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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SENTENÇA DE CONDENAÇÃO DO LULA
I - Introdução
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Este artigo se propõe a fazer algumas breves considerações de natureza constitucional e ética por ocasião da fase de investigação e da sentença condenatória do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 9 anos e 6 meio de cadeia e perda dos direitos para exercício de cargo público pelo prazo de 19 anos. Sob o ponto de vista da atuação dos Poderes da República, verifica-se que existe um entrosamento bastante efetivo entre os Procuradores da República que compõem a força tarefa da Operação Lava Jato e o Magistrado que proferiu a sentença, o que cria uma situação atípica de desigualdade de tratamento a favor da acusação desde o início da Operação. A justificativa do combate à corrupção não pode suprimir direitos e garantias fundamentais elementares como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a produção de provas e a fundamentação dos elementos de convicção para a prolação da sentença. Aliás, a luta contra a corrupção é obrigação do cidadão e da sociedade e não prerrogativa de Justiceiros ou enviados do Divino. Em cerca de sessenta páginas da sentença, o Magistrado tenta se justificar que não estava perseguindo ninguém o que já deixa claro que esta sentença parece ter sido elaborada, não após a fase de instrução mas ao longo do processo, tendo, em consequência, a preocupação de demonstrar que não existiu perseguição e que o Magistrado teria agido dentro dos limites da lei. Realmente, ninguém deveria estar acima da lei como bem demonstrado na sentença e falado em entrevistas junto aos meios de comunicação. Essa regra, contudo, deveria valer, neste caso, para os Membros da Procuradoria da República que se arvoraram em show pirotécnico com Power point para, mediante ampla exposição midiática, tentar “ganhar” a opinião pública e, principalmente, para o representante da Magistratura que se considerou numa cruzada cívica contra a corrupção, o que justificou a supressão de direitos, a arbitrariedade e o tratamento desigual em relação a outros nomes que foram ventilados nos depoimentos.
II - Desequilíbrio na fase de instrução
O combate à corrupção não deve ser nenhuma missão divina praticada por determinados escolhidos com sanha justiceira. Desde os primórdios se pratica corrupção neste país e no mundo e o desafio das instituições no Estado Democrático de Direito é o aperfeiçoamento sistemático dos seus instrumentos de controle, de
* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense; Procurador Federal; Professor da Universidade Cândido Mendes; Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e Conselheiro da Seccional da OAB - Rio de Janeiro.
promoção da justiça social e busca de uma sociedade mais justa e igualitária, cujos valores repudiem este tipo de conduta. No caso específico da Lava-Jato, a regra básica ne apuração dos delitos a serem investigados foi a de desconsiderar a presunção de inocência, se basear na condução coercitiva de empresários, políticos e agentes envolvidos, por parte da Polícia Federal, e submeter os investigados em prisão continuada para os fins de obter uma delação premiada. Todo este processo foi seletivo porque direcionou para agentes de alguns Partidos Políticos em detrimento de outros, cujas provas eram tão ou mais robustas de delitos praticados, tendo sido, inclusive, citados em alguns depoimentos. O instituto da Colaboração premiada foi utilizado como contrapartida para que fossem delatados fatos gravíssimos que precisariam ser apurados pelos órgãos acusadores, já que não bastariam de forma peremptória para subsidiar uma sentença condenatória. Além disto, a fase de instrução foi permeada de Operações realizadas com pirotecnia e ampla repercussão junto à mídia, parecendo querer influenciar a opinião pública a favor de sua atuação, omitindo, desta forma, a presunção constitucional da inocência. Ao longo das fases investigatórias, fato mais grave que estas operações acompanhadas com intensidade pela mídia, que o show do Power Point dos Procuradores da República, que a prática sistemática das conduções coercitivas dos acusados e o desrespeito aos direitos constitucionais do acusado, sem dúvida alguma foi o vazamento deliberado e selecionado de informações para a mídia, sendo que o ápice foi o áudio envolvendo um diálogo do Ex-Presidente Lula da Silva com a então Presidente Dilma Rousseff, o que configurou a total falta de limites deste grupo para atingir os seus objetivos direcionados, desrespeitando a Constituição Federal e legislações infraconstitucionais. O próprio interrogatório do Ex-Presidente Lula foi precedido de várias charges nos meios de comunicação para induzir os leitores a tomar partido, colocando em pólos opostos Lula x Moro, o que seria impensável numa democracia liberal se levarmos em consideração o que deveria ser o papel de um Magistrado na condução de um processo. A imagem de um Poder Judiciário eqüidistante, equilibrado, imparcial e justo é condição inequívoca para o funcionamento do Estado Democrático de Direito e seus representantes devem agir com esta premissa, sob pena da desmoralização completa da democracia e da teoria da tripartição dos Poderes do Estado. A construção da imagem do Magistrado prolator da sentença condenatória foi insuflada, inclusive com Prêmios de Personalidade do Ano, concedido por instituições da mídia que deveriam estar apresentando os fatos para os leitores e não induzindo os leitores a elaborarem o seu juízo de valor, a partir das conveniências desta própria mídia.
