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A INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA PARA JULGAR O “CASO DO TRIPLEX”
A INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA PARA JULGAR O “CASO DO TRIPLEX”
João Victor Esteves Meirelles *
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Introdução
Alcançar a maturidade significa atingir um grau de desenvolvimento completo, a fase adulta, o grau de plenitude na arte, no saber ou em habilidade adquirida181 . A maturidade de um indivíduo, ou seja, seu desenvolvimento até a fase adulta, é medida no dia a dia pela forma com que este reage em face das experiências cotidianas. É a partir de suas ações diante dos acontecimentos diários, principalmente daqueles que lhe são desagradáveis que percebe-se, qualitativamente, o seu grau de desenvolvimento. Assim, pela forma com que age, não pelo que afirma, apreende-se o grau de desenvolvimento do indivíduo. Com a democracia182 não é diferente. O termômetro de maturidade democrática de uma sociedade que está sob o regime de um estado direito não se apreende por aquilo que declara sua Constituição, pelos enunciados normativos que esta possui, mas sim pela sua efetiva aplicação, pela forma com que trata seus cidadãos diante das experiências cotidianas. De forma similar com que se mede o desenvolvimento do indivíduo, o estágio de maturidade democrática de uma sociedade se desnuda nos momentos de turbulência, de experiências desagradáveis, muito mais do que nos tempos de normalidade, quando se navega em águas tranquilas, à margem das tempestades. Nos momentos de turbulência, uma sociedade demonstra seu compromisso com a democracia por meio da manutenção e aplicação das instituições essenciais do estado de direito. Nos momentos conturbados é que se constata se uma democracia constitucional, que prevê os direitos fundamentais das minorias, exerce sua função contramajoritária, contrapondo-se à vontade da incauta e irracional maioria. Nesse caso, a tarefa árdua de proteção e garantia dos direitos fundamentais contra a barbárie cabe ao Poder Judiciário, o qual jamais pode ceder à pressão social decorrente da opinião pública(da), sob pena de esvaziamento do seu sentido de existência. O Brasil vive momentos de turbulência, tempos sombrios em que estão sendo colocados à prova os enunciados daquela que outrora fora denominada Constituição Cidadã.
* Advogado. Mestrando em Direito Penal pela PUCSP. Pós-graduado em Ciências Criminais pela ESMP. Graduado em Direito PUC-SP. 181 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, pág. 1259. 182 Para evitar uma confusão semântica em relação ao conceito de democracia aqui utilizado, vale ressaltar que o termo, neste texto, sempre se refere à democracia constitucional, não à democracia majoritária. O que distingue ambas é que, enquanto na primeira há adoção da vontade da maioria, respeitando-se os direitos fundamentais da minoria, na segunda há uma prevalência ilimitada da vontade da maioria. Pelo fato da democracia majoritária, em verdade, tratar-se de uma ditadura da maioria, o que é incompatível com o estado de direito, sempre que mencionado o termo democracia neste texto, adotase o sentido de democracia constitucional.
A tempestade, iniciada com o processo e julgamento da ação penal 470 do STF, apelidada pelos meios de comunicação social como Mensalão, agora atinge seu ápice com a denominada Operação Lava Jato, que apura a prática de condutas ilícitas de políticos e grandes empresários. A operação, presidida na maioria de suas fases pelo juiz Sérgio Moro, que se tornou figura corriqueira no noticiário nacional como suposto emissário da justiça, serve de paradigma dessa tempestade institucional – em especial no recente julgamento do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva – para analisar a força dos direitos fundamentais previstos na Constituição. Caberia ao referido magistrado, no exercício de sua função contramajoritária, conter as paixões de parcela da população que destina pouco apreço pelos direitos fundamentais, a fim de julgar o caso com imparcialidade, de acordo com a legislação vigente. Entretanto, muitas decisões do magistrado responsável pela operação – e a leniência das instâncias recursais com esses atos decisórios – parecem anunciar que nossa consciência democrática ainda engatinha e, ao que tudo indica, está longe, muito longe, daquilo que seria uma democracia constitucional.
