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Capa - Entenda a ferrugem-asiática
from Cultivar 126
Entenda a ferrugem
Após duas décadas de trabalho e investimento intenso na busca por controlar Phakopsora pachyrhizi no Brasil, é possível conhecer melhor a dinâmica e o comportamento dessa doença, que se perpetua como ameaça concreta às lavouras de soja. Mas vitórias importantes foram conquistadas ao longo destes 20 anos e se o trabalho embasado nos preceitos de manejo integrado continuar a ser realizado, a redefinição de sua importância será percebida nas safras que virão
Aferrugem-asiática da soja, desde o seu surgimento nas lavouras da América do Sul, assumiu tamanha importância que obrigou uma completa revisão no sistema de produção. O ciclo das cultivares foi reduzido, a semeadura das lavouras antecipada, a capacidade operacional nas lavouras aumentou drasticamente, programas de manejo foram exaustivamente desenvolvidos, a redução na sensibilidade de Phakopsora pachyrhizi aos fungicidas deu início a investimentos importantes em estudos populacionais e levantamento de mutantes tolerantes aos fungicidas, adição de fungicidas protetores aos programas de controle, aspectos regulatórios como vazio sanitário e calendarização das semeaduras foram implantados.
Indiscutivelmente, os últimos 20 anos foram de tamanha intensidade de trabalho e investimento, que não é encontrado similar em todos os tempos na agricultura moderna.
O que parecia ser uma doença incontrolável, e que assolaria toda a América do Sul, começou a apresentar aptidões geográficas e climáticas particulares, res-
Marcelo Madalosso
tringindo sua maior agressividade principalmente à faixa compreendida entre os paralelos 5º e 30º Sul. Determinadas peculiaridades geográfico-climáticas têm reduzido o desenvolvimento da ferrugem-asiática da soja mesmo se localizadas nesta região preferencial. São exemplos disso as regiões da Campanha no Rio Grande do Sul, Beira Lago no Paraná, Vale do Araguaia no Mato Grosso, entre outras.
Conforme o ciclo vital de Phakopsora pachyrhizi (Figura 1), o período de latência média varia entre seis dias e 11 dias, em função das condições microclimáticas, genética e estádio da planta, fatores do manejo agronômico. Considerando que a chegada de inóculo pode ocorrer já nos estádios vegetativos, a doença frequentemente se torna evidente apenas a partir do estádio de floração. Em função disso, a primeira aplicação de fungicidas ainda é largamente posicionada a partir deste estágio de desenvolvimento, e sempre condicionada à visualização de sintomas. Deste modo, têm sido dadas condições plenas para o desenvolvimento de vários ciclos de infecção do patógeno, resultando em abundante produção de esporos até que a primeira aplicação de fungicidas fosse realizada. Se forem consideradas as lavouras na Bolívia na safra de inverno, cujas condições climáticas favorecem apenas infecções tardias, as pulverizadas acabam não sendo realizadas, oportunizando a liberação de quantidade importante de inóculo ao ar, principalmente a partir de outubro, quando da colheita daquela safra.
A importância da dispersão aérea, confirmada em diversos estudos, mostra que determinadas características dos uredósporos de Phakopsora pachyrhizi favorecem a ação da energia do vento, que é capaz de carregá-los, mantê-los viáveis e em suspensão no ar por muitos dias e sob condições de temperatura e umidade favoráveis na baixa atmosfera. A pigmentação dos uredósporos pode proteger contra os efeitos da radiação ultravioleta, que é letal aos esporos despigmentados. A deposição de esporos, após o transporte aéreo a longa distância é dependente da ocorrência de chuvas, que podem carregá-los eficientemente a partir das camadas de ar, depositando-os sobre o hospedeiro. A ocorrência de chuvas, aliada à altitude e à amplitude térmica, influencia o molhamento foliar,
Figura 1 - Ilustração do ciclo vital de Phakopsora pachyrhizi. Elevagro (2018)
Figura 2 - Períodos de vazio sanitário estabelecido no Brasil e Paraguai. (https://www.embrapa.br/soja/ferrugem)
Figura 3 - Dispersão regional de uredosporos de Phakopsora pachyrhizi. (Elevagro, 2017)
Figura 4 - Períodos de semeadura de soja estabelecidos no Brasil. (https://www.embrapa.br/soja/ferrugem)
resultando em temperaturas moderadas ao nível de dossel das plantas, e cujas condições são essenciais ao sucesso das infecções na planta hospedeira.
