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A TIRANIA TOGADA
A TIRANIA TOGADA
Francisco Celso Calmon *
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"A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera das massas" Karl Marx (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel).
Carrego marcas do combate à ditadura de 64, resistir ao terror dos milicos foi uma tarefa árdua. Perseguições políticas, sequestros, torturas, desaparecimentos e mortes foram produtos daquele regime. Agora me vejo no combate às arbitrariedades do golpe de 2016. Grampos telefônicos e conduções coercitivas ilegais, espionagens, extorsões, prisões como meio de tortura, delações e condenações ao arrepio da lei, são frutos de um Estado policial que se caracteriza por um regime de exceção, no qual os aparelhos estatais controlam a sociedade, enquanto no Estado democrático a sociedade controla o Estado. Como em todo regime de exceção, o direito é sempre a primeira vítima, ao subverter o direito, desmorona a democracia. Como na Inquisição, na qual as bárbaras torturas terminavam na fogueira, que ardia lentamente o corpo do condenado, a fogueira da Lava Jato arde e dilacera a dignidade do acusado. Com método intermitente, mas constante, de humilhação, constrangimento físico e psicológico, assumindo sadicamente o risco de causar enfermidade e até a morte, como a da esposa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, D. Marisa Letícia. Como um ilusionista obrigado a apresentar constantes surpresas para manter os olhos da plateia fixos nele, o juiz-inquisidor, Sérgio Moro, e seus asseclas realizam todo dia um novo golpe ao direito e à democracia, atingindo os trabalhadores e a pátria. "Nos dias atuais, em que a própria irracionalidade se converteu em razão, seu único modo de ser é a razão da dominação. Assim, ela continua sendo a razão da exploração e da repressão, inclusive quando os dominados colaboram com ela. E, em toda parte, ainda há aqueles que protestam, que rebelam, que combatem. " (Herbert Marcuse - Comentário ao "18 Brumário..." de Karl Marx). A sentença de condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferida pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, é uma peça que ficará marcada na história pelo anti-exemplo da técnica jurídica. No futuro poderá ensejar peças teatrais de comédia, drama e terror. Assim, como no curso do processo, o juiz se portou como um inquisidor capcioso, o desfecho é eivado de arbitrariedades, justificadas apenas pela vontade de brilhar à luz dos holofotes, como o caçador expondo a sua caça à espera do troféu, como bem definiu o decano jurista capixaba, João Baptista Herkenhoff: "O juiz, que abandona a imparcialidade para obter a homenagem dos holofotes e as manchetes dos jornais trai seu ofício. Ainda que o grande público lhe bata palma, cidadãos bem
* Advogado e Administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo.
informados a respeito do figurino constitucional condenam seu procedimento". (Jornal A Gazeta, 19 de julho de 2017) O direito processual prevê que a sentença penal deve conter exposição sucinta da acusação e da defesa; a indicação dos motivos e fatos em que se fundamenta a decisão e a aplicação do direito conforme o tipo penal correspondente (Art. 381 CPP). Porém, causa estranhamento que na sentença condenatória do ex-presidente Lula, o juiz Moro destina cerca de 50 páginas do total de 238 da decisão para falar de si e se defender, uma espécie de sentença auto-absolutória. Tal é o peso de sua culpa que após divulgar a sentença, assentou sua cabeça sobre a bíblia numa demonstração de exaustão, pois perseguir cansa, golpear, cansa mais ainda, e se deixou fotografar. Na análise do objeto da ação penal o juiz revelou a sua parcialidade. Não há provas de que o acusado teria ou já teve a posse ou a propriedade do "triplex" que lhe é atribuído pelo Ministério Público Federal e acolhido pelo juiz. Ele chega ao ponto de criar conceitos extremamente exógenos à doutrina e à lei, como o da "titularidade formal", contrariando os conceitos legais de propriedade e posse. Se tais invencionices prosperem, o que será do estudante de hoje e de amanhã que está aprendendo os conceitos corretos? As provas e os fatos darão lugar às suposições e às ilações? Portanto, não há produto dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro. Diferente do que pesa sobre o ilegítimo presidente Michel Temer, ao candidato derrotado por Dilma, Aécio Neves e ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que abriu o processo de impeachment contra a Presidenta legitimamente eleita, cuja abundância de fatos e provas dos seus crimes e decorrentes produtos se encontram em seus bens e contas bancárias no Brasil e no exterior. A peça sentencial considera delações como prova, e não como meros indicativos e caminhos para prospectar provas. Além dessa gravíssima metamorfose há que se considerar a questão da delação. A delação premiada é a troca da traição por um prêmio; não é um arrependimento, não é uma colaboração, mas uma permuta, um escambo, um mercantilismo moral. Arrependidos sem arrependimentos, colaboradores sem colaboração. Até quando engabelar em nome do parecer sem ser? Culturalmente a delação é um contravalor. Não deve ser cultivada. Não é exemplo para a educação das novas gerações. Não queremos crianças dedurando coleguinhas, adolescentes entregando seus parceiros, jovens profissionais apontando companheiros, porque ninguém quer uma sociedade de delatores. "Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador" (Diógenes, na Grécia Antiga) O juiz-inquisidor, bem como o Ministério Público Federal, não conseguem, e não conseguem porque não existe, mostrar e comprovar os produtos dos supostos crimes imputados ao ex-presidente Lula. Há indícios de que o Juiz Moro está a serviço dos interesses dos EUA, mas, quando for julgado, em qualquer momento da história, terá que haver provas. Os cursos, treinamentos e constantes idas àquele país, assim como suas correspondências com agentes norte-americanos, são indicativos suficientes na política para acusação de estar cooptado e em mister dos objetivos geopolíticos daquele país, contudo, do ponto de
