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Controle biológico da mancha de ramulária
from Cultivar 126
Medidas adicionais
Os desafios e as oportunidades para o controle biológico se consolidar como aliado no manejo da mancha de ramulária do algodoeiro, doença agressiva e disseminada pelas principais regiões produtoras da cultura no Brasil
Amancha de ramulária, também conhecida por ramulária, mancha branca, ramulariose, míldio cinza, míldio areolado ou falso míldio (Ehrlich e Wolf, 1932), é a principal doença do algodoeiro no Brasil, disseminada nas principais regiões produtoras de algodão do Brasil.
No passado, a doença era considerada como causada pelo fungo Ramularia areola. Entretanto, recentemente, com o avanço dos métodos modernos de taxonomia, foi comprovado que a doença é provocada por duas espécies de fungos, Ramulariopsis gossypii e Ramulariopsis pseudoglycines - (Videria et al., 2016). Ambas as espécies já foram identificadas em áreas de produção de algodoeiro do Cerrado brasileiro em coletas de isolados realizadas em safras recentes pelo grupo de pesquisa da Embrapa Algodão, universidades, empresas de pesquisa e obtentoras de produtos registrados para a doença, como parte das ações do projeto da Rede Ramulária.
O manejo dos agentes responsáveis por essa doença é imprescindível para assegurar uma produtividade rentável nas condições
Phytus Club
Fotos Fabiano Jose Perina
Figura 1 - Folha de algodoeiro com sintomas de mancha de ramulária: lesões pequenas na face abaxial, variando, delimitadas pelas nervuras, com formato angular (à esquerda). Detalhe das lesões com esporulação branca de aspecto pulverulento (à direita)
em que o cultivo do algodoeiro é realizado atualmente no País. Entre as medidas de controle que contribuem para a redução do progresso da mancha de ramulária no campo, destacam-se o uso de cultivares com alto grau de resistência; o emprego de maiores espaçamentos entre linhas; o uso de menores populações de plantas por hectare; o manejo adequado de reguladores de crescimento, de maneira a evitar o desenvolvimento vegetativo vigoroso, e que induza sombreamento excessivo nos terços médio e inferior das plantas; a adoção de cultivares precoces, que objetivam a redução do número de ciclos da doença no campo; a rotação e sucessão de culturas; a efetiva destruição de restos culturais e tigueras de algodoeiro na entressafra, e o controle químico, com a aplicação de fungicidas com modos de ação distintos e comprovada eficácia no controle dos agentes causais da doença.
Apesar da recomendação das medidas de controle mencionadas anteriormente, e dos esforços dos produtores em adotá-las, principalmente aquelas relacionadas a aspectos culturais, controlar os agentes responsáveis pela mancha de ramulária tem sido uma tarefa árdua. O número escasso de cultivares de algodoeiro com estabilidade e alto grau de resistência aos agentes etiológicos da doença atualmente disponíveis no mercado, e um programa, muitas vezes inadequado de controle químico, têm contribuído, muitas vezes, para o insucesso no controle da doença.
Especificamente em relação ao uso de fungicidas, é necessário realizar um criterioso programa de controle químico, com produtos eficazes, incluindo fungicidas sítio-específicos e multissítios, e ênfase na alternância dos modos de ação desses produtos durante o ciclo da cultura. Esse tipo de estratégia evita o aparecimento de isolados resistentes, assegura a redução do progresso da doença e a diminuição do impacto na produtividade. Para mais informações a respeito da eficácia de fungicidas sítio-específicos e multissítios e seus diferentes modos de ação no controle da mancha de ramulária, sugere-se consultar os resultados de pesquisas realizadas anualmente, pela Embrapa em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), empresas obtentoras de produtos fungicidas e empresas de pesquisa atuantes nas principais regiões produtoras de algodão no Brasil, em: www.rederamularia. com.br. Esse tipo de informação também está disponível em publicações da série Embrapa (Araujo et al., 2018; Araujo et al., 2019).
