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POR QUE CONDENAR LULA?

POR QUE CONDENAR LULA?

Carlos Marés *

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Deve haver grandes razões para o Presidente Lula ter sido condenado, mas não estão escritas nas 283 páginas da sentença do Juiz Sérgio Moro, aliás, se as razões pudessem ser escritas provavelmente o Juiz não necessitasse de 283 páginas mas, sendo muito prolixo, lhe bastariam umas 28,3. Se não houvesse essas razões, porém, ele não teria sido condenado. É possível conhecer a ciência certa essas razões ou isso é segredo bem guardado que polichinelo sabe? Cada brasileiro sabe ou intui a resposta. Todos sabem, porém, que o objetivo do Juiz Moro era prender o Presidente Lula. Isto ficou explícito no episódio da condução coercitiva e no próprio recebimento da denúncia. O Brasil sabia que o objetivo de todo o movimento que culminou no processo e denúncia contra o Presidente era dar um basta às políticas implementadas pelo PT e pelo Presidente Lula, portanto toda a ação política e judicial, desde o golpe contra a Presidenta Dilma a esta condenação e outros que ainda virão, foi movida no sentido de asfaltar o caminho para a recondução de um neo-liberalismo explícito e entreguista do ponto de vista internacional. Pessoalmente considero que o principal alvo dessa destruição era justamente a política internacional desenvolvida no Brasil pré-golpe (2003-2016). Não se pode esquecer que a primeira manifestação explícita do golpe foi a rejeição pelo Senado Federal do nome de Guilherme Patriota para a OEA. O Brasil e sua política externa incomodava. Razão mais próxima para a condenação é a satisfação à plateia. Depois de todas as espetaculares manchetes produzidas antes de cada ato, sempre com pequena distorção para grandes efeitos, como poderia haver absolvição? Seria a desmoralização do Juiz, dos Promotores e das mídias. Seria uma traição. Por isso das 283 páginas e mais as explicações aos embargos declaratórios, apenas duas frases foram intensamente noticiadas: “Lula condenado” e “Juiz compara Lula a Eduardo Cunha”. Isso bastava para as manchetes do dia. O Juiz Moro cumpria sua obrigação perante os pares e espectadores. A absolvição de Lula seria um balde de água fria à razão primeira de sua perseguição, seu afastamento da política. Se tudo foi feito para convencer o eleitorado de que Lula não pode voltar, sua absolvição vitaminaria suas pretensões. Absolvido neste processo todos os outros que viessem a ser noticiados e propostos soariam como nova tentativa de retaliação. Moro não tinha alternativa, era necessária esta condenação. O que tem isto de jurídico? Nada! Mas, o que tem de jurídico o processo além da forma? Nada! Como não eram jurídicas as prisões nos porões da ditadura. O mais curioso neste processo e que mais desmoralizaria uma decisão pela absolvição é que não se trata de falta de provas, se trata de falta de ato, nem mesmo de ato lícito existe, não se cogita de um simples ato. O Presidente Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. E não há um único ato praticado por ele relatado nas 283 páginas da sentença. Não há uma única referência de que o Presidente Lula tenha tal dia feito ou mandado fazer qualquer coisa que se pareça a lavagem de dinheiro ou corrupção.

* Carlos Frederico Marés de Souza Filho é Doutor em Direito do Estado e Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Nem na denúncia, nem na sentença há qualquer indicação de que Lula abriu uma conta, contratou ou mesmo falou com um doleiro, comprou um objeto subfaturado, ganhou ilegitimamente na loteria, nada, nem pediu, recebeu ou mandou alguém buscar uma mala em algum estacionamento ou restaurante. Nada! Portanto não poderia haver provas singelamente porque não havia ato. A denúncia e a sentença se baseiam no fato de que o Presidente Lula teria recebido um apartamento conhecido nacionalmente como o triplex, grátis. Mais, ganhou o triplex e a reforma do triplex. Aqui mais uma curiosidade, se ele ganhou o triplex e a reforma, significa que a reforma teria sido feito depois de ganhar o apartamento, obviamente, senão ganharia um triplex reformado. Nos negócios imobiliários o custo da reforma incorpora o preço do bem, mas o Ministério Público e o Juiz insistem em que há dois ganhos, isso só pode significar que houve a doação do apartamento e posteriormente sua reforma. Pois bem há um fato existente, a reforma, mas a doação não. Novamente, há um fato de dois denunciados, mas não há uma ato que o relacione ao Presidente Lula. Não há sequer a indicação de que o Presidente tivesse dito que o triplex simples não servia e, portanto teriam que reformá-lo. Não há o ato. Como provar uma coisa que não existe? Não é um problema de provas, portanto, é um problema de fatos e atos. O Juiz, para explicar a desnecessidade de atos e fatos compara com a situação do Deputado Eduardo Cunha e explica a comparação na decisão dos embargos declaratórios: “pois ele também afirmava como álibi que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida, mas somente 'usufrutuário em vida'". "Portanto, a corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo reformas da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel." A diferença é que Cunha e sua mulher, que foi absolvida por Moro, retiravam dinheiro da conta, gastavam em proveito própria e não prestavam conta ao titular, já Lula, não usava o apartamento, nem foi encontrado lá qualquer pertence seu, como uma sandália, bermuda ou óculos. Nesta explicação o Juiz demonstra que acredita que havia um conta geral de propina e que o dono do apartamento teria deduzido do montante da dívida de propina o valor do apartamento triplex e de sua reforma. Aqui há ato. Mas em havendo a tal conta geral de propina quem a manejaria? Quem tinha o poder de aceitar a dedução do apartamento e da reforma? Segundo a delação do dono do apartamento ele tinha reservado essa unidade para o Presidente e por isso deduziu do montante geral. Para estes fatos faltam provas. Mas existem atos praticados pelo dono do apartamento e por mais alguém que aceitou a dedução pelo apartamento que seria doado a Lula? Qual é o ato do Presidente Lula nestes fatos? Nenhum, ele não recebeu em propriedade o apartamento e tampouco o usou. Não faltam provas, faltam atos! Existem fatos, muitos sem provas de existência, mas há fatos arrolados. Para que se configurem crimes estes fatos devem ter autores, isto é, agentes que o praticaram, portanto é preciso que haja atos de pessoas culpáveis. E a prova disso tudo. É verdade que o ato pode ser omissivo, mas está fora de qualquer razão imaginar que o ato do Presidente Lula foi omissivo, isto é, não aceitar ou não receber o triplex e sua reforma. Nem mesmo há prova de que foi a ele oferecido por doação. A delação afirma somente que havia reservado o triplex para o Presidente. Pode não ter sido sequer oferecido e pode ter sido oferecido e não aceito. Nenhuma nem outra coisa configura o crime de corrupção ou o de lavagem de dinheiro.

