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Coluna Agronegócios
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O agronegócio brasileiro: uma análise para 2020 e para o próximo triênio
Sem dúvidas, 2020 foi um ano muito complicado e com muitos pontos fora da curva de tendências ou do que era mais esperado. Destacaremos três eventos que mais impactaram o agronegócio em 2020: 1) a evolução da pandemia do SarsCov-2; 2) a economia da China e; 3) o mercado de carnes. Vamos aos pormenores de cada um.
A pandemia provocou desequilíbrios nos principais mercados agrícolas do mundo, pelas restrições que se iniciaram no varejo, passaram por estoques diferenciais nos países, prosseguiram com as restrições logísticas tanto nos mercados domésticos quanto internacionais, e que também afetaram as cadeias de insumos e a própria produção agrícola, em alguns países.
A China se consolidou como o grande protagonista do mercado internacional, tanto o agrícola como de outros setores da economia. Apesar de uma forte queda no PIB no 1º quadrimestre (-6,8%), mostrou uma rápida recuperação nos 2º e 3º quadrimestres, com incremento de 8,5%. Sua economia já está buscando o ritmo anterior à pandemia, tornando-se a locomotiva da economia mundial, particularmente do agronegócio.
O mercado de carnes foi afetado pela peste suína que atingiu o Leste europeu, com particular impacto na Rússia e de lá se estendeu para a Ásia. Particularmente na China houve redução de 45% do rebanho suíno. Essa parcela do rebanho era constituída por criações de baixo nível tecnológico, o que incluía baixo status sanitário. O fato se desdobrou em duas vertentes: o aumento da aquisição de carne suína (e de outras carnes) no mercado internacional e a progressiva reconstituição do plantel e da produção suinícola na China, porém em bases altamente tecnificadas do ponto de vista genético, nutricional e sanitário. As duas ações impactaram o mercado de grãos (mormente soja e milho), com escalada de preços e boas cotações.
OLHANDO PARA 2021 E ALÉM
Em nossa opinião, os três eixos mencionados anteriormente permanecem influenciando o curto prazo, acrescidos de mais duas variáveis diretrizes muito importantes: a segurança dos alimentos e a temática socioambiental. Desnecessário justificar a importância da segurança dos alimentos, mas na temática ambiental e social entendemos que se trata de antecipação de metas em uma agenda que já estava implantada. A questão ambiental tangencia a segurança dos alimentos (biológica, química e física) e a temática social ficou exposta na pandemia: a desigualdade social, seja ela dentro de um país ou entre países e continentes, expõe todos a uma elevação do risco de qualquer perigo que envolva questões sanitárias. Seguramente será parte das preocupações da sociedade, expressa nas certificações dos produtos agrícolas e em exigências comerciais de países ou blocos.
Do ponto de vista do impacto da pandemia, os dados disponíveis indicam que não haverá vacinas (ou programas de vacinação) suficientes para imunizar a parcela mínima necessária dos 7,8 bilhões de habitantes do nosso planeta, ainda em 2021. Portanto, continuaremos expostos aos riscos e efeitos da pandemia ao longo do presente exercício, com reflexos nos dois anos seguintes. Há enorme incerteza sobre a erradicação da pandemia, que pode vir a tornar-se parte do cotidiano, com revacinação de toda a população mundial, a cada ano. E, no limite, também há fundadas dúvidas sobre o surgimento de variantes que provoquem uma vantagem diferencial para o vírus, reduzindo a eficácia vacinal.
O ano de 2021 ainda será de baixo crescimento mundial, com diferenças muito grandes entre países, e um cenário aceitável indica que 2022 e 2023 serão anos de recuperação, objetivando retomar a linha de crescimento econômico interrompida em 2019, um ciclo que, provavelmente, se completará em 2025. Nesse período alguns fatos serão marcantes, como pesados investimentos em Ciência e Tecnologia para evitar novos rebrotes de SarsCov-2 e mesmo de outras pandemias. Um fator importante será o realinhamento geopolítico ocasionado pela assunção de Joe Biden à presidência dos EUA, em especial na temática ambiental, energia renovável e apoio ao multilateralismo. Também, nesse período são esperados realinhamentos cambiais, modificando a competividade dos países ou blocos, sempre tendo em conta que a China se imporá como potência econômica, tecnológica, fornecedora de insumos e produtos acabados, e maior importadora de alimentos.
Olhando mais analiticamente para a China, nos próximos anos seu PIB volta a crescer a altas taxas, suas reservas internacionais aumentam, assim como sua participação no mercado internacional. O aumento da renda per capita e da inclusão social trará novos cidadãos para o mercado de consumo de produtos agrícolas, particularmente de carnes. O mercado consumidor chinês tende a sofisticar e incorporar hábitos ocidentais. Este conjunto favorecerá muito o Brasil, se o país souber capturar as oportunidades, sempre tendo em conta que a China procurará garantir fontes de suprimentos seguras e estáveis, base de sua segurança alimentar nos próximos anos.
O mercado de carnes continuará excitado no curto prazo, favorecendo o mercado de grãos. A China deve tornar-se o maior produtor de frangos do mundo, o que provocará uma recomposição no mercado e um trade-off entre carnes e grãos.
Finalmente, há a questão da segurança dos alimentos, com exigências cada vez mais restritivas, seja do ponto de vista biológico, químico ou físico. Antecipam-se metas de exigências de rastreabilidade e certificação. E, por transbordamento da questão, temas como a sustentabilidade da agricultura – e, por extensão, a proteção que um país confere ao seu ambiente – serão fulcrais no mercado internacional. Assim como serão buscados mecanismos para reduzir a desigualdade social, que tem fortes implicações na questão da pandemia, e que também deve impactar o mercado internacional de produtos agrícolas.
Enfim, teremos anos muito movimentados pela frente, com diversas mudanças estruturais no curto prazo, que impactarão o longo prazo do mercado do agronegócio. C C
Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, pesq. da Embrapa Soja