Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH
Ano 37 | Nº 213 Belo Horizonte | MG
Novembro | 2019
FOTO: ANNA LUIZA, JORGE PEREIRA E VINICÍUS DANIEL
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Dossiê: por que a saúde mental precisa de mais atenção páginas 4 a 15
Padrões estéticos: muito antes das redes sociais online Caderno DO!S
“TENTE SE POR NO MEU LUGAR” TRECHO DA MÚSICA 188 - RAPPER DAS QUEBRADAS
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PRIMEIRAS PALAVRAS
Novembro de 2019 Jornal Impressão
EDITORIAL
EXPEDIENTE
REITOR
Luciano Neto Você sabe o que é saúde mental? Antigamente, conversar sobre esse assunto não era prioridade. As pressões de “resolver a vida” eram levadas romanticamente, com a argumentação de que “tem que ser independente”. Porém, cada vez mais, padrões sociais e construídos ao longo do tempo atrapalham o desenvolvimento individual daqueles que não conseguem ter o mesmo rendimento. A saúde mental de uma pessoa está relacionada à forma como ela reage às exigências da vida e ao modo como harmoniza seus desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções. O Jornal IMPRESSÃO convida você para analisarmos as diversas abordagens sobre a saúde mental. O Brasil apresenta os maiores índices de
ARTE: ANDRÉ DE PAULA
HUMOR
incapacidade causada por depressão (9,3% da população) e ansiedade (7,5% da população) do continente americano, segundo dados da OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde. O Ministério da Saúde está em alerta e reconhece um investimento baixo na área de saúde mental. Nesta edição, buscamos estimular uma conversa sobre o tema. O dossiê “Saúde Mental” reúne matérias e artigos que propõem reflexão e debate sobre os principais fatores responsáveis pelas taxas de suicídio, depressão, ansiedade e estresse que, infelizmente, estão em níveis alarmantes. Mas, afinal, o que é saúde mental? A maior parte das pessoas, quando ouvem falar em “saúde mental”, pensam em “doença mental”. Mas, a saúde mental implica muito mais que a ausência
de doenças mentais. Pessoas mentalmente saudáveis compreendem que ninguém é perfeito, que todos possuem limites e que não se pode ser tudo para todos. Elas vivenciam diariamente uma série de emoções como alegria, amor, satisfação, tristeza, raiva e frustração. São capazes de enfrentar os desafios e as mudanças da vida cotidiana com equilíbrio e sabem procurar ajuda quando têm dificuldade para lidar com conflitos, perturbações, traumas ou transições importantes nos diferentes ciclos da vida. As repórteres Laura Mourão, Isabela Santana e Letícia Sudan elaboraram uma matéria sobre relacionamentos abusivos em alguns vínculos (familiar, amigável, amoroso e do trabalho), mostrando até onde os relacionamentos podem ser saudáveis ou se tornar pre-
judiciais à saúde metal. Além disso, o dossiê também aborda os problemas sociais que mais afetam o equilíbrio psicológico, como a situação do nosso país nos âmbitos econômico e político. Outros pontos destacados são a ansiedade e a síndrome de Burnout, e como as empresas podem auxiliar na prevenção. Já a repórter Laura Mourão, elaborou uma matéria sobre os benefícios da prática do Yoga na saúde mental e corporal. O trabalho dos profissionais da psicologia e da psiquiatria também ganha espaço, por meio das repórteres Beatriz Fernandes e Mariana Costa, na matéria “Cuidando de quem cuida”. Nela, Gilmar Fidélis, psicólogo e tutor de uma universidade, enfatiza que os professores e tutores dos cursos de psicologia devem se preocupar em mostrar para os alunos a impor-
tância de também terem acompanhamento, já que não há, no código de ética da profissão, a obrigatoriedade. Mais adiante, a abordagem traz os serviços psicológicos que o UniBH oferece para os alunos e, principalmente, para a comunidade. Sem mais delongas, não darei spoilers! A edição 213 do IMPRESSÃO está recheada de assuntos interessantes e convida você para descobrir por que devemos parar de negligenciar e ridicularizar pessoas em situação de sofrimento mental, e cuidar mais uns dos outros e da nossa saúde.
Prof. Rafael Ciccarini
DIRETORA DO CAMPUS BURITIS Profa. Cinthia Tamara V. Rocha
COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Prof. Pedro Naves
LABORATÓRIO DE JORNALISMO EDITORA Dandara Andrade
DIAGRAMAÇÃO Thayane Domingos
PROJETO GRÁFICO Comunidade de Aprendizagem em Comunicação e Audiovisual (CACAU UniBH) - Design
ILUSTRAÇÃO Comunidade de Aprendizagem em Comunicação e Audiovisual (CACAU UniBH)
PARCERIAS Curso de Fotografia - UniBH Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA)
IMPRESSÃO/TIRAGEM Sempre Editora 3.000 exemplares
Eleito o melhor Jornal-laboratório do país na Expocom 2009 e o 2º melhor na Expocom 2003 O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pela CACAU - Comunidade de Aprendizagem em Comunicação e Audiovisual do UNIBH. Mesmo como um projeto vinculado ao curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do JORNAL IMPRESSÃO e faça contato com nossa equipe: Av. Mário Werneck, 1685 BH/MG CEP: 31110-320 Tel.: (31) 3207-2811 jornal.impressao@unibh.br
VISÃO CRÍTICA
Novembro de 2019 Jornal Impressão
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NÁUFRAGOS SOLITÁRIOS Os efeitos de navegar na internet O uso da internet nunca esteve tão presente quanto agora. Estamos incessantemente navegando na internet, aprofundando em mares de redes inacabáveis e em águas que se renovam constantemente. Isso tem causado a sensação de que estamos sempre descobrindo terras novas e explorando lugares desconhecidos. Mas, você já se perguntou para qual rumo essa navegação tem levado você? Será que você realmente está tomando as rédeas de seu barco? Com o surgimento da internet, a forma de se relacionar mudou, modificando a lógica de comunicação, que passa a ser co-participativa. Isso se tornou uma prática muito natural para os chamados nativos digitais, uma geração imersa na cultura das novas mídias
e que as consideram uma parte essencial de seu cotidiano. Os nativos digitais utilizam a internet de maneira diferente das antigas gerações, se adaptando às novas tecnologias e seus múltiplos recursos, assimilando rapidamente essas diferentes dimensões de interação. Será que essa interação também ocorre fora das redes? Paradoxalmente, ela tem ocorrido de forma solitária, materializando-se, em sua maioria, no ambiente virtual. Nessa perspectiva, as relações presenciais se ressentem, seja no ambiente profissional ou familiar, no processo de individualização no uso da tenologia. Pesquisas indicam que 76,5% dos adolescentes usam a internet sozinhos, ocorrendo o mesmo para crianças, totalizando 58,6%. A internet vem trazendo um novo padrão
de sociabilidade, baseado no individualismo, em que o usuário tem a percepção de estar conectado com o mundo sem perceber a desconexão com o outro, em um processo gradativo de isolamento. Além disso, em razão da própria natureza da rede instantânea, fugaz e personalizada, a informação acelerada se impõe sobre a prática reflexiva, trazendo uma imensidão de conteúdos que são consumidos de forma superficial, de maneira que não há espaço para a construção do senso crítico, do repertório, das referências e das projeções. Tal fato gera o que pode ser denominado de “bolha de filtros”, termo proposto por Eli Pariser, um ativista online, que faz menção aos algoritmos utilizados na web para personalizar o conteúdo a partir da atividade online do usuário, o que nos per-
mite concluir que a internet vem se tornando um eco de nossas próprias vozes, um reflexo de nós mesmos, o que acentua a solidão. Para fora dos domínios da rede, as mudanças sociais do mundo contemporâneo acrescentam ainda mais desafios. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman dedicou parte de sua vida a estudar as transformações do mundo moderno, usando o termo “modernidade líquida” para se referir à sociedade pós-moderna. Bauman afirma que o “líquido” é uma metáfora para se referir a essas mudanças constantes no mundo atual, em que tudo é facilmente moldado e adaptado. Por esse motivo, a atualidade é marcada pela condição de incerteza e instabilidade, potencializadas pela rede, que reproduz, de forma instantânea, tais condições, comportamentos e mun-
dos internos. Os estudos de Bauman dizem muito a respeito de como lidamos com essas mudanças e como isso afeta diretamente as relações sociais e principalmente a saúde psíquica, mostrando que a sociedade está passando pelo estado de liquefação das formas sociais, em que a família, o trabalho, a amizade e até a própria identidade são afetadas. Essas transformações têm causado angústia, ansiedade e
um constante medo, devido às incertezas perante ao futuro. Por isso, é necessário refletir sobre o uso da tecnologia, para que, ao invés de naufragar em comportamentos e práticas liquefeitas, superficiais e fugazes, possa-se emergir para relacionamentos mais plenos, significativos e saudáveis. Então se pergunte: se a internet fosse um grande mar, você estaria sabendo navegar ou estaria afundando? ARTE: LUISA DE FARIA E ROBERTA TAVEIRA
Luisa de Faria
RODAPÉ MAIS AZUL QUE O CÉU NOTURNO AU-TO-SU-FI-CI-EN-TE Victoria Farias A veia em seu pescoço pulsava enquanto, calmante, ela seguia com o olhar o pirulito que apontava para cima. Estava parada exatamente no ponto em que passava todo os dias, mas era a primeira vez que seus pés tocavam o cimento duro e não plano que foi pensado apenas para as rodas rígidas dos automóveis. A medida que seus olhos iam chegando a ponta da seta, sem pressa nem desespero, o cinza da estrutura ia se misturando ao preto do céu sem estrelas. As únicas luzes visíveis
eram as dos postes, que insistiam em desnudar e desmascarar os amantes que buscam refúgio no breu. O frio passava por sua orelha e deixava marcas como um gato que arranha sua pele. O barulho era intenso e os cheiros confundíveis. As conversas se espalhavam em risadas e tentativas frustradas e desonrosas de se descrever o que estava acontecendo. Seus dedos estavam rígidos dentro dos bolsos, e o casaco lhe pesavam os ombros, mas isso não a impediu de seguir com os olhos e a respiração frágil até o fim do marco do coração de Belo
Horizonte. E lá estava ele, imponente, absorto a todos os pensamentos que tentavam cruzar-lo. Sem se importar com os dedos firmes e pés nervosos que o tentavam escalar. Olhando aquela estrutura de perto, teve certeza: os vultos que via do lugar quando passava por lá de ônibus não podiam fazer jus a história, intocável, mas presente, silenciosa, mas persistente, cinza, mas viva. E, sem final, não conseguindo distinguir onde começava o belo e terminava o horizonte, seguiu para desvendar os mistérios da noite que até a lua se expor à admirar.
