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Fungicidas multissítios em soja
Eficiência ampliada
De que modo o uso de fungicidas multissítios pode ampliar a eficiência de controle de doença em soja e impactar de modo positivo a produtividade da cultura
Aocorrência epidêmica da ferrugem-asiática da soja, causada por Phakopsora pachyrhizi Syd. & P. Syd, a partir de 2001/02, impulsionou o uso de fungicidas na cultura da soja no Brasil. Nas primeiras safras após a ocorrência da doença no País, fungicidas sítio-específicos, utilizados de forma isolada, foram adotados para controle. A seleção de indivíduos menos sensíveis ou resistentes e a redução de eficiência de controle nas safras subsequentes reforçaram a adoção de estratégias antirresistência, como a combinação de modos de ação e uso de multissítios.
O uso de produtos com ação multissítio, como oxicloreto de cobre, além de promover benefícios para o manejo de resistência, potencializa o controle de doenças. Sabe-se que os ingredientes ativos possuem ação direta no patógeno, afetando diversos mecanismos vitais, contudo, esse efeito pode ir além e também promover a ativação de mecanismos de defesa das plantas. Respostas bioquímicas como a síntese de espécies reativas de oxigênio (EROs) e enzimas antioxidantes podem resultar no acúmulo de compostos fenólicos, flavonoides, fitoalexinas e diferentes proteínas relacionadas à defesa, portanto uma das maneiras de se estudar este mecanismo em plantas seria por meio do metabolismo oxidativo.
Com o intuito de analisar as respostas fisiológicas de fungicidas sítio-específicos e multissítios na cultura da soja e sua resposta em controle de ferrugem-asiática e produtividade, foi conduzido um experimento na Fazenda Experimental da Fundação Chapadão, município de Chapadão do Sul, Mato Grosso do Sul, em parceria com o Núcleo de Fisiologia e Estresse de Plantas (Nufep- Unipam), Patos de Minas, Minas Gerais.
EXPERIMENTOS
O ensaio foi conduzido na safra 2019/20, na unidade experimental Fundação Chapadão, localizada em Chapadão do Sul, Mato Grosso do Sul. O objetivo foi estudar o efeito dos fungicidas benzovindiflupir + azoxistrobina (150g/L + 300g/L), fluxapiroxade + piraclostrobina (167g/L + 333g/L), protioconazol + trifloxistrobina (175g/L + 150g/L), ciproconazol + picoxistrobina (80g/L + 200g/L) combinados ou não aos multissítios mancozebe (750g/L, WG) e oxicloreto de cobre (588g/L, SC) no controle de ferrugem-asiática e produtividade, além de parâmetros fisiológicos da cultura da soja.
O delineamento foi em blocos casualizados em esquema fatorial 4x3+1, sendo o primeiro fator representado pelos produtos sítio-específicos (benzovindiflupir + azoxistrobina, fluxapiroxade + piraclostrobina, protioconazol + trifloxistrobina e ciproconazol + picoxistrobina) e o segundo fator representado pelos multissítios (mancozebe, oxicloreto de cobre e ausência de multissítio), e a testemunha como tratamento adicional (Tabela 1).
A cultivar utilizada foi a M8372 RR IPRO, semeada em 19/11/2019. As aplicações utilizaram volume de calda equivalente a 150L/ha, e em todos, exceto
testemunha, houve adição de adjuvante recomendado de acordo com o fabricante. As aplicações foram realizadas aos 40, 54, 71 e 85 dias após a emergência (DAE).
Os parâmetros analisados foram severidade, porcentagem de eficiência da área abaixo da curva de progresso (AACPD) e reposta metabólica das plantas. Para identificar o momento de início da doença na área, foram coletadas, três vezes por semana, folhas de soja das parcelas testemunhas, e enviadas ao laboratório de análise e diagnose de doenças. As avaliações de severidade tiveram início a partir da detecção da doença. A estimativa da porcentagem de área foliar lesionada foi dada a partir da avaliação de dez folhas coletadas em quatro pontos distintos de cada parcela. Os avaliadores atribuíram as notas seguindo a escala proposta por Godoy, Koga e Canteri (2006).
Para avaliação do metabolismo das plantas, folhas foram coletadas 15 dias após a última aplicação. As folhas foram dispostas em nitrogênio líquido e transportadas até o Núcleo de Fisiologia e Estresse de Planas (Nufep) do Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam), Patos de Minas, Minas Gerais.
