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PANORAMA ATUAL

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A partir de uma revisão histórica, tornou-se possível propor, de forma prática, caminhos para tanto a carência de políticas públicas de implantação e gestão de espaços livres e verdes de lazer nas franjas da cidade, quanto também para a falta de ações governamentais de gestão e disposição de RCD das camadas vulneráveis da população de São Paulo. Para propor e agir sob o território público urbano e, mais especificamente, nas áreas de lazer, foi necessária uma revisão bibliográfica das fontes utilizadas por Calliari em sua tese, como Jane Jacobs e William Whyte. Só a partir da compreensão de o que faz um espaço público viver - ou, deixar de - que é possível propor ferramentas para reativar seu uso ou mantê-lo, qualificando-o.

Para Mauro Calliari, um espaço munido de significado é o espaço vivido pelos cidadãos, o que torna o espaço um lugar. Ainda, é favorável que aqueles que usam o espaço possam entender e ler um ambiente. O espaço urbano é mais confortável quanto mais reconhecível ele é pelos seus habitantes. Um ambiente organizado, poético e simbólico no qual cada particularidade não só ajuda os transeuntes a orientar-se como também aumenta a sensação de pertencimento. E mais, se é a vida humana que dá sentido a determinado espaço, é sob essa escala, a escala do homem, que devemos buscar analisar o território urbano.

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Outro fator importantíssimo para a ativação do espaço público é a diversidade. Como falado anteriormente, a alteridade e a formação da identidade individual se dão a partir do seu papel na coletividade. A diversidade se dá pela segurança e possibilidade de contato, e a segurança é a infraestrutura necessária para receber os estranhos sem medo deles. Para um cidadão se sentir seguro, deve se sentir minimamente vigiado por uma vizinhança ativa. Já descrito como “olhos da rua” pela escritora Jane Jacobs, é necessária uma distância aceitável entre diferentes usos do espaço, até mesmo nas edificações que delimitam um espaço público. Em seu livro “Morte e vida das grandes cidades” a escritora relata:

Como todos os parques urbanos, ela [a praça] é fruto de sua vizinhança e da maneira como a vizinhança gera uma sustentação mútua por meio de usos diferentes ou deixa gerar essa sustentação. (JACOBS, 2011, P.74).

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Se atualmente o cidadão que está no ambiente privado está cada vez mais longe do território público – vide o mercado imobiliário que comumente ultrapassa os 20 andares de altura sobre três lajes de estacionamento –, a presença de gente nos espaços públicos ao longo de um dia inteiro só poderá ocorrer se houver usos diversos desse espaço, de modo a atrair diferentes pessoas. Jane Jacobs identifica em seu texto quatro fatores necessários para que um parque urbano de uso genérico atraia o maior número de tipos de pessoas: complexidade, centralidade, insolação e delimitação espacial.

Quando a autora se refere a complexidade, concorda com Calliari ao dizer que a multiplicidade de motivos para que as pessoas frequentem o espaço é frutífera por gerar diversidade na esfera pública. Por isso a escritora aponta que o espaço deve ser complexo, se apropriando de locais de destaque ou pontos de parada para gerar pequenas centralidades no espaço. Unido a esses fatores espaciais que atraem mais usos e mais pessoas – como uma apresentação de dança, ou um músico tocando por dinheiro –, os espaços públicos que se abrem para as ruas, acessíveis a pé - sem escadas, ou muros - são aqueles que mais atraem pessoas. Assim, é válido ressaltar que quanto mais acessível é a área pública, mais utilizada ela é. Ainda, no que tange a escala humana, e não só da cidade, a concepção espacial específica das áreas verdes de lazer pública também deve ser complexa para gerar interesse, aos nossos olhos.

Para fazer com que os passantes parem e desfrutem, devese pensar que degraus baixos e bem projetados que podem ser usados para sentar, bem como pequenas placas de concreto sobre o piso. Os bancos fixos devem ter no mínimo a largura de duas pessoas sentadas de costas uma para a outra, para ativar os dois lados na ocupação do mobiliário. Ainda, mobiliários leves ou cadeiras soltas são melhores que bancos presos, pois podem ser reposicionadas, o que frequentemente acontece para abrigar grupos. As pessoas preferem se abrigar sob árvores e suas sombras ao usar o espaço público, além também serem atraídas pela presença de água.