Fernanda Freitas Que se basta a si próprio ≠ hipossuficiente. Autossuficiente é ser independente? O que é independência? Quando pensamos em autoestima, por vezes, achamos que é achar seu corpo bacana, gostar de si, principalmente, fisicamente. Mas é aí que nos levamos pelo erro, autoestima tem muito mais a ver com se sentir suficiente, autossuficiente. Porque quando a se gente olha no espelho, vê muito mais que um rostinho bonito. Ou não. Enxergamos tudo aquilo que nos faz sen-
tirmos capazes, o que nos motiva, nos dá ânimo, força e segurança. Como conseguir gostar de si quando o medo e o anseio nos consomem? Quando a culpa de deixar para depois, empurrando com a barriga, nos paralisa? E a procrastinação parece insuperável, inevitável? Vivemos sempre tão conectados com os outros e pouco conectados com nós mesmos... Não que eu ache que isso começou com nossa geração (pronto, lá vem mais texto sobre modernidade líquida, Bauman corre aqui), bem provavelmente
desde sempre muita gente se sente assim. Então, vamos fazer terapia porque nossos pais ou avós não fizeram, né? Enfim, este é só mais um daqueles textos, reflexões, que a gente escreve de madrugada, às vezes até posta no Twitter, quando nos pegamos tentando entender a incógnita humana. Não que ele seja esclarecedor - não é nem um pouco -, ou traga uma receita para alcançar o amor próprio, porque não há. É mais uma análise de algo que queria ser, autossuficiente.
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DOSSIÊ SAÚDE MENTAL
Novembro de 2019 Jornal Impressão
SAÚDE MENTAL BRASILEIRA Lucas Wilker Paulo Henrinque Santos Tasso Gomes Alves Equilíbrio, prioridade, estabilidade, felicidade, integralidade, inteligência emocional. Utopia, plenitude, serenidade, bem-estar. Entre aspectos limitadores e abrangentes, essas são algumas palavras comumente utilizadas para definir “saúde mental”. Muito do que se propõe a ser discutido sobre a temática, no entanto, envolve as complexidades que perpassam as construções coletivas do seu significado. Dentre as possibilidades que o termo angaria em torno de sua pluralidade, está a própria acepção da Organização Mundial da Saúde (OMS), que o coloca enquanto estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. Seja qual for o significado escolhido para conceituar a saúde mental, a verdade é que é possível convocar diversas frentes para pensar a multiplicidade de fatores que a envolvem, principalmente quando ela é colocada em um contexto político, econômico e social de um país. Segundo a OMS, em 10 anos, de 2005 a 2015, 5,8% da população brasileira sofria com depressão, um total de 11,5 milhões de pessoas. Isso também faz do Brasil o país com o maior número de casos da doença na América Latina. No que tange a prevalência de transtornos de ansiedade, a pesquisa revela que 9,3% dos brasileiros sofrem com o problema, o que, ao todo, são 18,6
milhões de pessoas. Mas, quais são os fatores que contribuem para esse aumento tão grande de doenças psicológicas no Brasil? A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a taxa de desemprego no Brasil recuou 0,7 pontos percentuais (de 12,5% para 11,8%) no trimestre encerrado em julho de 2019. Apesar da queda, o número de trabalhadores que seguem em busca de um trabalho ainda soma 12,6 milhões de pessoas. Dados também inquietantes, quando se fala em economia, são os da Oxfam Brasil, que trabalha a partir da Pnad para divulgar os números relativos à desigualdade de renda no país. De acordo com pesquisas da instituição, o número de pobres na nação aumentou pela terceira vez consecutiva. Com crescimento de 11% em 2017, a desigualdade atinge 7,2% da população brasileira, o equivalente a 15 milhões de pessoas. Tal grupo sobrevive com uma renda média de R$ 7,30 diários. Três em cada dez brasileiros viviam com renda mensal menor do que um salário mínimo em 2017 que, à época, era de R$ 937. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/ IBRE) confirmam a problemática de desigualdade social brasileira, haja vista que, no primeiro trimestre de 2019, atingiu o maior patamar já registrado. Segundo a pesquisa, o índice que mede a desigualdade vem subindo desde 2015 e, em mar-
ço deste ano, ultrapassou o começo da série histórica, de 2012. O indicador estudado pela pesquisa é o índice de Gini, que monitora a desigualdade de renda em uma escala de 0 a 1 – sendo que, quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade. Em março, o Brasil ficou em 0,6257. Psiquiatra e professor de semiologia psiquiátrica, Carlos Sampaio ressalta a ideia de uma saúde mental ligada às questões de bem-estar e de pertencimento e, por isso, segundo ele, o Brasil ainda dá passos lentos na garantia de condições socioeconômicas básicas a todos os sujeitos. O psiquiatra também alerta para um fator categórico: a OMS aponta que quadros depressivos e ansiosos estariam correlacionados com situações de vulnerabilidade social e econômica, o que, em sua visão, explicaria parte do cenário conturbado de saúde mental vivido no país. Apesar de se explicar parte do cenário, “tal visão não deve ser única, pois reduziria a discussão. Vários países com condições socais avançadas também vem sofrendo com o aumento e com o impacto, por exemplo, do suicídio. Dessa forma, cabe ao nosso país avançar sem perder outros horizontes”, esclarece o psiquiatra. Para a psicóloga e conselheira eleita (2020-2023) do Conselho Federal de Psicologia, Dalcira Ferrão, o desemprego é um fantasma que assombra a população brasileira. Ela explica que a dimensão laboral é um dos aspectos mais relevantes na vida de uma pessoa na faixa produtiva, logo, a falta de inserção no mercado de trabalho
FOTOS: PREFEITURA DE SÃO JOSÉ DA LAPA
Desemprego e desigualdades sociais ressaltam a importância do debate no país
Janine Costa palestra sobre prevenção do suicídio e setembro amarelo, na Escola Estadual José Elias - São José da Lapa
traz uma perspectiva de desesperança. “Não se sentir ativo e produtivo são pontos que demandam cuidados em saúde mental. Muitas vezes, a pessoa não está desempregada por falta de qualificação, mas por uma conjuntura que determina tal condição”, alerta Dalcira. O mal-estar psicológico O debate sobre a crescente de doenças como a depressão e de transtornos como ansiedade no Brasil também destaca outros fatores relevantes. Carlos Sampaio revela que, apesar da prevalência dessas doenças no país, esse é um fenômeno mundial. “A OMS vislumbra que, em 2030, falaremos mais do impacto da depressão do que de doenças cardiovasculares. Não à toa, pacientes da saúde mental chegam a apresentar expectativa
de vida de até 10 anos a menos que a população em geral. Estamos lidando com um momento muito peculiar e grave. Profissionais de todas as áreas têm recebido pacientes com quadros compatíveis com depressão e ansiedade e precisam manejá-los a fim de reduzir riscos”, afirma. A ansiedade e a depressão também são demandas frequentemente notadas, no consultório, pela psicóloga Dalcira Ferrão, que alerta para o contexto político conservador e reacionário como principal fator desencadeador de tais transtornos e doenças. “Principalmente por eu trabalhar com a população LGBTI, isso tem sido motivador de muitos episódios: os depressivos ligados a não aceitação da orientação sexual ou de gênero e os quadros de ansieda-
de são mais diversos, mas muito ligados à dificuldade da interação social”, pontua. As formas de tratamento Mais do que pensar na causalidade das questões políticas, econômicas e sociais que envolvem a saúde mental, os alarmantes dados sobre o que afeta os brasileiros chamam atenção, também, para as formas de tratamento. Em relação às modalidades oferecidas pela psiquiatria, é importante considerar o perfil do paciente da saúde mental. É o que ressalta Carlos Sampaio. Segundo ele, em muitos casos, a condução não se dará em direção à cura, mas ao controle do quadro e de sua sintomatologia. “Nessa lógica, os profissionais envolvidos trabalharão para oferecer ao paciente a condição de continuar gerin-
DOSSIÊ SAÚDE MENTAL a reforma teve como principal contribuição a queda do modelo hospitalocêntrico com consequente revisão dos abusos do passado. Mais que fechar a ferida, a queda desse modelo permitiu a criação dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) e da territorialização do serviço. O paciente agora é tratado dentro da cidade e não mais isolado pelos muros do hospital. Fechar a ferida foi de extrema relevância, mas manter o paciente em seu espaço é imprescindível”, realça. Dalcira Ferrão realça que a psicoterapia é uma excelente ferramenta para prevenir e tratar transtornos e doenças. O problema, segundo a psicóloga, é que, principalmente no Brasil, não se pensa a saúde mental de maneira preventiva e só se procura alternativas em uma situação de crise. Segundo o estudante de psicologia, Breno Martins, que faz psicoterapia há 6 anos, esse é um espaço importante para aprender a desenvolver a escuta e entender que os sentimentos existem e não podem
ser ignorados. “Quando fazemos psicoterapia também aprendemos a lidar com todas as angústias, medos e inseguranças, para que a gente faça uma intervenção mais coesa e mais precisa. Vejo a psicoterapia como importante no fortalecimento pessoal e psíquico”, realça. O estudante também ressalta a psicoterapia enquanto um ambiente de não julgamento. “É onde eu posso colocar todas as minhas vontades, todos os meus medos, todos os meus anseios. É um espaço que eu me aproximo mais dos meus monstros internos, que tenho que aprender a lidar com as minhas angústias e o meu sofrimento. No início é muito difícil lidar com tudo isso, mas a longo prazo você percebe que a sua saúde mental se fortalece”, reforça. Apesar de importante no que concerne às formas de tratamento, a psicoterapia ainda segue distante de parte da sociedade. Ao observar, por exemplo, a tabela de honorários estabelecida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), é
possível verificar que o preço limite inferior de uma sessão individual é colocado à 160 reais. Não obstante, a procura pelo suprimento de demandas de saúde mental também pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que oferece, de forma gratuita, um repertório de possibilidades. Saúde Mental em rede: o Sistema Único de Saúde (SUS) Conhecido como um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS) garante acesso integral, universal e gratuito para toda população brasileira, sem discriminação. De acordo com o Ministério da Saúde, o acolhimento de pessoas que demandam cuidados em saúde mental é uma estratégia de atenção fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento das necessidades medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias, conforme cada caso. Tendo em vista os princípios do