A enzima superóxido desmutase (SOD) foi avaliada segundo a metodologia de Beauchamp e Fridovich (1971), citados por Bor et al. (2003), que leva em consideração leituras de absorbância a 560nm em espectrofotômetro.
A atividade da peroxidase (POD) foi determinada de acordo com Teisseire e Guy (2000), pela medição da purpurogalina em espectrofotômetro UV-visível a 430nm, sendo a atividade expressa em µmol de purpurogalina min-1 mg-1 de proteína.
Os resultados foram submetidos à análise de variância e teste de Scott-Knott, a 5% de significância, utilizando-se o programa estatístico AgroEstat (Barbosa & Maldonado Júnior, 2015).
RESULTADOS
A detecção de ferrugem-asiática ocorreu em 28 de janeiro de 2020, com plantas em estádio R4. A testemunha sem aplicação apresentou maior severidade em relação aos demais tratamentos, com severidade média de 97,3% no estádio R6. Os resultados para aplicações de sítio-específico (benzovindiflupir + azoxistrobina, fluxapiroxade + piraclostrobina, protioconazol + trifloxistrobina e ciproconazol + picoxistrobina) não diferiram entre si em severidade (Figura 1A). Contudo, tratamentos com a associação de multissítio apresentaram menor severidade da doença e atrasaram o seu progresso (Figura 2). Entre os multissítios, oxicloreto de cobre apresentou menor severidade em relação ao mancozebe (Figura 1A). Nesse caso, a eficiência de controle média com associação de oxicloreto de cobre e sítio-específico foi de 71,8% e 52,6% quando os sítio-específicos foram associados a mancozebe (Figura 1B).
A adição de multissítios aos sítio-específicos atenuou o progresso da doença, conforme representado na Figura 2. Em outras palavras, a expressão “achatou a curva”, comumente utilizada em casos de epidemias, representa o efeito dos multissítios no progresso da doença. Quanto ao sistema antioxidante, foram observadas alterações na atividade enzimática nesse estudo. Entre os fungicidas sítio-específicos o fluxapiroxade + piraclostrobina apresentou a maior atividade da SOD e entre os fungicidas multissítios o oxicloreto de cobre se destacou com a maior atividade da enzima (Figura 3A). A SOD é uma importante enzima na tolerância das plantas a estresses bióticos e abióticos, pois constitui a primeira linha de defesa contra os
Figura1 - (A) Severidade em R6 (%) e (B) Eficiência (%) calculada a partir da área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD) para ferrugem-asiática em soja cultivar M8372 RR IPRO submetida a aplicação de fungicidas sítio-específico e multissítio. Chapadão do Sul-MS, safra 2019/20
*Médias seguidas de mesma letra minúscula não diferem entre si para a variável sítio-específico, e seguidas de letras maiúsculas não diferem entre si para a variável multissítio de acordo com o teste de Scott-knott a 5% de significância. **Significativo para o tratamento adicional versus fatorial. Benzo + Azoxi (Benzovindiflupir + Azoxistrobina – 300 + 150 g/L), Fluxa + Pira (Fluxapiroxade + Piraclostrobina – 167 + 333 g/L), Protio + Trifloxi (Protioconazol + Trifloxistrobina – 175 + 150 g/L), Cipro + Picoxi (Ciproconazol + Trifloxistrobina – 80 + 200 g/L), Mancozebe (Mancozebe - 750 WG), Ox. Cobre (Oxicloreto de cobre – 588 g/L SC).
Figura 2 - Curva de progresso de ferrugem-asiática da soja em tratamentos com aplicação de fungicidas sítio-específicos combinados ou não a multissítios. Fundação Chapadão, MS, safra 2019/20. Representa as datas de aplicação
Figura 3 - (A) Atividade da superóxido dismutase (SOD, U µg proteína-1) e (B) Atividade da peroxidase (POD, µmol purpurogalina min-1 mg proteína-1 em soja cultivar M8372 RR IPRO submetida à aplicação de fungicidas sítio-específico e multissítio. Chapadão do Sul-MS, 2020 Figura 4 - Produtividade média de tratamentos com fungicidas no controle de ferrugem-asiática da soja na Fundação Chapadão, MS, safra 2019/20
*Médias seguidas de mesma letra minúscula não diferem entre si para a variável sítio-específico, e seguidas de letras maiúsculas não diferem entre si para a variável multissítio de acordo com o teste de Scott-knott a 5% de significância. ns Não significativo para o tratamento adicional versus fatorial. **Significativo para o tratamento adicional versus fatorial. Benzo + Azoxi (Benzovindiflupir + Azoxistrobina – 300 + 150 g/L), Fluxa + Pira (Fluxapiroxade + Piraclostrobina – 167 + 333 g/L), Protio + Trifloxi (Protioconazol + Trifloxistrobina – 175 + 150 g/L), Cipro + Picoxi (Ciproconazol + Trifloxistrobina – 80 + 200 g/L), Mancozebe (Mancozebe - 750 WG), Ox. Cobre (Oxicloreto de cobre – 588 g/L SC).
