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Controle de percevejos em soja e milho

Fotos Adeney de Freitas Bueno

Soma integrada

Como o uso combinado das diferentes ferramentas disponíveis para o manejo, além do emprego racional e na hora certa dos inseticidas disponíveis, é importante na luta contra percevejos, pragas desafiadoras e que despontam entre as mais prejudiciais para a produção de soja e de milho no Brasil

Os percevejos estão entre as pragas mais prejudiciais e desafiadoras para a produção de soja e de milho nas condições brasileiras. Há uma grande diversidade de espécies desses insetos, que podem atacar as plantas nesse sistema produtivo. Até a década de 1990, o percevejo-verde (Nezara viridula) era a espécie mais importante. Entretanto, recentemente, essa espécie é raramente encontrada nas lavouras de soja, podendo ser considerada até de importância secundária. Atualmente, o percevejo-marrom (Euschistus heros) é certamente a espécie mais abundante neste sistema produtivo na quase totalidade das regiões produtoras do território brasileiro.

As diferentes espécies de percevejos que atacam a soja podem posteriormente migrar para o milho cultivado em sucessão. Entre essas espécies, o percevejo-barriga-verde (Diceraeus melacanthus) merece destaque por ser a espécie mais daninha ao milho. Isso ocorre porque o percevejo-barriga-verde ataca o milho na base da planta, próximo ao solo, danificando o meristema apical, o que leva à deformação das plantas atacadas. Diferentemente, o percevejo-marrom prefere se alimentar na parte superior das plantas, sugando-as mais perto do cartucho, o que prejudica menos o desenvolvimento do milho. Por isso, é importante diferenciar as espécies em campo, visto que raramente o percevejo-marrom tem potencial de causar dano ao milho. Na soja, todas as espécies podem causar danos na cultura, mas apenas quando se alimentam dos grãos ou sementes, o que, dependendo da intensidade do ataque, pode comprometer a produtividade da lavoura e a qualidade da soja produzida, reduzindo o valor que o produtor receberá na indústria.

CONTROLE QUÍMICO

DOS PERCEVEJOS

A estratégia mais utilizada em campo para controlar essas pragas na soja e no milho é a pulverização com inseticidas. Entretanto, o uso exclusivo e muitas vezes exagerado dessa ferramenta tem levado à seleção de populações resistentes aos inseticidas utilizados além da eliminação dos agentes de controle biológico natural. Em consequência do uso inadequado de inseticidas, os produtos não têm funcionado como deveriam. Além disso, essas aplicações têm levado à ressurgência dos percevejos e surtos de pragas secundárias. É possível citar as altas populações de percevejos observadas no final das safras, além de surtos de ácaros (pragas secundárias) que vêm assustando os produtores brasileiros.

Nesse contexto, destaca-se a importância do uso combinado das diferentes ferramentas disponíveis para o manejo de percevejos, além do uso racional e na hora certa dos inseticidas disponíveis. Muitos produtores acabam adotando o chamado “controle do percevejo no cedo”, que consiste no controle dos percevejos adultos sobreviventes da safra anterior que estão colonizando a lavoura bem no início do desenvolvimento, antes de serem observados os primeiros ovos e ninfas na área. Entretanto, nessa prática acaba-se aplicando inseticidas antes da formação das vagens (geralmente no florescimento da lavoura), quando os percevejos são comprovadamente incapazes de causar qualquer dano econômico à lavoura e quando os insetos polinizadores, principalmente as abelhas, estão mais ativos e, portanto, mais vulneráveis aos efeitos dos agroquímicos.

Além disso, é importante destacar que os percevejos velhos, que vieram da safra anterior, estão normalmente muito parasitados e têm pequena capacidade de danificar as plantas. Quando comparada com a aplicação no nível de ação, comprova-se que a aplicação antecipada de inseticidas somente traz mais gastos, aumenta o problema com pragas, além de certamente acelerar o processo de seleção de percevejos resistentes.