SUS, os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), formada por várias unidades com finalidades distintas. Ainda segundo o Ministério da Saúde, a atenção básica caracteriza-se como porta de entrada preferencial do SUS. A rede forma um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde. Deste modo, objetivam desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. Para a psicóloga do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), do município de São José da Lapa, Janine Costa, a atenção em saúde mental é necessária principalmente após a estratégia de saúde da família, que possibilitou, segundo
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ela, um diferencial de acesso das pessoas à várias especialidades, com atendimentos e possibilidades multiprofissionais de atuação. “Isso faz com que o SUS seja realmente para todos de uma forma a prevenir que agravos de saúde aconteçam”, destaca. Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram criados pelo Ministério da Saúde, em 2008, com o objetivo de apoiar a consolidação da Atenção Primária no Brasil e ampliar, assim, as ofertas de saúde na rede de serviços, bem como a resolutividade, a abrangência e o alvo das ações. Embora traga consigo avanços notáveis, a rede ainda sofre com alguns impasses. Janine explica que ainda existem muitos problemas de articulação. “São José da Lapa ainda é uma cidade pouco assistida em relação à psicologia. É uma demanda reprimida. Quando, por nós mesmos, começamos a movimentar a rede, começaram a aparecer muito mais casos”, nota. A atenção do SUS à saúde mental é ofeFOTO: PREFEITURA DE SÃO JOSÉ DA LAPA
do sua vida”, ressalta o profissional. Ao pensar na psiquiatria e nos modelos de tratamento oferecidos na atualidade, é necessário, no entanto, compreender a sua historicidade. A reforma psiquiátrica, possibilitada a partir da promulgação da Lei n 10.216, de 6 de abril de 2001, conduziu a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial em saúde mental. Com isso, o Brasil entrou para o grupo de países com uma legislação moderna e coerente com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e seu Escritório Regional para as Américas, a OPAS. Sampaio explica que a reforma veio para questionar o modelo de abordagem e tratamento oferecido ao paciente em sofrimento mental. Para ele, o modelo anterior era focado no médico e na estrutura hospitalar. “Apesar dos esforços, muitos abusos aconteceram e essa cicatriz ainda nos acompanha até hoje. Não há como questionar que
Novembro de 2019 Jornal Impressão
Em São Jóse da Lapa, população realiza mobilização no setembro amarelo
recida por meio de um financiamento tripartite e de ações municipalizadas e organizadas por níveis de complexidade. Exemplo é a Rede de Cuidados em Saúde Mental, Crack, Álcool e outras Drogas que, pactuada em julho de 2011, prevê, a partir da Política Nacional de Saúde Mental, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), os Serviços Residenciais Terapêuticos e as Unidades de Acolhimento. Além dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o SUS também oferece outros núcleos de atendimentos, como:
DOSSIÊ SAÚDE MENTAL FOTO: PREFEITURA DE SÃO JOSÉ DA LAPA
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Novembro de 2019 Jornal Impressão álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório. O tempo de permanência nessas unidades é de até seis meses.
Psicoterapia à preço social Outras configurações de atendimento, porém, compõem as formas de tratamento de demandas de saúde mental em tempos de desigualdade social. Exemplo são os chamados “atendimentos sociais”, realizados por psicólogas e psicólogos a fim de alcançar Serviços Residenciais públicos mais diversos Terapêuticos (SRT) em situação de vulneraSão moradias ou bilidade econômica. casas destinadas a cuiAlunos do curso dar de pacientes com de Psicologia da Unitranstornos mentais, versidade Federal de egressos de internações Minas Gerais (UFMG) psiquiátricas de longa criaram uma lista com permanência e que não mais de 150 psicólogos possuam suporte social que atendem a preços e laços familiares. Além mais baixos. Os nomes disso, os Serviços Resi- dos profissionais podem denciais Terapêuticos ser acessados em uma (SRTs) também podem planilha pública, com acolher pacientes com nome, telefone, e-mail, transtornos mentais endereço, número de que estejam em situ- CRP e linha de atua- População belo-horizontina articula em mobilização pela luta antimanicomial em 2019 ação de vulnerabili- ção do atendimento. dade pessoal e social, Os preços variam en- profissional, o jovem Ela explica que a psico- viços de psicologia como, por exemplo, tre um profissional e de 22 anos descobriu terapia, historicamente, mediados por Tecnomoradores de rua. outro e deve ser con- o “atendimento social” iniciou a sua trajetória logias da Informação e sultado com a própria em um grupo de amigos servindo a uma parte Comunicação (TICs). da faculdade. Para ele, a essencialmente elitizaUnidades de Acolhimento psicóloga(o). Marisa Sanabria, (UA) Quem faz uso dessa oportunidade de pagar da da sociedade. “Quem psicóloga que usufrui Oferece cuidados modalidade de atendi- um preço mais aces- tinha acesso a possibi- da alternativa para contínuos de saúde, mento é o estudante de sível veio como uma lidade do atendimento atender aos seus cliencom funcionamento publicidade, Joshua Ab- ajuda graciosa. psicológico eram as tes, observa que a forma Exemplo de quem pessoas que tinham de atendimento facilita 24h/dia, em ambiente ner. Depois de perceber residencial, para pessoas algumas inquietações oferece o atendimento condições financeiras a vida de quem precisa com necessidade decor- mentais e de reconhecer a preço social é a psi- melhores. O atendimen- viajar ou fazer grandes rentes do uso de crack, que precisava de ajuda cóloga Dalcira Ferrão. to a preço social é uma deslocamentos em raalternativa de acesso zão do tratamento, de para além das políticas mães que não podem públicas. Isso tem pro- se ausentar em virtude ACESSE A PLANILHA NO CÓDIGO QR CODE ABAIXO porcionado que as pes- de terem que cuidar soas cuidem mais de sua de seus bebês, ou de saúde mental”, pontua. pessoas que passaram Atendimento online por pequenas cirurNão necessariamen- gias e têm restrições de te mais barato, mas locomoção. importante no que tanEm relação aos dege às novas formas de safios com a forma de acesso ao suprimento atendimento, a psicóde demandas da saúde loga reforça que não mental, é o atendimen- vê grandes diferenças. to online. Regulariza- “O vínculo transferendo pela resolução n cial que se estabelece 11/2018, do Conselho e as normas éticas de Federal de Psicologia respeito, sigilo e cui(CFP), a modalidade dado são exatamente amplia as possibilida- as mesmas”, conclui. des de oferta de serA psicóloga Andrea
Campos, que faz atendimentos psicoterápicos há mais de 25 anos, tem uma visão diferente. Ela pensa na modalidade como um reflexo da modernidade, em que os sujeitos se preocupam mais com conforto, comodidade e economia do que com resultados duradouros, profundidade e subjetividade. Neste sentido, a psicóloga pontua alguns incômodos. “Identifico o atendimento online como uma modalidade bastante superficial, principalmente pelas barreiras físicas existentes. Quando o paciente está no consultório, os seus movimentos, o tom de voz utilizado, se embargado ou alegre, tudo são indícios do seu inconsciente, sintomas e progressos”, realça. Para Maria Carolina, de 35 anos, a possibilidade de fazer terapia online tem sido uma ótima funcionalidade.
“Me mudei há 5 meses para a Alemanha. Estou com esta terapeuta há um ano e meio. De todos os profissionais que já passei, ela foi a que eu mais me identifiquei. Continuar o tratamento com a mesma terapeuta, para mim, é dar continuidade na minha melhora. Não queria parar no meio algo que está funcionando tão bem”, conta. Segundo ela, uma vez que já tinha criado conexão e confiabilidade previamente, ao vivo, não sentiu diferença no acolhimento. “Talvez na primeira sessão, comigo deitada e ela me vendo pelo celular como se estivesse no divã, tenha sido estranho nos 5 pri-
meiros minutos, depois fluiu muito bem. Existe uma relação muito boa, de forma que conseguimos levar as sessões da melhor maneira possível”, destaca.
organizativa, de ausência dos adoecimentos psíquicos, mentais... Saúde mental tem a ver com o reconhecimento de uma subjetividade saudável”.
Mas, afinal, o que a Saúde Mental significa para você? Marisa Sanabria “Hoje, acredito que o conceito de saúde mental possa estar muito referenciado ao exercício das liberdades pessoais e à responsabilidade plena dos desdobramentos das nossas escolhas”.
Janine Costa “É a busca que podemos ter pelo bem-estar psicológico, social, espiritual, de autoestima. A saúde mental é regida pelo estar bem com a sua saúde física, com sua saúde espiritual, social, com as pessoas e com suas relações. É estar feliz consigo mesmo. A busca por estar saudável é a saúde mental”.
Dalcira Ferrão “Tem a ver com o estado de bem-estar: cognitivo, de adaptação
Joshua Abner “Estar saudável mentalmente, sem so-
frer de distúrbios ou enfermidades mentais, como depressão, ansiedade, insônia, entre outros”. Carlos Sampaio “Ao dizer da saúde mental, devemos sempre fomentar condições para que os indivíduos exerçam suas escolhas com qualidade e liberdade, garantindo assim seu espaço dentro da estrutura social a qual ele pertence”. Andrea Campos “Penso que ao tratar da saúde mental estamos dizendo da capacidade do indivíduo de lidar de maneira satisfatória com seus pensamentos, sentimentos
e relacionamentos. E também sobre a capacidade individual de lidar com mazelas e alegrias da vida, de viver em comunidade e respeitar regras”. Maria Carolina “É o que me mantém nos trilhos. Saúde mental é principalmente o autoconhecimento que todo o processo terapêutico me proporciona. Hoje, depois de muitos anos de terapia, sinto que estou me encontrando emocionalmente de forma que consigo ter mais controle dos meus pensamentos e ações nos momentos de crise”.