*Médias seguidas de mesma letra minúscula não diferem entre si para a variável sítio-específico, e seguidas de letras maiúsculas não diferem entre si para a variável multissítio de acordo com o teste de Scott-knott a 5% de significância. **Significativo para o tratamento adicional versus fatorial. Benzo + Azoxi (Benzovindiflupir + Azoxistrobina – 300 + 150 g/L), Fluxa + Pira (Fluxapiroxade + Piraclostrobina – 167 + 333 g/L), Protio + Trifloxi (Protioconazol + Trifloxistrobina – 175 + 150 g/L), Cipro + Picoxi (Ciproconazol + Trifloxistrobina – 80 + 200 g/L), Mancozebe (Mancozebe - 750 WG), Ox. Cobre (Oxicloreto de cobre – 588 g/L SC).
efeitos deletérios do estresse oxidativo. Esta enzima remove O2 -, catalisando sua dismutação em H2O2 + O2.
Quanto à atividade da peroxidase (POD), ficou evidente o efeito positivo da aplicação dos fungicidas. Dentro de fungicidas sítio-específicos se observou maior efeito para fluxapiroxade + piraclostrobina e ciproconazol + picoxistrobina, seguido de benzovindiflupir + azoxistrobina e posteriormente o protioconazol + trifloxistrobina. A soma de fungicidas multissítios proporcionou um aumento de 26,4% na atividade da POD para mancozebe e um aumento de 41,2% para o oxicloreto de cobre quando comparado ao controle (Figura 3B). Esse comportamento pode auxiliar de forma significativa na defesa de plantas contra patógenos. Isso porque, ao consumir H2O2 no citosol, vacúolo, e da parede celular, bem como no espaço extracelular, reduz os danos em estruturas celulares. Além disso, a enzima POD participa na síntese de lignina que confere às células a resistência mecânica contra patógenos.
Sendo assim, pode-se inferir que o oxicloreto de cobre exerce uma ação a que vai além do controle de doenças. Pois, ao proporcionar um acréscimo nas atividades das enzimas SOD e POD, exerce uma função fisiológica adicional na defesa e de proteção contra estresse oxidativo. Para produtividade, entre os sítio-específicos, aplicações com a mistura picoxistrobina + ciproconazol apresentaram menor produtividade (53,8 sc/ha) em relação a azoxistrobina + benzovindiflupir (57,9 sc/ha), piraclostrobina + fluxapiroxade (58,8 sc/ha) e trifloxistrobina + protioconazol (58,4 sc/ha) (Figura 4). Tratamentos com adição de multissítios mancozebe e oxicloreto de cobre apresentaram produtividade de 1 sc/ha e 5,1 sc/ha, respectivamente, superior aos respectivos tratamentos sem multissítio. Os resultados confirmam o benefício do uso de multissítios em associação a sítio-específicos para o controle de doenças e produtividade. Além disso, ganhos em produtividade e eficiência de
Tabela 1 - Descrição dos tratamentos e doses utilizadas no controle da ferrugem (Phakopsora pachyrhizi) na soja. Fundação Chapadão, MS, safra 2019/20
Tratamento
T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10 T11 T12 T13 Ingrediente Ativo (i.a.)* Controle Benzo + Azoxi1 Benzo + Azoxi1 + Mancozebe Benzo + Azoxi1 + Oxicloreto de Cobre Fluxa + Pira2 Fluxa + Pira2 + Mancozebe Fluxa + Pira2 + Oxicloreto de Cobre Protio + Trifloxi3 Protio + Trifloxi3 + Mancozebe Protio + Trifloxi3 + Oxicloreto de Cobre Cipro + Picoxi4 Cipro + Picoxi4 + Mancozebe Cipro + Picoxi4 + Oxicloreto de Cobre Dose p.c.** (L ou kg/ha) 0,2 0,2 + 1,5 0,2 + 0,5 0,3 0,3 + 1,5 0,3 + 0,5 0,4 0,4 + 1,5 0,4 + 0,5 0,3 0,3 + 1,5 0,3 + 0,5
