garantir eficácia nessa redução. Dessa forma, algumas práticas podem ser recomendadas para o manejo dessas doenças e de seu inseto-vetor. A colheita do milho, seja grão ou semente, deve ser realizada evitando-se ao máximo deixar grãos e espigas no campo. Essa prática é benéfica, pois maximiza o rendimento da colheita e evita a emergência de plântulas tiguera, que concentram e aumentam a densidade populacional de cigarrinhas e o inóculo dos molicutes e do MRFV na área, gerando risco para plântulas de semeaduras seguintes. É benéfica também por evitar o custo de dessecação de plantas tiguera com a utilização de produtos químicos. As espigas e os grãos de milho que caem durante a colheita podem também ser posteriormente recolhidos. O milho tiguera presente em áreas destinadas à semeadura desse cereal deve ser dessecado com antecedência mínima de 30 dias. Essa prática é benéfica por eliminar possíveis fontes de inóculo dos molicutes e MRFV e da cigarrinha. O período de 30 dias é recomendado porque as cigarrinhas ainda permanecem vivas nas plantas tiguera enquanto há tecido vivo, podendo também utilizar outras espécies de plantas da família Poaceae para abrigo e alimentação por períodos entre três semanas e cinco semanas. Em grandes propriedades, principalmente onde há irrigação por vários pivôs, a distribuição das lavouras de milho, no tempo e no espaço, deve ser planejada de forma a evitar a disseminação do milho tiguera indiscriminadamente por toda a propriedade, principalmente nas áreas destinadas ao cultivo de outros cereais, o que pode dificultar e limitar a dessecação posterior 16
dessas plantas tigueras com herbicidas que podem afetar esses cultivos. Essa prática pode reduzir o custo do manejo da tiguera. Deve-se evitar a semeadura de lavouras de milho ao lado de lavouras com plantas adultas que apresentem sintomas de enfezamentos e/ou da virose da risca. As ninfas da cigarrinha que nascem nas plantas doentes adquirem os patógenos tornando-se infectantes. Como as cigarrinhas preferem viver no cartucho das plântulas de milho e migram das plantas adultas para a nova lavoura, as cigarrinhas infectantes os transmitem para as plântulas. Quanto mais plantas adultas doentes houver na lavoura adulta, maior será a população de cigarrinhas infectantes e mais plântulas da nova lavoura de milho serão infectadas. Para planejar a semeadura do milho, áreas e períodos de outras semeaduras desse cereal nas imediações do local devem ser monitorados para avaliação da possível migração de cigarrinhas infectantes para as plântulas dessa nova lavoura. A presença de muitas lavouras de milho adultas com alta frequência de sintomas de enfezamentos, próximas à área, com correntes de vento nessa direção, pode significar risco, e a semeadura, nesse momento, deve ser evitada. Deve-se tratar as sementes e pulverizar a lavoura no início de desenvolvimento (estádios V3 e V4) com inseticidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle da cigarrinha D. maidis. Essa prática deve ser adotada por todos os produtores para reduzir a população desse inseto-vetor. Esse tratamento trará benefício para a lavoura em questão, quando não houver fluxo contínuo de entrada de cigarrinhas infectantes com os patógenos, provenientes de milho tiguera ou de lavouras doentes, visto que a transmissão desses agentes ocorre muito rapidamente, antes da morte do inseto. Porém, a redução da população de cigarrinhas infectantes na localidade resultará sempre em diminuição da disseminação dos patógenos, beneficiando os produtores, que devem adotar essa prática. Sincronizar o período de semeadura em uma região, quando possível, pode evitar o aumento contínuo da população de cigarrinhas e a consequente concentração de inóculo dos patógenos, decorrente da migração desse inseto-vetor de lavouras
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
adultas com plantas doentes para lavouras nos estádios iniciais de desenvolvimento. Diversificar e rotacionar cultivares de milho e utilizar cultivares resistentes aos enfezamentos, quando ofertadas, são práticas que podem contribuir para evitar a seleção de possíveis variantes genéticas dos patógenos, que podem ser altamente destrutivas. Esse complexo patossistema envolve três agentes patogênicos que interagem entre si, com o inseto-vetor, com a planta de milho hospedeira e com o ambiente. Embora essas interações não sejam completamente conhecidas, há evidências de influência da temperatura na transmissão diferencial e na proliferação dos molicutes e de variabilidade na transmissão de isolados desses agentes. Temperaturas mais elevadas-igual ou acima de 17°C (noite) e de 27°C (dia) - favorecem a proliferação desses patógenos nas cigarrinhas e nas plantas, e sua consequente disseminação, aumentando a incidência dos enfezamentos. Em localidades com alta incidência de enfezamentos, deve-se realizar vazio sanitário localizado, interrompendo a semeadura escalonada e deixando a área sem milho pelo menos por 30 dias. Essa prática objetiva eliminar simultaneamente fontes de inóculo e cigarrinhas e, em consequência, reduzir a incidência de plantas infectadas com fitoplasma, espiroplasma e MRFV. Em geral, o aumento de plantas doentes ocorre ao longo do tempo em localidades onde o milho é cultivado em semeaduras sequenciais, durante o ano todo. As semeaduras tardias, em geral, apresentam maiores níveis de incidência dessas doenças. Portanto, o monitoramento da incidência de enfezamentos é essencial para a decisão sobre a possível necessidade e sobre o momento mais adequado em que deve ser feita essa interrupção. Deve-se pulverizar as plantas de milho em fase de produção com inseticida registrado no Mapa para controle da cigarrinha D. maidis. Esse procedimento pode reduzir a população de insetos portadores dos patógenos agentes causais dos enfezamentos e contribuir para reduzir a incidência dessas doenças em novas lavouras, tanto de milho C semente quanto de milho grão.
Charles Martins de Oliveira, Embrapa Cerrados - Entomologia Elizabeth de Oliveira, Embrapa Milho e Sorgo - Fitopatologia
Informe
Efeito sinérgico Fertilizante multielementar demonstra eficiência na redução de nematoides Meloidogyne javanica em soja, tanto na aplicação isolada como em associação com produto biológico. Complexo nutricional ativa os mecanismos de defesa e induz a planta a sintetizar metabólicos secundários, que atuam como barreiras físicas e químicas para dificultar a entrada e o desenvolvimento de patógenos
O
Embrapa Soja
produto Tractus Smart aplicado isoladamente ou associado foi eficiente na redução de nematoide. Os resultados encontrados mostraram que, em condições controladas, Tractus Smart possui efeito sinérgico com produto biológico, aumentando a eficácia no manejo de Meloidogyne javanica em soja. Os nematoides estão entre os principais limitantes da produtividade de soja no Brasil, com prejuízos anuais estimados em aproximadamente R$ 16 bilhões. O controle deste nematoide é dificultado, principalmente pela ampla distribuição geográfica e pela gama de hospedeiros, que dificulta a escolha de materiais pa-
18
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
ra rotação de culturas, além do fato de comprometer a realização da segunda safra. Desta forma, nos últimos anos, tem crescido o interesse por métodos alternativos de controle. Existe uma série de métodos recomendados para o controle de nematoides na soja, dentre eles, a rotação de culturas, o uso de genótipos resistentes e o controle químico e biológico. Contudo, alguns produtos têm mostrado potencial para o controle de nematoide. Nesse contexto, a Spraytec desenvolveu o Tractus Smart, que significa nutrição e correção na medida certa, em uma única operação, melhorando as propriedades físicas, químicas e
Figura 1 - Número total de Meloidogyne javanica em função da utilização de Tractus Smart isolado e associado a produto biológico comercial
biológicas do solo. Produto de alta tecnologia e biodegradável, é um fertilizante multielementar para ser aplicado como complemento associado ao adubo de base, no sulco ou a lanço. Um único grânulo contém quantidades equilibradas de alguns macros e micronutrientes, ácidos húmicos e aminoácidos de alta solubilidade e prontamente disponíveis às plantas, sem salinizar o solo, possibilitando maior crescimento radicular e estabelecimento inicial da cultura. Outra característica diferencial do produto está relacionada à sanidade. Em resposta à aplicação de Tractus Smart, os mecanismos de defesa são ativados, induzindo a planta a sintetizar metabólicos secundários, que atuam como barreiras físicas e químicas, dificultando a entrada e desenvolvimento de patógenos, como os nematoides. A utilização de cultivares de alto potencial genético associada ao desenvolvimento sustentável exige produtos inovadores, como o Tractus Smart. A partir do conhecimento do modo de ação de cada produto, há a hipótese de que eles podem agir em sinergia, otimizando o controle de nematoides parasitas de plantas.
OBJETIVO
Avaliar a aplicação isolada de Tractus Smart e sua associação com Produto Biológico para manejo de Meloidogyne javanica na cultura da soja.
MATERIAIS E MÉTODOS
O experimento foi desenvolvido sob a supervisão da pesquisadora Claudia
Figura 2 - Porcentagem de redução de Meloidogyne javanica em função da utilização de Tractus Smart isolado e associado a produto biológico comercial
R. Dias Arieira, em casa de vegetação, na Universidade Estadual de Maringá, Campus Regional de Umuarama, em delineamento inteiramente casualizado, com 14 tratamentos e sete repetições. Os tratamentos foram: Testemunha, Tractus Smart (30kg/ha) e Produto Biológico Comercial, utilizado de forma isolada e associada ao Tractus Smart. O ensaio foi conduzido em recipientes de poliestireno contendo 500ml de uma mistura de solo e areia (1:1), previamente autoclavado (120ºC/2h). Em cada unidade experimental foi feito um orifício no qual foram depositados o inóculo e a semente tratada com os produtos em estudo, de acordo com a dose indicada pelo fabricante. O inóculo consistiu de uma suspensão de 2ml contendo dois mil ovos de M. javanica, os quais foram obtidos de populações puras do nematoide, mantidas em soja, em casa de vegetação, por um período de dois meses, sendo extraídos das raízes pelo processo proposto por Boneti e Ferraz (1982), respectivamente. Decorridos 60 dias da instalação do experimento, as plantas foram cuidadosamente coletadas, separando-se parte aérea e raiz. As raízes foram cuidadosamente lavadas e submetidas ao processo de extração do nematoide M. javanica. As amostras obtidas foram avaliadas em microscópio de luz, usando câmara de Peters, quanto ao número total de nematoides. Este foi dividido pela massa fresca de raiz determinando-se o número de nematoides por grama de raiz. Os dados
obtidos foram submetidos à análise de variância a 5% de probabilidade e, em caso de significância, as médias foram comparadas pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade.
RESULTADOS
Todos os tratamentos avaliados promoveram redução de nematoide total nas plantas de soja após 60 dias de inoculação com M. javanica. Os melhores resultados na redução do número total de nematoides foram obtidos com associação do Tractus Smart e Produto Biológico Comercial, seguido pela utilização isolada do Tractus Smart. Vale ressaltar que Tractus Smart isolado e associado foi numericamente superior na redução do número de nematoides, quando comparado ao Produto Biológico (Figura 1). Associação de Tractus Smart e Produto Biológico Comercial causou redução acima de 67,81% do total de nematoides. A utilização de Produto Biológico isolado promoveu a menor porcentagem de redução do número total de nematoides (Figura 2).