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“Saúde mental significa um estado de conhecimento de si. De aproximação de você mesmo. Um estado em que você tenta atingir um certo equilíbrio, mas sabendo que você é um ser humano dotado de sensações boas e ruins. Saúde mental é apreender a lidar com todos esses sentimentos e saber o que fazer com eles”.
Breno Martins ARTE: PAULO HENRIQUE SANTOS
DOSSIÊ SAÚDE MENTAL
Novembro Julho de 2019 Jornal Impressão
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DOSSIÊ SAÚDE MENTAL
Novembro de 2019 Jornal Impressão
RELACIONAMENTOS ABUSIVOS Isabela Santana Laura Mourão Letícia Sudan
FOTO: JÚLIA COSTA
Relacionamentos são vínculos desenvolvidos durante a vida, que podem ser afetivos, familiares, profissionais ou de amizade. Todos os tipos de relacionamentos envolvem convivência, comunicação e atitudes que devem ser recíprocas, baseadas em confiança, respeito e empatia. Mas, existem algumas relações, que por diversos motivos, não são saudáveis e não fazem bem para os que estão envolvidos, assim, podem ser denominados como relacionamentos abusivos. Antes de identificarmos uma relação como abusiva, é importante entendermos o que é esperado dentro das relações saudáveis. Os relacionamentos saudáveis são aqueles que nos fazem crescer, que acrescentam algo, pessoas que querem o nosso bem e nos apoiam. E dentro dessas relações, nós precisamos nos doar, entender o que é importante para o outro e que também precisamos ceder em alguns momentos. O problema dos
relacionamentos abusivos são quando eles começam a colocar em nós um peso, ou seja, são pessoas que entram na nossa vida e sugam as nossas energias, exigem demais de nós, nos sequestram emocionalmente, como se deixássemos de ser quem somos para atender às expectativas daquele outro. A principal questão é que as discussões sobre relacionamentos abusivos normalmente se restringem às relações amorosas. Porém, podem existir laços tóxicos em qualquer tipo de relacionamento, seja entre amigos, no trabalho ou dentro da própria casa, no ambiente familiar. Se encaixam dentro de relações abusivas aquele amigo que faz o outro se sentir diminuído; os pais que fazem o filho sentir que não será amado, a menos que cumpra certas exigências; e também o chefe que faz brincadeiras de mau gosto sobre você na frente da equipe. O relacionamento abusivo pode apresentar diferentes sinais, mas no geral, se baseia na manipulação. Pode ser gerado através da
Simulação de uma pessoa que sofre em um ambiente trabalho.
desconfiança, ciúmes excessivo, compulsividade, insegurança, entre outros comportamentos devido a necessidade de controle. Outro ponto significante é que nem sempre o abuso está associado a uma única pessoa da relação, pode envolver os dois lados. Na busca de identificar um relacionamento abusivo é necessário estar atento aos ciclos que se repetem, por exemplo: humilhação seguida por pedidos de desculpas com promessas de mudanças, entretanto, após um “bom” momento, a situação se repete. Nem sempre uma pessoa que vive em um relacionamento abusivo tem consciência disso. O papel de alguém que está de fora é, primeiramente, alertar, mas sem julgamentos, mesmo que o outro não queira ouvir ou acreditar. É fácil para quem está acompanhando de fora perceber que as coisas não estão certas, mas para quem está dentro do relacionamento há um tipo de cegueira e dependência. Relacionamento conjugal O namoro é a relação afetiva mantida entre duas pessoas que
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Até onde nossos vínculos podem ser saudáveis
Simulação de uma mulher que apanha calada.
se unem pelo desejo de estarem juntas e partilharem novas experiências. Muitas vezes, no entanto, essa paixão pode se transformar em uma necessidade de controle e domínio sobre a outra pessoa. E
é a partir daí que surgem o ciúme doentios, as brigas intermináveis e a violência, tanto física quanto psicológica. A publicitária, Daniela Schanen, faz parte das estatísticas de violência doméstica. Daniela passou 20 anos em um relacionamento abusivo, mas quando se libertou criou o “EU DISSE NÃO”, projeto que atende e ajuda mulheres a se reconectarem consigo mesmas após o relacionamento abusivo, conduzindo-as por uma jornada de empoderamento, autocompaixão, fortalecimento da autoestima e equilíbrio emocional. Daniela afirma que os indícios de que você pode estar em um relacionamento abusivo são vários, o ciúme excessivo e sem fundamento, a possessividade e o controle são sinais de alerta vermelho. “Em
um relacionamento abusivo, a relação não é de igual para igual, e sim um jogo de poder, onde uma das partes sempre precisa subjugar a outra. E com isso, ele vai destruindo a sua autoestima e consequentemente a sua capacidade de discernimento e de impor limites”, explica a publicitária. Ainda segundo Daniela, a melhor maneira de se prevenir é por meio da informação. “Quanto mais informação, menos probabilidade de a mulher se envolver nesse tipo de relacionamento. Há 4, 5 anos ninguém falava sobre isso. Hoje, através do meu Instagram e do grupo de WhatApp do “Eu Disse Não”, que têm mulheres do Brasil inteiro, vejo que está acontecendo uma espécie de despertar, onde as mulheres - e também alguns homens - estão
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entendendo que vivem um relacionamento abusivo”, conta. A publicitária finaliza falando que as maiores dificuldades para procurar ajuda são a vergonha, o medo e a culpa. “A vergonha torna a violência um segredo, dificulta o diálogo e aumenta o isolamento. O medo, nesses contextos, é intensificado quando há falta de apoio da família, da comunidade e das instituições responsáveis por garantir a segurança da vítima. E a culpa faz com que a pessoa duvide das próprias certezas.” Vale lembrar que o relacionamento abusivo não é exclusividade de casais heterossexuais e, embora a dinâmica mais comum seja a do homem abusador e da mulher como vítima, nem sempre é assim. Na amizade A amizade é uma relação de troca e compartilhamento que vem para contribuir com a felicidade e o bem-estar das pessoas envolvidas. Quando a presença de alguém traz o efeito contrário, faz com que você se sinta mal e contamina sua energia, isso é sinal de que se trata de uma amizade tóxica. A psicóloga clínica, Flávia Resende, diz que as relações tóxicas, geralmente estão ligadas à alguma questão emocional. “A pessoa tóxica pode ter um nível de carência afetiva e acabar se vinculando às pessoas de uma maneira dependente. Ou seja, ela acaba sugando essa pessoa, porque é como se ela precisasse daquele outro o tempo inteiro para suprir alguma questão emocional, e acaba sufocando essa outra pessoa, então se instaura a amizade tóxica”, afirma a psicóloga. Se afastar dessa amizade também não é tão fácil quanto parece. Flávia afirma que nem sempre vamos conseguir nos afastar completamente de primeira, pois, “somos tão sequestrados emocionalmente
por essa amizade que tendemos a achar que precisamos dessa relação. Então, o primeiro passo é que possamos compartilhar com alguém (seja com outro amigo, familiar ou até mesmo um profissional) sobre essa amizade para que a gente consiga entender como está sendo essa relação. Depois vamos estabelecendo alguns limites para ela.” No trabalho O mercado de trabalho é bastante competitivo e pode ocasionar em alguns problemas abusivos. O relacionamento abusivo dentro do ambiente de trabalho também pode ser reconhecido como assédio moral. É quando o superior se aproveita de uma hierarquia dentro do ambiente e acaba mascarando um problema pessoal como sendo apenas “exigência profissional”. A prática não se restringe apenas a críticas, piadas, ameaças ou insultos, mas também em
sobrecarga de tarefas, instruções imprecisas, imposição de horários, isolamento ou até mesmo restrição ao uso do banheiro. Nessa situação, é fundamental conversar com o seu superior, o primeiro passo é falar diretamente com a pessoa sobre o que está sentindo e o que está pensando. É importante você mostrar que está ciente do que está acontecendo e que não está contente com essa situação. Além disso, em casos em que essa conversa inicial não funciona, é preciso ter provas para poder comprovar o assédio moral e conversar com o departamento de recursos humanos da empresa. Se depois de tudo a situação ainda persistir, a última opção é entrar com um processo judicial de assédio moral contra seu superior. Na família O relacionamento abusivo também pode
acontecer dentro do ambiente familiar, um espaço onde a relação abusiva é apresentada, em muitos casos, de forma camuflada, como manifestação de afeto e cuidado, mesmo envolvendo o sofrimento de outra pessoa. Segundo o Ministério da Saúde, as principais vítimas desses relacionamentos são crianças, adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência e idosos. A violência psicológica e o abuso psicológico podem acarretar prejuízos na vida da pessoa envolvida. A violência familiar e a violência intrafamiliar acontecem de formas semelhantes. A familiar, acontece no interior do lar e também fora dele, enquanto a violência intrafamiliar ocorre somente dentro do domicílio, mas pode exceder seus limites. Muitas pessoas passam por essa situação diariamente. Assim aconteceu com Ana* que, no silêncio, viveu
um relacionamento abusivo dentro de sua casa. “Meus pais se divorciaram quando eu tinha 3 anos, e logo minha mãe conheceu um homem que parecia ser muito companheiro e disposto a construir uma família. Porém, as aparências enganam e não demorou muito para percebermos isso. No início, ele só fazia mal para minha mãe, uma mulher independente que agora estava presa em um relacionamento abusivo, sem enxergar onde estava se envolvendo. Até que, infelizmente, chegou o momento em que eu também seria totalmente envolvida nesse relacionamento abusivo. Aos 12 anos começaram os abusos verbais e, aos 13, os físicos”, revela Ana*. Ana revela que a pressão psicológica, as manipulações e o abuso “prendem” as vítimas. “Hoje, 10 anos depois, sinto-me cada vez mais fraca em relação aos traumas do passado.
