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Capítulo 7 A comunidade
Épreciso definir antes de tudo o que vem a ser comunidade. Segundo o dicionário Aurélio, é a qualidade daquilo que é comum; agremiação; comuna, sociedade; identidade, paridade, conformidade; lugar onde vivem indivíduos agremiados. Avaliando a definição e após as várias explicações sobre a importância do jornalismo comunitário para Campo Grande, neste capítulo serão abordados os problemas que foram solucionados nas comunidades após uma “ajudinha” da imprensa. Também vamos verificar as formas de fazer jornalismo comunitário na Capital.
Os exemplos a seguir trazem fatos de vários bairros da cidade, desde a poda de árvore no bairro Portal Caiobá até uma ponte no Jardim Carioca que estava em péssimas condições e foi levada com a enxurrada, após uma chuva forte.
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A escuridão paga, do jardim teruel ii
Moradores viviam um dilema no bairro Jardim Teruel II, em Campo Grande. Eles ficavam inconformados com a cobrança da taxa de iluminação pública, mas esse serviço não funcionava. O bairro é um dos mais carentes da Capital sul-mato-grossense. É pequeno, onde moram cerca de duas mil pessoas que foram removidas de uma favela. Fica próximo de um presídio e ao lado de um aterro sanitário.
Roni Leão é o presidente da associação de moradores do bairro e fez várias reclamações para a prefeitura. A reclamação não era pelo valor descontado na conta de luz, mas sim pela falta de iluminação nas ruas do bairro. “A gente não se importa de pagar, contanto que tenha iluminação. As pessoas precisam se sentir seguras quando saem para o trabalho, ou quando levam as crianças na creche pela manhã, ainda de madrugada”, contou Roni.
São cerca de 50 postes que vivem às escuras e apenas um que acende à noite. A reclamação é pertinente. Muitos moradores saem de casa ainda de madrugada para pegar ônibus e ir para o trabalho, ou levando crianças para a escola.
Ajuda da imprensa para chamar atenção do poder público
O medo fazia parte da rotina dessas pessoas. A insegurança era grande, e as crianças tinham medo de ir para a escola. A prefeitura não tomava nenhuma providência, e os moradores resolveram ligar para a imprensa. O presidente da associação de moradores pegou o telefone e ligou para os veículos de comunicação. Não demorou muito para que as equipes de reportagem aparecessem. Dois canais de televisão fizeram matérias com os moradores em uma segunda-feira, exibiram as reportagens na terça-feira contando as reclamações da comunidade, e na quarta-feira os moradores tiveram uma surpresa positiva: a prefeitura disponibilizou uma equipe para resolução do problema dos postes.
Mais uma missão do jornalismo comunitário concluída com sucesso. A comunidade do Jardim Teruel II e o presidente da associação de moradores agradeceram imensamente. “O jornalismo ajuda a mostrar os proble-
mas para o poder público, que atende nossos pedidos com mais rapidez”, disse Roni.
temporal no josé teruel ii
Um temporal destruiu as casas improvisadas pelos moradores do José Teruel II, em abril de 2017. A forte chuva provocou estragos e deixou diversas famílias na comunidade em situação de desespero. Os barracos, como são chamadas pelos próprios moradores, são casas mal construídas, feitas sem planejamento. As paredes são de tábuas de madeira, e muitas casas são cobertas com lonas.
Os moradores vivem nessas casas improvisadas porque, em 2016, a prefeitura desapropriou a favela Cidade de Deus. A comunidade foi remanejada para outras áreas de Campo Grande, com a promessa de que teriam a tão sonhada casa própria. Um ano depois, as obras estavam ina-
Construções precárias na antiga favela Cidade de Deus. Crédito: G1-MS / TV Morena
cabadas e se deteriorando com o tempo. Enquanto isso, as 96 famílias do José Teruel II passavam por dificuldades com as moradias precárias.
É sempre um desespero quando a previsão do tempo indicava chuva. “Basta uma nuvem no céu para o medo voltar a preocupar a comunidade”, relatou Roni Leão. Isso porque uma chuva havia acabado com os barracos, deixando muitos moradores sem nada. As rajadas de vento foram muito fortes e deixaram rastros de destruição. Diversos barracos foram abaixo. “É difícil morar nessas casas improvisadas, alagam toda vez que chove”, completou Roni.
