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1.2 Breve histórico: antiga Estrada de Ferro Sorocabana
1.2 Breve histórico: antiga Estrada de Ferro Sorocabana
A antiga linha da EFS, no Estado de São Paulo, atualmente integra três redes sob concessão da Rumo Logística SA, sendo elas: RMP (Rumo Malha Paulista), responsável pelo trecho São Paulo – Mairinque; RMO (Rumo Malha Oeste), responsável pelo trecho Mairinque – Botucatu; e RMS (Rumo Malha Sul), que opera o trecho Botucatu – Presidente Epitácio.
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Sua criação se deu por iniciativa de Luis Matheus Maylaski, um imigrante húngaro que se estabeleceu no município de Sorocaba, interior de São Paulo, em meados do século XIX, e se tornou um empresário influente na região. O impulso para tal se deu pela preservação da economia local, uma vez que esta passava por um momento de desaceleração do comércio de animais empenhado pelos tropeiros e necessitava se modernizar para respaldar as atividades econômicas pujantes, ou seja, facilitar o escoamento da produção de algodão e trazer maquinários para o funcionamento da Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, no atual município de Iperó.
Ao mesmo tempo que se planejava uma ligação ferroviária entre São Paulo, capital da província, e Sorocaba, se formalizava a criação da Companhia Ituana, estrada de ferro entre São Paulo e Itu. Maylaski e sua comitiva propuseram a extensão da Ituana até Sorocaba, no entanto, por falta de recursos e impedimentos políticos, a proposta foi negada. Sendo assim, optou-se pelo projeto de uma nova ferrovia: a Companhia União Sorocabana. Em 5 de junho de 1872, a Sorocabana teve a aprovação do projeto orçamentário, bem como a aprovação das plantas da linha férrea que ligaria São Paulo à Real Fábrica de Ferro, tendo suas obras iniciadas no dia 13 do mesmo mês.
Foram adotados dois prazos para a construção, sendo oito anos para a entrega do trecho de São Paulo a Sorocaba e dez anos para a conclusão da extensão até a Real Fábrica. No entanto, a inauguração da linha foi realizada às pressas, pois nos meados dos anos 1870 a produção de algodão entrou em declínio devido à concorrência estadunidense, fazendo com
Figura 1.2.1) antiga estação de Sorocaba, 1889. Fonte: DURSKY, 1889 in Itaú Cultural, 2021. Figura 1.2.2) Fábrica de Ferro São João do Ipanema, 1889. Fonte: DURSKY, 1889 in Itaú Cultural, 2021.
que os produtores locais questionassem os investimentos na construção da ferrovia. Logo, a inauguração do trecho até Sorocaba se deu em 10 de julho de 1875 (Figura 1.2.1) e no ano seguinte do trecho até a Real Fábrica (Figura 1.2.2).
A estratégia adotada pela Companhia para superar a crise algodoeira e garantir sua sobrevivência se deu por duas principais ações: a implantação de novas estações ao longo do trecho existente e a expansão da linha até os territórios da cafeicultura na região oeste do Estado de São Paulo.
“As Companhias possuíam algumas maneiras de crescer. A mais importante era através da expansão da linha em regiões ainda não exploradas por outras firmas e a mais simples era construir estações em locais em que a linha já existisse.” (SOUZA, 2015, p. 37).
A partir de 1879, a Companhia União Sorocabana já planejava a extensão da ferrovia até o município de Tietê. No início da década seguinte, conquistou a autorização junto

ao governo para expandir a linha até Botucatu. No mesmo período, a Ituana disputava os territórios e áreas de interesse da Sorocabana. No entanto, no ano de 1892, a Ituana foi diluída e incorporada à sua principal concorrente, dando origem à Companhia União Sorocabana e Ituana (Figura 1.2.3).
Em geral os planos não surtiram grandes efeitos e a expansão ferroviária transcorria sem nenhum planejamento geral. A responsabilidade sobre os traçados futuros da ferrovia nunca esteve nas mãos do estado, sempre quem deteve esse poder foi o capitalista, seja ele um grande fazendeiro do café ou industrial – sempre seguindo interesses de mercados locais. A ferrovia foi um processo regional. Na época nem as bitolas das linhas foram regulamentadas para facilitar que os carros de diferentes empresas circulassem por determinada via; algo relativamente simples que facilitaria a integração entre diferentes. (SOUZA, 2015, p. 41 – 42).

