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Capítulo 5 Comunicação comunitária na televisão
Por muitos anos a televisão foi considerada artigo de luxo entre a população. Porém, ainda no século XX, a televisão toma outro rumo e sua popularidade atinge um público ainda maior. Já nos encontramos no século XXI e seu uso pode ser considerado unânime em todas as casas de diferentes classes sociais.
A televisão deve ser compreendida como algo muito além de um simples eletrodoméstico. Pois, muito mais do que um objeto de decoração, a televisão vem historicamente desenvolvendo papéis fundamentais para a construção da sociedade. Isso porque ela vem enriquecendo seus usuários e, de forma complexa, vem entreter e civilizar seus receptores. Seu poder de veicular informações globais para dentro de diversas casas em várias localidades foi capaz de unir a sociedade como um todo.
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A eficácia na transmissão de informações a torna o principal meio de comunicação atual. Pesquisa encomendada pela Secretaria de Comunicação do Governo e realizada pelo IBOPE mostra uma porcentagem de 63% da preferência dos brasileiros na televisão como principal meio de comunicação e 89% se levada em conta as duas principais opções. Esses dados trazem a magnitude da influência que a televisão proporciona. Influência essa que, se direcionada para as causas solidárias, pode trazer benefícios para a população.
É quando o jornalismo comunitário se faz essencial para dar voz às comunidades e traz para perto dos problemas o poder público. Juntando o poder de alcance da televisão e o trabalho do jornalismo, conseguimos transmitir as necessidades físicas e, muitas vezes, básicas para o resto da população que desconhece a realidade dos bairros e das periferias mais pobres.
A ausência da assistência pública nunca foi um assunto novo. Porém, agora, com a rapidez das informações, a evidência tornou-se muito mais frequente, e ela torna-se ainda mais poderosa quando é exposta em imagens, falas reais e vídeos. Todos esses sentidos atraem o telespectador para mais perto das pessoas que sofrem diariamente com a negligência do poder público e esses aspectos somente a televisão pode nos proporcionar.
jornalismo e a comunidade
A correlação entre o jornalismo e a comunidade é fundamental para que uma sociedade prospere e avance. É um trabalho em conjunto para que a cidade e os espaços possam se tornar um ambiente viável para se morar e conviver.
A verdade é que o jornalismo comunitário existe há muito tempo na televisão, muitas vezes de forma desgovernada e informal. Segundo Marcello Rosa, jornalista com mais de 35 anos de experiência, com passagem pelas grandes emissoras de televisão do país, “o jornalismo comunitário sempre foi praticado, porém não de uma forma sistemática, mas sempre houve esse tipo de reportagem”.
Marcello ainda diz que “jornalismo comunitário não é apenas falar dos problemas da comunidade. Todas as notícias que dizem respeito a uma
comunidade são notícias comunitárias, por exemplo: projeto social, esportivo e cultural. [o jornalismo comunitário] Ficou muito associado com a questão da cobrança. A gente vive em um país que tem muitos problemas, muitas mazelas sociais, muita falta de atenção do poder público. Normalmente os moradores de bairros mais afastados sofrem com a falta de infraestrutura e o jornalismo comunitário tem esse papel de encurtar a distância entre o poder público e a população”.
Dito isso, é muito relevante frisar a importância de veicular também os projetos positivos que as comunidades oferecem. Quando a mídia colabora com a exposição favorável desses projetos, traz para essas pessoas um sentimento de pertença. O sentimento de comunidade presente em um bairro residencial proporciona vários benefícios, quer a nível individual, quer a nível comunitário. Quanto maior for o sentimento de identidade e de pertença, maior será a capacitação comunitária, promovendo comunidades saudáveis e sustentáveis.
cobrança e resultado
O jornalismo comunitário ajuda as organizações e instituições a identificar as necessidades e a estabelecer prioridades nas comunidades: avaliar a saúde, valorizar os bairros individualmente e a cidade como um todo, desenhar e avaliar intervenções sociais, mesmo que o resultado demore a chegar. “A cobrança do poder público e o resultado é o que mais angustia o jornal comunitário. Às vezes mostram o problema, cobram as autoridades e sabem que o resultado não virá rapidamente. Mas sabem que se existe uma forma de pressionar para que as coisas se resolvam, essa forma é o jornalismo comunitário.”, conta Rosa.
