10 minute read
A SENTENÇA ILEGAL DO JUIZ MORO CONTRA LULA
A sentença condenatória do Juiz Moro contra o ex-Presidente LULA é incompatível com o Direito Penal do fato e da culpabilidade do Estado Democrático de Direito. Primeiro, a sentença não demonstra a existência do fato imputado como tipo de injusto de corrupção passiva produzido por ações reais do acusado; segundo, a sentença não demonstra a culpabilidade do autor fundada no conhecimento do injusto de ações praticadas no exercício regular da Presidência da República. A consequência lógica da inexistência do fato definido como corrupção passiva é a impossibilidade do segundo fato de lavagem de dinheiro: se não existe o crime de corrupção passiva como fato antecedente, não existe o crime de lavagem de dinheiro, que pressupõe a existência de crime anterior – porque, além disso, por mais que o Juiz Moro considere “estranho” que LULA desconheça as vantagens indevidas (quando a PETROBRAS declara perdas contábeis de 6 bilhões de reais), ou que não tenha reprovado agentes públicos e políticos pelo esquema criminoso, a dedução judicial da conivência de LULA é um mero ato psíquico, porque não existe prova de conhecimento desses fatos. Decisões judiciais incompatíveis com o Direito Penal do fato e da culpabilidade são decisões judiciais inválidas, porque carecem dos fundamentos centrais da justiça criminal: o princípio da legalidade, configurado na realização concreta de um tipo de crime, e o princípio da culpabilidade, verificado no conhecimento da natureza criminosa da ação realizada. A prolixa sentença judicial de 218 páginas não contém um capítulo, nem mesmo um parágrafo, ou sequer uma linha dedicada à demonstração desses fundamentos do sistema punitivo, sem os quais é impossível aplicar penas criminais. Logo, a condenação criminal do ex-Presidente LULA constitui a recepção judicial da atitude político-partidária da Força Tarefa do MPF atuante na Operação Lava Jato, manifestada naquela cômica apresentação pública em cadeia de televisão, resumida na proposição: não temos prova, mas temos convicção. Esse é o perfil da mais célebre decisão da história da jurisprudência brasileira: um ato judicial ilegal, em contraste com a postura democrático-legalista da justiça criminal brasileira. Os componentes de tipo de injusto e de culpabilidade do fato punível podem ser apresentados em linguagem acessível ao público, mas a crítica da sentença do Juiz Moro se limita ao exame sumário da imputação de corrupção passiva, e apenas do ponto de vista do tipo de injusto, por força do limite de 10 mil caracteres (ou 5 páginas) deste artigo. A dimensão objetiva do fato punível é examinada do ponto de vista da relação de causalidade entre ação e resultado (com exclusão da imputação do resultado) e a dimensão subjetiva do fato punível é examinada do ponto de vista do dolo (com exclusão da intenção especial de enriquecimento com a vantagem indevida obtida em razão do cargo). Essas questões – e outros aspectos da sentença do Juiz Moro – serão objeto de artigo maior, a ser publicado em breve.
Advertisement
* Advogado.