A chuva não foi problema do poder público, mas a promessa de uma casa nova, sim. Os moradores clamaram por ajuda urgente dos órgãos públicos, pois não aguentavam mais a situação. Parte do problema foi resolvido quando as reportagens foram veiculadas nos meios de comunicação de Campo Grande. Chamaram a atenção da prefeitura, que enviou assistentes sociais para a comunidade. As equipes levantaram os danos causados pela tempestade. Com o levantamento feito, foram encaminhados os maquinários que fizeram reparos no bairro e solucionaram o problema do alagamento. Contudo, isso não tirou a incerteza de que uma nova tempestade pudesse acabar com as casas da comunidade outra vez.
oportunidade para a comunidade
Não só de notícias ruins vive o jornalismo comunitário. Há o exemplo da oportunidade oferecida pela Funsat (Fundação Social do Trabalho de Campo Grande). Foram ofertadas vagas de cursos que qualificaram 160 moradores da antiga favela Cidade de Deus, por meio de um programa de inclusão profissional (Proinc) nos bairros Teruel II, Bom Retiro, Canguru e Vespasiano Martins. Por meio dos cursos, os moradores puderam
construir suas próprias casas. Os cursos oferecidos foram: eletricista, pedreiro, pintor, encanador, servente de pedreiro, carpinteiro e azulejista. Os cursos tiveram duração de 60 dias, entre aulas teóricas e práticas.
O presidente da associação de moradores do Jardim Teruel II ressaltou que a maioria das pessoas estavam desempregadas quando o curso foi oferecido. A única fonte de renda da comunidade era o dinheiro arrecadado com a venda dos materiais recicláveis, recolhidos no lixão. Com a comunidade sem trabalho, até o comércio fechou as portas, pois não havia dinheiro circulando no bairro.
Ao todo 327 famílias foram beneficiadas nas quatro regiões. A aquisição de materiais e equipamentos foi feita pelo governo do Estado. O orçamento inicial é de R$ 5 milhões. Além da capacitação gratuita, os moradores receberam bolsa-auxílio, salário mínimo, cesta básica, refeição e vale-transporte durante todo o curso.
Roni Leão avaliou a iniciativa como positiva. “A proposta desse curso foi benéfica, já que solucionou tanto o problema da habitação, das famílias que estavam muito vulneráveis, quanto da geração de emprego e renda”. Com a qualificação do moradores, a economia do bairro foi estimulada.
obras no Bairro são caetano
Os moradores do bairro São Caetano, em Campo Grande, enfrentavam problema semelhante com a chuva. A situação ficava crítica quando tinha temporal. A comunidade era obrigada a conviver com muita lama nas ruas do bairro. Os carros não conseguiam sair da garagem, as motocicletas tinha dificuldade de passar e muitos motociclistas caíam, tentando se aventurar no meio da lama. As condições eram difíceis até para andar a pé. Era um problema todo santo dia.
Os moradores que estavam fora não estavam dentro no bairro, e quem estava dentro, não saía. Era uma verdadeira ilha esquecida. Os motociclistas da comunidade eram obrigados a deixar as motocicletas na mercearia da esquina e levavam sempre dois pares de calçados para não chegarem ao trabalho com o calçado sujo de lama.
Essa situação prejudicava até as construções de casas no bairro, pois o material não chegava para as obras. Os veículos atolavam antes mesmo de chegar ao destino. Era uma verdadeira lagoa. Os carros viviam sujos de lama ou poeira. A rua não tinha boca de lobo, as calçadas ficavam sujas de barro, e quem tentasse passar, afundava o pé. Quando o carro não atolava, era um verdadeiro perigo para entrar em casa, pois com a lama escorregadia, o carro patinava, saia de lado e batia nos portões das garagens.
A obra viária era um verdadeiro jogo de empurra-empurra entre a prefeitura e a concessionária de água e esgoto da cidade. Os moradores queriam logo uma previsão para concluir a obra, pois o transtorno era enorme, visto que não recebiam nem visitas em casa, não conseguiam pedir remédio para a farmácia entregar, o entregador de pizza não chegava, o caminhão de lixo não conseguia entrar para realizar a coleta. A população exigiu uma resposta, afinal eles pagam impostos e têm o direito de uma infraestrutura adequada. A comunidade queria que as obras terminassem o mais rápido possível, pois não aguentavam mais os transtornos. Através do jornalismo comunitário, esse prazo foi dado e o cascalhamento nas ruas de terra começou. Diante disso, o ambiente no bairro ficou bem melhor, visto que os carros não atolavam mais, e dava para se locomover com tranquilidade.