CONCLUSÃO
O produto Tractus Smart aplicado isoladamente ou associado foi eficiente na redução dos nematoides. Os resultados encontrados mostraram que Tractus Smart possui efeito sinérgico com produto biológico, aumentando a eficácia no manejo de Meloidogyne javanica C em soja. Julio Roberto Fagliari, Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
19
Cana
Ação estagnadora Doença traiçoeira e ainda pouco estudada no Brasil, o raquitismo-dassoqueiras desponta como um dos responsáveis pela estagnação produtiva da cana-de-açúcar. Evitar o ingresso da bactéria nos talhões é a principal alternativa, já que não há transmissão por inseto-vetor, sobrevivência no solo ou registro de qualquer outro hospedeiro
A
cultura da cana-de-açúcar é uma das mais dinâmicas do agronegócio brasileiro e, possivelmente, a mais importante contribuição do Brasil no esforço mundial de mitigação do efeito estufa, seja pela substituição do combustível fóssil na indústria automotiva, seja na geração de bioenergia elétrica especialmente importante, pois o início da colheita da cana coincide com o início da estiagem e a necessidade de economia de água das hidroelétricas. A importância da cana dentro da agricultura brasileira pode ser observada pelo crescente aumento de sua produção, que em 2005-06 foi de 431,4 milhões, com um salto para 615,8 milhões
20
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
em 2018-19. No entanto, a cultura tem um desafio enorme pela frente, pois uma análise mais detalhada revela que o aumento da produção vem sendo obtido pelo crescimento da área de plantio, 5,8 milhões de hectares em 2005-06 e 8,6 milhões em 2018-19; a produtividade tem se mantido praticamente estável, ao redor de 70ton/ha, variando de 74,3ton/ha em 2005-06 a 71,3ton/ha em 2018-19. Muitos fatores bióticos e abióticos influenciam na produtividade da cana-de-açúcar, e a identificação de cada um desses aspectos não é uma tarefa fácil, pois depende do sistema de manejo de cada unidade produtiva. Independentemente dessa
Fotos Alfredo Seiiti Urashima
dificuldade, no entanto, é possível inferir que o raquitismo-das-soqueiras, causado pela bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli, é um das responsáveis pela estagnação da produtividade do setor produtivo como um todo, produtividade essa que se mantém estável há mais de 20 anos, apesar da incorporação constante das mais modernas tecnologias e lançamento de variedades com potencial produtivo cada vez maior. Algumas das razões que levam a acreditar na importância da doença para o setor canavieiro nacional incluem dados científicos obtidos ao longo de vários anos por diferentes países, já que pouca informação está disponível no Brasil: na África do Sul foi registrada quebra de até 15% na produção, na Austrália de até 14%, nos Estados Unidos foi de até 32%, em Fiji foi de 29% e na Etiópia de até 28%. Um dos poucos dados científicos que estão disponíveis para o Brasil mostrou uma redução de 26,22% na variedade RB867515 quando se comparou o peso médio em três cortes entre canas da parcela infectada com a bactéria e a sadia. Um estudo com três variedades que não são mais cultivadas mostrou uma produção média superior de 22% das canas tratadas termicamente para o controle do raquitismo. Outro dado preocupante sobre o raquitismo-das-soqueiras no Brasil foi revelado pelo levantamento de 201213, que mostrou que 10% dos 1.154 talhões das 50 usinas avaliadas da região Centro-Sul foram positivos e que 9,4% dos talhões de cana-planta estavam infectados, mostrando que mudas contaminadas foram empregadas na formação do canavial. Uma das recomendações mais importantes para o controle da doença é a exclusão, que nada mais é que o impedimento da entrada da bactéria num talhão de cana-de-açúcar. Essa recomendação é de extrema importância porque a bactéria não é transmitida por inseto-vetor, não sobrevive no solo e não tem nenhum outro hospedeiro além da cana. Assim, a única maneira de a doença ser introduzida em uma área de reforma é pelo plantio de materiais propagativos contaminados pela bactéria. Embora a utilização de mudas pré-brotadas esteja se disseminando como
Figuras 1 e 2 - Durante o desenvolvimento vegetativo não é possível a identificação de plantas doentes, padrão que se repete com 100 dias de campo
meio de produção de matéria-prima para reforma de canavial, o uso de materiais propagativos próprios ainda é uma prática bastante comum. Para esse último, a recomendação é que exame de sanidade quanto ao raquitismo seja realizado para assegurar que os materiais propagativos a serem empregados na reforma do canavial estejam sadios. O presente artigo tem o objetivo de levar ao conhecimento do setor produtivo canavieiro os novos dados de incidência de raquitismo-das-soqueiras em talhões selecionados para fornecer mudas para a reforma de canavial. Esses resultados são uma compilação dos testes diagnósticos para a doença realizados pelo método sorológico de “dot blot” pelo Laboratório de Genética Molecular da Universidade Federal de São Carlos, durante um período de seis anos (2013-2018) e que foram recentemente publicados na revista científica Crop Protection, onde uma discussão mais detalhada desse estudo pode ser encontrada. O primeiro dado importante a ser ressaltado é que o raquitismo-das-soqueiras foi identificado em 518 dos 1.431 talhões avaliados durante 2013 a 2018, ou seja, 40,2% dos talhões ana-
lisados estavam contaminados com a doença (Tabela 1). Uma análise mais detalhada foi feita empregando-se a incidência da doença ao longo dos anos, pois o número de talhões amostrados variou muito no período, portanto a porcentagem de talhões doentes com raquitismo-das-soqueiras foi o parâmetro adequando. Quando essa avaliação foi feita, verificou-se que houve um aumento crescente da incidência de raquitismo ao longo do período avaliado, 2013 tendo a menor incidência, com 20,5% dos talhões, e 2018 com uma explosão, atingindo 86,7%. Esse dado é assustador, pois mostra um aumento constante da doença e que em 2018, a quase totalidade dos talhões reformados já estaria com raquitismo, caso a reforma do talhão fosse feita com material propagativo coletado dos talhões enviados para exame diagnóstico em laboratório. Importante ressaltar aqui o quão difícil é a identificação dessa doença no campo, visto que ela não apresenta sintomas característicos, que somente pode ser feita com segurança através de exame laboratorial. A ausência dos sintomas é uma das características que mais dificultam o seu controle e uma das principais causas para a disseminação silenciosa
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
21
nas unidades produtivas. Uma outra análise enfocou a distribuição da bactéria causadora do raquitismo-das-soqueiras em cada uma das cinco variedades mais empregadas na reforma de canaviais (Tabela 2). O número total de talhões analisados foi de 1.431, sendo que os das variedades RB867515 e RB966928 correspondeu a 65,8% do total, demonstrando a popularidade dessas duas variedades para áreas de reforma de canavial. O nível de incidência de raquitismo-das-soqueiras nessas duas variedades foi de 35%, muito próximo da média geral no período. Como os melhores talhões de uma unidade produtora são os escolhidos para fornecerem materiais propagativos e, portanto, são os que foram analisados, esses números sugerem que a incidência do raquitismo na propriedade pode estar ainda maior se forem considerados talhões não selecionados. Com relação às outras variedades, RB855156 se destacou por apresentar o menor nível de doença entre todas, com 27,3% dos talhões, enquanto CTC4 apresentou maior nível, com 49,3%. Após essa visão mais geral, estudo mais detalhado foi realizado através da observação da incidência de raquitismo em cada variedade ao longo dos anos e também pela distribuição interna da doença dentro de cada talhão. Isso porque o fato de um talhão ser positivo para raquitismo não permite elucidar quantos toletes dentro desse talhão foram positivos, se um ou 99. Como o exame diagnóstico de “dot blot” é realizado empregando-se seivas de 100 toletes, a distribuição do raquitismo-das-soqueiras dentro do talhão foi feita pela porcentagem de toletes positivos dentro do talhão. Quanto menor for a contaminação interna, mais demorada vai ser a transmissão da doença para todas as touceiras do talhão, pois um tolete contaminado pode transmitir a doença por até 13m de distância pelas lâminas da colheitadeira; quanto mais toletes doentes existir, mais fontes de inóculo da doença vai haver e mais rapidamente todo o talhão estará
Dificuldade de identificação de plantas doentes no campo mostra a dimensão do problema
22
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
doente. Assim, a queda na produtividade vai ser mais acentuada quanto mais o raquitismo-das-soqueiras estiver disseminado dentro de um talhão. A análise da incidência de raquitismo-das-soqueiras em cada variedade e também dentro de cada talhão doente foi realizada ao longo dos seis anos (Tabela 3). O primeiro dado que chamou a atenção foi o aumento assustador da incidência de raquitismo-das-soqueiras, que já havia sido observado na compilação geral (Tabela 1), mas também se repetiu nas variedades, ou seja, a maior incidência da doença ocorreu no último ano do estudo (2018) em quatro das cinco variedades, com porcentagem variando entre 91,8% (RB966928) e 72,7% (CTC4). A exceção foi CTC4, que mostrou alta porcentagem de raquitismo-das-soqueiras em todos os anos do período; a RB92579 também teve essa característica preocupante. CTC4 foi uma das variedades que mais cresceram na preferência para reforma de canavial, tinha 7,7% de participação geral em 2015 e saltou para 14,3% em 2018-19. Esse dado é preocupante, pois a recomendação de descarte do talhão todo para uso em reforma de canavial quando da detecção de algum tolete positivo pode não ter sido seguida devido à necessidade de grande quantidade de material propagativo necessária nessa expansão. Infelizmente, o uso de tratamento térmico dentro das usinas para a eliminação da bactéria em toletes contaminados não tem sido adotado. Os dados da porcentagem de incidência de raquitismo-das-soqueiras dentro de um talhão podem sugerir que o plantio de material propagativo doente foi utilizado em muitas situações. Isso se a recomendação de uso de cana-planta, e não de outros cortes, tiver sido seguida. É recomendado que os materiais propagativos para reforma de canavial sejam de cana-planta, pois o uso de colheitadeiras dissemina a doença. Assim, se um talhão de cana-planta apresentar raquitismo antes da primeira colheita pode-se deduzir que material propagativo contaminado foi empregado na reforma do canavial. Em termos de estratégia de manejo do raquitismo-das-soqueiras, a análise diagnóstica em talhões de cana-planta avalia a sanidade do material empregado em áreas de reforma e o exame desse mesmo talhão no último corte antes da reforma mostra o quanto a doença se disseminou durante o processo produtivo de uma usina, ou seja, o quão eficiente está o controle da doença. Não se conhece o número de usinas/unidades produtivas que adotam o teste diagnóstico dos materiais a serem propagados, muitos podem ainda não ter a exata noção da importância do uso de material propagativo sadio para o controle do raquitismo-das-soqueiras. Ademais, muitas das usinas que já fazem uso dessa estratégia de controle podem não estar conscientes dessa tendência de alta na incidência do raquitismo observada no período estudado. Um outro estudo também foi iniciado na UFSCar, campus Araras, para complementar os dados de contaminação dos materiais propagativos aqui apresentados. A pesquisa emprega três importantes variedades brasileiras (RB867515, RB92579, RB966928), sadias e doentes em relação ao raquitismo-das-soqueiras e submetidas a diferentes condições (com ou sem termoterapia). O objetivo é examinar o efeito de cada um dos tratamentos na produção de cana, a eficácia do tratamento térmico e o progresso da doença em função do número de cortes
Fotos Alfredo Seiiti Urashima
Tabela 1 - Incidência anual de Leifsonia xyli subsp. xyli em cinco variedades mais populares (RB966928, RB867515, RB92579, RB855156 e CTC4) para reforma de canavial na região Centro-Sul em 2013-2018 Ano