Figura 1.2.3) Mapa das ferrovias da Companhia União Sorocabana e Ituana e da São Paulo Railway, 1898. Fonte: SILVA, in Revista Brasileira de Geografia, 1954, com edição do autor, 2021.
Seguindo o projeto de extensão baseado na lavoura cafeeira, facilitada pela fusão entre as duas Companhias, a ferrovia alcançou nos primeiros anos do século XX as regiões do Alto e Médio Paranapanema6. O Alto Paranapanema foi beneficiado pelo Ramal de Itararé, finalizado em 1909, criando um ponto de integração com as linhas da Companhia São Paulo – Rio Grande, com ligação ao Estado do Paraná. Neste período, a Companhia União Sorocabana e Ituana foi renomeada para Sorocabana Railway Company, uma vez que esta foi adquirida pelo grupo franco-americano Brazil Railway Company, que administrava as principais linhas férreas no sul do país, facilitando a integração das ferrovias entre os Estados de São Paulo e Paraná.
Enquanto se expandia para o sul, a região do Médio Paranapanema se beneficiava com a ferrovia a partir da extensão da linha tronco, chegando em 1908 à cidade Ourinhos (Figura 1.2.4) e, em 1909, à Salto Grande (Figura 1.2.5), interior de São Paulo. Já em 1914, a expansão alcançava a cidade de Assis, bem como ramais secundários partindo de municípios


Figura 1.2.4) Fotografia da inauguração da estação de Ourinhos, 1908. Fonte: Estações Ferroviárias, 2020.
Figura 1.2.5) Fotografia: inauguração da estação de Salto Grande, 1909. Fonte: Estações Ferroviárias, 2020. 6. Regiões do sudoeste do Estado de São Paulo, referentes à Bacia do Rio Paranapanema.
adjacentes até a linha principal. A partir daqui, o prolongamento visionado pela Sorocabana compreende a busca por novas terras cultiváveis para a cultura cafeeira, uma vez que esta representava solidez na economia nacional. Além de terras cultiváveis a Oeste, buscou-se alcançar a divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul, visando a integração com o comércio de gado, pujante na região.
A partir disso, configura-se uma expansão de ação colonizadora sobre o oeste do estado, explorando terras consideradas, até então, como inexploradas. No entanto, tais terras eram habitadas por povos indígenas originários, que foram expulsos por este processo colonizador.
Tal processo se caracterizou pelo avanço sobre matas virgens, destruídas para dar lugar ao cultivo do café, à linha férrea e à consequente formação de cidades. Novas estações foram construídas enquanto a linha se expandia, a fim de prover paradas técnicas para
expansão de 1872 até 1914 expansão de 1915 até 1922

Figura 1.2.6) Mapa do desenvolvimento da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, 1945. Fonte: Acervo do Museu da Cia. Paulista in A Ferrovia Paulista, 2014, com edição do autor, 2022.
as locomotivas, propiciando a especulação e a comercialização das terras em seu entorno, consolidando novas vilas e, posteriormente, cidades.
No ano de 1919, durante as obras de expansão da linha até o Mato Grosso do Sul, a concessão da ferrovia cedida à Brazil Railway Company foi cassada, sendo adquirida pelo governo de São Paulo e enfim batizada como Estrada de Ferro Sorocabana. Com o governo estadual administrando as obras, a EFS alcançou a divisa dos estados em 1922 (Figura 1.2.6), tendo como ponto final a estação de Porto Tibiriçá, às margens do Rio Paraná, atual município de Presidente Epitácio, estando no quilômetro 842 da linha tronco.
Os anos subsequentes à finalização da expansão a oeste foram de esplendor da EFS, se instalando um período de modernização da linha e das estações, como por exemplo a construção de uma nova estação na cidade de São Paulo, atual estação Júlio Prestes, localizada no bairro da Luz (Figuras 1.2.7 e 1.2.8). Esta possui um projeto arquitetônico