Finalmente minha mãe está conseguindo se livrar disso, e eu conseguindo me tratar psicologicamente. Você pode estar se perguntando: “por que tantos anos para se livrar disso?”. E a minha resposta é simples: MEDO.” Para finalizar, Ana* pede para dar conselhos. “Observe seus relacionamentos familiares, amorosos e de amizades. Muitas vezes não conseguimos ver que estamos em um relacionamento abusivo. Lembre-se: nunca é tarde para se livrar de relacionamentos assim. Você é um ser completo e deve estar com alguém que pode ser completo com ou sem você. E isso também se enquadra em relacionamentos familiares abusivos. Você não é obrigado a ficar preso em pessoas que não te fazem bem. Acima de tudo, nunca desista!” *Nome fictício
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BURNOUT CRESCE ENTRE OS BRASILEIROS Denys Lacerda Milena Silva Vinícius Colini Em maio deste ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) detalhou a inclusão da Síndrome de Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entrará em vigor em 1 de janeiro de 2022. Segundo a OIT, a Síndrome é “resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”, não sendo classificada como uma doença ou condição de saúde, mas como um fenômeno ligado ao trabalho e que afeta a saúde. Burnout, em uma tradução livre, significa “queimar por dentro”. É uma estafa física, emocional e mental derivada de causas ligadas diretamente à vida profissional. Uma metáfora muito utilizada para explicar a síndrome é de a um palito de fósforo que vai queimando até que, repentinamente, se apaga. De acordo com pesquisa realizada pela International Stress Management Association (Isma), 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout. A proporção é semelhante à do Reino Unido, onde um terço dos habitantes enfrentam o problema. Na Alemanha, país referência entre os desenvolvidos por ter uma carga horária de trabalho reduzida, 8% dos trabalhadores apresentam sinais da síndrome. A pesquisa ainda diz que 72% dos trabalhadores brasileiros apresentam estresse, o que coloca o país como o segundo mais estressado do mundo, atrás apenas do Japão. Conforme dados levantados em 2017, pelo
Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), a depressão e o estresse ocupacional figuram entre as cinco principais causas de afastamentos do trabalho no Brasil. Cálculos da ISMA, de 2016, apontam ainda que a falta de produtividade causada pela exaustão gera prejuízo de 3,5% ao Produto Interno Bruto (PIB). O diagnóstico do Burnout se dá pela presença de dois elementos: o aumento da intensidade no ritmo do trabalho e o aumento da carga de trabalho. Alguns dos principais sintomas da síndrome são o cansaço excessivo, físico e mental, dores de cabeça frequentes, alterações no apetite, insônia e dificuldade de concentração. A constatação da Síndrome de Burnout e de outros distúrbios mentais, como a depressão e a ansiedade, ainda é dificultado pelo preconceito de que o adoecimento é uma “fraqueza’. Segundo o psicólogo e ex vice-presidente do Sindicato de Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Arthur Lobato, isso pode ser exemplificado pelos soldados que, no pós-guerra, desenvolveram estresse pós-traumático, mas, por ser uma condição mental, não apresentavam feridas físicas. “É [visto] como se a pessoa fosse um perdedor, que não tivesse vontade”. Tratamento A Síndrome de Burnout é derivada do acúmulo excessivo de situações emocionalmente exigentes ou estressantes e pode resultar em estado de depressão profunda. Por isso, é importante procurar ajuda profissional logo no surgimento dos primeiros sintomas. O diagnóstico é feito por psiquiatras e psicólogos, após uma análise clínica
FOTO: DENYS LACERDA
O esgotamento profissional e o estresse gerados pelo trabalho afetam milhões de trabalhadores
Uma das profissões mais suscetiveis ao estresse e esgotamento profissional é o jornalismo
do paciente, e são eles que orientam sobre a melhor forma de tratamento - que varia conforme o caso. As intervenções podem envolver o uso de medicamentos, como antidepressivos, mas também é recomendado mudanças nas condições de trabalho e nos hábitos e estilos de vida - como a realização de atividades físicas e exercícios para alívio de estresse. É ofertada assistência gratuita e integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde o diagnóstico até o tratamento. Em nota, o Ministério da Saúde afirma que “o acolhimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo a Síndrome de Burnout e depressão, é feito em diversas unidades do SUS em todo o país. A Unidade de Saúde da Família (USF) é responsável pelo primeiro atendimento ao paciente e o caso deverá ser encaminhado pelo médico aos centros especializados para cada
tipo de atendimento”. O órgão ainda afirma que “os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), um dos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), são os locais mais indicados para dar seguimento ao tratamento. São cerca de 2.590 CAPS no país, onde o usuário recebe atendimento próximo da família com assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme o quadro de saúde”. Profissões mais afetadas O medo do desemprego e a precarização das relações de trabalho, como pelo acúmulo de funções e excesso de horas extras, têm levado ao aumento dos casos de Burnout e outros distúrbios mentais. Essa situação é comum a todos os trabalhadores. Porém, alguns profissionais são mais propensos a estresse e esgotamentos mentais, como professores, médicos e policiais. Conforme apontado no Anuário Brasileiro de Segurança
Pública 2019, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com dados de 2018, mais policiais morreram de suicídio do que assassinados no horário de trabalho. Foram 104 suicídios, sendo 14 apenas em Minas Gerais. O anuário aponta que essa taxa de suicídios na categoria é resultado “de uma realidade perversa mantida por políticas públicas de segurança que tratam seus agentes principais como torniquetes de um sistema falido” (p.49). Outra categoria que apresenta dados alarmantes de estresse é dos trabalhadores de hospitais, como médicos, enfermeiros e paramédicos. Uma pesquisa realizada entre 2005 e 2015, com 2.239 profissionais de saúde de um hospital da cidade de São Paulo, apontou que 49,9% deles apresentavam níveis elevados de sintomas de Burnout. Segundo Arthur Lobato, “os profissionais da saúde, além do excesso de trabalho,
têm que lidar com a dor e o sofrimento do outro e, a não ser que você seja uma máquina, aquilo te baqueia”. A presença da morte, as jornadas de plantão exaustivas e a pressão constante para que não se cometa erros levam muitos profissionais da saúde a desenvolverem ansiedade, depressão, estafas e levam, em alguns casos, ao suicídio. Atualmente, uma das atividades que mais discute sobre a saúde mental de seus trabalhadores é o jornalismo. Uma pesquisa da ISMA, que traçou o perfil do profissional mais suscetível ao Burnout, colocou os jornalistas no quinto lugar do ranking. Segundo Lobato, essa realidade ocorre “em virtude da crise que o jornalismo está vivendo - a questão do impresso, a questão da não necessidade do diploma. E, então, as empresas estão fazendo com que as pessoas acumulem muitas funções. Isso [o trabalhador ser
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Profissionais mais suscetíveis à Síndrome de Burnout, conforme pesquisa da ISMA-BR Fonte: Edição 09 (“No Limite”) da Revista FEHOESP 360 (Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo) 1) Profissionais da Segurança Pública 2) Motoristas de Ônibus Urbano e Controladores de Voo 3) Profissionais da Saúde, Bancários, Atendentes de Telemarketing e Executivos 4) Pessoas que atuam fora da sua área de formação (como um engenheiro que trabalha como motorista de táxi) 5) Jornalistas
cia aquelas situações de violência, acidentes, corpos estraçalhados e ainda tem que escrever sobre aquilo. A própria atividade gera o estresse da notícia, o estresse dos deslocamentos, [...] tem que fazer a coisa rápida porque tem deadline. Isso é como uma panela de pressão. É uma questão de tempo [para surgir estresses ocupacionais] se ele [o jornalista] não se cuidar”, diz Lobato. A pressão gerada pelo Hard News, pela
correria das redações por informações e pesquisas rápidas, pode ser de difícil adaptação. Foi o que aconteceu com a jornalista Camila Gonzaga, que, após trabalhar nas redações de algumas emissoras de televisão, tornou-se professora e, hoje, dá aulas no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH. Ela comenta que a preocupação com a saúde mental dos jornalistas não era pauta em nenhuma redação em que
trabalhou. “Isso [cuidado com a saúde mental] não estava em cheque, não estava sendo colocado em consideração em momento nenhum. Eu também não considerei isso. Foi só com o dia a dia, com conversa entre colegas jornalistas, com esse desgaste emocional, que eu fui percebendo que eu precisava estar em outros âmbitos para poder conduzir minha profissão, minha carga jornalística. Mas não teve conversa sobre isso. Eu não cheguei lá, em uma redação, esperando esse cenário - talvez por uma inocência durante a formação, [...] por todo o encantamento do que o jornalista pode entregar socialmente. Não tive suporte emocional para conduzir esse factual, esse hard news”, revela Camila. Eduardo Pinto e Silva e Roberto Heloani, embasados na pesquisa “Mudanças no mundo do trabalho e impactos na qualidade de vida do jornalista”, apontaram que as relações pessoais de jornalistas são, geral-
mente precárias devido às excessivas jornadas de trabalho. Há ainda uma relação de amor e ódio com a profissão e uma boa resistência ao estresse, mesmo com ritmos de trabalho exaustivos nas redações e um ambiente de trabalho competitivo. O papel do RH A cobrança por resultados, atrelada a possíveis sentimentos de frustração, pode fazer com que o empregado não se sinta capaz de realizar o seu trabalho, e essa pressão pode ocasionar problemas graves. É por isso que, segundo Rafael Seabra, Técnico de Recursos Humanos em uma siderúrgica multinacional, o RH deve selecionar as pessoas para as vagas de acordo com o seu perfil e deixar claro para o gestor e o empregado quais são os gaps que eles precisam saber identificar para seguirem um caminho de desenvolvimento saudável. Sobre esse diagnóstico, o técnico afirma que é importante que o RH esteja atento
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para os comportamentos dos empregados de uma maneira geral, além do setor precisar estar preparado para apoiar os colaboradores. Outro ponto importante são as ações dentro das organizações que minimizem o impacto do estresse sobre a vida das pessoas. “O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional deve ser pauta constante de discussões dentro das organizações”, completa. Rafael teve uma experiência próxima com uma colega. “Foi necessário o seu afastamento do trabalho por tempo indeterminado para que ela conseguisse desacelerar o ritmo intenso de trabalho que estava vivenciando no momento. A empresa foi bem receptiva quanto a esta questão e deu o tempo necessário para sua recuperação.Em seu retorno, a colaboradora voltou para as mesmas atividades e projetos, retomando o trabalho que outros colegas assumiram na sua ausência”, lembra. FOTO: VINICÍUS COLINI