Total de talhões 292 400 249 190 142 158 1431
2013 2014 2015 2016 2017 2018 Total
Talhões doentes 60 137 67 54 63 137 518
% talhões doentes (Oi) 20,54 34,25 26,9 28,42 44,36 86,71 (média) 40,20
% esperada talhões doentes (Ei) 40,20 40,20 40,20 40,20 40,20 40.20
(Oi - Ei) Ei 9,61 0,88 4,40 3,45 0,43 53,81 χ2: 72,57*
*Teste homegeneidade para amostras analisadas de 2013-18. O χ2 empregado para comparação foi 11,07 (5% significância e 5 graus de liberdade) Adaptado de Urashima et al., 2020
Tabela 2 - Incidência de Leifsonia xyli subsp. xyli entre as cinco variedades mais empregadas em reforma de canavial na região Centro-Sul durante 2013-2018 Cultivar RB867515 RB966928 RB92579 RB855156 CTC4 Total
Total de talhões 493 448 86 264 140 1431
Talhões doentes 176 161 40 72 69 518
% talhões doentes (Oi) 35,70 35,94 46,51 27,27 49,29 (média) 36,20
% esperada talhões doentes (Ei) 38,85 38,85 38,85 38,85 38,85
(Oi - Ei) Ei 0,20 0,22 1,51 3,97 2,80 χ2: 8,69*
*Homogeneity Test de homegeneidade para amostras analisadas em 2013-18. O X2 empregado para comparação foi 9,49 (5% significância e 4 graus de liberdade). Adaptado de Urashima et al., 2020
Tabela 3 - Incidência anual de talhões contaminados e porcentagem de toletes positivos para Leifsonia xyli subsp. xyli em cinco variedades mais importantes para reforma de canavial da região Centro-Sul em 2013-2018
Presença de raquitismo após vários cortes em variedades suscetíveis
2013 2014 2015 2016 2017 2018 Total
RB966928 % amostras positivas Talhões Toletes 14 (18.2) 28.1 44 (31.9) 10.3 25 (27.8) 13.6 5.7 18 (31.6) 6.1 15 (40.5) 45 (91.8) 18.6 161 (36.7) 13.7
RB867515 RB867515 CTC4 % amostras positivas % amostras positivas % amostras positivas Talhões Toletes Talhões Toletes Talhões Toletes 7.0 27 (25.0) 10.4 3 (5.4) 12 (46.2) 10.6 9.3 5.5 38 (29.4) 21 (29.6) 20 (50.0) 10.4 7.3 44.5 19 (27.9) 2 (5.0) 10 (30.3) 10.4 5.0 11.0 20 (27.8) 10.3 7 (16.7) 5 (45.5) 5.9 8.9 17.0 28 (42.4) 14 (50.0) 6 (75.0) 44 (88.0) 18.4 25 (89.3) 13.9 16 (72.7) 16.1 176 (35.7) 10.3 72 (27.3) 14.1 69 (49.3) 12.6
RB92579 % amostras positivas Toletes Talhões 9.0 4 (15.4) 17.4 14 (63.6) 16.3 11(61.1) 14.5 4 (50.0) 0 0 (0.0) 25.0 7 (77.8) 13.7 40 (46.5)
Adaptado de Urashima et al., 2020
(ou colheitas). Um ponto que já chamou a atenção no campo é que não é possível a identificação das plantas doentes durante o desenvolvimento vegetativo, exemplo ilustrativo pode ser visto na Figura 1, que mostra as canas dois meses após o transplante ao campo; a única diferença visível ocorreu no desenvolvimento das variedades. Já a Figura 2 mostra as canas com 100 dias de campo, onde o mesmo padrão se repetiu, qual seja, a impossibilidade de se diferenciar canas de parcelas doentes, sadias ou submetidas ao tratamento térmico, se forem da mesma variedade. A impossibilidade de identificação no campo das plantas doentes vista nesse estudo confirma mais uma vez o quão traiçoeira
essa doença é, a consequência do emprego de material vegetativo doente somente vai ser verificada (e quantificada) por ocasião da colheita, o que se espera obter em um futuro próximo. O objetivo desse artigo foi o de levar ao setor produtivo os dados mais recentes sobre a qualidade sanitária dos talhões em relação ao raquitismo-das-soqueiras e do perigo potencial dessa doença. Com isso, se busca contribuir para evitar a disseminação da doença para novos canaviais e aumentar C a produtividade do setor.
Alfredo Seiiti Urashima, UFSCar Campus Araras
Urashima alerta para o perigo potencial da doença nos canaviais do Brasil
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
23
Soja
Safra de desafios Marcelo Madalosso
Em um cenário marcado por riscos quanto à ocorrência de doenças nas lavouras de soja na safra 2020/21, se torna ainda mais importante compreender a dinâmica deste complexo e trabalhar o posicionamento correto das aplicações de fungicidas para alcançar sucesso no manejo
A
cultura da soja ocupa no Brasil uma área estimada em 36,9 milhões de hectares, sendo 12 milhões de hectares localizados na Região Sul (Conab, 2020), consolidando a importância da cultura para a agricultura brasileira. Essa importância eleva a necessidade de práticas de manejo que minimizem as perdas produtivas pela ocorrência de doenças. Entretanto, a campo ainda existem dúvidas na diagnose e identificação das doenças que estão presentes. A mancha-parda, causada pelo fungo Septoria glycines, é a primeira doença a ser detectada na planta devido à sua capacidade de sobrevivência em restos culturais e de apresentar sintomas já na folha unifoliada (Figura 1). O crestamento foliar por cercospora, causado por Cercospora kikuchii, ocorre durante todo o ciclo 26
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
(Figura 2). Esse patógeno apresenta alta capacidade de sobreviver em restos culturais e de ser transmitido via sementes, onde causa a mancha-púrpura (Figura 3). Além das manchas foliares, outra doença que vem causando preocupação no campo é a antracnose, causada por Colletotrichum truncatum. Os sintomas se iniciam nas nervuras das folhas (Figura 4) e podem evoluir para os pecíolos e legumes (Figura 5), onde ocorrem os maiores danos à produtividade. O oídio, causado por Microsphaera difusa, foi a doença que teve ocorrência mais pronunciada no Rio Grande do Sul na safra 2019/20, devido à escassez de chuvas, condição que é favorável a esse patógeno. Essa doença pode ser muito agressiva em algumas cultivares de soja, podendo causar a desfolha precoce da planta
Fotos Elevagro
quando o ataque for severo (Figura 6). A ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é a doença com maior potencial de dano à cultura da soja. Esse patógeno ataca as folhas (Figura 7), causando desfolha precoce (Figura 8) e prejudicando o enchimento dos grãos. Esse fato explica a preocupação que essa doença gera no produtor de soja. Tanto a ferrugem-asiática como o oídio são causados por patógenos biotróficos, que necessitam de hospedeiro vivo para sobreviver na entressafra. Dessa forma, a presença de soja voluntária no campo é uma das formas mais efetivas para a manutenção desses patógenos no sistema de cultivo. Durante o período de inverno no Rio Grande do Sul, normalmente as plantas de soja não sobrevivem devido às temperaturas baixas. Entretanto, o inverno de 2020 tem apresentado períodos de temperatura acima da média e essa condição favorece o desenvolvimento de plantas voluntárias de soja. Na Figura 9, a presença de oídio nas folhas das plantas é visualmente detectada e em posterior análise laboratorial foram observados esporos ativos de Phakopsora pachyrhizi. Esse fato gera um alerta para a safra 2020/21, pois possivelmente haverá a presença desses fungos desde o início do período de semeadura da soja. Nesse cenário de risco de ocorrência de doenças para a safra 2020/21, é fundamental o entendimento da dinâmica do complexo de doenças para o sucesso do manejo. Nesse sentido, cabe ressaltar que a grande maioria das áreas de soja no Brasil está em sistema de monocultivo e assim há um acúmulo de inóculo de patógenos necrotróficos nos restos culturais. Isso explica o fato de as manchas foliares e antracnose estarem causando o impacto produtivo, a ponto de gerar preocupação aos produtores. Esse grupo de fungos está presente no sistema de cultivo desde os estádios iniciais da cultura e dependendo das condições ambientais dessa fase, pode-se detectar sintomas dessas doenças nos primeiros 30 dias de vida da soja. Os resultados obtidos nas safras de 2018/19 e 2019/20 evidenciam que o posicionamento do programa fungicida focado na ocorrência tardia da ferrugem-asiática permite que outras doenças se estabeleçam e causem perdas produtivas. Os patamares produtivos da safra 2018/19 foram maiores que na safra 2019/20 devido à seca severa que assolou o Rio Grande do Sul. Mesmo assim, foram observadas respostas significativas ao posicionamento dos fungicidas. No experimento da safra 2018/19 (Figura 10) o objetivo foi mensurar o impacto produtivo da antecipação das aplicações para estádio vegetativo e da flexibilização dos intervalos entre aplicações. Os resultados demonstram que os programas fungicidas iniciados em estádio vegetativo apresentaram, em média, 6,4 sc/ha a mais que os programas iniciados em R1. Essa diferença provavelmente está relacionada à presença de manchas foliares nos tratamentos em que a aplicação ocorreu em R1, por volta dos 45 dias após a emergência da soja. Além disso, os dados evidenciam que a flexibilização do intervalo entre aplicações de 15 para 21 ou 25 dias resulta em perdas maiores quando a primeira aplicação ocorre mais tarde. Dessa forma, se por algum motivo ocorrer no campo uma flexibilização do intervalo entre as aplicações, a presença de in-
Figura 1 - Sintoma de mancha-parda (Septoria glycines) nas folhas da soja
Figura 2 - Presença de crestamento foliar por cercospora (Cercospora kikuchii) nas folhas
Figura 3 - Mancha-púrpura (Cercospora kikuchii) nos grãos da soja
Figura 4 - Antracnose (Colletotrichum truncatum) nas nervuras das folhas
Figura 5 - Sintoma de antracnose (Colletotrichum truncatum) nos pecíolos e legume/grãos
Figura 6 - Sintoma inicial e ataque severo de oídio (Microsphaera diffusa) em folhas da soja
Figura 7 - Ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) em folhas da soja
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
27
Figura 8 - Plantas de soja desfolhadas precocemente pelo ataque da ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi)
Figura 9 - Plantas de soja voluntária com sintomas de manchas foliares e oídio e esporos de Phakopsora pachyrhizi detectados nessas plantas em agosto/2020
Figura 10 - Produtividade (Sc/ha) da cultivar BMX Ativa RR semeada em 13/11/2018 com e sem aplicação de vegetativo e com flexibilização dos intervalos entre as aplicações dos fungicidas. Itaara, RS. *Programa fungicida utilizado: V6/V7 - Piraclostrobina + Fluxapiroxade + Clorotalonil; R1 - Trifloxistrobina + Protioconazole + Mancozebe; 15d - Picoxistrobina + Benzovindiflupir + Mancozebe; 15d - Picoxistrobina + Ciproconazole + Fenpropimorfe
grediente ativo nas folhas do baixeiro proporcionada pela aplicação de vegetativo auxilia na proteção dos tecidos, evitando que a epidemia se estabeleça de forma agressiva. A deposição de ingrediente ativo nas folhas do baixeiro proporcionada pela aplicação de vegetativo tem impacto na epidemia das doenças, principalmente as manchas foliares, e na longevidade dessas folhas pelo efeito na fisiologia da planta. Sendo assim, a soma desses efeitos impacta a produtividade da soja. Na safra 2019/20 esperava-se que as respostas produtivas não ocorressem devido à seca severa que assolou o Rio Grande do Sul, porém os dados mostram que mesmo com baixa pressão de doenças houve impacto produtivo pela proteção das plantas. A soja semeada em outubro ainda atingiu produtividades dentro da normalidade (Figura 11A). Já na segunda época de semeadura o estresse hídrico se agravou e a produtividade caiu consideravelmente (Figura 11B). O objetivo desses ensaios foi verificar o efeito do momento do início do programa fungicida e diferentes períodos de proteção da soja, sendo 75 dias com cinco aplicações ou 60 dias com quatro, três e duas aplicações com diferentes intervalos. Para o experimento instalado na soja semeada em outubro (Figura 11A), a maior produtividade foi obtida com cinco aplicações, com 13,4 sc/ha a mais que a área não tratada. Cabe ressaltar que nessa época foi detectada a presença da ferrugem-asiática com severidade final de 35%. Isso pode explicar esse resultado. Os programas com quatro e três aplicações não diferiram entre si, porém com quatro aplicações foram quase três sc/ha a mais que com três aplicações. Nesse caso, vale frisar que essa safra foi de baixa pressão e provavelmente em anos de disponibilidade hídrica dentro da normalidade, essa diferença deva ser maior. Quando realizadas apenas duas aplicações com intervalo de 30 dias, a produtividade não diferiu estatisticamente da testemunha, com atraso da primeira aplicação e um intervalo muito longo, houve possibilidade de infecção da planta pela doença. Já o experimento instalado na soja semeada em novembro, a maior produtividade, 12,7 sc/ha maior que a área não tratada, foi obtida com quatro aplicações e não com cinco aplicações.