O vazio sanitário é uma estratégia de controle essencial, principalmente se adotada regionalmente, ou seja, em toda a América do Sul. Atualmente, 12 estados no Brasil e o Paraguai já adotaram esta medida (Figura 2). Seu principal benefício é o atraso no início da epidemia devido à menor pressão de inóculo. Na maioria dos estados no Brasil e Paraguai, o período de vazio sanitário termina entre 1º e 15 de setembro. Por outro lado, o início da ferrugem-asiática da soja tem sido relatado em lavouras comerciais somente após novembro.
A quantidade de inóculo no ar de Phakopsora pachyrhizi será sempre consequência das condições favoráveis ao seu desenvolvimento aliadas ao nível de controle adotado. Neste caso, a eficiência da dispersão aérea possibilita facilmente a infecção das lavouras no Brasil. Observações pessoais sugerem que o deslocamento dos uredósporos de Phakopsora pachyrhizi pode atingir distâncias aproximadas de 500km/semana, sempre relacionado à direção e à intensidade das correntes aéreas (Figura 3). Estudos epidemiológicos mostraram que a direção preferencial de deslocamento dos uredósporos é de NO para S, podendo haver movimentações na direção O para L, sempre dependendo das correntes aéreas.
Apesar da forte contribuição do vazio sanitário, a ampla janela de semeadura se constitui em outra dificuldade ao controle sustentável da ferrugem-asiática da soja, devido ao aumento na oferta de inóculo na medida do avanço da safra. Nestes casos, o aumento no período de semeadura pode originar, gradativamente, a antecipação da ferrugem-asiática da soja em relação aos estádios de crescimento da soja. As consequências diretas desta movimentação são o aumento no número de aplicações de fungicidas e a provavel redução nos intervalos entre elas. Este cenário, claramente, implica aumento dos problemas relacionados à diminuição na sensibilidade do patógeno aos diferentes ingredientes ativos.
A semeadura da soja abrange maior percentual entre os meses de outubro e dezembro. Existe a possibilidade de uma segunda safra da cultura (safrinha) em algumas regiões do Brasil, o que proporciona a sobreposição de gerações do patógeno duplamente expostos aos mesmos ingredientes ativos. Como no momento
Figura 6a - Momento de aplicações visando controle de ferrugem-asiática da soja, em duas cultivares de soja. Instituto Phytus, 2020
Figura 6b - Momento de aplicações visando controle de ferrugem-asiática da soja, em três épocas de semeadura. Instituto Phytus, 2020
da segunda safra a quantidade de uredósporos de Phakopsora pachyrhizi é muito elevada, existe claro favorecimento ao aumento na população de isolados adaptados aos fungicidas. Para contornar esta dificuldade, a definição de um período permitido para a semeadura da soja torna-se uma medida obrigatória, sendo implementada já a partir de 2014 e definido 31 de dezembro como data limite para as semeaduras (Figura 4). O principal objetivo, além da redução da densidade de esporos no ar, é reduzir a pressão de seleção dos fungicidas sobre a população de Phakopsora pachyrhizi devido ao inevitável aumento no número de aplicações.