multifuncional] faz parte da forma como o trabalho se organizou”. Algumas situações corriqueiras e inerentes ao jornalismo, como a cobertura de tragédias, crimes e situações de injustiça, podem gerar conflitos psicológicos. “Tem ainda a própria história com a qual você lida. Vamos supor que você trabalhe com polícia. [Você lida com] casos chocantes: estupro de criança, irmão matando cunhado. Você presen-
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O ambiente de pressão das redações leva muitos profissionais a repensarem em sua carreira
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PREOCUPAÇÃO EXCESSIVA Fernanda Freitas Isabela Nepomuceno
FOTO: MAYKEL DOUGLAS
O transtorno de ansiedade é um distúrbio emocional caracterizado por uma preocupação excessiva constante, que traz impactos para a rotina das pessoas, seja no trabalho, na faculdade ou nos relacionamentos. Se não diagnosticado e tratado, casos com sintomas mais leves podem se arrastar por décadas e desencadear outros problemas como alcoolismo e depressão. O preconceito em torno das enfermidades psíquicas ainda impede a procura de muitos por ajuda profissional. Um estudo de Harvard aponta que pessoas que apresentam quadros mais graves de ansiedade levam, em média, sete anos para procurar auxílio. Em quadros leves, o tempo médio é de dezesseis anos. O Brasil é o país que lidera mundialmente, em proporção, o número de pessoas com distúrbio de ansiedade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2017, apontam que 18 milhões de brasileiros sofrem com a ansiedade, totalizando 9,3% da população. A ansiedade está relacionada a diversas causas, fatores como crise econômica e
política, desemprego, falta de segurança pública e relações sociais formam um quadro propenso ao desenvolvimento da condição. Se tratando de uma resposta natural do corpo à determinada situação, a ansiedade se torna um problema quando algo que era para ser passageiro persiste. ‘’Quando isso começa a gerar preocupações excessivas, para além do necessário, medo, alguns comportamentos ansiosos, como agitação, inquietação, tudo isso é um comprometimento do meu bem-estar, um comprometimento das minhas ações, do meu dia a dia. E quando isso se dá, é caracterizado como transtorno de ansiedade”, explica a psicóloga Flávia Resende. Para quem convive com a ansiedade, a rotina pode se tornar um sofrimento. As reações de quem tem o transtorno são desproporcionais aos eventos causadores da ansiedade, atrapalhando no desempenho e qualidade das relações em vários âmbitos da vida, trazendo mais aflição ao indivíduo. Para a estudante Paola Carvalho, 21, diagnosticada há 6 anos, a ansiedade é uma angústia sem fim. “Um conjunto de sensações ruins e o sentimento de que tudo
Para a estudante Paola Carvalho, 21, a ansiedade é uma angústia sem fim.
vai dar errado a qualquer momento”, enfatiza. Os primeiros sintomas foram dores no estômago, ela fazia controle com gastroenterologista e tratamento com remédios, como omeprazol. O diagnóstico do transtorno de ansiedade demorou quatro anos, mas Paola diz que seu comportamento ansioso vem de antes, e foi percebendo com o tempo que não se tratava de algo simples. Por causa da ansiedade, Paola desenvolveu gastrite nervosa e depressão por um período. Nas crises mais sérias, síndrome do pânico, que vinha com hiperventilação, arritmias e, às vezes, vômito e dores de cabeça. Ela conta como a ansiedade impacta no seu dia a dia, mesmo tomando os remédios - que ela classifica como o ponta pé inicial para tratar o quadro. “Ainda me sinto ansiosa por coisas pequenas e há dificuldade de lidar tranquilamente com atividades do dia a dia, mas as crises mais fortes são mais raras”, testemunha. Paola ressalta, ainda, a importância de acompanhamento psicológico no autoconhecimento, não só para quem apresenta a condição. “Acho que todo mundo deveria fazer”, finaliza a estudante.
FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS
Quando a ansiedade se torna um transtorno
A ansiedade torna atividades cotidianas um desafio.
Wanderson do Carmo, 29, também foi diagnosticado com ansiedade e reafirma como o acompanhamento psicológico ajuda no tratamento. “Através do conhecimento é que você pode lidar melhor com ele. E a psicoterapia ajuda você a entender seus medos, trazendo ideias de como agir quando tiver uma crise de ansiedade”, conta. Ao contrário de Paola, Wanderson apresentava sintomas ainda na infância e demorou a procurar tratamento. “Pensava que era algo da minha personalidade”, afirma. Ele começou o tratamento aos 22 anos, mas ainda sente os impactos na sua rotina. “Me faz pensar bastante antes das coisas acontecerem, se algo pode dar errado, o que posso fazer para que não dê errado”.
Diagnóstico e tratamento Há diferentes transtornos causados pela ansiedade: transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno obsessivo compulsivo (TOC), síndrome do pânico, fobia, fobia social e estresse pós-traumático. Eles podem afetar pessoas de todas as idades e apresentam sintomas como fadiga, inquietação, irritabilidade, taquicardia, aumento da pressão arterial, náuseas e dor de cabeça. O diagnóstico leva em conta o histórico do paciente, avaliação clínica e exames complementares, se necessário. O tratamento da ansiedade varia com a condição clínica e pode contar com atuação de diferentes profissionais. Flávia Resende destaca a importância de, além do acompanhamento psicológico, o psiquiátrico, o nutricional e a prática de exercícios, que combinados
assistem ao paciente em diversas áreas que podem ser a raiz do problema. Quando necessário o uso de medicação, deve ser prescrita por um psiquiatra e, em sua maioria, são ansiolíticos e antidepressivos, podendo ser combinados com outros tipos de remédios para o controle do humor, de acordo com a psicóloga. O tempo de tratamento muda de acordo com o paciente e as respostas que ele dá. “Uma vez que a ansiedade é cuidada, é tratada, o paciente consegue ter uma melhora na sua qualidade de vida e conviver bem com a ansiedade. Não necessariamente ele precisa estar em tratamento por toda sua vida, mas vai precisar estar atento para não haver recaídas e, se houver, buscar as ajudas necessárias”, esclarece Flávia.
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YOGA E A CONEXÃO COM A MENTE Laura Mourão A palavra Yoga vem do sânscrito (língua ancestral do Nepal e da Índia) e é originária da raiz verbal “yuj”, que significa unir, integrar e totalizar. De origem indiana, seus princípios têm como base as disciplinas físicas e mentais da Índia, porém, suas práticas têm influências das filosofias budistas e hinduístas. Diferente do que muitos pensam, Yoga vai muito além da prática física de movimentar o corpo. A prática ensina, há mais de 3 mil anos, a união do corpo em equilíbrio com a mente. Além disso, também ensina a ter mais respeito com o próximo e harmonia, seja nas ações, palavras ou até mesmo nos pensamentos. A prática do Yoga, como todo exercício físico, traz inúmeros benefícios para a saúde física, como a perda de peso, fortalecimento muscular, flexibilidade e até mesmo na melhora de problemas crônicos, como a artrite. Mas, você sabe o quanto essa prática também pode ajudar a melhorar sua saúde mental? O Ministério da Saúde, influenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhece
as práticas de Yoga como medicina complementar para o tratamento de doenças psicossomáticas. Por promover um equilíbrio no indivíduo, a prática regular do Yoga é considerada de fundamental importância no combate e prevenção do estresse. Segundo a instrutora de Shivam Yoga, Nayara Lio, 27, o Yoga entende que tudo está interligado. Então, se você tem uma doença física, provavelmente teve como vetor um desequilíbrio mental, emocional ou energético, que possa ter desencadeado direta ou indiretamente essa doença. “Ao aprender a concentrar e respirar com mais consciência, conseguimos levar isso para nosso cotidiano e vencer, por exemplo, uma crise de ansiedade, sabendo apenas quando ela se inicia e pensar: ‘ok, estou ansiosa, vou focar na minha respiração, lenta e profunda’ e, assim, diminuir esses sentimentos”, explica a instrutora. O Yoga permite que você preste atenção especial aos seus pensamentos e emoções para poder controlá-los. Ter um corpo relaxado e se concentrar em eliminar pensamentos negativos ajuda a reduzir os níveis de cortisol, também co-
nhecido como o hormônio do estresse. Nayara diz também que, depois de começar a praticar Yoga, sua visão do mundo e de suas ações mudaram completamente. “Comecei a me cuidar melhor, porque meu corpo é a casa da minha mente. O Yoga vai muito além das práticas de posições e respiração. A prática do Yoga acontece no cotidiano, na forma como se lida com o mundo e com você mesmo. É uma filosofia de vida”, finaliza a instrutora. Sat Bir Singh Khalsa, pesquisador de medicina do corpo e da mente, especialista em Yoga Therapy, em seu estudo sobre os benefícios da prática do Yoga na vida das pessoas, afirma que as práticas de meditação são reconhecidas por terem efeitos em variadas áreas do cérebro. “Temos resultados de neuroimagens de ressonância magnética em que conseguimos observar atividades cerebrais mudando com essas práticas. A ciência está nos mostrando que essas mudanças são muito únicas dessa prática e isso nos mostra que essas experiências são reais. Yoga não é só um hobbie, não é só um passatempo. Isso são sérias mudanças
biológicas, e o nível dessas mudanças são tão fortes quanto as mudanças que conseguimos atingir com remédios para tratar alguma doença mental”, afirmou Sat Bir, em entrevista para o Coletivo Yogiji. De acordo com seus estudos, o que causa as desordens mentais são os processos de pensamentos, e os processos de pensamentos em doenças mentais não são apenas sintomas das doenças, elas são parte do mecanismo. No caso da ansiedade, as pessoas estão tendo preocupações constantes e, quando você pratica esses exercícios de concentração, você chega a um estado denominado ‘metacognition’, que é a realização de que você não é seus pensamentos. Você tem esses pensamentos, mas isso não é o que você é. E quando essa realização acontece, cria-se uma distância entre você e esses pensamentos, e você se torna capaz de reagir diferente a esses pensamentos. O professor do Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH e diretor de tendências e pesquisas em educação do Instituto Ânima, Rafael Ávila, pratica Kundalini Yoga há 3
FOTO: NAYARA LIO
Como essa prática pode trazer benefícios para a sua saúde mental
anos e, desde o início de 2019, leciona aulas de Yoga para alunos da instituição e para fora da universidade. Rafael diz que se sente menos propenso a se levar emocionalmente pelas circunstâncias. “Sou mais dono das minhas reações frente às emoções que sinto. Entendo a realidade das coisas, penso de forma neutra e tomo decisões mais conscientes”; revela o professor.