Figura 11 - Produtividade (sc/ha) da cultivar BMX Lança Ipro semeada em 26/10/2019 (A) e BMX Lança Ipro semeada em 12/11/2019 (B) com diferentes momentos do início, número e intervalos entre as aplicações dos fungicidas. Itaara, RS. *Programa fungicida utilizado: 30/31 e 44/49 DAE - Trifloxistrobina + Protioconazol + Bixafen + Mancozebe; 15 e 20d - Picoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe; 15d - Piraclostrobina + Fluxapiroxade + Epoxiconazol; 15 e 20 e 30d - Picoxistrobina + Ciproconazole + Fenpropimorfe; 15d - Trifloxistrobina + Ciproconazol + Clorotalonil + Difenoconazole
28
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Figura 12 - Incremento médio na produtividade pela associação de fungicidas multissítios a programas com três aplicações de fungicidas sistêmicos. Safra 2019/20. Itaara, RS
Mônica traça cenário para doenças em soja na próxima safra e aponta alternativas de manejo
Esse resultado pode ser explicado pela escassez de chuvas que resultou em menor pressão de doenças. Nessa época, os programas com três e duas aplicações não diferiram entre si, nem da parcela não tratada. O que pode explicar esse resultado é o fato de as plantas terem sido submetidas a um estresse hídrico muito prolongado e quando o intervalo entre as aplicações foi maior que 15 dias o efeito do fungicida na fisiologia da planta ficou
prejudicado. Entretanto, em muitas áreas no Rio Grande do Sul as aplicações não foram realizadas devido à seca, e é possível que isso tenha agravado a perda produtiva da soja. Outro resultado que surpreendeu nessa safra foi a resposta positiva à adoção de multissítios nos programas fungicidas, que fica evidente na Figura 12. Os incrementos produtivos pela associação dos multissítios variaram de 272,6kgh/ha a 416kg/ha de soja, indicando a impor-
tância desse grupo de fungicidas no sistema produtivo. É importante ressaltar que as cultivares modernas, com alto potencial produtivo, geram plantas cada vez mais sensíveis à interferência. Nesse sentido, os fungicidas sistêmicos e multissítios têm um papel fundamental na proteção da expressão desse C potencial produtivo. Mônica Paula Debortoli Instituto Phytus
Soja
Ataque baixo Dirceu Gassen
Corós, percevejos-castanhos, lagarta-elasmo, cochonilhas e larvas estão entre as pragas de solo causadoras de danos às plantas de soja logo após a emergência. Seus alvos principais são raízes, haste e pecíolos. O manejo desses insetos é especialmente preventivo, o que exige monitoramento mesmo antes da instalação da lavoura
C
aracterizam-se como pragas de solo da soja aqueles insetos que atacam a cultura durante a etapa de germinação das sementes ou logo após a emergência das plantas, atingem as raízes, hastes ou pecíolos de plantas jovens, podendo afetar o estande, o vigor, a uniformidade das plantas, bem como o rendimento de grãos da cultura. O cultivo da soja em áreas implantadas no sistema plantio direto favorece o desenvolvimento de pragas de solo na cultura, uma vez que neste sistema de cultivo, o solo não é manejado com grades e arados. As pragas de solo que atacam as raízes da soja são, principalmente, os corós e os percevejos-castanhos que pertencem, respectivamente, às ordens Coleoptera e Hemiptera. Esses dois grupos de pragas apresentam, normalmente, uma forte associação com o solo onde ocorrem e podem destruir as
30
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
raízes da soja, afetando negativamente o estabelecimento da cultura, o desenvolvimento inicial das plantas e, consequentemente, a sua produtividade. Outras pragas que também apresentam uma estreita relação com o solo, como lagarta-elasmo, cochonilhas e larvas de crisomelídios, podem também atacar a soja em seus estádios iniciais de desenvolvimento e afetar o desenvolvimento e a produtividade desta cultura.
CORÓS RIZÓFAGOS
Corós são larvas de coleópteros que apresentam coloração branca, três pares de pernas torácicas que se posicionam no formato de U, quando em repouso. Várias espécies de corós desenvolvem-se no solo, porém, apenas uma pequena porcentagem desses organismos causa danos nos cultivos agrícolas, podendo ocorrer tanto no sistema de plantio direto
P. M. Fernandes
Fotos C. J. Ávila
B
A
Figura 2 - Adulto (A) e larva (B) de Phyllophaga cuyabana
como no convencional. Os danos de corós na soja (Figura 1) são causados pelo consumo de raízes ou até mesmo dos nódulos de fixação biológica de nitrogênio, acarretando-se redução na capacidade das plantas de absorver água e nutrientes. Essa intensidade de danos é maior em plantas jovens de soja, especialmente quando cultivadas em condições de déficit hídrico. As plantas atacadas por corós apresentam inicialmente desenvolvimento retardado, seguido por amarelecimento, murcha e morte, com esses sintomas ocorrendo normalmente em reboleiras distribuídas irregularmente nas lavouras. Em condições de alta infestação de corós no solo, pode ocorrer até 100% de perda da lavoura, especialmente quando a presença de larvas mais desenvolvidas coincide com a fase inicial de desenvolvimento das plantas de soja. O coró-da-soja, Phyllophaga cuyabana (Figura 2) é uma espécie que apresenta uma geração por ano (univoltine) e que tradicionalmente ocorre nas lavouras de soja do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. Já o coró-da-soja-do-cerrado, Phyllophaga capillata (Figura 3) é outra espécie que tem sido constatada causando danos na cultura da soja no Distrito Federal e em Goiás. Nos estados de Goiás e Mato Grosso tem-se também constatada a espécie Liogenys fuscus (Figura 4), estudada desde a safra 2002/03, quando causou perdas de 50% a 100% em lavouras de soja do estado de Goiás. Após completarem seu ciclo imaturo, os adultos saem do solo em revoadas para oviposição durante os meses de setembro e ou-
tubro, coincidindo com as primeiras chuvas da região. Algumas larvas de melolontídeos, que têm o hábito de construir galerias verticais no solo, são frequentemente encontradas em lavouras de soja da região Centro-Sul do País, especialmente nos sistemas de integração lavoura-pecuária. Esse grupo de corós, geralmente representado por espécies do gênero Bothynus (Figura 5), não é considerado praga e se alimenta apenas de restos vegetais em processo de decomposição.
PERCEVEJOS-CASTANHOS
No Brasil, há registros da ocorrência de percevejo-castanho em vários estados, embora se observe uma incidência mais acentuada na região dos Cerrados. O ataque desses insetos ocorre, normalmente, em grandes reboleiras nos cultivos de soja, sendo observados focos de infestação de até 70 hectares. Os danos na soja são decorrentes da sucção contínua da seiva nas raízes, o que pode levar ao enfraquecimento ou
A
até mesmo à morte das plantas. As diferentes espécies de plantas hospedeiras nas quais o percevejo castanho se alimenta, apresentam graus diferenciados de suscetibilidade ao seu ataque. Ávila et al. (2009) constataram que o algodoeiro foi a espécie mais suscetível à alimentação de Scaptocoris castanea, seguido por soja, milho, sorgo e arroz. Como são de hábito subterrâneo, tanto ninfas como os adultos alimentam-se sugando a seiva das raízes das plantas de soja, deixando-as com aspecto amarelado (Figura 6). A presença dos percevejos-castanhos nas lavouras é facilmente reconhecida pelo forte cheiro que estes insetos exalam, quando o solo é movimentado nas áreas infestadas. No Brasil, as principais espécies de percevejo-castanho associadas à cultura da soja são S. castanea, S. carvalhoi e S. buckupi. No estado de Goiás, as revoadas dessa praga iniciam-se no período chuvoso durante o mês de novembro e persistem até março, período em que há predominância de adultos no solo.
Fotos C. M. Oliveira
Figura 1 - Lavouras de soja com danos de corós
B
Figura 3 - Adulto (A) e larva (B) de Phyllophaga capillata
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
31
L. M. Vivan
S. Rodrigues
B
A
condições climáticas adequadas, pode favorecer o desenvolvimento do inseto.
OUTRAS PRAGAS DE SOLO
Figura 4 - Adulto (A) e larva (B) de Liogenys fusca
A lagarta-elasmo, Elasmopalpus lignosellus (Figura 7) é outra praga que pode danificar plantas jovens de soja, especialmente quando o inseto já estiver presente na cultura ou cobertura a ser dessecada (exemplo: trigo, aveia, tiguera de milho) para plantio da soja. O inseto é considerado polífago, ou seja, alimenta-se de diversas espécies de plantas cultivadas ou silvestres, em especial de gramíneas e leguminosas. O adulto faz a postura nas plantas de soja, no solo ou em restos culturais presentes na área. Após a eclosão, as larvas alimentam-se inicialmente de matéria orgânica ou raspam o tecido vegetal para, em seguida, penetrarem no colo da planta, um pouco abaixo do nível do solo, onde constroem uma galeria ascendente na haste central da planta. Próximo ao orifício de entrada na planta, as larvas tecem um casulo formado de excrementos, restos vegetais e partículas de terra, sintomas estes que caracterizam a presença da praga no ambiente. Uma mesma lagarta pode atacar até três plantas de soja durante a sua fase larval, sendo o período da emergência até aos 30-40 dias de desenvolvimento das plantas (até o estádio V2-V3), a fase da cultura mais suscetível ao ataque da praga. Como consequência do dano da lagarta-elasmo, a soja inicialmente murcha e posteriormente seca, em razão da obstrução do transporte de água e de nutrientes do solo para a parte aérea da planta. Quando a planta de soja está
32
mais desenvolvida e com o caule mais lignificado, a lagarta alimenta-se apenas da parte externa, deixando cicatrizes externas visíveis da injúria do inseto. Nesta região, pode ocorrer a formação de um calo com tecido frágil, que pode se quebrar facilmente pela ação do vento. A intensidade de danos da lagarta-elasmo na soja é maior e mais frequente em condições de alta temperatura e de déficit hídrico no solo, especialmente nos solos arenosos ou mistos conduzidos em plantio convencional. Nas áreas de semeadura direta, a incidência da lagarta-elasmo tem sido menor, porém outros fatores como resteva de cultivos, especialmente de gramíneas na área e
MANEJO DAS PRAGAS QUE ATACAM AS RAÍZES
Para o manejo efetivo de pragas que atacam as raízes da soja, como é o caso de corós e do percevejo-castanho, é necessário fazer o monitoramento dessas pragas antes mesmo da instalação da
C. J. Ávila
LAGARTA-ELASMO
Cochonilhas das raízes do gênero Pseudococcus sp. são frequentemente observadas no coleto de plantas de soja cultivadas no sistema plantio direto, embora em baixas densidades. Em condições de alta infestação de ninfas desta praga na cultura, as plantas podem atrasar o seu desenvolvimento e reduzir a massa seca da parte aérea, bem como o número de vagens e o peso dos grãos de soja. Larvas de Diabrotica speciosa ou de Cerotoma sp. podem também, eventualmente, ser observadas atacando raízes de soja ou os nódulos de rizóbios, especialmente nos estádios iniciais de desenvolvimento da cultura. Esses tipos de danos podem reduzir o estande da soja ou afetar negativamente a fixação biológica de nitrogênio na planta de soja e, consequentemente, a produtividade da cultura.
