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3.2 Estudo preliminar

3.2 Estudo preliminar

A proposta projetual e a intervenção nos territórios adjacentes à Estrada de Ferro Sorocabana têm por intuito principal a concepção de dois comboios destinados a dois usos distintos: cênico e cinematográfico.

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O partido arquitetônico se baseia na qualificação dos equipamentos como estruturas itinerantes, projetando espaços que sejam passíveis de readequação e adaptação aos locais de implantação que lhe forem impostos. A partir desta premissa, se estabeleceu a necessidade de pensar o espaço dotado de estruturas desmontáveis, retráteis e modulares, a fim de estabelecer o aspecto itinerante ligado à construção.

Como consequência, obtém-se a facilidade de deslocamento dos equipamentos culturais nômades, uma vez que tais arquiteturas se acomodam sobre vagões plataforma (Figura 3.2.1), que se limitam às dimensões máximas de três metros de largura e quatro

Figura 3.2.1) Vagão plataforma modelo carregando contêineres. Fonte: Trens Brasil, 2010.

metros de altura. Estas limitações se dão pela infraestrutura da linha ferroviária em questão, que demanda tais dimensões máximas devido às transposições, ou seja, à altura de pontes e viadutos no percurso.

O vagão plataforma utilizado como base é o modelo PMC, utilizado pela América Latina Logística S/A, antiga operadora da linha. A escolha deste se deu pela maior liberdade criativa obtida para o objeto arquitetônico projetado, uma vez que este propicia uma base horizontal adequada para a construção do projeto, já que não possui caixas metálicas fixas à plataforma, diferente do que acontece com o vagão de transporte de passageiros (carro ferroviário).

Para tanto, utilizam-se dois objetos do cotidiano popular como referência projetual das estruturas sobre os vagões: o guarda-chuva (Figura 3.2.2) e a caixa de ferramentas sanfonada (Figura 3.2.3). O guarda-chuva tem por princípio proteger o usuário por meio de um tecido de nylon, que se abre e fecha por meio de estruturas metálicas articuladas

Figura 3.2.2) Fotografia da estrutura do guarda-chuva aberto. Fonte: do autor, 2021. Figura 3.2.3) Caixa de ferramentas sanfonada aberta. Fonte: Mercado Livre, 2021.

de forma circular. Tal dinâmica se tornou referência para o processo criativo das coberturas (Figuras 3.2.4 e 3.2.5). Já a caixa de ferramentas sanfonada, apesar de possuir uma dinâmica semelhante, possui por função principal a expansão da área útil, sendo norteadora da proposta para arquibancadas, e posteriormente para as coberturas.

Para o comboio cênico, devido às condicionantes do vagão, bem como pela intenção de dinâmica de apropriação do espaço pelo usuário, buscou-se por referência espaços cenográficos não convencionais. A partir disso, tem-se por referência projetual principal o Teatro Oficina (1994), localizado na cidade de São Paulo, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi em parceria com o arquiteto Edson Elito. Neste projeto, o partido se estabelece na desfragmentação da relação do palco com a plateia, aproximando o público do espetáculo por meio da implantação do palco conformado como percurso, ou seja, como uma passarela central, onde seu entorno é dotado de galerias em estrutura de andaimes, acomodando o público em quatro diferentes níveis (Figura 3.2.6).

Figura 3.2.4) Croqui de estudo para cobertura. Fonte: do autor, 2021. Figura 3.2.5) Croqui de estudo para cobertura retrátil. Fonte: do autor, 2021.

Sendo assim, a proposta para o teatro se inicia pela proposta de arquibancadas em ambas as laterais do vagão (Figura 3.2.7), com estruturas tubulares em aço semelhantes a andaimes, montadas diretamente no solo do espaço ferroviário de parada. Tal disposição possibilitou a liberação das áreas totais da plataforma do vagão, o que resultou na conexão entre dois vagões para a expansão do palco, devido à largura de três metros dos mesmos.