Lidiane Apolinário, moradora do bairro São Caetano, destacou a importância de cobrar, de enviar vídeos para os veículos de comunicação, e de a população ficar de olho nas promessas. O asfalto chegou, foram
realizadas obras de esgoto e drenagem, e os moradores viram um sonho ser realizado. “O trabalho do jornalismo comunitário é muito importante para população, pois já não sabíamos mais a quem recorrer. Já tínhamos entrado em contato com os órgãos responsáveis e nada foi resolvido”. Foram 16 anos para que o asfalto virasse realidade. Isso mudou a vida dos moradores. E tudo isso graças à união da comunidade.
Acima: rua coberta de lama no bairro São Caetano. Crédito: G1-MS/TV Morena. Abaixo: nova rua que proporcionou melhor mobilidade para a população. Crédito: Lidiane Apolinário
corte de uma árvore no bairro Portal caiobá
Uma árvore virou uma dor de cabeça aos moradores. Foram feitos vários pedidos de corte, por causa de uma rachadura na árvore, muito alta e com perigo de cair. A remoção foi recomendada por técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Marcelo Cândido e a família moram no Bairro Portal Caiobá há quase dez anos, mas por algum tempo moraram em endereços diferentes porque uma árvore muito alta, localizada no terreno que fica ao lado da residência deles, na rua Flora, estava condenada e poderia cair a qualquer momento. A árvore incomodava a família havia mais de dois anos, principalmente nos dias de chuva e vento forte. “Durante esse tempo, quando o tempo mudava para chuva, corríamos para a casa de minha mãe”, relatou.
Marcelo ficava na casa, para evitar que o local fosse invadido, enquanto a esposa dele e os três filhos ficavam na casa da Maria Aparecida, avó das crianças. A família viveu um drama com essa divisão. Marcelo chegou a protocolar um oficio na prefeitura, pedindo a retirada da árvore, mas o pedido não foi atendido durante um ano. Isso mudou com a chegada da imprensa.
Após a reportagem exibida em um telejornal, com pedido de ajuda do Marcelo para o corte da árvore, o poder público atendeu a solicitação e enviou equipes para realizar o procedimento. Fez parte dessa operação o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil, técnicos da prefeitura e da concessionária de energia elétrica, que foram acionados para desligar a rede de alta tensão. A rua precisou ser interditada. Os moradores que já não dormiam em casa, com medo de a árvore cair, agora estão aliviados.
Acima: corte da árvore que assustava moradores no Portal Caiobá. Abaixo: árvore cortada para alívio da comunidade. Créditos: G1-MS / TV Morena
Ponte no jardim carioca
O maior problema do bairro Jardim Carioca era uma ponte de madeira, frágil e perigosa, que ligava a localidade ao polo industrial, ao posto de saúde, às escolas e ao comércio em geral. Depois de uma chuva a situação piorou: a ponte foi arrastada pela enxurrada, e os moradores só conseguiam passar por dentro do córrego.
Os moradores relataram que perderam bicicletas e motocicletas, ar-
rastadas pela correnteza. O único lugar de acesso ao bairro era essa pinguela. Todos reclamavam, mas nada era feito pelo poder público. Diante da situação, os moradores arregaçaram as mangas e resolveram fazer uma nova pinguela.
Depois de o jornalismo comunitário entrar em ação e acompanhar de perto os pedidos dos moradores, ao longo de três anos, a comunidade finalmente foi atendida. Os moradores agora comemoram a acessibilidade com a nova ponte que foi feita, toda de aço e concreto, colorida, com 1,5 metro de largura e guardas reforçadas, por onde moradores podem
Acima: pinguela por onde passavam moradores do Jardim Carioca. Abaixo: nova ponte construída pela prefeitura no bairro. Créditos: G1-MS / TV Morena
passar com tranquilidade. Junto com ela vieram a dignidade e o direito dos moradores de irem e virem. A moradora Miriam de Souza foi uma das responsáveis que batalhou pela construção da ponte. “Temos que comemorar juntos, o mérito não é só meu, todos têm uma participação”, diz.
A prefeitura investiu R$ 97.982,00 na ponte, que resolveu o problema diário de 5 mil pessoas que vivem no bairro. Antes, elas faziam uma verdadeira maratona todos os dias para se deslocar. Nesse caso podemos mostrar claramente a união das pessoas, para nunca desistirem de lutar por melhores condições para sua comunidade.