Apesar da oferta de fungicidas de comprovada eficácia no controle dos agentes da mancha de ramulária e dos esforços realizados pelos gestores de fazenda e produtores, no sentido de utilizar fungicidas com diferentes princípios ativos e distintos modos de ação, a pressão resultante do grande número de aplicações desses produtos empregados durante o longo ciclo do algodoeiro no campo tem aumentado os custos de produção e favorecido o risco de surgimento de isolados ou raças de fungos resistentes aos fungicidas utilizados. Além disso, considerando a recente constatação da existência de duas espécies de fungos como agentes causadores da doença (Videira et al., 2016) e os indícios de variabilidade desses fungos já evidenciados (Novaes et al., 2011; Girotto et al., 2013; Metha et al., 2016), somados às condições altamente favoráveis para esses patógenos nas regiões onde se cultiva o algodão no Cerrado brasileiro, faz-se necessária a busca por métodos adicionais que contribuam com o controle da doença e, ao mesmo tempo, desfavoreçam o aparecimento de isolados resistentes aos fungicidas químicos atualmente empregados.
Nesse sentido, a Embrapa tem
atuado em pesquisas para a melhoria do monitoramento e do manejo dessa doença no campo e buscado contribuir para que medidas adicionais possam ser incorporadas para aumentar o controle e a eficiência da utilização de recursos para garantir a sanidade da cultura e a rentabilidade da atividade em médio e longo prazo. O controle biológico de doenças de plantas, apesar de pouco estudado quando comparado ao controle biológico de insetos-praga, consiste em uma das medidas de grande potencial, desde que bem posicionada e aplicada com critérios técnicos e acompanhamento de especialistas.
O controle biológico de doenças de plantas é definido como a redução da soma de inóculo ou das atividades determinantes da doença, provocada por um patógeno, podendo ser realizado por um ou mais organismos que não o homem (Cook e Baker, 1983). Assim, para os pesquisadores que atuam com controle biológico de doenças de plantas, as doenças de plantas são vistas além do tradicional triângulo da doença, resultante da íntima relação do patógeno com o hospedeiro influenciada pelo ambiente. No controle biológico, a doença é vista como a resultante da interação entre hospedeiro, ambiente e patógeno, influenciada por uma infinidade de organismos não patogênicos, também presentes no sítio de infecção, que apresentam potencial para limitar ou aumentar a atividade do patógeno ou a resistência do hospedeiro (Ghini et al., 2011; Cook e Baker, 1983; Cook, 1985).
Pensando nisso e considerando a notável abertura do setor produtivo à utilização de bioprodutos em áreas de produção de algodão dos Cerrados brasileiros, notada nos últimos anos, foi realizado um trabalho exploratório pela Embrapa, em parceria com a Fundação BA, na região Oeste da Bahia, para avaliar a capacidade de bioprodutos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e já utilizados de alguma maneira nos cultivos do algodoeiro e da soja para o controle da mancha de ramulária no campo.
Assim, em condições de campo comercial de produção de algodão, realizou-se a semeadura de algodoeiro, cultivar FM 975 WS, amplamente utilizada na região dos cerrados brasileiros com alto grau de suscetibilidade à mancha de ramulária. O algodoeiro foi semeado em espaçamento de 0,76m entre linhas, na densidade de nove sementes por metro linear.
Foram avaliados dois bioprodutos e um biofertilizante (Tabela 1) utilizados nos cultivos da soja e do algodoeiro nos Cerrados, os quais foram aplicados com ou sem associação a um fungicida químico. Essa associação foi realizada, com o propósito de comparar a capacidade de redução da severidade da ramulária, acumulada durante todo o ciclo do algodoeiro no campo, em relação ao fungicida e à capacidade de contribuir para o controle proporcionado pelo fungicida. Os produtos aplicados de forma isolada ou em associação com o fungicida estão especificados na Tabela 1.
Figura 2 - Gráfico da Área Abaixo da Curva de Progresso da Severidade da Ramulária (AACPSD) em função da dos tratamentos avaliados. Luís Eduardo Magalhães, BA
Figura 3 - Gráfico de produtividade de algodão em caroço (@/ha) em função da dos tratamentos avaliados. Luís Eduardo Magalhães, BA
Tabela 1 - Bioprodutos e biofertilizante avaliados isoladamente ou em associação com fungicida, princípio ativo e dose utilizada
Tratamento Testemunha (TE) T. h + T. a + B. amyloliquefaciens B.subtilis
Biofertilizante + C. Org.