Em paralelo, desenvolveram-se estudos para a cobertura do espaço cênico, baseados na forma das arquibancadas, no intuito de promover um pé direito amplo na área do palco e na otimização estrutural (Figura 3.2.4).

No entanto, observando a estrutura do guarda-chuva, estudos e propostas foram realizados posteriormente, com foco na proposta de treliças metálicas articuladas, apoiadas em perfis metálicos centrais fixados nas laterais da plataforma. No entanto, tal ideia foi descartada, devido à consequente interferência na área livre do palco central (Figura 3.2.5).

Figura 3.2.6) Teatro Oficina: palco central e galerias com público. Fonte: Nelson Kon, s/d.

A partir destas experimentações é que se chegou ao projeto preliminar do comboio cênico, proporcionando a base estrutural para o posterior desenvolvimento do comboio cinematográfico. Manteve-se a dinâmica proposta da relação palco e plateia, constituindo estruturas metálicas tubulares para as galerias que se conformam nas laterais do vagão com cobertura curva (estrutura metálica e cobertura em lona), e a união de dois vagões para a formação contínua do palco por meio de um piso em madeira (Figuras 3.2.8 e 3.2.9). A partir disso, as extremidades dos vagões foram liberadas para intervenções ligadas ao programa de necessidades auxiliar ao espaço de apresentações (Figura 3.2.11) e para a implantação de circulações verticais para acesso ao vagão e aos níveis superiores das galerias.

Figura 3.2.7) Croqui: galerias em andaimes para plateia nos vagões de apresentações do comboio cênico. Fonte: do autor, 2021.

Figura 3.2.8) Perspectiva dos vagões do espaço cênico. Fonte: do autor, 2021.

Figura 3.2.9) Vagão cênico: corte transversal, s/ escala. Fonte: do autor, 2021. 106,40

103,60

101,60

Os aspectos ligados às estruturas retráteis e desmontáveis são observados, principalmente, nas galerias da plateia. Estas foram divididas em dois momentos de construção: a base estrutural, referente ao primeiro nível do teatro, é fixada à plataforma do vagão e, posteriormente, é desdobrada e apoiada diretamente no solo. Esta estrutura é dotada de perfis tubulares metálicos articulados, e se adequam às limitações de transposição da linha férrea, referente a larguras e alturas. O processo de desmontagem é demonstrado na Figura 3.2.10, logo abaixo, e está orientado pela numeração da ordem de articulação.

Seguido da abertura desta estrutura e fixação no solo, perfis tubulares metálicos são encaixados individualmente, caracterizando a estrutura como pórticos modulares de dois metros de largura por dois metros de comprimento, formando quadrados que estruturam as galerias (Figura 3.2.11).

Figura 3.2.10) Processo de desmontagem da base estrutural, s/ escala. Fonte: do autor, 2021. Figura 3.2.11) Perspectiva dos pórticos metálicos das galerias da plateia. Fonte: do autor, 2021.

Tais perfis tubulares metálicos individuais são encaixados, desencaixados e transportados internamente nos próprios vagões que aportam o palco, uma vez que estes só são utilizados quando o comboio está estacionado no município preestabelecido. Esta dinâmica de montagem e desmontagem é capaz de atender aos aspectos já discutidos, facilitando o deslocamento e possibilitando a adaptação em territórios variados (Figura 3.2.12), desde que planos (característica presente no entorno das estações ferroviárias do percurso da Sorocabana).

Figura 3.2.12) Perspectiva da possibilidade de parada temporária no território ferroviário da cidade de Cerqueira César, interior do Estado de São Paulo. Fonte: do autor, 2021.

A arquitetura pertence à poesia, e seu propósito é ajudar o homem a habitar. Mas é uma arte difícil. Fazer construções e cidades concretas não é suficiente. [...] isso significa concretizar o genius loci. Vimos que isso acontece por meio de construções que reúnem as propriedades do lugar e as aproximam do homem. (NORBERGSCHULZ, 2006, p. 459).

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