Premissas acerca da definição da competência criminal
Muitas são as ilegalidades já perpetradas no âmbito da Operação Lava Jato, mas uma tem especial gravidade. Por um lado pela falta de atenção dos tribunais e da opinião pública sobre ela, e, por outro lado, pelo perigo que gera para a manutenção do Estado Democrático de Direito: a (in)competência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR para processar e julgar os casos originados da operação e, dentre eles, aquele relacionado ao famigerado triplex do Guarujá/SP, supostamente entregue pela OAS ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como vantagem indevida. Em um Estado Democrático de Direito, ao Estado cabe o monopólio para apuração e aplicação de punição nos casos em que houver ofensa ou ameaça ao direito. O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, atribui ao Poder Judiciário essa tarefa, ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, diante da suposta prática de crime, emergindo para o Estado o poder-dever de apreciar o fato e punir seu autor, cabe ao Poder Judiciário e somente a ele - apurar e, se for o caso, aplicar a punição àquele que praticou o delito. Essa função estatal delegada ao Poder Judiciário é denominada jurisdição, que, nas palavras de DE PLÁCIDO E SILVA, “exprime a extensão e limite do poder de julgar de um juiz”183 . Malgrado exercida por todos os órgãos do Poder Judiciário, por questão de divisão de trabalho e para fins de especialização das atividades, a jurisdição é distribuída em diferentes órgãos, por meio de critérios de fixação de competência. A competência do juiz, nas palavras de BADARÓ, é “o âmbito legitimo de exercício da jurisdição conferido a cada órgão jurisdicional”184. Em outras palavras, refere-se ao
183 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2007, pág. 802. 184 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, pág. 146.
limite que o juiz possui para exercer sua jurisdição, ou seja, a parcela da jurisdição que compete ao órgão jurisdicional de acordo com a lei. A definição da competência para julgar a prática de um delito, conforme estabelece o artigo 69 do Código de Processo Penal, é fixada com base no lugar da infração, domicílio ou residência do acusado, a natureza da infração, a distribuição, a conexão ou continência, a prevenção ou a prerrogativa de função. Considerando que o objeto deste artigo é analisar a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR para processar e julgar a ação penal relacionada ao triplex localizado na cidade do Guarujá/SP, mas cujas premissas são válidas para todos os demais casos da Operação Lava Jato, interessa para uma análise do tema os critérios fixadores da competência por lugar da infração e pela conexão. O primeiro critério se baseia no local da infração para estabelecer a competência. Assim, tem-se que o juiz competente é aquele do local onde se consumou o fato delituoso. O segundo critério que interessa é a conexão, prevista no artigo 76, incisos I, II e III, do Código de Processo Penal. A primeira modalidade ocorre nos casos de conexão intersubjetiva, intersubjetiva concursal ou intersubjetiva por reciprocidade, por meio das quais justifica-se o julgamento por um mesmo juiz em decorrência do interesse probatório e do esclarecimento das circunstâncias da conduta.185 A segunda modalidade de conexão, prevista no inciso II do artigo, trata da conexão objetiva, a qual se vincula com os crimes antecedentes que justificam a atração de um juízo para julgar fato que, a princípio, não seria de sua competência. Por fim, a conexão prevista no inciso III, denominada conexão probatória, refere-se à relevância comunicativa das provas, o que justificaria uma atração do julgamento com o fim de garantir uma visão mais ampla dos fatos pelo julgador. Por fim, também interessa para o presente estudo mencionar a competência pela prerrogativa de função. A Constituição define foros especiais para apuração e julgamento de condutas de indivíduos que ocupem determinados cargos públicos, ou seja, o foro é definido em razão da função desempenhada. Assim, estabelece o artigo 102, inciso I, alíneas “b” e “c”, que cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar os crimes comuns supostamente praticados pelo Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional, seus Ministros e o Procurador Geral da República; e os crimes de responsabilidade e comuns supostamente praticados por Ministros de Estados, os Comandantes das Forças Armadas, os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Constas de União e os chefes em missão diplomática de caráter permanente.