vista do direito, não é suficiente para condená-lo, a não ser que aplicados os mesmos critérios e parâmetros inventados pelo juiz Sérgio Moro e os procuradores, aliados nessa cruzada de desmonte do Estado de direito. Na fixação da pena, o juiz segue delirando ao aplicar a dosimetria. Diz que: "A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes" (Sentença Processo n.º 5046512-94.2016.4.04.7000 13ª Vara Federal de Curitiba/PR) Por isso, fixa a pena base de cinco anos no crime de corrupção e de quatro anos no de lavagem de dinheiro. Seguindo nessa esteira, o juiz também poderia sopesar a pena com os resultados do governo Lula, como os 52 (cinquenta e dois) milhões de brasileiros beneficiados por meio de políticas públicas: o aumento real do salário mínimo de 72%; salto do PIB per capita de U$ 2,8 mil para U$ 11,7 mil, colocando o Brasil como a quinta economia mundial e protagonista internacional; inclusão de 1,5 milhão de jovens na Universidade através do Prouni (Programa Universidade para todos), enquanto países como Espanha, Portugal e Grécia amargavam uma crise que gerou em torno de 24 milhões de desempregados em cada um desses países, e nos Estados Unidos da América até sopão foi distribuído em Nova Iorque durante a crise iniciada em 2008. Ao concluir a dosimetria, a pena restritiva de liberdade ficou estabelecida em nove anos e meio. O repertório de maldades do implacável juiz é tal, que nas redes sociais já indagaram: Seria uma analogia sádica aos nove dedos e meio do ex-presidente Lula? O juiz Moro também ousou em fixar a proibição, além da pena privativa de liberdade, do ex-presidente Lula exercer qualquer cargo ou função pública. Ora, fixar esse tipo de pena para quem já foi agraciado com tantos títulos de doutor honoris causa, pelos excelentes serviços públicos prestados é o mesmo que dizer para um engenheiro civil, que pode trabalhar em qualquer coisa, menos na engenharia; ou ao médico, que não pode exercer a medicina; ou ao metalúrgico, que não pode trabalhar na metalurgia. É a perversidade continuada, cuja finalidade de uma sentença deixa de ser, e visa cercear as atividades políticas, pois, em regra, cargo e função públicas são de natureza políticoadministrativa. Esse impedimento nos leva à lembrança da ditadura de 64, quando, através do decreto 477, penalizava o estudante considerado subversivo, suspendendo-o por até três anos dos bancos escolares, prejudicando não só o jovem, mas o Brasil, posto que retardaria em três anos o ingresso do futuro profissional no mercado de trabalho. Da mesma forma os combatentes da ditadura, independentemente de serem estudantes ou não, através de indiciamentos ou condenações, após libertados, mas ainda na vigência da ditadura, ficavam impedidos de trabalhar por anos a fio, por que a ditadura obrigava as empresas públicas e privadas a exigirem do candidato apresentar o "Atestado de Bons Antecedentes" e o "Atestado de Ideologia Política". O primeiro era fornecido pelas secretarias de segurança pública, no qual constava se o indivíduo respondia ou já teria respondido a processo instaurado pela ditadura, caso constasse, as empresas, em regra, não admitiam. O Atestado Ideológico era requerido pra as empresas públicas e constava de um questionário que o candidato respondia no Departamento de Ordem Política e Social - Dops. Esse instrumento era para averiguação se havia alguma simpatia pela
esquerda e contra a ditadura, ou seja, além da punição pelas torturas, tempo de prisão, também havia uma perseguição duradoura que era o impedimento para o ingresso ao mercado de trabalho e consequente sobrevivência. Novamente: além do prejuízo ao indivíduo, havia o prejuízo ao país. Por fim, o juiz Sérgio Moro, após a descabida sentença de condenação, profere nova decisão, provocada pelo Ministério Público Federal em outubro de 2016 e que tramitava em segredo de justiça, bloqueando as contas e confiscando os bens do ex-presidente Lula, compondo a teia da perseguição paranoica de dificultar suas atividades políticas. Na ditadura de 64 a Justiça Militar era menos despudorada do que vem sendo o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, criadora de um modelo de Juízo de exceção. O decano capixaba, João Baptista Herkenhoff, aponta o alvo do Moro. "Não sendo possível derrotar um líder, que pretende alcançar a Presidência da República através do voto popular, poderá ele ser derrotado pelo voto de um pequeno grupo de togados, sem direito de apelar ao Supremo Tribunal Federal em Brasília". (Jornal A Gazeta, 19 de julho de 2017) É longa a lista histórica de inocentes condenados. A de Jesus Cristo gerou a maior religião do mundo ocidental. A de Sacco e Vanzetti, absolvidos 50 anos depois, gerou uma referência de resistência e dignidade diante da (in)justiça de classe. Sócrates, condenado à morte, ao sorver a cicuta (veneno) de um gole só e ao ouvir os amigos soluçando, diz: "Não, amigos, tudo deve terminar com palavras de bom augúrio: permanecei, pois, serenos e fortes". A condenação de Lula está gerando o aumento de apoiadores à sua candidatura e filiações ao Partido dos Trabalhadores. E como ele próprio disse: "Se acharam que com essa sentença me tiraram do jogo, cada vez mais estou no jogo" e "Só quem tem direito de decretar meu fim é o povo brasileiro". Os brasileiros estavam, pela primeira vez, acreditando na construção de uma democracia de todos e no Estado de direito que a garantia, se esse sentimento for perdido, o Brasil pode marchar para um caos social e desaparecer a autoestima de ser brasileiro. Como já dizia Charles Darwin "O fim da esperança é o começo da morte".