Figura 1.2.7) Segunda estação de São Paulo da EFS de 1904, 1913. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil, 2021. Figura 1.2.8) Atual estação Júlio Prestes, de 1938, nos meados do século XX. Fonte: Museu Paulista, 2018.

significativo, de autoria dos arquitetos Cristiano Stockler das Neves e Samuel das Neves, inaugurada em 1938.
Outro exemplo deste período foi a posterior extensão da Sorocabana rumo ao porto de Santos, com o intuito de quebrar o monopólio da São Paulo Railway sobre o transporte ferroviário na ligação entre o Planalto Paulista e o porto. Sendo assim, a partir de 1927 iniciou-se a construção do trecho que tinha como ponto inicial a estação de Mairinque. No entanto, com a Crise de 19297 e consequente crise na indústria cafeeira nacional, as obras foram interrompidas e os investimentos diminuídos, fazendo com que o trecho entrasse em operação apenas em 1937.
Este trecho rumo ao litoral, bem como a linha tronco a oeste e o Ramal de Itararé ao sul, foram modernizadas a partir de 1940, com um projeto de eletrificação da rede ferroviária (Figuras 1.2.9 e 1.2.10). Até 1969, o projeto recebeu grandes investimentos,


Figura 1.2.9) Locomotiva elétrica da EFS, 1945. Fonte: Biblioteca Nacional Digital, 2022. Figura 1.2.10) Locomotiva elétrica Loba da EFS, 1949. Fonte: Fabio Etchao in Pinterest, 2020.
7. A Crise de 1929 (Grande Depressão) foi uma forte recessão econômica internacional, iniciada nos Estados Unidos, durante a década de 1930.
a fim de proporcionar maior eficiência no sistema operacional de cargas e de passageiros, alcançando uma grande quilometragem eletrificada. Na linha tronco, a malha ferroviária foi eletrificada a partir da cidade de São Paulo até a estação de Assis.
Apesar de se estabelecer como uma das companhias ferroviárias mais modernas e eficientes do país, a Sorocabana entrou em declínio a partir da metade do século XX. Entre os fatores que levaram à crise da companhia estão a falta de recursos para a manutenção e para o desenvolvimento do serviço ferroviário pelo Estado (gerando uma consequente dívida acumulada pelo déficit de investimentos no setor) e a competição com o pujante desenvolvimento da indústria automobilística e da política rodoviarista em território nacional.
Outro fator de sobrecarregamento da companhia, contribuindo para com a sua crise financeira, foi a incorporação de companhias falidas, até então entregues ao Estado de São Paulo, à Sorocabana. Entre estas estavam a Tramway Cantareira, a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista e a Estrada de Ferro Bragantina, que cooperaram para o aumento dos