Esta reflexão me lembra os processos da ditadura, sob a égide ou não da Lei de Segurança Nacional. Naquele tempo também havia atos altamente perseguidos, os atos subversivos. Lembro-me bem de uma ação penal cuja sentença em muito se parece a esta. Havia um fato, a existência do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) atuando no Brasil. Pertencer ao PCBR ou nele atuar era considerado crime e todo o peso da repressão política caia sobre o cidadão. Era muito difícil, entretanto, provar essa participação ou militância, por isso nem sempre eram abertos processos judiciais, mas neste caso houve denúncia a partir de um preso que, depois de barbaramente torturado, delatou ter havido uma reunião em Pontal do Sul, atual Pontal do Paraná. O delator não sabia, porém, quem havia participado da reunião porque era carioca e não conhecia os paranaenses nem pelo nome e muito pouco por fisionomia e, embora tenha percorrido as ruas de Curitiba carregado por policiais não conseguia identificar as pessoas nas ruas. A tortura continuou e a polícia política o obrigou a delatar o nome de todos aqueles que a polícia achava que poderiam ter estado na tal reunião ou que queria ver preso com um processo penal adequado. O pobre homem, depois de muitos dias de tortura delatou todos os nomes que polícia queria, estando ou não na reunião. Todos os delatados foram devidamente processados e condenados, mesmo aqueles que conseguiram provar que nunca estiveram em Pontal do Sul e que não poderiam ter estado naquele mal fadado dia. As provas apresentadas, consideradas álibis de que estavam em outro lugar, foram consideras confissão de que realmente estiveram na reunião porque se tinham as provas era porque tinham sido precavidos para enganar a Justiça. Neste caso também havia um fato, mas o ato de cada réu, inexistente, era fruto da delação de um torturado longamente preso. Naquele caso, o delator também foi solto e nada se lhe imputou. Eis a semelhança. Esta sentença e a prolatada durante a ditadura tem mais duas finas semelhanças. Uma emenda na Lei de Segurança Nacional exigia que os condenados em primeiro grau se recolhessem presos para então poderem recorrer, de tal forma que enquanto não se apresentassem à prisão não começava a correr o prazo do recurso, o que significava alterar todos os prazos prescricionais. Conclui o Juiz Moro que apesar de caber a prisão preventiva, não o fará porque a prisão de um ex-presidente “não deixa de envolver certos traumas”, por isso, com magnanimidade permite que o Presidente Lula continue livre, enquanto aguarda o julgamento da apelação se expressando da seguinte forma: “Assim, poderá o exPresidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade”. É a única vez que chama o Presidente só de ex-Presidente Luiz! Interpreta a lei atual como se fosse a da ditadura. Na realidade justifica para a plateia. Tivesse determinado a prisão preventiva, como disse que deveria ter feito mas só não o fez por temor a traumas ?!?! caberia Habeas Corpus e, portanto, haveria uma decisão rápida que mancharia a manchete LULA CONDENADO. Preferiu permitir que o Presente Lula recorresse em liberdade. A outra semelhança é que, ao terminar, como na sentença da ditadura, o Juiz Moro afirma que não lhe agrada, pessoalmente, condenar o réu, mas o faz por obrigação. Alguns juízes da ditadura também sabiam que aquelas condenações eram injustas, contra a lei e o Direito e, então, também se recriminavam. Com isto, e pelas razões ocultas da condenação, é de se esperar que o Tribunal não julgue a apelação no ano de 2018 mantendo a manchete durante todo o ano eleitoral. A ditadura dos militares era mais eficiente, ainda que menos sutil.

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