1. A dimensão objetiva do crime de corrupção passiva
1.1. A denúncia do MPF imputou ao ex-Presidente LULA as ações alternativas de solicitar, ou de aceitar promessa, ou de receber vantagem indevida, para si ou para outrem, em razão do cargo (art. 317, Código Penal), mas não descreveu as ações imputadas com todas as suas circunstâncias, limitando-se a reproduzir as palavras da lei, com infração do art. 41, do Código de Processo Penal). A sentença do Juiz Moro, que deveria indicar os motivos de fato e de direito da decisão (art. 381, III, do Código de Processo Penal), consegue ser pior do que a denúncia: não demonstra as circunstâncias concretas de meios ou de modos de realização do fato imputado (como?), de lugar de realização do fato imputado (onde?), ou de tempo de realização do fato imputado (quando?) em relação às ações típicas de solicitar, ou de aceitar promessa, ou de receber (para si ou para outrem) vantagem indevida, em razão do cargo – em violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5o, LV, CF). Na verdade, a leitura da sentença não permite nem mesmo saber se o crime de corrupção passiva teria sido realizado pela ação de solicitar, ou pela ação de aceitar promessa, ou pela ação de receber vantagem indevida em razão do cargo – as únicas ações pelas quais o crime de corrupção passiva pode ser realizado. 1.2. Assim, em relação aos modos ou meios de realizar as ações incriminadas, a sentença do Juiz Moro tem as seguintes falhas: a) não indica se a ação de solicitar vantagem indevida teria ocorrido pelo modo sonoro da palavra falada em situação presencial, por meio telefônico ou por mensagem eletrônica, ou pela forma gráfica de documento físico, de documento eletrônico transmitido por WhatsApp ou por outra forma de comunicação a distância em rede social; b) não indica se a ação de aceitar promessa de vantagem indevida teria ocorrido pelas formas verbais, escritas ou eletrônicas acima referidas, ou por sinais, gestos ou outros procedimentos mímicos de comunicação social; c) enfim, não indica como teria ocorrido a ação de receber a vantagem indevida definida pelo bizarro conceito de propriedade de fato do imóvel identificado pelo Ap. 164-A, do Edifício Solaris, porque a sentença exclui a forma civil de aquisição da propriedade pela transcrição no registro imobiliário, ou porque os dados fáticos excluem a posse do imóvel por LULA ou familiares. 1.3. Como se sabe, as ações humanas existem em determinados momentos históricos e acontecem em determinados lugares do mundo real. Mas as ações imputadas ao exPresidente LULA não parecem existir desse modo: a ação de solicitar vantagem indevida, ou de aceitar promessa de vantagem indevida, ou de receber vantagem indevida pela aberrante propriedade fática do Ap. 164-A do Edifício Solaris, teriam sido realizadas em lugar indeterminado do espaço físico da vida social, bem como teriam ocorrido em tempo indeterminado de um calendário compreendido entre 11/10/2006 a 23/01/2012, ou seja, dentro do período de 5 anos, 3 meses e 12 dias, ou em um dia qualquer do lapso temporal de 1.927 dias. Assim, as ações imputadas não têm momento histórico determinado de existência temporal, nem lugar físico determinado de existência espacial como fato criminoso. 1.4. A consequência processual da indeterminação temporal ou espacial do fato imputado é a atribuição de uma prova impossível ao acusado: a prova negativa de que não solicitou vantagem indevida, ou não aceitou promessa de vantagem indevida, ou não recebeu vantagem indevida em nenhum daqueles 1.927 dias e em nenhum lugar do Brasil ou do Mundo. Ao contrário, a determinação do tempo, do lugar, dos meios ou
do modo de realização do fato imputado – como exige a lei processual –, teria permitido uma prova positiva de que o fato imputado não poderia ter ocorrido do modo ou pelo meio indicados, ou no tempo, ou no lugar determinados, possível em condenações criminais conforme os critérios legais, rompidos pela sentença. 1.5. A indeterminação das ações incriminadas significa que a dimensão objetiva do tipo de injusto de corrupção passiva não se caracteriza – portanto, a denúncia deveria ser julgada improcedente, com absolvição do ex-Presidente LULA por ausência de tipicidade das ações imputadas. Afinal, se não estão demonstradas as ações imputadas ao exPresidente LULA, então não existe o polo causal da relação de causalidade entre ação e resultado: as ações típicas, que deveriam ser as causas do resultado de vantagem indevida, não estão demonstradas e, assim, nenhum resultado típico pode ser imputado ao ex-Presidente LULA, nos termos do art. 13, do Código Penal. Como se sabe, em processos judiciais funciona a lógica formal do silogismo jurídico: se a premissa maior (norma penal) se realiza na premissa menor (ação humana), então segue a conclusão de aplicação da pena criminal – mas, inversamente, se a premissa maior da norma não se realiza na premissa menor da ação humana, então a conclusão inevitável é a absolvição do acusado. Como se vê, em relação ao elemento objetivo do fato imputado, a sentença do Juiz Moro é omissa. 