A definição da competência no caso do Triplex do Guarujá: a origem da investigação e a falácia da conexão
185 De acordo com Alexandre Morais da Rosa: “Nos termos do art. 76, I, do CPP, se dá a conexão intersubjetiva, em que a conduta criminalizada acontece em paralelo, sem prévio ajuste, mas em condições de justificar o julgamento simultâneo (brigas coletivas, protestos conjuntos, etc.), a intersubjetiva concursal, em que o prévio ajuste para a realização de condutas criminosas guarda liame entre si (fruto de arma e roubo em seguida, p. ex.) ou intersubjetiva por reciprocidade em que as condutas autônomas se vinculam pela situação fática (lesões recíprocas, ameaças)”. In Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4º Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, pág. 632.
Ao subsumir esses critérios legais para o caso do Triplex do Guarujá, bem como para os demais casos da rumorosa Operação Lava Jato, resta indubitável que, em linha de princípio, o juiz Sérgio Moro não possuiria competência para julgar esses processos. Isto porque, salvo raríssima exceção, não há fato ocorrido no Estado do Paraná que justifique sua competência.186 Ocorre que, de modo sistemático, em cada nova fase da denominada Operação Lava Jato, a referida autoridade judicial justifica sua competência em virtude de suposta conexão dos novos casos com uma apuração de lavagem de dinheiro consumado em Londrina/PR. Em outras palavras, o juiz Sergio Moro sustenta que a referida lavagem de dinheiro teria relação com o pagamento de vantagens indevidas a partir de contratos da Petrobras com seus fornecedores. Cumpre, por este motivo, desmascarar uma falácia repetida mil vezes pela autoridade judicial da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, a qual se tornou uma “verdade”, um “fato consumado”. No caso do Triplex do Guarujá não foi diferente. Ao decidir sobre o pedido de buscas e apreensões no bojo da investigação preliminar, a autoridade judicial consignou ser competente, sob o fundamento de haver conexão do caso com aquele que apurou a referida lavagem de dinheiro consumada em Londrina/PR.187 Para que o fundamento do Magistrado se sustentasse, seria necessário demonstrar de forma inequívoca que havia um liame, uma conexão, entre o processo nº. 504722977.2014.404.7000 (lavagem de dinheiro em Londrina/PR) e o caso do Triplex do Guarujá, de acordo com os critérios expostos acima (incisos do artigo 76 do Código de Processo Penal). Contudo, de largada, ainda sem entrar na existência de suposta conexão, ao contrário do que argumenta o julgador, os elementos do caso de Londrina/PR demonstram que jamais houve relação dessa lavagem de dinheiro com o pagamento de vantagens indevidas a partir de contratos da Petrobras com seus fornecedores, logo, jamais houve competência do juiz Sérgio Moro por prevenção (artigo 78, inciso II, alínea “c”). Em breve leitura do relatório da ação penal nº. 504722977.2014.404.7000 –mencionada pela autoridade judicial como sendo a apuração de lavagem consumada em Londrina – nota-se que, em verdade, os recursos utilizados na referida lavagem de dinheiro tinham por origem vantagem ilícita recebida pelo ex-Deputado Federal José Janene relacionada aos fatos da ação penal nº. 470 do Supremo Tribunal Federal.188