*i.a. ingrediente ativo. **p.c. produto comercial. Adicionado adjuvante específico recomendado ao produto comercial, sendo 1 - Ochima 0,25 L/ ha, 2 - Assist 0,5 L ha-1 , 3 - Aureo 0,25 L/ ha e 4 - Ochima 0,25 L/ ha. Benzo + Azoxi (Benzovindiflupir + Azoxistrobina – 300 + 150 g/L), Fluxa + Pira (Fluxapiroxade + Piraclostrobina – 167 + 333 g/L), Protio + Trifloxi (Protioconazol + Trifloxistrobina – 175 + 150 g/L), Cipro + Picoxi (Ciproconazol + Trifloxistrobina – 80 + 200 g/L), Mancozebe (Mancozebe - 750 WG), Ox. Cobre (Oxicloreto de cobre – 588 g/L SC). Figura 5 - Modelo fisiológico do oxicloreto de cobre em plantas de soja considerando o efeito fúngicos e ativador de proteção e desintoxicação
Quadro 1 - Visual de parcelas em estádio R5.5 (06/03/2020). Chapadão do Sul-MS, safra 2019/20. Fundação Chapadão, 2020
1 - Testemunha 2 - Benzovindiflupir + Azoxistrobina (200 g ou mL. p.c. ha-1) 3 - Benzovindiflupir + Azoxistrobina (200 g ou mL. p.c. ha-1) + Mancozebe (1500 g p.c. ha-1)
4 - Benzovindiflupir + Azoxistrobina (200 g ou mL. p.c. ha-1) + Ox. cobre (500 mL. p.c. ha-1)
7 - Fluxapiroxade + Piraclostrobina (300+500 mL p.c. ha-1) + Ox. Cobre (500 mL. p.c. ha-1) 5 - Fluxapiroxade + Piraclostrobina (300+500 mL p.c. ha-1)
8 - Protioconazol + Trifloxistrobina (400 mL p.c. ha-1) 6 - Fluxapiroxade + Piraclostrobina (300+500 mL p.c. ha-1) + Mancozebe (1500 g p.c. ha-1)
9 - Protioconazol + Trifloxistrobina (400 mL p.c. ha-1) + Mancozebe (1500 g p.c. ha-1)
10 - Protioconazol + Trifloxistrobina (400 mL p.c. ha-1) + Ox. Cobre (500 mL p.c. ha-1) 11 - Ciproconazol + Picoxistrobina (300 mL p.c. ha-1)
controle podem estar relacionados a mecanismos fisiológicos das plantas desencadeados pela aplicação dos fungicidas. De acordo com os dados obtidos desenvolveu-se um modelo fisiológico (Figura 5) que descreve os efeitos do oxicloreto de cobre em plantas de soja considerando duas linhas de ação. A primeira está relacionada à ação fungicida da molécula que reduz a perda de área foliar e a senescência prematura da planta. A segunda linha de ação está envolvida no efeito fisiológico, especialmente no incremento da ativação das enzimas antioxidantes POD e SOD. O aumento da sua atividade repercutiu na redução dos níveis de espécies reativas de oxigênio (ERO) que causam morte celular e redução fotossintética. A proteção de danos causados pelos fungos e a ativação de enzimas antiestresse foram a possível causa da potencialização da fotossíntese e por consequência da disponibilidade de fotoassimilados para grãos.
CONCLUSÃO
O uso de fungicidas multissítios ampliou a eficiência de controle de doença em soja. Além disso, o oxicloreto de cobre promoveu aumento no metabolismo oxidativo (POD e SOD), incrementando de forma positiva a resposta ao tratamento contra a ferrugem-asiática na cultura da soja e produtividade da cultura. C C
12 - Ciproconazol + Picoxistrobina (300 mL p.c. ha-1) + Mancozebe (1500 g p.c. ha-1)
13 - Ciproconazol + Picoxistrobina (300 mL p.c. ha-1) + Ox. Cobre (500 mL p.c. ha-1)
Lucas Henrique Fantin e Alfredo Riciere Dias, Fundação Chapadão Evandro Binotto Fagan e Marina Rodrigues, Unipam João Paulo Junior e Mariana Vilela Lopes, Oxiquímica