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Figura 5 - Adulto de Bothynus sp.
L. M. Vivan
Figura 6 - Lavoura de soja com danos do percevejo-castanho
Crébio José Ávila Embrapa Agropecuária Oeste Elizete Cavalcante de Souza Vieira Ivana Fernandes da Silva Universidade Federal da Grande Dourados
Fotos Embrapa Soja
lavoura, uma vez que todas as táticas de controle a serem utilizadas são preventivas. Dentre as técnicas que podem ser utilizadas para o controle de corós e percevejos-castanhos, destacam-se escolha da melhor época de semeadura, preparo do solo com implementos adequados e aplicação de inseticidas nas sementes ou em pulverização no sulco de semeadura. Como os adultos dos corós apresentam normalmente uma forte atração pela luz, as armadilhas luminosas durante o período de emergência dos insetos do solo podem capturar um número expressivo de insetos durante a noite e assim contribuir para reduzir a sua infestação nos cultivos. A aplicação de inseticidas nas sementes e no sulco de semeadura da soja constitui alternativa eficiente para o manejo das diferentes espécies de corós citadas previamente, especialmente em sistemas conservacionistas, como o plantio direto. Já no caso do percevejo-castanho, inseticidas aplicados nas sementes não têm mostrado ser uma tática eficiente. Todavia, a pulverização no sulco de plantio com inseticidas químicos, especialmente quando o percevejo está localizado próximo da superfície do solo, pode proporcionar um bom controle
da praga, dependendo do inseticida e da dose do produto empregada. Trabalhos conduzidos pela Fundação MT evidenciaram que o cultivo de crotalárias em rotação de culturas, especialmente com a espécie Crotalaria spectabilis, pode afetar negativamente o desenvolvimento do percevejo-castanho no solo, reduzindo assim a sua população na área infestada. O pousio, ou seja, a ausência de cultivo de espécies de plantas hospedeiras do percevejo-castanho na área infestada constitui também outra tática de controle desta praga. O controle biológico do percevejo-castanho empregando-se fungos entomopatogênicos pode ser também uma alternativa promissora. Xavier e Ávila (2006) identificaram quatro isolados de Metarhizium anisopliae, que proporcionaram níveis de controle de S. carvalhoi superiores a 80%, em condições de laboratório. Com relação ao controle da lagarta-elasmo, tem sido comprovado que chuvas bem distribuídas, durante os primeiros 30 dias de desenvolvimento da cultura, praticamente eliminam a infestação do inseto nas lavouras de soja. No sistema plantio direto, que propicia melhor conservação de umidade do solo, essa praga tem ocorrido em menor intensidade quando comparado ao plantio convencional. Da mesma forma, a irrigação pode constituir-se em medida de controle do inseto, em lavouras instaladas com pivô central. A pulverização de inseticidas na parte aérea da soja tem proporcionado baixa eficiência de controle da lagarta-elasmo (< 50%), em razão da posição em que a praga fica alojada na planta. Já o tratamento de sementes com inseticidas sistêmicos, tais como fipronil, imidacloprido + tiodicarbe, ciantraniliprole + tiametoxam e clorantraniliprole, pode ser empregado, com eficiência, em áreas que tradicionalmente C essa praga tem sido problema.
A
B
Figura 7 - Adulto (A) e larva de lagarta-elasmo (B)
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
33
Soja
Resposta no solo Muitas vezes relegada a segundo plano, a melhoria da fertilidade do solo sob o ponto de vista químico, físico e biológico é uma ferramenta-chave que pode tornar as plantas de soja mais tolerantes ao ataque de nematoides e contribuir para o manejo integrado desses parasitas
A
s doenças causadas por nematoides encontram-se entre os principais problemas fitossanitários enfrentados pelos sojicultores brasileiros, principalmente na região Centro-Oeste do País. Das mais de 100 espécies de nematoides associadas a cultivos de soja em todo o mundo, cinco têm ocasionado os maiores prejuízos nas condições brasileiras: nematoide-de-cisto (Heterodera glycines), nematoide-de-galhas (Meloidogyne javanica
e M. incognita), nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e nematoide-reniforme (Rotylenchulus reniformis). Recentemente, outras espécies têm sido apontadas como possíveis causadoras de danos às raízes de soja no Brasil, como Scutellonema brachyurus, Tubixaba tuxaua e Helicotylenchus dihystera, porém apresentando, até o momento, importância secundária. Além dos nematoides prejudiciais às raízes, há ainda o Aphelenchoides besseyi,
Fotos Henrique Debiasi
34
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
relacionado à “soja louca II”, que tem ocasionado perdas médias de produtividade de até 60% em regiões quentes e chuvosas do Maranhão, Tocantins, Pará e Mato Grosso. Os sintomas ocasionados pelos nematoides das raízes variam em função da espécie, mas todos resultam na formação de reboleiras, onde os danos são mais expressivos. Nesses locais são observados gradientes crescentes de atrofiamento e clorose das plantas até
Figura 1 - Aspecto visual da cultura da soja em duas regiões (A e B) de uma gleba agrícola localizada em Vera/MT, com diferenças na densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e nos teores de argila e matéria orgânica (MOS) do solo na camada de 0-20 cm. A época de semeadura e a cultivar de soja utilizadas foram as mesmas em ambas as regiões
Região A 22% de argila MOS = 2,1% 12.550 nematoides por planta
o centro da reboleira, onde pode, inclusive, ocorrer morte de plantas. Como resultado, perdas de 30% a 75% na produtividade da soja pelo ataque de nematoides têm sido reportadas na literatura. A formação das reboleiras tem sido atribuída à maior densidade populacional dos nematoides em determinadas regiões da lavoura, devido à baixa mobilidade desses parasitas no solo. Entretanto, a intensidade dos danos dos nematoides não está associada apenas à sua concentração e à sua patogenicidade, mas também à suscetibilidade da planta e às características do ambiente. No caso das doenças radiculares causadas por fitonematoides, o ambiente é determinado pela fertilidade química, física e biológica de solo que, por sua vez, influencia tanto a sobrevivência, a reprodução e a patogenicidade dos nematoides, quanto à suscetibilidade das plantas ao parasita. A importância do ambiente solo na determinação dos danos ocasionados por nematoides é ilustrada na Figura 1, que compara duas regiões de um talhão de aproximadamente 450ha de soja localizado no Médio-Norte do Mato Grosso, infestado pelo nematoide-das-lesões-radiculares (P. brachyurus). A cultivar e a época de semeadura foram idênticas nas duas regiões. Mesmo apresentando uma densidade populacional (do nematoide) cerca de 75% superior, a intensidade dos sintomas é visivelmente menor na região A (26% de argila) em comparação à B (10% de argila). Em geral, o aumento do teor de argila proporciona, entre outros benefícios, maior armazenamento de água e nutrientes, resultando assim em ambiente que favorece maior tolerância das plantas de soja aos danos de P. brachyurus. Da mesma forma, o maior teor de
Região B 10% de argila MOS = 1,7% 7.100 nematoides por planta
argila resulta em maior acúmulo de matéria orgânica (MOS) no solo, que apresenta papel-chave na melhoria da fertilidade física, química e, sobretudo, biológica do solo. Portanto, o foco principal do manejo do solo para a redução dos danos causados por nematoides deve ser o aumento da sua fertilidade, proporcionando: 1) maior tolerância das plantas ao parasitismo; e 2) ambiente supressivo aos nematoides. Neste artigo, será abordado como a melhoria da fertilidade do solo pode tornar as plantas de soja mais tolerantes aos nematoides, buscando conviver com o problema sem prejuízos ao agricultor.
FERTILIDADE DE SOLO E A TOLERÂNCIA DAS PLANTAS
O aumento da tolerância das plantas aos nematoides envolve o suprimento adequado e equilibrado de água, oxigênio e nutrientes. Para isso, o perfil do solo não pode apresentar camadas de impedimento físico (compactação) e químico (acidez excessiva, com baixos teores de cálcio e presença de alumínio tóxico) ao crescimento radicular da soja, possibilitando assim um maior volume de solo explorado em busca de água e nutrientes, sobretudo nas camadas mais profundas. Na ausência de tais impedimentos, estudos desenvolvidos na Embrapa Soja mostram que as raízes da soja podem atingir mais de dois metros de profundidade. Além do aumento do reservatório de água e nutrientes para suprimento da demanda das plantas, um crescimento vigoroso e rápido das raízes proporciona efeitos de diluição (mesma população inicial de nematoides no solo para uma maior quantidade de raízes) e de
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
35
Figura 2 - Estrutura de duas amostras de solo coletadas em fevereiro/2018 na camada de 0-25 cm, em parcelas sob SPD com rotação e sucessão de culturas, componentes de experimento conduzido desde 1985 na Fazenda Experimental da Coamo, em Campo Mourão/PR. TIE = taxa de infiltração estável de água, obtida em parcelas de 1m2 com o uso de simulador de chuvas
Sucessão de culturas Trigo/Soja (33 anos consecutivos) TIE = 34 mm/h
Rotação de culturas (ciclo de 4 anos) Ano 1 - Trigo/Soja Ano 2 - Aveia/Soja Ano 3 - Trigo/Soja Ano 4 - Milho 2ª safra/Milho + Braquiária Ano 5 – reinício da sequência anterior (novo ciclo) TIE = 92 mm/h
escape (raízes rapidamente ultrapassam a camada com maior concentração de nematoides), diminuindo assim os danos diretos ao sistema radicular. A prevenção ou eventual correção de camadas de impedimento químico envolve a adoção de práticas como a calagem e a gessagem, realizadas com base na interpretação de laudos de análise química de solo. É importante ressaltar que diversas pesquisas têm demonstrado a viabilidade de se manter um ambiente químico favorável ao crescimento radicular da soja em áreas sob sistema plantio direto (SPD). Essa condição é alcançada por meio de aplicações superficiais de calcário e gesso, sem necessidade de incorporação mecânica, desde que eventuais camadas subsuperficiais com acidez excessiva tenham sido corrigidas (se necessário, com incorporação) no processo de conversão do preparo convencional para o SPD. A adubação correta e equilibrada, levando-se em consideração os teores de macro e micronutrientes no solo e na folha, bem como a exportação pelos grãos, garante suprimento adequado às plantas, o que também
36
aumenta a tolerância aos nematoides. O manejo de camadas de impedimento físico ao crescimento das raízes deve ser focado na melhoria da estrutura do solo, o que requer a adoção de sistemas de produção com maior diversidade de espécies vegetais e com alto potencial de produção de palha e raízes, conforme exemplificado na Figura 2. Nessa Figura é possível comparar visualmente a estrutura de duas amostras do solo coletadas em fevereiro/2018 na camada de 0-25 cm, em parcelas sob SPD com rotação ou sucessão de culturas, que fazem parte de experimento conduzido desde 1985 na Fazenda Experimental da Coamo, em Campo Mourão, Paraná. Fica evidente que a utilização da sucessão soja/trigo por 33 anos resultou na formação de uma camada compactada entre 6cm e 19cm de profundidade, o que por sua vez limitou o crescimento das raízes da soja, que ficaram concentradas na camada superficial. Essa camada compactada não é observada na amostra que representa as parcelas sob rotação de culturas, onde o maior aporte de palha e raízes ao longo do
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
tempo favorece os processos biológicos de agregação e formação de poros (bioporos). A melhoria da estrutura do solo proporciona ainda maior taxa de infiltração, fluxo e armazenamento de água disponível às plantas, bem como equilibra a oferta de água e oxigênio para as raízes, o que também aumenta a tolerância da soja aos danos dos nematoides. Como exemplo, a rotação de culturas produziu um incremento na taxa de infiltração estável de água (TIE, correspondente à situação solo saturado) no experimento Coamo/Embrapa (Figura 2). A TIE foi de 34mm/h na sucessão de culturas, cerca de 2,5 vezes menor que no sistema de rotação de culturas (92mm/h). Tanto o crescimento das raízes quanto os fluxos e o armazenamento de água disponível, são beneficiados pela cobertura do solo com palha. Em clima tropical, a temperatura máxima das camadas superficiais do solo sem cobertura pode chegar a mais de 50ºC, o que paralisa o crescimento e o funcionamento das raízes principalmente nos estádios iniciais da cultura.