A variação arquitetônica superficial pode parecer diversidade, mas só uma conjuntura genuína de diversidade econômica e social, que resulta em pessoas com horários diferentes, faz sentido para um parque e tem o poder de conceder-lhe a dádiva da vida. (JACOBS, 2011, P.76)

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Ainda, Calliari apresenta a obra do americano William H. Whyte, “The social life of small urban spaces” como primeiro estudo do uso do espaço público, na cidade de Nova Iorque. Em seu livro, resultado de uma série de documentários em estilo timelapse, o autor afirma que

Idealmente, sentar-se deveria ser fisicamente confortável – bancos com encosto, cadeiras bem contornadas. Todavia, é mais importante que seja socialmente confortável. Isso significa escolha: sentar-se na frente, no fundo, de lado, no sol, na sombra, em grupos, sozinho. A escolha deveria ser incorporada no design básico. Mesmo que bancos e cadeiras podem ser adicionados, o melhor caminho é maximizar a adequação dos recursos inerentes. (WHYTE, 1980, P.28).

Uma grande proporção de pessoas em grupo é um indicio de seletividade. Quando pessoas vão a um lugar em dois ou três ou se encontram lá, é provável que isso tenha sido decidido. Esse espaço de sociabilização não é menos agradável para nenhum dos indivíduos. (WHYTE, 1980, P.17).

É também afirmado diversas vezes que, para o relacionamento interpessoal, é importante que o espaço ofereça diferentes triangulações entre pessoas, em relação a um ponto focal. Mesmo estranhos, pessoas sorriem juntos ou trocam algum tipo de olhar quando assistem apresentações públicas. No final do estudo, é possível concluir que o ponto de partida do funcionamento de uma área pública é o significado. O espaço ganha sentido a partir do próprio uso humano, e da história que ele carrega. Este ambiente é mais passível de ser experimentado quanto mais legível ele for para a população. Em adição, é mais seguro e propício as trocas entre as pessoas e a alteridade na medida em que abriga uma diversidade maior de pessoas.

A partir desta breve digressão teórica, é possível concluir os conceitos a serem levados para a etapa de projeto das peças pré-fabricadas em concreto reciclado. Para esta pesquisa foram elencados o conceito de significado, diversidade e acessibilidade. Na parte prática, ao lidar com o conceito de significado, entendese que o espaço público e as possíveis intervenções propostas devem ser carregadas de significado para a população a quem ela serve, para que a partir deste vínculo afetivo a população se sinta responsável por este espaço, além de o estimar limpo e bem utilizado.

Sobre diversidade, pensa-se que os mobiliários préfabricados propostos devem atender tanto uma diversidade de funções (brincar, admirar, sentar, apoiar etc.) como de pessoas (todos os sexos e faixas etárias), para que a área ativada pelos

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mobiliários tenha usos abrangentes para diferentes públicos em diferentes períodos do dia. Por fim, ao tratar-se de acessibilidade, pensa-se que as peças propostas devam possibilitar aos usuários do espaço as condições mínimas para o acesso e uso, uma vez que as áreas verdes livres nas margens de São Paulo são as áreas de difícil acesso, sendo muito onerosa sua ocupação por residências.

Ainda sobre o significado, um espaço urbano só é verdadeiramente valorizado e importante para a população se esta cria algum vinculo ou laço com o espaço em questão. Trazendo essa afirmação para o contexto da pesquisa, é imprescindível para a conexão da população com o espaço livre que elas participem da totalidade do processo de intervenção, desde a concepção inicial do desenho das peças até a implantação das mesmas e acabamento paisagístico do terreno. Fazendo parte da história do lugar e da sua criação, a população reconhece a significância do espaço livre para si e para o coletivo de habitantes, defendendo-o de possíveis degradações e reconhecendo-o como um direito irrefutável.

Ao se tratar da diversidade que as peças podem fomentar nos usos e nos públicos que as utilizam, pensa-se que as peças devem ser de pequeno tamanho para que sejam portáteis em até duas pessoas. Ainda, o design deve ser minimamente modular para que a peça possa ser dividida ou unida a outra, formando outros conjuntos de mobiliários ou até sustentando outros usos, ainda a serem criados por aqueles que usam o mobiliário.

Por fim, considerando a acessibilidade, o acesso e o uso seguro do espaço, pensa-se em um só desafio: transpor os barrancos de forma segura, principalmente convertendo essa antiga área de risco em uma área segura de desabamentos. Para isso, pensa-se tanto em peças que possam funcionar como arrimo para os barrancos, quanto também em outra que possa funcionar como degrau, para acesso dessas áreas de ribanceira.

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