III - Desequilíbrio na sentença
O desequilíbrio ocorrido nas fases de instrução, acabaram não sendo diferentes na sentença que buscou enfatizar a delação, não provada documentalmente em momento algum, do Empresário Leo Pinheiro da Construtora OAS. Infelizmente, esta sentença já estava clara desde o início porque a convicção do Magistrado independia de fase instrutória processual, eis que sempre atuou com convicção atípica para o papel que um Magistrado deve ter.
A sentença está repleta de contradições bastando citar o enorme peso dado à delação do Empresário acusador em detrimento das inúmeras testemunhas de defesa que sustentaram o contrário. Se o depoimento do ex-Presidente praticamente não foi levado em consideração, merece desagravo o trabalho sistemático da defesa que, todo o tempo, contou com a pouca disposição do Magistrado em acolher seus fundamentos, seus pedidos e sua linha de atuação. O prazo de reclusão e de suspensão do exercício do cargo público é draconiana e, acima de tudo, demonstra o viés político, inclusive porque o Magistrado foi parte integrante de um sistemático e permanente apoio vindo da mídia com interesses claramente direcionados. Não pode ser por acaso que uma sentença com tantas páginas foi divulgada com tempo exíguo e, ao mesmo tempo, um dia após a aprovação da chamada Reforma Trabalhista, o que possibilitou o claro desvio de foco da mídia. É de se lamentar este tipo de postura e de posição clara em defesa de determinados grupos políticos e agremiações partidárias sendo oriunda de um membro da Magistratura, que deveria legitimamente assumir uma postura partidária e defender teses que acredita.
IV - Conclusão
Já existe uma pressão enorme sendo exercida pela mídia junto aos Desembargadores da 4ª Região para julgarem e condenarem Luiz Inácio Lula da Silva, para que ele não possa participar da eleição presidencial de 2018. Se é de se lamentar o desvirtuamento total do importante papel que a opinião pública e a mídia devem ter no Estado Democrático de Direito, o que não considerar o papel partidário, político e desigual de um representante do Poder Judiciário Federal do Brasil. A jovem democracia brasileira de 2016, data do golpe, até os dias atuais retrocedeu décadas em virtude do que aconteceu no plano político, em particular, um Partido derrotado quatro vezes mas inconformado com o resultado das urnas, uma mobilização golpista fora e dentro do governo e o envolvimento de setores da sociedade civil preocupados com a desestabilização da então Presidente Dilma Rousseff. Finalmente, espera-se que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, eventualmente, os Tribunais Superiores façam análise técnica e totalmente vinculada aos fundamentos da acusação e da defesa, suprimindo o viés político e partidário que parece ter embasado a sentença de condenação do ex-Presidente Lula, respeitando os Princípios Constitucionais e os valores éticos e principiológicos do Estado Democrático de Direito.469
469 Referências bibliográficas BONAVIDES, Paulo - Curso de Direito Constitucional, Editora Malheiros, 6ª Edição. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: promulgada em 05 de outubro de 1988 / Coleção Saraiva de Legislação - 49ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2014. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo - “Direito da Participação Política: legislativa, administrativa, judicial: (fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade)“– Rio de Janeiro, Editora Renovar.