Adicionalmente, a cobertura com palha reduz as perdas de água por evaporação até o fechamento das entre linhas da cultura, aumentando a oferta hídrica às plantas. O aumento da tolerância da soja aos nematoides, em função da melhoria da fertilidade do solo, é comprovado nas Figuras 3 e 4. A produtividade da soja diminuiu linearmente com a densidade do nematoide-das-lesões-radiculares nas raízes, determinada no estádio R5.5, passando de 55 sacas/ ha para 36 sacas/ha com o aumento de 500 para dois mil indivíduos por grama de raiz (Figura 3). Porém, observa-se que, em uma mesma densidade populacional (1.200 nematoides por grama raiz), a produtividade variou de 35 sacas/ha a 54 sacas/ha, sendo os pontos de menor produtividade aqueles com baixos teores de Ca e Mg e maior acidez do solo. Assim, infere-se que a correção da acidez do solo reduziu as perdas de produtividade em 19 sacas/ha, o que provavelmente está relacionado à maior tolerância das plantas aos danos de P. brachyurus induzida pela melhor nutrição e pelo maior crescimento das raízes. Já na Figura 4, observa-se que a produtividade de uma cultivar de soja suscetível, em um solo arenoso e com ocorrência de déficit hídrico durante o ciclo, diminuiu de 38 sacas/ha para 12 sacas/ha com o aumento da densidade populacional do nematoide-de-galhas (M. incognita) em cultivo após o milho segunda safra. Por outro lado, a produtividade não foi influenciada pela densidade do nematoide em cultivo após Brachiaria ruziziensis. Para uma população de 100 mil nematoides por planta (bioensaio), a produtividade da soja após o milho foi aproximadamente 25 sacas menor (-56%) comparativamente ao cultivo após Brachiaria ruziziensis. É provável que a maior produção de raízes e palha pela braquiária tenha melhorado a estrutura do solo, favorecendo maior crescimento radicular da soja e, consequentemente, maior acesso à água e aos nutrientes. Da mesma forma, a melhor estrutura do solo, em conjunto com a maior cobertura, poFigura 3 - Relação entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus), determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (10% de argila), no município de Vera/MT
de ter aumentado o volume de água disponível às plantas, resultando em maior tolerância aos danos ocasionados pelo nematoide-de-galhas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se trata de manejo de fitonematoides, a fertilidade do solo sempre ficou em segundo plano. Atualmente, a pesquisa demonstra claramente que um solo fértil sob o ponto de vista químico, físico e biológico é essencial para o aumento da tolerância das plantas, constituindo-se em ferramenta imprescindível no contexto do manejo integrado desses parasitas. Além das boas práticas de manejo da acidez do solo e de adubação das culturas, a efetiva adoção dos fundamentos do Sistema Plantio Direto (SPD) sobretudo no que se refere à utilização de sistemas de produção com maior diversidade de espécies vegetais e maior aporte de palha e raízes, é o caminho para a melhoria da estrutura do solo e sua ativação biológica. Isso aumenta o crescimento radicular da soja e a oferta de água, oxigênio e nutrientes, além de formar um ambiente biologicamente supressivo aos nematoides, dimiC nuindo assim os danos ocasionados à cultura. Henrique Debiasi Julio Cezar Franchini Alvadi A. Balbinot Jr Embrapa Soja, Londrina/PR Waldir Pereira Dias Pesquisador aposentado, Embrapa Soja Edison Ulisses Ramos Jr. Embrapa Soja, Sinop/MT
Figura 4 - Relações entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-de-galhas (Meloidogyne incognita) obtida por bioensaio, em função da cultura antecessora, determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (15% de argila), no município de Assis/SP. O bioensaio consistiu da avaliação do número de nematoides presentes no sistema radicular de plantas de soja suscetíveis cultivadas por 60 dias em casa de vegetação, em vasos contendo o solo coletado na área experimental por ocasião da colheita da soja
* Equação estatisticamente significativa (Teste F, p<0,05)
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
37
Soja
Defesa fortalec
Na agricultura planejada, que objetiva alcançar altas produtividades, atender às necessidades nutricionais da lavoura, de acordo com cada fase da cultura, gera impacto também em outros manejos, como o de doenças que encontram em plantas debilitadas e mais vulneráveis a estresses o ambiente perfeito para causar prejuízos
A
nutrição de plantas está diretamente ligada à defesa natural contra agentes externos, como as doenças. Uma planta bem nutrida é naturalmente mais tolerante ou até resistente ao ataque de patógenos, mas como isso funciona? As plantas se defendem principalmente de duas maneiras: com a fortificação de barreiras externas, como a lignificação da parede celular, e até contra-atacando através da produção de substâncias que combatem os patógenos como as fitoalexinas. A primeira forma faz parte do metabolismo primário da planta, portanto é realizada durante seu desenvolvimento natural, e alguns dos nutrientes mais importantes para isso são o cálcio, o magnésio e o boro. O cálcio é um nutriente presente na lamela média da parede celular, o magnésio é cofator da produção de enzimas necessárias para a transferência de fosfatos (energia) na planta e o boro é essencial para que ocorra alongamento celular e, portanto, boa formação das células e as estruturas constituídas por essas. Sem a limitação de macro e micronutrientes, a planta se desenvolve naturalmente mais resistente, permanecendo saudável por mais tempo, assim
38
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
como ocorre com os seres humanos. Já o contra-ataque como mecanismo de defesa faz parte do metabolismo secundário. Ele acontece quando algo ativa este mecanismo, como o ataque de doenças ou a estimulação de rotas de defesa natural da planta, passando a produzir substâncias naturais para inibir ou atrasar o desenvolvimento de patógenos. A ativação deste processo representa gastos energéticos, que podem ser compensados com o auxílio da nutrição. Neste caso, é fundamental o uso de nutrientes como o cobre, que é essencial para a ativação de enzimas, fixação de nitrogênio em leguminosas e principalmente ajuda na assimilação de energia pela planta, por fazer parte da fotossíntese. O nitrogênio também é importante, pois impulsiona o desenvolvimento da planta, dando maior capacidade de crescimento e assimilação de carbono. Outro nutriente é o fósforo, que é responsável pelo armazenamento e, posteriormente, transferência de energia. Junto está o potássio, que auxilia no transporte e na acumulação de carboidratos, con-
cida
tribuindo para maior produtividade. É importante lembrar também que esta ativação da defesa da planta nutricionalmente favorece a regulação dos processos energéticos, que estariam desequilibrados, ocasionando perdas pela ocorrência de doenças. Outro benefício desta técnica de manejo é a sua contribuição para a manutenção das estruturas das plantas, diminuindo perdas de área foliar e auxiliando a fotoassimilação. Além disso, tanto a falta de nutrientes como o excesso podem ser prejudiciais às próprias plantas ou micro-organismos benéficos da rizosfera, assim como favorecer o desenvolvimento de doenças, sendo importante a oferta dos nutrientes de forma equilibrada, principalmente no solo. A nutrição de plantas também se torna fundamental junto à aplicação de defensivos nas plantas, pois assim como o uso de remédio em seres humanos, eles são benéficos, mas podem trazer efeitos colaterais, como clorose e travamento, o que pode afetar a produtividade. Um exemplo amplamente conhecido é o glifosato,
Divulgação
Necessidades nutricionais das lavouras de soja devem ser acompanhadas de perto pelos produtores
que por ser uma molécula com alta afinidade a cargas livres, indisponibiliza temporariamente alguns nutrientes. Este efeito, por exemplo, pode ser amenizado com a utilização de nutrientes como o manganês, o zinco e o enxofre. A utilização de substâncias que aumentam a absorção e a utilização dos nutrientes, como os aminoácidos, também é muito interessante para amenizar os estresses, pois aumenta a eficiência da utilização de nutrientes e regula o metabolismo
da planta, acelerando a saída deste travamento. Em suma, o produtor deve acompanhar de perto as necessidades nutricionais da sua lavoura, fornecendo seu suprimento de acordo com cada fase da cultura. Afinal, uma planta bem nutrida é naturalmente mais resistenC te aos mais diversos estresses. Vinicius Abe, Alltech Crop Science e Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Tony Oliveira/CNA
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
39
Algodão
Presença discreta
Nematoides são organismos traiçoeiros que muitas vezes passam despercebidos pelos produtores, confundidos com sintomas como deficiências nutricionais, compactação ou encharcamento do solo. Em algodão são responsáveis por perdas de até 40%. Seu manejo exige identificação correta da espécie e demanda medidas como rotação de culturas, tratamentos biológico e químico, além de cuidados básicos com a desinfecção dos implementos utilizados na área
A
produtividade do algodoeiro vem aumentando significativamente nos últimos anos, e o Brasil tem se mantido entre os cinco maiores produtores mundiais, ao lado de países como China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. O estado do Mato Grosso é o maior produtor, com 66,2% da área cultivada, seguido pela Bahia, com 22,4%. A cultura do algodão já teve grande importância na economia no Paraná, que respondia por metade da produção brasileira de algodão há aproximadamente 20 anos. Mas questões climáticas e comerciais, somadas à incidência de uma praga de difícil controle, o bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman, 1843, impediram o sucesso de produção dos cotonicultores. Atualmente este cenário vem tornando-se diferente e motivador, de modo que a cultura do algodão está ressurgindo com uma nova configuração técnica e tecnológica. E para essa transição, a Associação dos Cotonicultores Paranaenses (Acopar) realiza um projeto, com apoio do Instituto Brasileiro de Algodão (IBA) e colaboração de diversas entidades estaduais, cooperativas e empresas, para reinserir a cultura no agronegócio paranaense, uma vez que se trata de uma boa opção na rotação de culturas e provável alternativa para a pós-colheita da soja no estado. São vários os fatores que afetam negativamente a cultura do algodoeiro, dentre os problemas fitossanitários, destacam-se os fitonematoides. São causadores de danos econômicos, pois pre40
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Fotos: Andressa L. de Brida