186 De se notar que a 13ª Vara Federal de Curitiba tem competência para processo e julgamento de ações penais que versem sobre lavagem de dinheiro ocorrido no território da Seção Judiciária do Paraná, isto é, no Estado do Paraná. 187 Vejamos: “2. Tramitam por este Juízo diversos inquéritos, ações penais e processos incidentes relacionados à assim denominada Operação Lava jato. A investigação, com origem nos inquéritos 2009.70000032500 e 2006.70000186628, iniciou-se com a apuração de crime de lavagem consumado em Londrina/PR, sujeito, portanto, à jurisdição desta Vara, tendo o fato originado a ação penal 504722977.2014.404.7000” (Pedido de busca e apreensão criminal nº 500661729.2016.4.04.7000/PR). 188 Vejamos: “3. Em síntese, segundo a denúncia, os acusados teriam lavado recursos criminosos de titularidade do ex Deputado Federal José Janene para investimentos em empreendimento industrial em Londrina/PR, constituindo a empresa Dunel Indústria. 4. Relata a denúncia que o ex-Deputado José Janene foi denunciado na Ação Penal nº 470 perante o Supremo Tribunal Federal, restando provado naqueles
Jamais houve prova de que o montante utilizado pelo ex-Deputado Federal para investir na empresa Dunel Indústria, localizada em Londrina/PR, tivesse relação com o recebimento de vantagem indevida de contratos de empreiteiras com a Petrobras. A própria denúncia da ação penal nº. 504722977.2014.404.7000 relaciona tais vantagens indevidas com os fatos apurados na ação penal nº. 470 do Supremo Tribunal Federal. Em verdade, a autoridade judicial sempre teve plena consciência de que seu Juízo não era competente para processar e julgar qualquer das centenas de casos relacionadas à denominada Operação Lava Jato. No entanto, era preciso “criar” algum fundamento para justificar sua competência. Daí que foi pincelado um fato ocorrido em Londrina/PR e, sem maiores preocupações, menciona-se que tal fato tem a capacidade de gerar uma infinita competência por conexão, sem qualquer explicação acerca de sua subsunção às hipóteses do art. 76, incisos I a III, do Código de Processo Penal. Tal artimanha solapa por completo a garantia que todo cidadão tem de ser julgado pelo juiz natural do fato. Ora, em um Estado Democrático de Direito quem define o juiz competente para julgamento de um fato é a lei, apenas a lei. Aliás, a lei prévia, clara e estrita, não o juízo de conveniência do julgador de plantão. Os fatos descritos adiante revelam como a referida autoridade judicial instaurou uma investigação perpétua contra alvos selecionados, estendendo sua jurisdição para todo o território nacional. Tudo isso ao longo de uma investigação que se iniciou em julho de 2006 e que, ainda hoje, não tem data para terminar. Note-se que, na origem, não havia qualquer informação que dissesse respeito à Petrobras. Já passou da hora de se dar um basta a esse estado inconstitucional de coisas. Os feitos que se multiplicam no bojo da Operação Lava Jato deveriam ter sido remetidos aos seus juízes naturais, pois a 13ª Vara Federal de Curitiba não é um juízo universal. Ocorre que, na ação penal nº. 504722977.2014.404.7000, feito originário da Operação Lava Jato e insistentemente utilizado pelo Juiz Federal Sergio Moro para invocar o instituto da conexão processual, houve sim uma escolha dirigida do juiz!
autos o recebimento por ele e por outros deputados do Partido Progressista, por quinze vezes, de propina, no montante de cerca de R$ 4.100.000,00, no esquema fraudulento conduzido por Marcos Valério Fernandes de Souza. Referido Deputado teria escapado da condenação por ter falecido antes do julgamento. 5. Cerca de R$ 1.165.600,08 em recursos criminosos, de titularidade de José Janene, teriam, por sua vez, sido investidos subrepticiamente em empreendimento industrial em Londrina, especificamente na empresa Dunel Indústria, que seria de Hermes Freitas Magnus e Maria Teodora Silva. Destes, R$ 537.252,00 seriam originados de transferências bancárias de contas em nome de pessoas interpostas, mas controladas por Carlos Habib Chater, segundo a denúncia, operador do mercado de câmbio negro em Brasília. Destes, R$ 618434.08 teriam origem na empresa CSA Project Finance Consultoria e Intermediação de Negócios Empresariais Ltda., empresa esta controlada por Alberto Youssef” (Sentença da ação penal nº. 504722977.2014.404.7000).
