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2.2 Trenzando, Daniela Gutiérrez

2.2 Trenzando

Arquiteta: Daniela Gutiérrez Local: Chile Ano: 2016

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Em funcionamento desde 2018, o Trenzando (Figura 2.2.1) é um equipamento cultural itinerante sobre trilhos que percorre as redes ferroviárias de norte a sul do Chile, a fim de reativar o patrimônio ferroviário nacional por meio da reutilização do sistema ferroviário existente, ampliando o acesso à cultura e à educação nas comunidades presentes ao longo da linha férrea, que totalizam mais de 170 localidades de interesse (Figura 2.2.2).

Fruto de um concurso realizado em 2015, pelo Consejo Nacional de las Culturas, las Artes y el Patrimonio (órgão de políticas culturais ligado ao Ministerio de las Culturas, las Artes y el Patrimonio do Chile), o projeto foi idealizado pela Fundación A.C.T.O., encabeçado pela arquiteta Daniela Gutiérrez, com apoio do Fondart (Fondo Nacional de Desarrollo Cultural y

Figura 2.2.1) Imagem conceitual do projeto Trenzando. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016.

las Artes), Fepasa (Ferrocarril del Pacífico S.A.) e EFE (Empresa de Ferrocarriles del Estado).

A arquiteta responsável viu na malha ferroviária, sob concessão da FEPASA, a possibilidade de atingir lugares isolados dos grandes centros metropolitanos, escassos de investimentos em cultura e educação. Assim foi idealizado o projeto itinerante, cujo objetivo principal é fomentar a descentralização do acesso cultural e científico, ampliando as oportunidades de desenvolvimento em regiões não metropolitanas.

Neste momento tinham em sua página web um incrível mapa com as estações, e descobrimos que esta rede chegava aos lugares onde mais se observa a desigualdade territorial, um tema que vinha discutindo com amigos de diferentes áreas disciplinares. Vimos que, de fato, nestas pequenas comunidades existem recursos valiosos, e estamos falando de 90% destes lugares com menos de mil habitantes e aos quais com sorte chega o Censo, mas não há dados culturais e sociais. (GUTIÉRREZ in EL DESCONCIERTO, 2017, tradução nossa).

Figura 2.2.2) Mapa do percurso e das estações ferroviárias da Red Sur habilitadas para transporte de carga. Fonte: Trenzando, 2018.

Caracterizando-se como um projeto de âmbito arquitetônico e itinerante, o Trenzando se apropria de intervenções urbanas de escala nacional a partir do percurso dos trilhos que, somado ao equipamento cultural, se qualifica como um agente de cooperação territorial entre centros metropolitanos e não-metropolitanos. Sendo assim, integra a participação da população regional e local, apostando na descentralização do acesso a espaços de manifestações culturais e à educação, fortalecendo as identidades e culturas que coexistem em seu percurso de operação.

O quase nulo transporte ferroviário de passageiros inviabilizou o uso dos trilhos e, para muitos povoados que foram fundados em seu entorno, hoje estes representam uma divisão do território e evasão de seus recursos. A centralização característica de nosso país não se traduz apenas na tomada de decisões e na distribuição de investimentos, mas também afeta a geração de conhecimentos, trocas e de todos os atores envolvidos neste processo (SILVA, 2018, p. 23).

Figura 2.2.3) Estação ferroviária de Diuquin, Chile. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016, in Revista Album, 2018.

Além de se apropriar dos trilhos, o projeto tem o intuito de se reaproveitar da infraestrutura existente em relação às estações ferroviárias distribuídas nos mais de três mil quilômetros de vias férreas, que são utilizadas, principalmente, para o transporte de cargas. Apesar da infraestrutura em geral encontrar-se em bom estado, as estações (que possuem valor histórico e cultural), encontram-se em situação de completo abandono, com acesso restrito e estruturas comprometidas (Figura 2.2.3). Tal situação é consequência de um processo de sucateamento deste modal de transporte e dos contínuos cortes nas linhas de operação ao longo das últimas décadas.