judicam a absorção de água e nutrientes pela planta, causando a diminuição da produtividade. Muitas vezes, passam despercebidos pelos produtores, porque os sintomas nas plantas afetadas se confundem com deficiências nutricionais, compactação ou encharcamento do solo. Estima-se que a perda anual de produção na agricultura mundial seja de até 157 bilhões dólares. No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN), as perdas atingem mais de R$ 35 bilhões e chegam a 40% na cultura do algodão. As principais espécies de nematoides em algodoeiro, com maior ocorrência no Brasil, são os nematoides-das-galhas, Meloidogyne incognita, o nematoide-reniforme Rotylenchulus reniformis e o nematoide-das-lesões-radiculares, Pratylenchus brachyurus. Estas espécies também parasitam a soja, o que aumenta o potencial de risco para regiões de cultivo contínuo dessas culturas. Somado a isso, os agricultores devem ficar atentos às infestações de outras espécies de nematoides como Scutellonema brachyurus e Helicotylenchus dihystera, pois a frequência destes nematoides vem aumentando a cada ano em solos paranaenses, especialmente em áreas de cultivo de soja (Figura 1 A, B, C, D). Diante deste novo cenário que se emprega a cotonicultura paranaense, a Agroensaio- Pesquisa e Consultoria Agronômica realizou um levantamento nematológico no município de Campo Mourão, Paraná, em dez cultivares de algodoeiro, IMA 5801 B2RF, IMA 6801 B2RF, IMA 8002 WS, DP 1536 B2RF, DP 555 BGRR, DP1637 B2RF, FM 983 GTL, BRS 432 B2RF, DP 1746 B2RF e TMG 81 WS, em duas áreas com as mesmas cultivares, em duas épocas de plantio (novembro/ dezembro). Foram realizados dois levantamentos, aos 120 dias (1ª época) e aos 60 dias (2ª época) após o plantio. Para as análises, foram coletadas cinco amostras de solo e raízes de plantas de cada cultivar de algodoeiro, totalizando 100 amostras. Após a coleta, as amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Nematologia da Faculdade Facec, de Cianorte, Paraná, para a identificação e quantificação dos nematoides. Os nematoides encontrados no le-
A
B
C
D
Figura 1 - Raiz de algodoeiro (A); Fêmea de Rotylenchulus reniformis (B); Scutellonema brachyurus (C); Helicotylenchus dihystera (D)
vantamento nematológico na cultura do algodoeiro realizado aos 120 dias e 60 dias após o plantio foram Helicotylenchus dihystera, Scutellonema brachyurus, Rotylenchulus reniformis e Tylenchorhynchus sp. De 200 amostras de solo e raízes processadas, verificou-se na média que 98% (em ambos os plantios) apresentaram H. dihystera. S. brachyurus 51% e 69%, R. reniformis 5% e 8%, e o gênero Tylenchorhynchus sp. 4% e 13%, aos 120 dias e 60 dias, respectivamente (Gráfico 1). Aos 60 dias (2ª época) após o plantio, todas as amostras de solo das cultivares de algodoeiro apresentaram alta população de H. dihystera variando de 81 a 233 nematoides, e populações de S. brachyurus variando de 15 a 69 nematoides. Aos 60 dias após o plantio foi possível observar que a população de nematoides em raízes foi maior quando comparado com a coleta em 120 dias, com prevalência de H. dihystera na cultivar DP 555 BGRR, com 28 nematoides, e de S. brachyurus na cultivar DP 1637 B2RF, com 16 nema-
toides (Gráfico 3). Aos 120 dias (1ª época) após o plantio, o número de nematoides foi maior em amostras de solo quando comparado com o número de nematoides em amostras de raízes. O número de H. dihystera no solo foi maior nas cultivares IMA 6801 B2RF e DP 1536 B2RF (147 e 120 nematoides) e de S. brachyurus, com 54 e 55 nematoides, respectivamente. Em raízes, H. dihystera prevaleceu nas cultivares IMA 5801 B2RF e IMA 6801 B2RF, com 154 e 62 nematoides, respectivamente (Gráfico 2). Em ambas as épocas de coleta, o número de R. reniformis foi baixo nas cultivares TMG 81 WS, IMA 5801 B2RF, DP 1637 B2RF, FM 983 GTL. Dentre as espécies encontradas, R. reniformis é uma das principais na cultura do algodoeiro, embora a população deste nematoide tenha sido bastante baixa. Vale salientar a presença nas cultivares avaliadas. Um fator bastante importante observado neste levantamento foi a frequência de S. brachyurus e H. dihystera presentes em todas as amostras de solo e raízes. H. dihystera é um nematoide bastante comum de se observar em amostras de solo
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
41
Gráfico 1 - Nematoides encontrados em amostras de solo (100cm3) e raízes (10g) de algodoeiro aos 120 dias (1ª época) e aos 60 dias (2ª época) após o plantio
em muitas culturas, enquanto S. brachyurus teve sua ocorrência incrementada nos últimos anos. Ambas as espécies têm aparecido em maior frequência nas análises nematológicas realizadas em lavouras de soja e também em maior quantidade, principalmente nos estados do Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Paraná. Alguns estudos foram realizados para avaliar o fator de reprodução destas duas espécies em cultivares de soja, e verificou-se que ambos os nematoides estavam no interior das raízes
comportando-se como endoparasitas migradores, com sintomas radiculares semelhantes aos observados para P. brachyurus. Atualmente, não há dados de perdas causadas por estes nematoides na cultura do algodão, por se tratar de nematoides que não estão entre os mais prejudiciais à cultura, mas o alerta do parasitismo e sua ocorrência juntamente à cultura da soja, que pode elevar os níveis populacionais desses nematoides em áreas de cultivo de algodão e, em um futuro próximo, se tornar mais um problema
Gráfico 2 - Número de nematoides em cultivares de algodoeiro (solo 100cm3, raízes 10g), 120 dias após o plantio (1ª época)
42
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
Gráfico 3 - Número de nematoides encontrados, cultivares de algodoeiro (solo 100cm3, raízes 10g), 60 dias após o plantio (2ª época)
para a cultura.
MANEJO DE NEMATOIDES
O conhecimento dos nematoides presentes em áreas de algodoeiro é necessário, e a principal forma de constatar estes vermes microscópicos é por meio dos levantamentos nematológicos. Só assim pode-se escolher a melhor forma de manejo. A identificação correta da espécie é fundamental para o manejo destes fitoparasitas. Áreas da lavoura com reboleiras (manchas) de plantas apresentando desenvolvimento insatisfatório são indício da presença de nematoides. A rotação de culturas, entre outros métodos de manejo, deve ser empregada, visto que as culturas como o próprio algodão, a soja, o milho e o feijão são, muitas vezes, hospedeiras das mesmas espécies de nematoides. Quando cultivadas em sucessão, essas culturas favorecem o aumento da incidência destes parasitas. Para quebrar o ciclo, é preciso escolher culturas resistentes que não favoreçam a sua multiplicação, buscar cultivares de algodão tolerantes, além de associar o
uso de produtos biológicos no tratamento de semente ou no sulco de plantio, ou mesmo de produtos químicos, principalmente quando as populações estiverem muito elevadas. Vale salientar a necessidade dos cuidados com os implementos agrícolas, uma vez que são uma das principais formas de disseminação dos nematoides. É preciso retirar a terra que fica aderida aos pneus e às partes ativas dos implementos e, quando possível, começar os trabalhos primeiramente nas áreas que não estão infestadas. Para identificar essas áreas é importante um diagnóstico detalhado da ocorrência dos fitonematoides. Fazer amostragem periodicamente, o que permite
realizar um acompanhamento da evolução do problema, para poder determinar se as medidas de controle tomadas surtiram ou não efeito nas populações dos nematoides presentes na C área. Conhecer para manejar.
Andressa L. de Brida, Faculdade Facec Alexandre A. Costa, Amanda C. Reinbold e Carla V. P. de Olivera, Agroensaio - Pesquia e Consultoria Agronômica Silvia Renata S. Wilcken, Departamento de Proteção Vegetal (Unesp/FCA) Otaviano Lelis Filho e Pedro A. V. Montecelli, Acopar - Associação dos Cotonicultores Paranaenses
Andressa, Costa, Amanda, Carla, Silvia, Lelis Filho e Montecelli abordam os riscos de nematoides em algodão
www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
43
Coluna Agronegócios
No pós-pandemia, tecnologia ganha mais importância
É
indiscutível o fato de a tecnologia haver acompanhado a agropecuária desde seus primórdios. Selecionar as melhores frutas ou espigas, ou os animais que mais bem resistissem ao estresse, era atividade intuitiva desenvolvida pelos primeiros agricultores. Com o avanço da Ciência, o desenvolvimento tecnológico ganhou impulso e vem solucionando a maior parte das constrições para a produção de alimentos. Porém, a sociedade quer mais. Já não basta produzir, é necessário ser sustentável. E, no pós-pandemia, seguramente surgirão mais exigências da sociedade global, impondo regras estritas de inocuidade e segurança dos alimentos, que se desdobrarão em outras exigências com respeito à sustentabilidade social e ambiental.
O PANO DE FUNDO
Evoluímos muito nas últimas décadas, porém, apesar dos benefícios das inovações nos sistemas de produção agropecuária, alguns desafios ainda persistem. É recorrente o debate que envolve a mudança do uso do solo para explorações agrícolas ou pecuárias, o aumento das emissões de gases de efeito estufa, o uso da água, a contaminação de lençóis subterrâneos ou cursos de água por fertilizantes e pesticidas, para permanecer nos temas mais discutidos e controversos. Tudo isto é emoldurado pela desigualdade social que grassa no mundo – em especial no Hemisfério Sul – e que foi ressaltada durante a pandemia de Covid-19. Embora, em nosso entender, a fome que insiste em persistir no mundo seja decorrente de falta de renda para acessar alimentos, o agronegócio como um todo é cobrado para aumentar a produção, de forma sustentável e a menores custos, como forma de reduzir a iniquidade da falta de acesso a alimentos por mais de 10% da população global. Costumo afirmar que a velocidade do desenvolvimento tecnológico no século 21 é estonteante, e levará ao museu em pouco tempo tecnologias ora consideradas na fronteira do conhecimento. Cada vez mais será encurtado o tempo entre a pesquisa básica e a inovação, com inúmeros concorrentes disputando em paralelo a primazia do ingresso no mercado de tecnologias, rompendo com o passado e descortinando novos cenários.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Nos próximos anos, um verdadeiro arsenal de opções tecnológicas estará disponível para enfrentar desafios do sistema alimentar em vários contextos institucionais e políticos. Algumas tecnologias serão altamente disruptivas e que, até pouco tempo, mais pareciam ficção científica ou wishful thinking. Pode-se elencar fotossíntese artificial, carne produzida em laboratório, embalagens inteligentes, nanodrones, impressão 3D ou agricultura urbana vertical. Tudo emoldurado pela interconectividade da agricultura 4.0. Tecnologias associadas à agricultura digital e à substituição de alimentos e rações para animais e peixes compõem um conjunto de tecnologias maduras ou que estão chegando lá. Em algumas
44
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
ciências – como a física, ou no ramo da informática – não existem as restrições enfrentadas pela biologia, como a época de plantar e de colher, o tempo a esperar para obter os dados, a forte interação entre genética e ambiente, entre outras. Por isto a velocidade da inovação e a redução de custos das tecnologias digitais, seguidas de sua ampla adoção em países de qualquer nível de renda, estão chegando em uma onda avassaladora, porque seu desenvolvimento é mais rápido e mais barato.
OPORTUNIDADES E DESAFIOS
Novas oportunidades estão surgindo no seio das cadeias produtivas. Atualmente, a carne mais consumida no mundo é a de peixes, crustáceos e outros produtos da aquacultura. Ocorre que, em sua avassaladora maioria, os aquacultores ainda mantêm um sistema de produção de baixa intensidade tecnológica, em especial no que tange ao material genético, ao manejo, à nutrição e à sanidade. Esse setor se delineia como uma enorme oportunidade de desenvolvimento tecnológico, cujos impactos modularão o futuro de outras cadeias de carnes e de algumas cadeias de grãos. No conjunto da agricultura, novas exigências e tendências modificarão rumos; as novas tecnologias consolidarão estes rumos. A bioeconomia é um aspecto transversal que precisa ser analisado com cuidado. A recente política pública de bioinsumos, lançada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), se insere neste contexto. Ganham espaço insumos biológicos (como o controle biológico) e são valorizados os serviços ecossistêmicos (polinização, conservação de água, controle de pragas, solubilização de nutrientes, fixação biológica, entre outros).