A

C Figura 1 – Diferenças entre os percevejos barriga verde e marrom

B

Principais diferenças entre o percevejo-barriga-verde (A) e o percevejo-marrom (B)

Setas vermelhas indicam as diferenças na região da cabeça com o percevejo-barriga-verde à esquerda com estrutura da cabeça bifurcada entre as antenas e o percevejo-marrom à direita com estrutura da cabeça arrendodada entre as antenas (C)

Setas azuis indicam as diferenças na região do abdômen com o percevejo-barriga-verde à esquerda com abdômen verde e o percevejo-marrom à direita com o abdômen marrom (C)

Outra estratégia inadequada que muitas vezes é utilizada em campo é o “manejo do percevejo no final do ciclo”, para reduzir a população de percevejos que permanece na área e ataca a cultura do milho cultivado em sucessão. Essa estratégia traz dois grandes riscos ao produtor: 1) Quando o período de carência do produto não é respeitado, há grande chance de permanecer resíduos de inseticidas nos grãos, o que compromete a qualidade do produto final; 2) Como a área cultivada de milho na segunda safra é muito menor do que a área cultivada com soja na primeira safra no País, é comum a ocorrência de migrações da praga. Portanto, os percevejos que atacam o milho não são necessariamente aqueles que estavam na soja na mesma área. Percevejos de áreas vizinhas e até de fazendas vizinhas poderão atacar o milho recém-germinado. Por isso é mais eficiente o controle de percevejos direcionado ao milho quando necessário no início de seu desenvolvimento, quando comparado ao controle de percevejos no final do ciclo da soja, na tentativa de reduzir a população de pragas no milho cultivado em sucessão.

Para o sucesso do manejo de percevejos é crucial o uso racional de inseticidas, associado às diferentes estratégias de manejo disponíveis. Inseticidas devem ser aplicados apenas entre os estádios de desenvolvimento R3 e R6 da soja, quando existem vagens suscetíveis aos danos causados por percevejos. Essas aplicações devem ser feitas quando existir uma população de percevejos (ninfas grandes e adultos = insetos maiores que aproximadamente 0,5cm) maior ou igual ao “nível de ação”, que é dois percevejos por metro se a lavoura for destinada à produção de grão ou apenas um desses percevejos se a lavoura for destinada à produção de sementes. Áreas demonstrativas conduzidas por vários anos pelos técnicos do Instituto de Desenvolvimento do Paraná (IDR-Paraná) comprovam a eficiência e a maior lucratividade dessa tecnologia, conhecida como Manejo Integrado de Pragas, o que não inclui nem o “controle do percevejo no cedo” nem o “controle do percevejo no final do ciclo” em suas recomendações.

DIFERENTES

ESTRATÉGIAS E

RECOMENDAÇÕES

DE MANEJO DE

PERCEVEJOS

CULTIVARES

TOLERANTES

Principalmente para áreas de soja com histórico recorrente de problemas com percevejos, é recomendável que, já no momento da semeadura, o sojicultor possa optar por utilizar cultivares mais tolerantes ao ataque dessa praga. Assim, em 2019 foi lançada pela Embrapa no mercado brasileiro a tecnologia Block. Essa tecnologia identifica as cultivares de soja que apresentam menor perda de produção quando submetidas ao ataque intenso de percevejos, comparativamente às cultivares sem a tecnologia Block. São cultivares que, como pode ser observado na Figura 2, têm alto potencial produtivo, comparado aos melhores padrões do mercado. Além da alta produtividade, quando submetidas a populações mais altas de percevejos, não terão sua produção comprometida com a presença de grãos chochos e danificados na mesma intensidade das cultivares sem a tecnologia.

Figura 2 - Imagens comparativas dos grãos em diferentes intensidades de infestação

CONTROLE BIOLÓGICO

Além de inseticidas e soja tolerante ao ataque de percevejos, o produtor pode aplicar o controle biológico em sua área. Telenomus podisi é um inseto parasitoide de ovos de percevejos que pode ser comprado e liberado na lavoura para controlar os ovos de percevejos. Sendo assim, cada ovo parasitado, ao invés da emergência de uma ninfa de percevejo, emerge um adulto do parasitoide, que continuará parasitando e controlando novos ovos de percevejo durante sua vida adulta.