A partir disso, o Trenzando se articula para a incorporar tais estações sucateadas ao seu projeto de intervenção, recuperando não apenas suas estruturas arquitetônicas, mas

Figura 2.2.4) Residencia instalada no interior de uma estação. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.

também a memória local coletiva, a fim de utilizá-las como paradas e abrigos temporários do equipamento cultural (Figura 2.2.4). Apesar disso, o itinerário cultural não se limita à instalação em espaços fechados, uma vez que foi pensado em forma de contêineres, transportados por vagões plataforma e locomotivas de carga das empresas ferroviárias apoiadoras do projeto, que possibilitam a realização de atividades em seus espaços internos, bem como nos espaços abertos adjacentes às residencias (nome dado às paradas temporárias).

Construído a partir da reciclagem de cinco contêineres, o programa do Trenzando se articula em seis usos principais (Figura 2.2.5), sendo eles: dormitório que comporta até dez pessoas, sanitários, cozinha comunitária, ateliê, sala multiuso e espaço cênico (uso voltado para apresentações teatrais e musicais, com posterior uso para projeções).

dormitórios sanitários cozinha cênico oficina ateliê geradores

Figura 2.2.5) Planta e corte referente aos usos, s/escala. Fonte: Daniela Gutiérrez, 2016, com edição do autor, 2021.

Foram utilizados dois modelos de contêiner metálico, a depender do uso designado, sendo estes de 40’ (pés), que consiste em um contêiner de aproximadamente 12,00 x 2,44 m, e de 20’, de aproximadamente 6,00 x 2,44 m. Para o uso do dormitório, utilizou-se o modelo de 40’, totalizando 30 m². Para os sanitários e cozinha comunitária, adotou-se o modelo de 20’, totalizando 15 m² para cada uso; no entanto, a cozinha possui extensões de piso, através do atirantamento das aberturas laterais (Figura 2.2.6), ampliando sua área útil, totalizando assim 45 m².

Enquanto isso, o espaço cênico e a sala multiuso dividem o mesmo vagão plataforma, uma vez que ambos os contêineres de 40’ são acoplados para maior facilidade de deslocamento e concordância com as alturas de transposição existentes nas linhas ferroviárias, além de potencializar o aproveitamento da capacidade do vagão. Sendo assim,

Figura 2.2.6) Cozinha comunitária aberta com atirantamento das aberturas laterais. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.

o contêiner dedicado à sala multiuso é alteado e travado acima do contêiner dedicado ao espaço cênico. Este último também conta com a ampliação de sua área útil, bem como acontece na cozinha comunitária, expandindo sua área de 30 m² para 75 m² por meio da abertura das vedações metálicas laterais (Figura 2.2.7), que são sustentadas por meio de suportes em madeira fixados no solo, e pelas coberturas desmontáveis que são erguidas nas residencias (Figura 2.2.8).

Já para o ateliê, são dedicados aproximadamente 24 m². Apesar de estar implantado em um contêiner de 40’, este divide espaço com uma área de apoio referente aos geradores de energia. Neste mesmo contêiner, há uma potencialização do uso referente à sua cobertura, que se integra aos geradores presentes na unidade por meio da fixação de painéis solares, otimizando o consumo de energia no equipamento cultural. Esta potencialização também

Figura 2.2.7) Cozinha comunitária aberta com atirantamento das aberturas laterais. Fonte: Fundación ACTO in ArchDaily, 2018.

ocorre nas coberturas dos sanitários e da cozinha, que são providas de reservatórios de água potável.

A partir dos estudos em torno das áreas dedicadas a cada uso citados anteriormente, obtidos por meio das informações publicadas pela Fundación ACTO e pela análise do autor, é possível observar na Figura 2.2.9 a porcentagem referente a cada uma das áreas do programa de necessidades nesta intervenção itinerante.

Figura 2.2.8) Cobertura desmontável em lona e suportes metálcos. Fonte: Fundación ACTO, 2019.

ATELIÊ CÊNICO OFICINA COZINHA SANITÁRIOS DORMITÓRIO GERADORES

10% 37% 12% 19% 6,2% 12,5% 2,5%

Figura 2.2.9) Grafíco de porcentagem de áreas do programa de necessidades do Trenzando. Fonte: elaborado pelo autor, 2021.

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