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ATIVISMO JUDICIAL NA SENTENÇA DE LULA
ATIVISMO JUDICIAL NA SENTENÇA DE LULA
Paulo Petri * Fabiano Machado da Rosa **
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No ano de 2015 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em artigo publicado no jornal espanhol El País denominado “Chegou a hora” (01 de fevereiro de 2015 disponível em <http: //brasil.elpais.com/brasil/2015/02/01/opinion/1422793512_769635.html> Acesso em: 02 de fev. 2015), analisa o quadro político brasileiro, sustenta que na atual quadra da nossa história não há espaço para que os militares sejam os grandes agentes das mudanças necessárias ao país, assim transfere sua responsabilidade ao sistema da justiça ou, nas suas palavras “que não se ponham obstáculos insuperáveis ao juiz, procuradores, delegados e à mídia”. Em que pese tenha se passado mais de dois anos da entrevista dada por FHC ela mantém a atualidade e há de se perguntar se a assertiva do ex-presidente foi exposta de forma aleatória ou se faz parte de uma orientação programática presente na atual cena político-jurídica brasileira. Certamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não se referia ao fenômeno da judicialização da política onde os agentes políticos, notadamente o executivo e o legislativo, transferem o seu centro de decisão para o Poder Judiciário, dando a ele um protagonismo que não é (ou não deveria ser) seu. A aparente rendição de Fernando Henrique não apresenta reconhecimento a um protagonismo do judiciário na atual conjuntura, visto que ignora justamente a tensão social existente nesse movimento. Na realidade ainda verificamos a demanda popular pelo aprofundamento das instituições democráticas e dos direitos sociais, porém temos na contramarcha a crise destas instituições com a implementação de legislações supressoras de direitos, alijadas dos interesses populares, que tão somente teimam em conservar o poder político e econômico vigente, fato este que verificável com intensidade a partir das reformas aprovadas e que tramitam no Congresso Nacional. Tais instituições esvaziadas de sentido político e social, bem como o enfraquecimento da legitimidade dos espaços representativos, como conquistas da cidadania, têm aumentado exponencialmente em paralelo com o reforço do papel do judiciário na sociedade. Essa crise de representatividade é abordada detalhadamente pelo ex-ministro Tarso Genro em seu ensaio Fundamentos do Estado de Direito e a Crise da Representação publicado no Caderno nº. 1 do Instituto Novos Paradigmas – INP. Assim que a judicialização dos direitos, da política e dos processos sociais entra em pauta. Não ignoramos este fenômeno, muito ao contrário, ele ocorre e cada dia com mais força. No entanto, o que FHC preconiza, defende que ocorra e estamos assistindo é a outro elemento deste fenômeno, qual seja, o ativismo judicial. Nesta modalidade, oportuno usar as palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF Luís Roberto Barroso em seu artigo Judicialização, Ativismo Judicial e Legalidade Democrática (http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf
* Advogado, mestre em ciência política pelo IUPERJ. ** Advogado.
Acesso em 18 de jul. 2016) “o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”. Precisamente neste vácuo que agem um conjunto de atores do aparato judicial do Estado. Em nome de um pretenso combate à corrupção, direitos são subvertidos, princípios basilares do direito como a presunção da inocência, a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal são alçados a categoria de coadjuvantes e são convenientemente flexibilizados para afã inquisitório ou ao sabor das vozes daqueles com predileção de vestir verde-amarelo ou de movimentos financiados por grandes entidades empresariais. No entanto, os arautos da moralidade vindos de Curitiba deram nova roupagem ao mundialmente estudado fenômeno do ativismo judicial, visto que essa burocracia judicial quer mais e, para tanto, os holofotes fazem parte do seu arsenal estratégico. Desde o início ações policiais foram combinadas previamente com a grande imprensa amiga, pois que graça teria não expor o acusado à execração pública? Todas as fases das operações montadas são seguidas de extensas e detalhadas entrevistas coletivas, onde não é incomum os procuradores e delegados responsáveis pelos casos discorrerem sobre “os crimes praticados”, ignorando solenemente os princípios norteadores do direito acima descritos e se comportando como verdadeiros inquisidores, olvidando-se que também compete ao Ministério Público a função de custus legis. Não é incomum identificar o regozijo de alguns destes agentes públicos diante das manifestações de rua em um passado próximo passado intensos e agora constrangidamente desaparecidos, ultrapassando o tênue limite entre o direito e a política, houve inclusive o caso de um magistrado que após uma manifestação pública emitiu nota onde se dizia “tocado pelo apoio”, sempre que é instado a falar (com especial predileção por exposições internacionais) tece uma série de considerações eminentemente de caráter político sabendo que (ou deveria saber) o magistrado nem sempre está à serviço da maioria ou deve basear seus votos e posicionamentos a partir da vontade desta, tendo inclusive que julgar de forma contramajoritária sempre que necessário. Definitivamente foi-se o tempo em que “o juiz só fala nos autos”. Portanto, se o ativismo judicial deriva de uma postura proativa do magistrado em interpretar a Constituição, ao analisarmos a forma como são suprimidos os direitos insculpidos na nossa Carta de 1988, os elementos postos a reflexão nos levam a crer que hoje no Brasil estão a aplicar os dispositivos de outra Constituição que não a nossa. A ação penal conduzida pelo juiz da 13a. Vara de Curitiba que resultou na condenação do ex-presidente Lula é um exemplar bem acabado e explica didaticamente como aplicar o ativismo judicial. É espantoso que um processo penal seja instaurado tão somente para justificar a vontade preliminar do acusador e o magistrado deliberadamente se some a este objetivo. O processo inicia com o final já sabido e assim se vai a presunção de inocência. O interrogatório é retratado pela imprensa como enfrentamento entre o réu e o juiz. Ora, não seria essa a fase da instrução? Invertendo a lógica processual a defesa técnica se vê obrigada a produzir a prova da inocência do acusado, no entanto o magistrado a quem compete presidir o processo vê a defesa como entrave para a chegada ao objetivo já fixado e assustadoramente deixa isso claro na sentença. Tentativas permanentes de cercear o exercício profissional
durante as audiências, indeferimento constante para pedidos de produção de provas, atribuição de pesos distintos na análise da prova testemunhal, relativizar a prova documental, dentre outras medidas substituem a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal pela aplicação de um processo penal de exceção. Com a sentença a única surpresa é a tranquilidade com que o juiz vai ignorando a prova produzida no processo, elenca subjetivações como método de análise e adota uma constrangedora postura de justificativas de ordem pessoal para aplicar a decisão. O expresidente Lula se encontrará novamente com este magistrado e, infelizmente, a mesma receita será usada. Não há de se esperar resultado distinto por mais estarrecedor que isso pareça (e é) para os operadores do direito e para uma sociedade democrática. Caberá às instâncias superiores restabelecer o direito e a elas devemos estar atentos.