Ambas as estratégias têm condições de diminuir a oferta do inóculo inicial, implicando redução na taxa de progresso da epidemia. Historicamente, a quantidade de uredósporos presentes no ar aumenta a partir de dezembro, apresentando picos entre janeiro e março, dependendo da conjuntura climática na América do Sul (Figura 5). No período compreendido entre janeiro e abril, a ferrugem-asiática da soja atinge sua maior severidade. Assim posto, as estratégias mais eficientes para mitigação dos riscos para epidemias altamente severas são uma combinação entre a antecipação de semeadura de cultivares mais precoces, a redução regional de inóculo e a implantação de programas de manejo locais. Esta combinação reduz a possibilidade do rápido desenvolvimento da doença devido à menor exposição a níveis elevados de inóculo nos períodos fisiologicamente críticos da soja.
Assim posto, o manejo da doença no Brasil será dependente do manejo realizado nos países vizinhos, aliado às condições climáticas relacionadas ao transporte de esporos, sua inoculação, adoção de práticas culturais e, finalmente, a implantação de um programa local de proteção. Anos mais chuvosos podem favorecer as infecções e o início antecipado da doença, enquanto períodos chuvosos intensos podem limitar o transporte do patógeno pelas correntes de ar, reduzindo a quantidade de inóculo transportado de um campo para outro. Em anos mais secos, temperaturas elevadas e baixa umidade do ar, associadas à alta radiação ultravioleta, podem propiciar aumento na
Marcelo Madalosso
mortalidade de esporos, reduzindo sua viabilidade e resultando na diminuição da severidade da doença.
Recentemente, a conjugação de aplicações realizadas nos estádios vegetativos, antecipação da época de semeadura e encurtamento no ciclo das cultivares têm sugerido redução e atraso na produção de inóculo, resultando em menor taxa de progresso e severidade da ferrugem-asiática da soja. A experiência adquirida desde o surgimento da ferrugem-asiática da soja indicou sempre grande dependência do nível de severidade da doença às condições de clima que impactam diretamente nas condições de infecção e na taxa de progresso da doença. Se as condições de clima forem favoráveis e a oferta de inóculo no ar for elevada, é possível esperar um início antecipado da doença, rápida evolução, taxa de progresso elevada e proporcional dificuldade no controle. Entretanto, mesmo se todas estas condições climáticas forem favoráveis, o estabelecimento da epidemia ainda dependerá da disponibilidade de inóculo.
Sempre que o inóculo inicial for eliminado ainda nas fases iniciais da patogênese, a necessidade de reinfecção implica retardamento dos níveis severos da doença. No caso da ferrugem-asiática da soja, é fundamental considerar tanto o inóculo que migra desde fontes distantes como aquele cuja dinâmica espacial local acarreta infecção entre plantas vizinhas. Diversos estudos de campo, realizados no Instituto Phytus, demonstram que a antecipação do controle implica diretamente aumento na produtividade da cultura da soja (Figura 6a, 6b), principalmente sob condições climáticas favoráveis a uma evolução rápida das doenças. No caso específico da ferrugem-asiática da soja, mesmo que haja uma reposição constante de inóculo, o retardamento da epidemia devido ao controle antecipado auxilia fortemente na obtenção de altas produtividades.
Deste modo, se as medidas de controle forem conjugadas ao cumprimento das práticas legislativas, a redução regional na liberação de esporos promoverá diminuição importante na severidade da ferrugem-asiática da soja, sendo possível antever benefícios importantes tanto em nível de produtividade da cultura da soja como de redução na pressão de seleção sobre os fungicidas atualmente utilizados.
A ferrugem-asiática da soja sempre será uma ameaça concreta às lavouras de soja, exigindo redobrada atenção a cada safra. Entretanto, após 20 anos de trabalho de um grande número de profissionais, pode-se considerar que o manejo integrado da ferrugem-asiática, através da combinação entre estratégias legislativas, culturais, genéticas e químicas, conseguiu produzir resultados impressionantes. Se houver persistência e continuidade no trabalho orientado nos preceitos do manejo integrado, certamente a redefinição do grau de importância da ferrugem-asiática da soja será materializada nas safras seguintes, constituindo-se em um caso de sucesso na agricultura moderna.
Ricardo Balardin, CEO Phytus Group
Ricardo Balardin