linha tronco EFS ramal de Piraju
Figura 1.2.11) Mapa do antigo Ramal de Piraju, s/d. Fonte: Acervo Municipal da Prefeitura de Piraju, com edição do autor, 2022.
gastos por parte da EFS.
Com a política rodoviarista efervescente, foram adotados novos impostos voltados ao suporte de seu desenvolvimento. O Decreto Federal nº 4.452 de 5 de novembro de 1964 definiu um investimento oito vezes maior ao setor rodoviarista em relação ao ferroviário sobre estes impostos arrecadados. Já em 1966, na tentativa de reerguer o setor ferroviário, o Decreto Federal nº 58.341 de 3 de maio de 1966 instalou um programa de erradicação de ramais antieconômicos em todo o território nacional, prioritariamente em localidades já atendidas por rodovias.
Portanto, neste momento, houve a desativação de ramais na Sorocabana, a exemplo do Ramal de Piraju (Figura 1.2.11), que ligava a cidade de Piraju até a linha tronco na cidade de Manduri, já atendida pela Rodovia Raposo Tavares desde o ano de 1937. Com a desativação deste ramal, duas estações foram desativadas, sendo elas a Estação Ataliba Leonel (Figura 1.2.12) e a Estação de Piraju, tendo também seus trilhos removidos.

Figura 1.2.12) Estação Ataliba Leonel, atualmente desativada e sem trilhos. Fonte: do autor, 2021.
Já no início da década de 1970, foi fundada a FEPASA (Ferrovia Paulista S/A), unificando todas as redes ferroviárias estaduais pelo governo do Estado de São Paulo. Fizeram parte desta fusão: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Estrada de Ferro Araraquara, a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e a Estrada de Ferro São Paulo – Minas. A fundação da FEPASA se originou na tentativa de fortalecer o modal, por meio de investimentos para recuperação e modernização das malhas ferroviárias paulistas (Figura 1.2.13). No entanto, este fortalecimento esteve voltado ao transporte de carga, deixando o transporte de passageiros em segundo plano, com a intenção de extinguilo posteriormente.
Em 1998, após desmantelar o serviço ferroviário estadual, a FEPASA foi incorporada à Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), estatal federal de transporte ferroviário. No ano seguinte, a RFFSA, por meio do Plano Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031 de 12 de abril de 1990), foi privatizada. Sendo assim, a antiga Sorocabana, bem como as demais linhas da

Figura 1.2.13) Locomotiva elétrica Loba da FEPASA, estacionada na Estação de Assis, 1993. Fonte: Fabio Etchao in Pinterest, 2020.
extinta FEPASA, passaram para a administração da empresa privada FERROBAN (Ferrovias Bandeirantes). Posteriormente, no ano de 2000, a maior parte do percurso da Sorocabana foi arrematada para concessão pela ALL (América Latina Logística).
Já sob concessão da iniciativa privada é que houve a suspensão da eletrificação nas linhas da antiga FEPASA, optando pela utilização de trens a diesel. Tal decisão se baseou na facilidade de gerir maiores trechos ferroviários com apenas uma modalidade de trens, já que os trechos eletrificados eram muito menores do que os não-eletrificados, evitando maiores gastos na manutenção simultânea de trens a diesel e elétricos. Ao priorizar o diesel como fonte de energia, perdeu-se a oportunidade de desenvolver uma malha ferroviária eletrificada moderna e sem emissão de poluentes. Neste mesmo momento, foi extinto o transporte de passageiros, tendo como exemplo o fim da linha de passageiros entre a cidade de São Paulo e a cidade de Presidente Epitácio, na antiga EFS, priorizando o serviço ferroviário ao escoamento de produtos agrícolas e minerais.
O transporte de passageiros foi resguardado na Região Metropolitana de São Paulo, com a transferência das linhas da FEPASA da região metropolitana para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos8, em 1996. Esta transferência se deu pelo processo de privatização da FEPASA, a fim de manter o transporte de passageiros sob comando do Estado de São Paulo.
Atualmente, o percurso da antiga EFS é administrada pela empresa Rumo Logística, voltado exclusivamente ao transporte de cargas. No plano de administração da Rumo, este percurso integra, em sua maior parte, a Malha Sul, bem como a Malha Oeste, conectando com as malhas ferroviárias das regiões sul e centro-oeste do país.
8 Companhia Paulista de Trens Metropolitanos é a empresa responsável pelos serviços ferroviários de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo e Jundiaí.