RUPTURA
Entrementes, vislumbramos um aspecto em que a ruptura será mais visível: a antecipação do cronograma de imposição de severas regras de inocuidade e segurança dos alimentos e a sua rastreabilidade, desde a produção dos insumos até a mesa do consumidor. Rígidas determinações legais e certificações privadas mais estritas serão uma decorrência. Os impactos desta mudança de atitude não serão apenas na melhoria da saúde do consumidor, mas criarão um contexto produtivo, em que o conceito de sustentabilidade vai ter peso cada vez maior no mercado. E isso significará desenvolvimento tecnológico com um forte viés de preservação do ambiente e de sustentabilidade social, sem nunca relevar a rentabilidade das cadeias produtivas. Finalizando, é necessário ter em conta que este novo comportamento da sociedade global vai impor o incremento constante da produtividade sustentável, lembrando a todos que cada 1% de aumento de produtividade significa 1% menos desmatamento. Perfeitamente possível com o uso de C tecnologia adequada. Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja
Coluna Mercado Agrícola
Exportações do agro brasileiro devem superar os R$ 500 bilhões em 2020
A
s exportações do agronegócio em 2020 devem bater recorde histórico em faturamento e volumes. Só nos primeiros sete meses foram mais de 100 bilhões de dólares em divisas, que devem resultar facilmente em números muito acima de R$ 500 bilhões até o final do ano. Em tempos de pandemia, o agronegócio tem sido a salvação da economia brasileira. Capitaneado pela soja com projeção de embarcar mais de 100 milhões de toneladas (até julho já tinha embarcado 90 milhões de toneladas). O setor da carne nunca exportou tanto e deve furar a marca dos 18 bilhões de dólares em vendas externas. O milho pode chegar a mais de 33 milhões de toneladas. O açúcar, que enfrentava dificul-
MILHO
A colheita do milho safrinha está fechada, e dos 72 milhões de toneladas colhidas, mais de 80% já estão negociados. Há muito milho comercializado para entrega em 2021 e até mesmo 2022. A pressão de demanda internacional é forte e deixa os indicativos internos também aquecidos, com muitos compradores e poucos vendedores. O restante do ano não deve mudar o rumo e seguir firme e favorável aos produtores. Some-se a isso uma forte demanda interna para cobrir o setor de ração que vem batendo recorde de consumo no melhor ano da história do setor da carne.
dades, observa a disparada do consumo mundial, queda na safra de vários países exportadores (como a Índia) e tende a passar dos 8 bilhões de dólares. O café teve aumento de demanda mundial com a pandemia e segue com consumo maior que a produção. Até mesmo o arroz (que necessita de importações no Brasil) nos primeiros sete meses do ano alcançou a marca de 1,4 milhão de toneladas exportadas. Com o país exportando a todo vapor, bilhões de dólares seguem entrando pelos portos e a boa notícia é que já se vendeu muito para 2021. A soja já tem mais de 60 milhões de toneladas negociadas até o final de agosto e há mais de três milhões de toneladas já comercializadas para entrega em 2022.
agosto, os números das exportações já alcançavam 95 milhões de toneladas (soja com 82 milhões de toneladas, farelo com 12 milhões de toneladas e óleo, um milhão de toneladas), sendo o principal produto na pauta de exportações do Brasil. Com o ritmo forte nos negócios, antecipou as operações do próximo ano e despertou o interesse dos compradores para 2022. Como temos comentado, a soja sumiu. No final de agosto, era negociada nas indústrias na faixa de R$ 140,00 a saca e não havia ofertas.
ARROZ
O mercado do arroz superou as expectativas dos mais otimistas, atingiu R$ 90,00 pela saca no Rio Grande do Sul e furou os R$ SOJA O Brasil segue líder mundial na expor- 100,00 pela saca de 60 quilos nos demais tação de soja e derivados. Até o final de estados do Brasil. Mesmo assim, poucos
estavam vendendo. Os produtores aproveitaram os momentos de suba e foram vendendo aos poucos, dando fôlego para a alta. Como as exportações foram recordes e até o final de agosto já superavam a marca das 1,4 milhão de toneladas, de uma projeção de 1,5 milhão para o ano todo, houve pressão ainda mais positiva. Como apoio da cotação do dólar em alta, dificultando as importações do grão. O cultivo começa mais cedo neste ano e depois de vários períodos de queda de área, há um leve crescimento C de plantio no horizonte. Vlamir Brandalizze Twitter@brandalizzecons www.brandalizzeconsulting.com.br Instagram BrandalizzeConsulting ou Vlamir Brandalizze
Curtas e boas TRIGO - O mercado do trigo esteve em alta, com recorde de cotação em reais, oferta limitada interna, cotação do dólar limitando as importações, problemas na safra da Argentina e alta em Chicago. Tudo apoiando avanços no mercado do Brasil, que tinha forte demanda na exportação. Houve geadas intensas sobre as lavouras, que promoveram grandes perdas em agosto. Desta forma haverá um bom ano para os produtores que tiverem trigo disponível. A expectativa é de colher pouco mais de seis milhões de toneladas neste ano para um consumo esperado de 12 milhões de toneladas. O grão importado chega caro ao Brasil e isso favorece o produto nacional. EUA - Os produtores estão começando a colheita mais cedo nesta temporada. Nem mesmo tornado, tempestades de granizo e ventos de até 200km horários serviram para derrubar a safra, que neste momento registra a soja perto de 120 milhões de toneladas e o milho próximo de 380 milhões de toneladas. Ambos bem acima do ano passado, mas abaixo das necessidades internacionais. O
que favorecerá apelo altista, porque a demanda mundial seguirá maior que a oferta de ambos. CHINA - A China comprou muito, e as projeções apontam que deve bater 100 milhões de toneladas de soja importadas ainda neste ano e que o milho pode chegar a dez milhões de toneladas. O país está recompondo os estoques, que foram os menores em quase uma década para a soja e ainda piores para o milho. Com escassez de oferta interna, as cotações do cereal superaram 330 dólares por tonelada no mercado doméstico. O que motivou grandes compras, que tendem a continuar. ARGENTINA - A safra de milho e soja ficou dentro das expectativas, próximas de 50 milhões de toneladas cada, com a maior parte já negociada na exportação. O trigo teve o plantio encerrado em agosto, sofreu com o clima seco e depois com geadas fortes, comprometendo a produção. Cenário que dará fôlego a indicativos em alta no mercado doméstico. A partir de setembro, começa o plantio do milho, que, por enquanto, mostra estabilidade na área. www.revistacultivar.com.br • Setembro 2020
45
Coluna ANPII
Nova ferramenta Método de bioanálise do solo BioAS desenvolvido na Embrapa Cerrados, em parceria com outras unidades da Embrapa, com a Fundação MT e com a participação de diversas fazendas produtoras de soja, é dos bons exemplos da importância da pesquisa para a sociedade brasileira
A
agricultura brasileira não para de surpreender. De um importador de leite em pó da Holanda há 50 anos, é hoje um dos maiores exportadores de alimentos para todo o mundo. Este avanço, reconhecido universalmente como uma das grandes conquistas para fornecimento de alimentos para a humanidade, se deve a uma série de fatores, entre eles a natureza climática, a propensão do agricultor e da indústria de insumos agrícolas para a inovação e, sem sombra de dúvida, a geração de conhecimentos e de tecnologias pelos órgãos de pesquisa. Nas décadas de 1960 e 1970, as análises física e química dos solos ainda eram objeto de forte divulgação pelos órgãos de extensão, levando ao agricultor a informação da necessidade de se realizar as análises de solo. Com o correr dos anos, estas análises, junto com as recomendações de adubação decorrentes, passaram a fazer parte da rotina dos agricultores brasileiros, tornando-se uma das ferramentas para as altas produtividades. Mas aos poucos percebeu-se que apenas isto não estava sendo suficiente para alcançar patamares mais elevados. Faltava alguma coisa. Com a elevação dos conhecimentos de que o solo não era simplesmente um suporte para as raízes e um reservatório para os nutrientes químicos, mas sim um organismo vivo, com bilhões de micro-organismos que exercem inúmeras funções profundamente ligadas à nutrição vegetal, ao crescimento e à saúde das plantas, começou-se a estudar como avaliar a qualidade do solo, juntando o conhecimento de sua estrutura física e sua composição química ao fator microbiológico. Durante um tempo a avaliação do teor de matéria orgânica era um dos únicos indicadores de vida no solo. Mas constatou-se que era insuficiente. Procurou-se analisar a composição microbiológica como um todo, medindo a emissão de gás carbônico e a microbiota do solo. Mas os resultados eram incertos, incoerentes, não se encontrando correlação com outros fatores, em especial com a produtividade. Mas a pesquisa não para, o conhecimento evolui e, mais uma vez, a capacidade e a tenacidade de pesquisadores brasileiros criaram um método, expedito, barato e altamente confiável para se avaliar a saúde do solo como um todo, juntando os conhecimentos oriundos das análises química e física, com indicadores da atividade microbiológica. O método Bio Análise do Solo, BioAS, desenvolvido na Embrapa Cerrados, em parceria com outras unidades da Embrapa, com a Fundação MT e com a participação de diversas fazendas produtoras de soja, em uma equipe liderada pela pesquisadora Ieda Mendes, prospectou durante vários anos quais seriam os melhores indicadores para mostrar, em análises que permitiriam a entrada em testes de rotina, o estado de “saúde microbiológica”
46
Setembro 2020 • www.revistacultivar.com.br
do solo. Através da análise da atividade de duas enzimas produzidas por micro-organismos, o grupo chegou à identificação das enzimas glicosidase e sulfatase como indicadores da atividade microbiológica do solo. A partir daí, iniciou-se o caminho de transformar este conhecimento em ferramenta. Através de muitos e muitos ensaios de campo foi buscada a correlação com níveis de produtividade, de macro e micronutrientes, de potencial de reciclagem de nutrientes. Finalmente, levando tudo isto à computação, desenvolvendo algoritmos próprios, os pesquisadores chegaram ao modelo de análise da atividade microbiológica do solo. Mas mais que mostrar um estado atual, uma fotografia instantânea, o método permite acessar a “memória do solo”, o que foi feito em termos de prática durante anos anteriores, se foi monocultura, se houve sucessões de cultivos ou rotação. E mais ainda, permite, com base na análise do passado e no estágio atual, prever o que poderá ocorrer no futuro. Durante o lançamento da tecnologia pela Embrapa em agosto, a pesquisadora fez uma comparação interessante: uma pessoa que esteja em bom estado de saúde, sem nenhum sintoma, ao fazer uma análise de sangue, pode ter constatado algum indicador de futuros problemas de saúde. Com base neste dado, o médico poderá indicar tratamento para evitar que a doença venha a se instalar no futuro. No caso da agricultura, em um solo que esteja apresentando elevada produtividade, a análise microbiológica poderá apontar algum indicador de futura baixa em sua qualidade, permitindo que o agrônomo indique medidas preventivas para evitar que isto ocorra. Assim, o tripé para suportar análise de um solo está pronto: física, química e microbiologia, permitindo que o agricultor lance mão das tecnologias disponíveis, tendo as melhores condições para obter elevadas produtividades e tirar o maior proveito de sua área de terra. Este recurso está à disposição de todos. A metodologia de análise, inédita no mundo, já está disponível para uso em diversos laboratórios de análise de solo, podendo ser acessada pelos agricultores do Cerrado. Por hora, a análise está calibrada para o Bioma Cerrado, mas em breve estará pronta para uso em outras regiões. Desta forma, a Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) vem reforçar a necessidade de boas instituições de pesquisa e de bons pesquisadores fortalecidos, pois as pesquisas têm trazido benefícios imensuráveis para a soC ciedade brasileira. Solon Araújo, Consultor da ANPII