Fungicida (FG) (T.h + T.a + B.amyloliquefaciens) + (FG)
(B.subtilis ) + ( FG)
(Biofertilizante + C.Org) + (FG) Princípio ativo --Trichoderma harzianum 5 .10 8 UFC/g + Trichoderma asperellum 5 .10 8 UFC/g + Bacillus amyloliquefaciens 5 .10 8 UFC/g Bacillus subtilis 3.109 UFC/mL [2,75% enxofre (46,1 g/L); 2,00% Cobre (24,6 g/L); 2,0% zinco (24,6 g/L)] + [3.75% enxofre (33,8 g/L); 3,0% Cobre (36,9 g/L); 1,6% ferro (19.7 g/L) manganês 0.8% (9.8 g/L); 3.2% zinco (39,4 g/L); 2.13% + Carbono orgânico] Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L) [Trichoderma harzianum 5 .10 8 UFC/g + Trichoderma asperellum 5 .10 8 UFC/g + Bacillus amyloliquefaciens 5 .10 8 UFC/g] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)] [Bacillus subtilis 3.109 UFC/mL] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)] [2,75% enxofre (46,1 g/L); 2,00% Cobre (24,6 g/L); 2,0% zinco (24,6 g/L)] + [3.75% enxofre (33,8 g/L); 3,0% Cobre (36,9 g/L); 1,6% ferro (19.7 g/L) manganês 0.8% (9.8 g/L); 3.2% zinco (39,4 g/L); 2.13% + Carbono orgânico] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)] Dose (L ou Kg /ha) --0,2 1,0
0,5 + 0,5
0,4 0,2 + 0,4
1,0 + 0,4
(0,5 + 0,5) + (0,4)
O experimento foi realizado em delineamento experimental de blocos casualizados, com oito tratamentos e quatro repetições, com parcelas constituídas por quatro linhas de seis metros de comprimento, utilizando como parcela útil, as duas linhas centrais da parcela experimental.
Para efeito de comparação e adaptação da metodologia de aplicação dos bioprodutos e biofertilizantes, com a metodologia tradicionalmente utilizada na aplicação de fungicidas na cultura do algodoeiro, adotou-se a metodologia de aplicação semelhante à usada para avaliação de fungicidas.
Assim, foram realizadas oito aplicações de cada produto na cultura do algodoeiro, sendo a primeira realizada aos 30 dias após a emergência, a segunda aos 14 dias após a primeira, e assim seguiram as demais aplicações sucessivas, que foram realizadas sempre entre às 7h e às 8h30min ou entre as 17h30min e as 19h, de acordo com a ocorrência de condições de temperatura, umidade relativa do ar e vento, favoráveis à aplicação. As aplicações foram realizadas por meio de um pulverizador costal pressurizado (pressão constante de 30 PSI) acoplado a uma barra contendo seis bicos Teejet (11002VK) tipo leque, distanciados de 0,76m entre si, com volumes de calda equivalentes a 150L/ha.
Foram realizadas dez avaliações da severidade da mancha de ramulária, por meio da estratificação da planta em metade inferior e metade superior, com avaliação de cinco folhas de cada terço, utilizando a escala de severidade da ramulária em algodoeiro proposta por Aquino et al. (2008). A primeira avaliação (pré-spray 1) foi realizada antes da aplicação dos tratamentos, assim como as sete avaliações subsequentes: pré-spray 2 a pré-spray 8, enquanto as duas últimas avaliações foram realizadas aos sete e 14 dias após a última aplicação dos tratamentos.
Ao final do experimento, realizou-se a avaliação da produtividade em cada tratamento, por meio da colheita das duas linhas centrais de cada parcela experimental, desprezando-se 0,5 metro em cada extremidade. O peso de algodão em caroço obtido em cada parcela foi convertido para arrobas por hectare, os quais foram submetidos à análise de variância.