TIPOS DE YOGA
Hatha Yoga: Considerado como yoga clássico, o Hatha Yoga se tornou um dos tipos mais populares do ocidente porque a prática é focada no condicionamento físico, no fortalecimento do corpo e no aumento da flexibilidade. Kundalini Yoga: Tipo de yoga mais voltado para o trabalho espiritual e para a conexão entre corpo, mente e espírito através da realização de atividades físicas. A respiração é um elemento fundamental na prática de Kundalini Yoga porque acredita-se que, unindo as posturas e os exercícios de respiração, é possível equilibrar os chakras que vão desde a base da coluna até o topo da cabeça. Shivam Yoga: O Sistema Shivam Yoga resgata uma tradição milenar indiana, tendo sua metodologia fundamentada nas filosofias indianas Samkhya e Tantra, por sua vez as filosofias mais antigas da humanidade. Com base nessas filosofias, o Sistema Shivam Yoga desenvolve um trabalho, quer em nível de prática, quer em nível de estudos teóricos, que propicia aos seus participantes (alunos e discípulos) desenvolverem-se na Senda do autoconhecimento e do despertar da consciência.
Yoga em BH Muita gente acredita que o Yoga é uma prática apenas para quem tem boas condições financeiras. Tirar um tempo do seu dia para sentar, respirar fundo, meditar e fazer movimentos para exercitar os músculos pode parecer luxo para muitas pessoas. Mas, na realidade, o Yoga é uma prática que está quebrando cada vez mais esse estereótipo. Em alguns parques municipais de Belo Horizonte (como o Parque Municipal, o Lagoa do Nado e o Parque Serra do Curral), a prefeitura, por meio de parcerias entre a Fundação de Parques Municipais (FPM) e associações de Yoga, proporcionam à comunidade aulas gratuitas de Yoga. O objetivo do projeto é levar a prática da atividade física para o espaço aberto, ao ar livre, proporcionando aos adeptos contato com a natureza enquanto cuidam da saúde. O cronograma de atividades nos parques fica disponível no site da Prefeitura de Belo Horizonte.
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DA EXCLUSÃO À LIBERDADE: A RESSOCIALIZAÇÃO DOS EX-INTERNOS Letícia Sudan Thais Moreira
FOTOS: THAIS MOREIRA
Maus tratos, abusos e torturas. Esse era o cotidiano de grande parte dos pacientes que viviam dentro dos manicômios espalhados pelo país. Em um passado não muito distante, as instituições psiquiátricas funcionavam como uma prisão para os que não se encaixavam na sociedade, como gays, pobres, negros, “mães solteiras” e mendigos. Foi o caso do Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais. Fundado em 12 de outubro de 1903, o complexo manicomial, considerado como o holocausto brasileiro, possuía capacidade máxima para 200 leitos e tratavam em média, 5.000 pacientes ao mesmo tempo, sendo 70% deles com nenhum diagnóstico de problema psíquico. No complexo os pacientes eram submetidos a tratamentos de choque e ao racionamento de alimento. O Hospital Colônia operou durante 77 anos e teve suas atividades encerradas em 1980, marcado na história pelo genocídio de 60 mil pessoas. As recorrentes denúncias contra as condições desumanas a que os internos eram submetidos evidenciaram o descaso do governo em relação à saúde mental. Apenas após 23 anos de luta, que
Karoline Hernadéz-Terapia Ocupacional
passa por movimentos em prol da assistência psicossocial, pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e pela Luta Antimanicomial, a Reforma Psiquiátrica começou a ser pensada e, hoje, representa um marco importante para o avanço do país no cuidado à saúde mental. A reforma O Projeto de Lei - PL 3657/1989, iniciado por Paulo Delgado em 1989, simbolizou um progresso no âmbito da saúde mental que determinou a substituição progressiva dos leitos dentro dos manicômios e a regulamentação dos direitos da pessoa com sofrimento mental. Contudo, o projeto não previa os mecanismos para a redução de leitos. A PL 3.657/1989 gerou grande repercussão no Brasil, e contava com pontos relevantes, como a proibição de novos centros psiquiátricos públicos e a fixação do prazo de um ano para a implementação das normas. Em 6 de abril de 2001 foi promulgada a Lei Federal 10.216, dando início à Reforma Psiquiátrica. Sendo um texto substituto ao apresentado em 1989, a lei 10.216/2001 introduziu uma série de direitos que “asseguram a assistência e o tratamento digno aos portadores de transtornos
mentais”. A assistente social, Karoline Hernandéz, reforça que antes os pacientes não eram tratados com o mínimo de respeito e que “Com a reforma, passaram a ser tratados como indivíduos detentores de direitos, com capacidade de escolha”. A advogada especialista em direito médico e da saúde, Juliana Lott, explica que “a nova proposta visa oferecer tratamentos continuados, disponibilizados em estabelecimentos voltados à saúde psicossocial. Além de contar com diversos profissionais da área médica, os pacientes estão em contato com suas famílias e a sociedade, bem diferente do modelo hospitalocêntrico”. A redução de leitos dos hospitais psiquiátricos e a desinstitucionalização dos pacientes começou na década de 90, de forma comedida. Mas, foi em 2002 que o processo se intensificou. O Brasil apresentou uma queda de quase 40% de leitos de internação psiquiátrica, no período de 2005 a 2016. A ressocialização Após o fim das internações e a redução de leitos, houve a necessidade de institucionalizar programas sociais capazes de reintroduzir esses pacientes no âmbito social. Diante dessa demanda, em 2003, criou-
FOTOS: THAIS MOREIRA
A Luta Antimanicomial e o contexto da reinserção social dos egressos de hospitais psiquiátricos no Brasil
Ana Carolina Santos - Assistente Social
-se a Lei 10.708/2003, implementada dentro do programa PVC, “Programa de Volta Para Casa”. O projeto expressa a concretização de uma dedicação do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Contribuindo para a inserção social, os beneficiários do programa recebem, mensalmente, o valor de R$ 412,00. Atendendo egressos dos hospitais psiquiátricos, que foram internados por um período igual ou superior a dois anos ininterruptos, o auxílio-reabilitação atende, atualmente, mais de 4 mil pessoas. Além disso, foram desenvolvidas diversas portarias, como criadora dos CAPS - Centros de Atenção Psicossocial (Portaria/ GM/MS n 336/2002), que são estrategicamente importantes no contexto da Reforma Psiquiátrica, pois reforçam a possibilidade de uma rede de cuidados substitutiva ao modelo hospitalocêntrico. A rede de cuidados psicossocial conta também com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF (Portaria/GM/MS n.
154/2008 – Atualmente, n 2.488/2011) e com as Residências Terapêuticas – SRT. As SRT são locais que oferecem atendimento humanizado aos pacientes com sofrimento mental que passaram por uma extensa internação e são impossibilitados de regressar à suas famílias, seja pela perda de contato com os parentes, falta de assistência ou falta de adaptação. Nas SRT, os pacientes têm o apoio de uma equipe de profissionais especializados, estruturas adequadas e medicações. Hoje, Minas Gerais possui mais de 30 dessas residências. Seu modelo assistencial conta com a implementação de práticas que vão desde o convívio social até pequenas tarefas realizadas dentro das residências. Para Rosane, irmã de uma paciente tratando de esquizofrenia em uma residência terapêutica, o tratamento nas moradias assistidas melhora o quadro clínico de sua irmã. Ela conta que “antes de procurar uma residência terapêutica, sua irmã mal recebia a família”.
O retrocesso Em antemão a esse progresso, o Brasil sofre alguns retrocessos. Um exemplo é a Nota Técnica N 11/2019, divulgada pelo coordenador da pasta de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro Júnior, em fevereiro de 2019. Já retirada do ar, a NT causou polêmica e gerou discussões entre os profissionais da área. Contendo 32 páginas a respeito das novas diretrizes voltadas para a saúde mental, o texto abala as principais pautas defendidas pela Luta Antimanicomial. Em síntese, a nota retoma antigas técnicas usadas nos centros psiquiátricos, como a eletroconvulsoterapia - ECT, método que gera uma convulsão através de estímulos elétricos. A especialista, Juliana Lott, explica que a norma técnica apresenta pontos que divergem do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente, quando prevê a internação de menores, com a privação do convívio destes com sua família e a sociedade.