A partir disso, reiteradamente, usurpou-se a competência de outros órgãos jurisdicionais, inclusive do STF. Todavia, antes da referida ação, houve o prolongamento das investigações por quase uma década, o que, por si só, é fato de extrema gravidade. Evidente que a função pública exercida pelo Dr. Sergio Moro não lhe confere a prerrogativa de devassar perpetuamente a vida de cidadãos, tampouco a de usurpar a competência constitucional de outros órgãos jurisdicionais. A investigação que culminou na deflagração da Operação Lava Jato teve início em 2006. Desde então, o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR tem recebido denúncias contra centenas de investigados e autorizado medidas cautelares, além do retombamento dos autos, para avalizar uma investigação eterna, ao seu arbítrio. Em 14 de julho de 2006, a autoridade policial representou ao titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR com o fito de investigar a relação de Alberto Youssef com o falecido Deputado Federal José Janene (fls. 05/10 do IPL nº 2006.70.00.018662-8). Foi então que teve início a burla na distribuição, com a instauração do procedimento diverso nº. 2006.70.00.018662-8 (posteriormente tombado como IPL 714/2009), distribuído por dependência ao processo nº. 2004.70.00.002414-0. O elemento que a autoridade policial apontou para requerer a instauração do procedimento criminal diverso é uma prova de origem ilícita: a interceptação de diálogos telefônicos mantidos entre o advogado Adolfo Góis e seu cliente Roberto Brasiliano a respeito de depoimento que este último prestaria à Polícia Federal. Não bastasse isso, naquele momento tanto a autoridade policial quanto o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR tinham pleno conhecimento de que o Sr. José Janene ocupava assento no Congresso Nacional, logo, possuía foro por prerrogativa de função perante o STF (arts. 53, caput e § 1º, c.c. 102, caput e inciso I, “b”, da CRFB).189 Registre-se que o falecido Sr. José Janene ocupou uma vaga na Câmara dos Deputados na Legislatura compreendida entre os anos de 2003 e 2007: http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=97 792&tipo=0.
189 Eis os exatos termos da representação policial que confirmam esse argumento: “Para corroborar os indícios de que ALBERTO YOUSSEF sabe e participa da quadrilha de lavadores de dinheiro do Deputado JOSE JANENE, entre eles, ROSA, MEHEIDIN e STAEL FERNANDA, no PCD 2006.70.00.012177-4, de interceptação telefônica, constam duas ligações que deixam indícios que ALBERTO YOUSSEF participou, na noite do dia 20.06.2006, de uma reunião na casa de STAEL FERNANDA, no Condomínio ROYAL GOLF RESIDENCE em Londrina, já sequestrada por esta Vara Federal, juntamente com a esposa dele, JOANA DARC, onde além deles participaram: STAEL FERNANDA, ROSA ALICE VALENTE, e MEHEINDIN HUSSEIN JENNANI, Dr. Adolfo Góis, Advogado dos três últimos, e o Deputado JOSÉ JANENE. [...] Assim, demonstrados indícios veementes de que ALBERTO YOUSSEF sabe e participa, juntamente com JOSÉ JANENE, como mentor das artimanhas para lavar dinheiro do Deputado através da esposa dele, STAEL e seus assessores ROSA e MEHEINDIN, é que se REPRESENTA pela instauração de PCD [...] Londrina, 14 de julho de 2006. GERSON MACHADO Delegado de Polícia Federal” (fls. 6-10 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8).
Em 19 de julho de 2006, o juiz Sergio Moro deferiu todos os pedidos da autoridade policial, sem prévia manifestação do MPF e, em seguida, não abriu vista ao órgão ministerial. A próxima manifestação da autoridade policial nos autos só ocorreu quase um ano mais tarde, em 03 de maio de 2007, apenas para remeter os autos à Vara Federal, que estava sob inspeção geral ordinária (fl. 37 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8). O primeiro despacho abrindo vista ao MPF só ocorreu em 09 de setembro de 2008, mais de 02 (dois) anos após a abertura da investigação (fl. 47 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8). O conteúdo da manifestação ministerial é sintomático para que se constate a ausência de neutralidade do titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR na condução de uma investigação.190 Dois anos após o início da investigação, o próprio MPF manifestou que as diligências “restaram infrutíferas”, razão pela qual requereu a sua remessa à Polícia Federal, a fim de que a autoridade policial especificasse se havia outras diligências pendentes de realização. Em 06 de janeiro de 2009, quase 