É importante que o sojicultor que fizer uso dessa “vespinha” no campo fique atento a algumas recomendações. Como esse parasitoide não controla o percevejo e sim os ovos que darão origem aos percevejos, a pesquisa recomenda iniciar a liberação dessas “vespinhas” quando for detectada a presença dos primeiros adultos dos percevejos nas lavouras, realizando duas a três aplicações no intervalo de sete dias. A liberação desses parasitoides é compatível com insetos polinizadores e a preservação de outros organismos benéficos na lavoura.

Além dos parasitoides, os fungos entomopatogênicos (Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae) que estão presentes em produtos comerciais recomendados para o controle

Figura 3 A) Percevejo-marrom contaminado com Beauveria bassiana; B) Percevejo-marrom contaminado com Metarhizium anisopliae C) Percevejo-marrom contaminado com Isaria fumosorosea; D) Percevejo-barriga-verde morto por nematoide entomopatogênico do gênero Heterorhabditis

A B C D

do percevejo-marrom podem ser utilizados pelo produtor. Além desses, o fungo Isaria fumosorosea apresenta indícios de boa capacidade em controlar percevejos. Além dos fungos, outros estudos apontam a capacidade de nematoides do gênero Heterohabditis em controlar o percevejo-barriga-verde que poderão em breve estar reforçando a lista de produtos biológicos (microbiológicos) disponíveis ao agricultor.

CONTROLE QUÍMICO

Aplicar inseticidas apenas quando a população de pragas atingir o nível de ação para a cultura da soja e a lavoura estiver entre os estádios de desenvolvimento de R3 a R6. Dar preferência para inseticidas mais seletivos aos inimigos naturais e preferencialmente sempre rotacionar os modos de ação utilizados. Com relação aos diferentes modos de ação, as possibilidades existentes no momento são: a) Grupo 1 de inseticidas (inibidores de acetilcolinesterase): trata-se do inseticida acefato; b) Grupo 2 de inseticidas (bloqueador de canais de cloro mediados pelo Gaba): trata-se do inseticida etiprole;

c) Grupo 3 de inseticidas (moduladores dos canais de sódio): trata-se dos produtos com piretroides como seus ingredientes ativos; d) Grupo 4 de inseticidas (moduladores competivivos de receptores nicotínicos de acetilcolina): trata-se dos produtos do grupo dos neonicotinoides.

Na prática, os grupos 3 e 4 não são usados isoladamente contra percevejos e formam os produtos em misturas prontas para uso com neonicotinoides + piretroides. Para conferir o modo de ação de um inseticida consulte https://www.irac-br.org/modo-de-acao.

CUIDADOS

NA COLHEITA

É importante “colher a soja no limpo” com um bom manejo de plantas daninhas, além de reduzir perdas de grãos na colheita, pois grãos de soja caídos no chão e a presença de algumas plantas daninhas servem de alimento ao percevejo-barriga-verde, que poderá assim permanecer na área, favorecendo o desenvolvimento da praga na segunda safra (milho).

TRATAMENTO DE SEMENTES

Em caso de histórico de ocorrência de percevejos na área, usar tratamento de sementes no milho com neonicotinoides para controle inicial dos percevejos. Monitorar e controlar a praga com aplicações de inseticidas adicionais apenas quando a população do percevejo barriga-verde for igual ou superior a dois percevejos por metro. Fazer esse controle até o milho ter a espessura de colmo acima dos 1,5cm, quando o controle de percevejos não é então mais justificável.

Usar as diferentes estratégias disponíveis de manejo de percevejos de forma integrada dentro dos princípios do Manejo Integrado de Pragas é a única garantia de sucesso do produtor no combate a percevejo, o mais temido vilão das culturas da soja e do milho. C C

Adeney de Freitas Bueno, Embrapa Soja Rodrigo Mendes Antunes Maciel, Universidade Federal do Paraná Fernanda Caroline Colombo, Universidade Estadual de Londrina

Resultados Médios do MIP-Soja no Paraná

Variáveis Número de aplicações de inseticidas por safra Dias até a primeira aplicação de inseticida Controle de pragas (sacos de 60 kg) Produtividade (sacos de 60 kg/ha) Comparação MIP Sem MIP MIP Sem MIP MIP Sem MIP MIP Sem MIP Médias de 6 safras (2013/14 até 2018/19) 2,0 4,0 69,4 dias 37,9 dias 2,0 4,3 57,1 55,9 Adeney, Rodrigo e Fernanda

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