DOSSIÊ SAÚDE MENTAL
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CUIDANDO DE QUEM CUIDA Os desafios profissionais e pessoais do especialista da saúde mental Beatriz Fernandes Mariana Costa
para o autoconhecimento”, explica. Os desafios na profissão Em um mundo moderno, com um estilo de vida cada vez mais corrido, a estafa profissional pode ocorrer em todas as profissões, principalmente naquelas que envolvem níveis elevados de estresse. E os profissionais de saúde estão nessa categoria. Atualmente, também outros fatores de preocupação surgem, como remuneração baixa, falta de planos de carreira e previdenciários, deixando o horizonte incerto e preocupante. Para a psicóloga Nívia Silva, esses são os maiores desafios da profissão: “a desvalorização da saúde e a carga horária inadequada”. Pensando nisso, surge a pergunta: quem cuida da saúde mental desses profissionais? Desde a graduação, o profissional em formação é orientado a procurar acompanhamento psicológico como requisito para uma atuação saudável no mercado. “Não podemos ser
onipotentes, cuidando de várias pessoas e achando que não precisamos de cuidado”, esclarece Vanessa Gontijo. Segundo ela, todo profissional de saúde mental deveria estar em tratamento. Mas, nem sempre isso acontece. A principal razão é que não há uma obrigatoriedade dos profissionais em fazer qualquer tipo de acompanhamento. É o que explica Gilmar Fidélis, psicólogo, coordenador geral e tutor no Programa de Tutoria da Faculdade de Medicina da UFMG. “Não existe, no Código de Ética de nenhuma das duas profissões, qualquer dispositivo que obrigue psicólogos e psiquiatras a passarem por acompanhamento psicológico ou supervisão. E esse talvez seja o maior problema, porque depende do bom senso de cada profissional. ” Assim, para ele, os professores e tutores devem se preocupar em mostrar para os alunos a importância do acompanhamento. Todos os profissionais
entrevistados relataram terem passado pela terapia em algum momento da vida profissional, entretanto, nem todos permanecem com acompanhamento. Vivian Figueiredo, que atua na psicologia há nove anos, nos conta que “a terapia para o psicólogo possui algumas particularidades, por se tratarem de dois profissionais. Ele não deixa de ser um especialista, mas ele precisa entrar no lugar de paciente para que o procedimento aconteça da melhor maneira. Talvez essa seja a maior dificuldade”, conclui. Sobre a periodicidade, Fidélis nos explica que o ideal é que seja feito semanalmente, mas que pode ser feito quinzenalmente ou até mesmo mais de uma vez por semana, dependendo de cada situação. Outro ponto relevante é não se deixar afetar pelos problemas trazidos pelo paciente para o consultório. Alguns profissionais entrevistados relataram já terem encontrado dificuldade
de separar as questões. Nívia Silva confessa que já se deixou influenciar algumas vezes pelos problemas dos clientes, mas que a experiência profissional ajuda a superar. Para além de enxergar o psicólogo como profissional, é necessário ter uma visão empática dele enquanto pessoa, que é responsável por administrar cargas emocionais não apenas internas, mas também externas. A habilidade de escutar e aconselhar o outro não pode ser totalmente desenvolvida em uma formação de 5 anos, assim como o exercício não o faz menos humano, vulnerável e necessitado de acompanhamento. É necessário que ele atente às suas questões emocionais como qualquer outra pessoa, como premissa de um exercício saudável e coerente da profissão. Pois como alertou o psicólogo Gilmar Fidélis, “a gente pode dar aquilo que a gente sabe, mas quando você dá o que tem, você consegue ser mais transformador na vida das pessoas”. FOTOS: THAYANE DOMINGOS
Em uma sociedade doente emocionalmente, pode-se perceber um tabu ainda existente na maneira como o profissional da saúde mental é visto, seja ele psicólogo ou psiquiatra. Vemos vestígios dessa não compreensão no ato de igualar o psicólogo ao psiquiatra em uma mesma função. A psicóloga Vanessa Gontijo nos explica a diferença. “Um psicólogo faz uma graduação de 5 anos em psicologia. Ele pode atuar em várias áreas como educação física e em escolas, tendo várias linhas de pensamento. Mas ele não tem, na sua legalidade, o trabalho com medicação. Já o psiquiatra tem a formação em medicina e depois faz uma residência em psiquiatria, podendo prescrever remédios”. Em uma sociedade doente emocionalmente, pode-se perceber um tabu ainda existente na maneira como o
profissional da saúde mental é visto, seja ele psicólogo ou psiquiatra. Vemos vestígios dessa não compreensão no ato de igualar o psicólogo ao psiquiatra em uma mesma função. A psicóloga Vanessa Gontijo nos explica a diferença. “Um psicólogo faz uma graduação de 5 anos em psicologia. Ele pode atuar em várias áreas como educação física e em escolas, tendo várias linhas de pensamento. Mas ele não tem, na sua legalidade, o trabalho com medicação. Já o psiquiatra tem a formação em medicina e depois faz uma residência em psiquiatria, podendo prescrever remédios”. Para o psiquiatra Marco Túlio Aquino, cada vez mais existe um amplo reconhecimento da importância dos profissionais dessa área para as ações de saúde, seja no âmbito público ou privado. Visão semelhante tem a psicóloga Soraia Carellos: “Hoje, somos vistos como profissionais que podem ajudar não só em dificuldades, mas
Simulação do acompanhamento psicólogico de profissional da saúde mental
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Novembro Julho de 2019 Jornal Impressão
JORNAL DAQUI (BURITIS E REGIÃO)
O ESTRESSE NO TRÂNSITO FOTO: LUCIANO NETO
Como a difícil mobilidade no bairro Buritis afeta os moradores
Avenida Mário Werneck, bairro Buritis
Luciano Neto A população do Buritis reclama diariamente sobre os problemas do trânsito no bairro, mais especificamente na principal avenida, Professor Mário Werneck. Os desafios são recorrentes, excesso de veículos e cruzamentos sem semáforo são algumas das situações que atrapalham a vida do morador, em especial nos horários de pico. Em entrevista realizada na sede da Associação do Bairro Buritis (ABB), na noite do dia 5 de novembro, o especialista em trânsito Osias Baptista respondeu algumas perguntas dos moradores sobre o trânsito na região. Questionado sobre o excesso de veículos nas principais vias do bairro, Osias disse que os moradores podem optar pelo transporte público para diminuir o engarrafamento. Mas, o ex-presidente da BHTrans também assumiu que a região é pouco efetiva nos ônibus que atendem. “Estamos pensando em mudar
isso, são avenidas muito movimentadas que dão acesso ao Buritis”. Ele também elogia a estrutura do bairro, porém, faz alertas sobre a organização dos semáforos e dos cruzamentos, alegando que esses problemas afetam até mesmo a venda de imóveis no Buritis. Outro questionamento dos moradores é: de que forma a vazão da Avenida Professor Mário Werneck pode ser aumentada? Osias explica os estudos feitos para ajustes do trânsito e esclarece o motivo de não fazer a chamado “onda verde” (sincronia de todos os semáforos) para os ônibus que passam pela principal avenida do bairro. O engenheiro e morador do Buritis, Mauro Prosdocimi, de 64 anos, mostrou indignação com a entrevista do especialista da BHTrans. Ele alega ter que adaptar seus horários de reuniões e visitas técnicas por causa do tráfego para não se atrasar. Outro ponto citado sobre a entrevista é com relação
às soluções propostas. “A entrevista com o Dr. Osias, que muito respeito, me deixou indignado, primeiro que ele expressa o pensamento da equipe da BHTrans, onde foi o primeiro presidente. Falo isto com conhecimento de causa, pois participei da elaboração do projeto de racionalização do trânsito no Buritis em parceria com a ABB, especialmente o Paulo Gomide e nosso presidente, Bráulio Lara. Estivemos na BHTrans em diversas ocasiões, em reuniões com a presidência, diretoria e técnicos”, afirma o morador. Mauro também diz que, em sua visão, há um descaso do órgão com as sugestões apresentadas pela associação do bairro sobre o trânsito. Ele entende que as respostas não possuem argumentos técnicos e convincentes. Mauro também alega que a BHTrans não tem interesse em resolver ou amenizar os problemas do trânsito no Buritis. Ele questiona a proposta apresentada na entrevis-
ta, que visa influenciar a população a abandonar os carros e se locomover de ônibus. “Nosso emocional está sofrendo com isto, somam-se os fatores econômicos e políticos. Esta postura de “forçar uma mudança de comportamento”, a qualquer custo, ou seja, sem priorizar o bom senso, a racionalidade e gerar alternativas de transporte, é revoltante”, contesta Mauro. A também moradora, Beth Falcão, de 60 anos, disse achar o trânsito bem complicado pelo bairro não ter sido planejado para um número tão grande e crescente de habitantes. Ela ainda alega que a falta de educação dos motoristas também é um fator que prejudica a circulação. Hoje aposentada, Beth se adapta ao trânsito para evitar transtornos. “Quando tenho que sair para algum compromisso importante e para o qual não posso me atrasar, sempre fico um pouco ansiosa, porque sei que o trânsito do bairro é complicado. Por isso,
saio bem antes do horário para evitar estresse”, explica Beth. O motorista de transporte particular, Erick Andrade, de 30 anos, disse que desde que começou a trabalhar como motorista, há 4 anos, entendeu que o estresse do trânsito faz parte. “Eu não me estresso com trânsito mais, pois estou trabalhando com isso e recebo para isso. Porém, o bairro é mal planejado para receber uma quantidade muito grande de veículos”. Erick acrescenta também que, quando trabalhava como consultor imobiliário, chegou a perder vendas e desvalorizar alguns imóveis por causa do tráfego do bairro. Para evitar, o motorista alega passar por dentro do Buritis para procurar sair e escapar do trânsito na Avenida Professor Mário Werneck. Ações da BHTrans Em setembro deste ano, a BHTrans realizou algumas mudanças no bairro para maior fluidez do trânsito, com posicionamento de se-
máforos que facilitam a vazão para quem está indo sentido Palmeiras ou Anel Rodoviário, e alterações de mão dupla para mão única em algumas ruas de acesso à Av. Professor Mário Werneck. Segundo o Tenente da Polícia Militar, responsável pela comunicação do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), Marcos Said, foram registrados 253 acidentes na Av. Mário Werneck no período entre janeiro e agosto de 2019. A Associação do Bairro Buritis, por meio do seu presidente, Bráulio Lara, também mostrou certa discordância com relação às declarações do especialista em trânsito da BHTrans, Osias Baptista. “Precisamos que propostas sejam postas pela BHtrans e que se tome uma decisão para agir. Não podemos ficar na inércia quanto a esse problema que está posto há anos. Vamos buscar novas ideias e solicitar melhorias para o fluxo de trânsito da nossa região”, afirma Bráulio.