120 dias após a manifestação do MPF e sem que a autoridade policial especificasse se havia diligências pendentes de realização, houve a juntada de uma “denúncia anônima” sob a forma de e-mail, instruída com diversos documentos (extratos bancários e uma minuta de contrato comercial). A referida “denúncia anônima” descreveu que os supostos fatos praticados pelo falecido Deputado Federal José Janene e por Alberto Youssef teriam ocorrido na cidade de São Paulo, em um escritório no Bairro Itaim Bibi, utilizado como suposta base de operações da empresa CSA-Project Finance (fls. 54-71 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8). Basta observar que a referida empresa foi apontada pela Polícia Federal como o centro de operações do investigado Alberto Youssef. O despacho proferido pela autoridade policial logo após a juntada desses documentos é esclarecedor quanto ao local em que ocorreram os fatos do procedimento primitivo da Operação Lava Jato. Menciona-se expressamente que o local dos fatos era a cidade de São Paulo.191
190 Eis a conclusão do MPF em sua primeira manifestação nos autos: “II. As diligências perpetradas até o presente momento visando à obtenção de provas quanto a eventual vínculo entre Alberto Youssef e José Janene para a prática do delito de lavagem de dinheiro restaram infrutíferas. Ademais, as conversas telefônicas que indicam a atuação de Alberto Youssef no esquema delituoso ocorreram em junho de 2006, não havendo indícios mais recentes quanto à possível conduta delitiva. Desse modo, este órgão ministerial não vislumbra outras diligências a serem realizadas para aprofundamento das investigações. Não obstante isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer o retorno dos autos à autoridade policial, a fim de que indique se vislumbra outras diligências a serem realizadas no presente feito, especificando-as. Curitiba, 12 de setembro de 2008. Letícia Pohl Martello Procuradora da República” (fl. 50 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8). 191 Eis o despacho do delegado de Polícia Federal nesse sentido: “Que JOSÉ JANENE fica durante a semana, a maior parte do tempo na cidade de São Paulo, especialmente na sede do Partido Progressista, onde exerce de fato e de direito a função de Tesoureiro. [...] Se JANENE passa a maioria dos dias da semana na cidade de São Paulo-PR (sic) e ALBERTO YOUSSEF não é diferente, basta uma investigação das suas ações em São Paulo, que certamente encontrarão as suas ligações com NAGI NAHAS” (fls. 72-76 do inquérito nº. 2006.70.00.018662-8).
Ou seja, em 2006, no início da investigação, diante do foro por prerrogativa de função do falecido Deputado Federal José Janene, o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR violou a competência do STF para conhecer dos fatos. Em 2009, os documentos juntados aos autos da investigação demonstraram que, naquele estágio, deveria ter ocorrido o declínio de competência para uma das Varas Federais Especializadas da Subseção Judiciária de São Paulo, por força dos arts. 70 e seguintes do CPP. Ainda que fosse procedente o argumento de que a lavagem consumada em Londrina/PR realmente tivesse alguma relação com o recebimento de vantagens indevidas em contratos da Petrobras, o que se admite apenas por amor ao debate, é de se questionar: qual a relação de tal fato com aquilo que foi objeto da denúncia oferecida contra o expresidente Lula? Qual a prova da infração apurada na ação penal nº. 504722977.2014.404.7000 ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influi na prova da infração apurada no processo nº. 5046512-94.2016.4.04.7000, ensejando o instituto da competência por conexão? A resposta é dada por Lênio Luiz Streck: “em um país em que aquele que provoca tumulto em um posto de gasolina Petrobras situado em Agudo ou em Inhambu corre o risco de ser julgado em Curitiba face à competência infinita da operação ‘lava jato’ (...) Como a ‘lava jato’ pode ser competente? Sei lá. Não faço a mínima ideia. Estou apenas metaforizando. Moro sempre dá um jeito de ver e encontrar uma conexão (…) Eis a conexão para levar tudo para Curitiba. Tudo sempre está interligado, como na história do sujeito que dá uma bofetada no outro por tê-lo chamado, por dedução, de ‘corno’. Afinal, o desafeto ofereceu-lhe um pedaço de queijo. Que vem do leite. Que vem da vaca. Que tem chifres. Simples, pois”.192
192 Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-dez-26/lenio-streck-queijo-ver-escandalo-teles, acesso em 20/07/17.