1.6. Além disso, a sentença do Juiz Moro ignora solenemente a tese de defesa do exPresidente LULA, definida pela negativa de autoria das ações imputadas. A sentença preferiu refutar pretensos álibis de LULA, atribuídos como simples artifícios retóricos ou hipóteses argumentativas, na linha das razões do lobo da fábula: a) a propriedade do imóvel não seria do titular do registro formal, utilizado apenas para ocultar a propriedade de fato do imóvel; b) a hipoteca do imóvel em favor de Planer Trustee não implicaria propriedade da OAS, mas operação neutra de financiamento com garantia imobiliária; c) os custos de reforma do imóvel seriam em benefício de LULA, porque as notas fiscais teriam sido abatidas de uma conta geral de propinas – uma hipótese psíquica indemonstrada, mas útil para o discurso punitivo; d) as auditorias externas e internas da Petrobras não teriam revelado os ilícitos por causa de seus poderes limitados, incapazes de investigar crimes secretos com propinas pagas no exterior; e) a aquisição de direitos contratuais por Marisa Letícia comunicaria a propriedade pelo regime de comunhão de bens, cujos dispêndios foram declarados por LULA no Imposto de Renda; f) além disso, LULA visitou o imóvel, o projeto de reforma teria sido submetido a LULA, a diferença de preços e os custos da reforma teriam sido abatidos da conta corrente de propinas etc. Eis como a hipótese abstrata de uma imaginária conta corrente de propinas, sempre falada mas nunca provada, é usada e abusada como arma para todos os fins na ilegal sentença do Juiz Moro. Nunca um processo criminal foi construído com tamanha ferocidade para demonstrar uma hipótese judicial preconcebida.
2. A dimensão subjetiva do crime de corrupção passiva
2.1. As ações alternativas de solicitar, ou de aceitar promessa, ou de receber vantagem indevida, para si ou para outrem, em razão do cargo, devem ser produzidas por dolo, como vontade consciente de realizar um tipo de crime. Mas a imputação de fato, do ponto de vista da formação psíquico-emocional do crime – o chamado tipo subjetivo –revela problemas igualmente graves: a singela descrição da atitude pessoal atribuída ao ex-Presidente LULA, no suposto papel de autor das ações incriminadas, definidas como realizadas “de modo consciente e voluntário” na denúncia, constitui simples rótulo
burocrático, destituído do conteúdo intelectual e emocional do conceito de dolo e, assim, é inútil para demonstrar a existência do elemento subjetivo do dolo, necessário para configurar o tipo de crime imputado. 2.2. Ou, de forma didática: em lugar de etiquetas formais destituídas de significado real, a sentença deveria demonstrar (a) a forma pela qual o acusado LULA teria tido conhecimento dos componentes objetivos do crime imputado, que configura o elemento intelectual do dolo, e (b) de que modo esses elementos objetivos do crime teriam sido abrangidos pela vontade do autor, que configura o elemento emocional da estrutura psíquico-afetiva do dolo. Assim, também em relação à dimensão subjetiva do crime, a sentença do Juiz Moro é omissa.
3. Conclusão: uma condenação sem crime
As falhas substanciais da sentença judicial permitem concluir que LULA foi condenado por fato atípico – ou seja, LULA foi condenado sem cometer crime. 3.1. A maior aproximação da sentença quanto à tipicidade do crime imputado é a tese de que LULA seria responsável pela nomeação e manutenção dos diretores de Serviços e de Abastecimento da PETROBRAS, condenados por corrupção pelo próprio Juiz Moro. Mas essa tese desconsidera a natureza pessoal da responsabilidade penal por ações típicas, além de introduzir a ideia troglodita da responsabilidade penal objetiva. Nenhuma nação civilizada admite a responsabilidade penal de Presidentes da República pela conduta pessoal, sexual ou patrimonial de funcionários públicos nomeados e mantidos no cargo, como Ministros, Diretores de empresas públicas ou funcionários púbicos inferiores – assim como ninguém pensaria em condenar o Papa pela conduta pessoal, sexual ou patrimonial de cardeais, bispos ou padres. 3.2. Enfim, a convicção judicial parece confinada à hipótese de que seria desnecessário saber se LULA é o maior responsável pelo esquema criminoso, porque bastaria a prova de sua participação na corrupção (e na lavagem), diz a sentença – precisamente a prova que a decisão judicial não faz. Em definitivo, a sentença do Juiz Moro não dignifica a Justiça criminal brasileira.