Com essa cobrança através de um veículo tão poderoso como a tele-
visão, foi possível obter inúmeras vitórias. Como foi a história do bairro São Caetano, localizado em Campo Grande, que já havia tentado algumas vezes cobrar o poder público sobre a ausência de asfalto, lugar esse que a prefeitura já havia deixado claro que não receberia pavimento asfáltico. Quando veiculado na televisão, o resultado foi comemorado por toda a comunidade: a prefeitura acabou asfaltando o bairro.
Marcello ressalta também a importância de executar essas cobranças de forma educada e passiva: “Cobrar de forma educada e respeitosa uma solução. A gente quer que a autoridade veja que estamos tentando fazer nosso papel de forma positiva e respeitando as dificuldades que eventualmente o poder público tem. A gente não estipula prazo, a gente pede para que as autoridades determinem o prazo”.
A tecnologia é a ferramenta fundamental para que tudo isso se torne ainda mais possível. A televisão, com imagens e sons, aproxima o público de todas essas problemáticas que envolvem a cidade. As pesquisas qualitativas que foram feitas “mostram que a população quer perceber que o jornalismo está com ela no dia a dia, que o repórter está no bairro, colocando o pé na lama, na poeira, que o repórter compreenda essas dificuldades que a população vive em sua rotina”, disse Marcello. É mostrado de forma íntegra todo o processo dessa aproximação física.
televisão é imagem
Alexandre Cabral, um dos principais repórteres do jornalismo comunitário do município de Campo Grande, conta que desde cedo esteve envolvido com o ramo. O interesse veio logo na infância, durante a escola, onde a professora o incentivou a tomar a frente do “jornalzinho do colégio” e quando jovem cursou uma faculdade federal em Jornalismo.
Cabral conta que sempre fez matérias mais diferenciadas, puxadas para o humor e bem-estar das pessoas, mesmo nos problemas mais graves, ele mantinha a serenidade. Isso porque, de certa forma, o humor traz a ironia como cobrança, gerando uma pressão maior ao poder público. Ao mesmo tempo em que se cria um vínculo com a população, tornando o jornal mais popular. Exemplo como esse, é o quadro “tereré do Cabral”, quando ele senta com os moradores para conversar sobre os problemas que aquele determinado bairro está sofrendo no momento, enquanto tomam a bebida típica do Estado. É o que o jornalismo comunitário na televisão mais procura: pessoas carismáticas, que abraçam o problema do povo com responsabilidade.
Todas as reportagens começam a ser construídas na produção da emissora, que recebe sugestões dos moradores dos bairros que apresentam problemas. Nesse processo, é muito importante que seja feita uma apuração da gravidade de cada queixa, pois é preciso entender a dimensão que o problema atinge em nível comunitário. “Você tem que visualizar a reportagem no momento, o buraco na frente da sua casa parece ser o pior da cidade, ou que você mora na pior rua da cidade, e às vezes não é bem assim”. Conta Cabral.
Depois da elaboração da pauta, o repórter vai para a rua e dá vida para a história apurada. As imagens ajudam muito a aproximar o público, e essa acaba sendo a ferramenta mais poderosa da televisão. “Televisão é imagem”, frase escrita pelo Boni, ex-diretor da emissora Globo, a qual Cabral se inspira para produzir suas matérias, fazendo sempre uma ligação da história com a imagem.