Com base nos dados de severidade da ramulária, foram calculadas as áreas abaixo da curva de progresso da severidade da doença (AACPSD), conforme Shaner & Finney (1977), os quais foram submetidos à análise de variância. As comparações dos agrupamentos das médias de AACPSD e produtividade média de algodão em caroço por hectare foram realizadas pelo teste de Scott-Knott (p<0,05).
Fabiano José Perina
Doença também é conhecida por ramulária, mancha branca, ramulariose, míldio cinza, míldio areolado ou falso míldio
Nas condições em que o trabalho foi realizado, observou-se que os dois bioprodutos aplicados sem associação ao fungicida (T.h + T.a + B.amyloliquefaciens e B. subtilis) reduziram o progresso da mancha de ramulária, superando a testemunha e o tratamento que recebeu aplicações do biofertilizante (Figura 2).
Nota-se que quando associados ao fungicida FG, os dois bioprodutos avaliados superaram novamente o tratamento composto pelo biofertilizante + FG e o próprio fungicida FG aplicado isoladamente. Esse resultado evidenciou um ganho na redução da severidade acumulada ao longo da safra (AACPSD), tanto por parte do bioproduto à base de T.h + T.a + B. amyloliquefaciens, como por parte do bioproduto à base de B. subtilis quando aplicados associados ao fungicida FG, caracterizando uma oportunidade de melhoria da performance em termos de redução da AACPSD para ambos, fungicida e bioprodutos quando aplicados em associação.
Nessas condições, esses resultados evidenciam uma opção de utilização do controle biológico em associação a fungicidas químicos no sentido de maximizar a eficiência de controle da doença no campo, contribuindo tanto para a redução da severidade, como para diminuir a pressão de seleção exercida pelo limitado número de moléculas de fungicidas utilizadas no controle dos agentes causadores da mancha de ramulária atualmente. Assim, possibilita-se menor probabilidade de surgimento de isolados ou raças do patógeno, resistentes aos princípios ativos de fungicidas.
Ressalta-se, no entanto, que para a melhoria da eficiência de uso do controle biológico de forma ampla e integrada aos demais métodos e práticas culturais aplicadas à cultura do algodoeiro e, ainda, para o melhor entendimento dos processos envolvidos no controle por parte de biofungicidas como os utilizados nesse trabalho, há necessidade de intensificação de pesquisas básicas e aplicadas, no que se refere principalmente a posicionamento, intervalo
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Trata-se da principal doença do algodoeiro no Brasil
de aplicação, associação com demais grupos de fungicidas, compatibilidade com fungicidas e demais produtos fitossanitários utilizados na cultura, de forma a permitir a inserção mais assertiva e eficiente de bioprodutos para o controle de doenças ao sistema de produção utilizado atualmente nas principais regiões produtoras de algodão do País.
No que se refere à produtividade de algodão em caroço, conforme pode ser observado na Figura 3, o fungicida biológico T.h + T.a + B. amyloliquefaciens, juntamente com o fungicida químico aplicado isoladamente ou em associação com bioprodutos ou biofertilizantes, superou o biofertilizante e o biofungicida à base de B. subtilis que não diferiram da testemunha sem aplicação.
Tal fato demonstra que a associação dos biofungicidas avaliados com fungicidas químicos não interferiu negativamente na produtividade. Contudo, ressalta-se novamente a necessidade de realização de estudos aprofundados para a melhoria do conhecimento acerca da utilização de biofungicidas, no que se refere à eficiência de controle da doença e ao aumento da produtividade do algodoeiro. Tais estudos podem gerar ganhos, desde que sejam priorizados o melhor juízo acerca do posicionamento, os intervalos entre aplicações, as combinações e a compatibilidade entre produtos, de forma a possibilitar novas ferramentas que contribuam para o manejo da ramulária no campo. Este trabalho contou com o apoio da Fundação BA e do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro). C C
Fabiano Jose Perina, Wirton Macedo Coutinho e Alderi Emídio de Araujo, Embrapa Algodão