Por conta dessa imensa propagação visual, o jornalismo comunitário se faz cada vez mais presente. As pessoas querem soluções e essas vozes precisam ser mostradas, ouvidas e cada vez mais elas contribuem
para que isso seja possível. A tecnologia virou o olho do cidadão, tudo que ele vê, ele grava e envia para os veículos de comunicação. A televisão não está mais somente na sala, ela está na cozinha, na garagem, no quarto. A televisão aberta não vai terminar, ela vai evoluir para você poder assistir em qualquer lugar.
Repórter Alexandre Cabral (à direita) durante a gravação do quadro “Tereré com Cabral”. Crédito: G1-MS/ TV Morena
Pioneirismo
Um dos pioneiros do jornalismo comunitário de uma forma sistemática no Mato Grosso do Sul foi Maurício Picarelli, que criou um programa em 1983. Ele foi âncora em uma televisão local e contava com a participação da população, que relatava os problemas nos bairros. É considerado o primeiro programa televisivo do Estado a trabalhar com o jornalismo comunitário.
Picarelli conta que nos dias de hoje não existe mais a carência de programas destinados às comunidades. Pelo contrário, muitos programas já aderiram a esse estilo de jornalismo que tem como finalidade abordar os problemas frequentes nas ruas, terrenos baldios, entre outros. “A população tem que ter voz através do jornalismo comunitário e isso vem acontecendo, os veículos de comunicação estão tendo esse enfoque” ressalta Picarelli.
Já atuando no jornalismo, Picarelli foi eleito deputado estadual em 1987 e conta como isso ajudou a solucionar ainda mais os problemas recorrentes do Estado. “Com o passar do tempo, nesses 35 anos, a gente vem tentando resolver o problema da população através do programa de televisão e levava a demanda até as autoridades para resolver os problemas dos moradores. Agora, com o canal direto com o governo do Estado, com certeza as coisas melhoraram muito”.
A prática do jornalismo comunitário, além da obviedade em ajudar a população, ajuda também quem está atrás do microfone. Muitas das histórias contadas transformam a maneira do apresentador encarar a realidade. O contato próximo com a pessoa lesada torna ainda mais humana a ação. “O que nos marca sempre são os problemas das favelas, lembro que no decorrer da minha carreira de apresentador, um caso nos chocou muito, que foi no Mandela”. Na época os moradores perderam seus barracos, seus alimentos, perderam tudo por conta de uma tempestade. “Nós fizemos uma reportagem e também um apelo à população pela televisão e conseguimos arrecadar roupas, alimentos. Conseguimos madeiras, lonas, para doar para que os moradores pudessem, no mínimo, recomeçar a vida”, relata Picarelli.
É quando o jornalismo transcende seu dever de expor as necessidades públicas para expor também as necessidades morais de pessoas que so-
frem, fazendo com que a população ajude seu próprio povo, provando o esquecimento do poder público em momentos como esse.
televisão e o futuro
Os programas de televisão que fazem o jornalismo comunitário são necessários, pois são os que mais dão voz para a população. Se não existisse o jornalismo comunitário, essas pessoas que sofrem com o descaso público seriam abandonadas. “O exercício de um olhar jornalístico mais para a margem social e quem está por lá, excluído e sem possibilidades, retratando a falência de um poder público que só funciona por pressão dos veículos de comunicação”, diz Oswaldo Ribeiro, doutor em comunicação.
Há muitas evidências que provam como a televisão tem influência nas decisões dos órgãos administrativos, como citado por Oswaldo, muitas delas tomadas pela pressão. Por esse lado, a televisão se torna a aliada mais poderosa de uma população. Porém, a televisão tem dificuldade em manter um diálogo significativo entre o telespectador e o apresentador, tendo em vista que esse meio de comunicação, muitas vezes, precisa seguir uma programação já estipulada.
Outro ponto a ser considerado, é a questão da velocidade com que as informações chegam até as pessoas através da internet. Muitas das vezes, quando o telespectador assiste as notícias na televisão, ele já tem algum conhecimento do fato. O que, de certa forma, não chega a ser um problema, mas mostra como seria importante o meio jornalístico investir em notícias instantâneas no decorrer das programações e expandir o espaço do jornal regional.