Edição 210 - Caderno 1

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH

Ano 36 | Nº 210 belo Horizonte | mg

Dezembro| 2018

FOTO: gIL bRAgA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Dossiê resistência: histórias de luta contra o preconceito e a opressão páginas 4 a 15

Grafite: a arte que colore as ruas e movimenta a cultura em BH Caderno do!s

tIRe A suA

IGnoRÂnCIA do CAMInho

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priMEiras paLavras

Dezembro de 2018 Jornal Impressão

edItoRIAl Arthur scafutto Os tempos exigem, de fato, mais empatia do que nunca. O conceito por trás dessa palavra é algo cujo peso é enorme, move montanhas e transforma todo ser humano por dentro.

Os que sempre tiveram mais liberdade no meio social, de uma forma geral, precisam transparecer que reconhecem esse privilégio de serem quem são sem receio algum. E com a facilidade de acesso à informação, que o desenvolvimento tecnológico proporcionou a todos, o ativismo também ganhou uma nova forma e, com ela, uma nova força.

A resistência implica em fazer com que as minorias, quaisquer sejam elas, não pereçam em meio à opressão onipresente na sociedade atual – seja na desvalorização de ideais de determinado grupo ou

mesmo em agressões físicas. Há quem bata o pé dizendo que o feminismo, por exemplo, é um extremismo que busca segregar os gêneros, quando, na verdade, a história mostra exatamente o contrário.

Mulheres ativistas estão na linha de frente da resistência militante em prol da liberdade feminina enquanto cidadãs. É quase engraçado se pararmos para pensar no quão absurdo era o fato de uma pessoa ser impedida de votar por ser uma mulher, ou ter um salário inferior ao dos homens – algo que indefere da sua capacidade de pensamento crítico e profissional.

Colocando em prática a resistência, o Movimento Negro luta pelo o espaço que historicamente lhe foi tomado durante a escravidão, além de regimes extremistas que buscavam segregação

eXpeDIeNte

racial como o Apartheid na África do Sul, que vigorou entre 1948 e 1994. A ascensão dos grupos militantes se dá principalmente de tudo que esses fatos históricos resultaram na sociedade, que busca, teoricamente, integrar todos da mesma forma.

Apesar da abolição da escravatura, sabemos que o povo negro sofreu e ainda sofre com poucas oportunidades, além de ter a sua cultura desvalorizada como o hip hop e a arte de rua.

Nessa edição, o jornal Impressão busca engrandecer histórias de resistência que persistem ao lutar para que seus ideais não padeçam em meio aos abusos e ao preconceito. A diversidade existe e não será extinta, a homogeneidade é o mais falacioso dos contos de fadas. Até os maiores estudos da

genética comprovam sua existência de forma complexa, mas, também autoexplicativa.

Nas próximas páginas, o repórter Marcelo Gomes menciona o golpe de 1964 e as resistências ascendidas neste período que, até hoje, testemunham como a guerrilha é decorrente de regimes totalitários e extremistas.

Já os repórteres Fernanda Cris e Marcelo Gomes, pautaram a população indígena –os mais legítimos nativos do território brasileiro. Uma das mais importantes causas a serem protegidas por movimentos de resistência, em busca de novas formas de sobrevivência física e cultural, uma vez que estes sofreram e ainda sofrem uma imposta e acelerada transformação social.E por falar em resistência integrada à nossa história, a

comunidade LGBTQ+ não está isenta – muito pelo contrário. Os berços da filosofia eram compostos e liderados por homens que mantinham relações afetivas com outros homens, a comunidade LGBTQ+ se integra como forte pilar da estrutura de nossa sociedade desde sempre, e está fortemente presente nesse dossiê.. Além disso, nosso jornal destaca também, nessa edição realidade que os afetados pela hanseníase que sofrem com o preconceito – alheio ou não – sobre o que é a doença, com depoimentos emocionantes de quem está imerso nessa situação.

Visto o conceito do atual dossiê, o Impressão te convida para se juntar ao movimento pela maior causa: a vida. Portanto, “se fere a sua, ou qualquer existência, seja resistência”!

HuMor

ReItOR prof. Rafael Ciccarini

DIRetORA DO CAMpuS BuRItIS profa. Cinthia Tamara V. Rocha

COORDeNADOR DO CuRSO De jORNALISMO prof. João Carvalho

LABORAtÓRIO De jORNALISMO eDItORA Dandara Andrade

DIAgRAMAÇÃO mia Rodrigues

pROjetO gRÁFICO Laboratório de experimentações gráficas (LegRA)

eStAgIÁRIOS Isabela beloti mia Rodrigues Vitória Ohana

ILuStRAÇÃO Agência Jr. de Criação publicitária (Da Vinci)

pARCeRIAS Agência Jr. de Criação publicitária (Da Vinci) Laboratório de Jornalismo Online Laboratório de Fotografia Laboratório de experimentações gráficas (LegRA)

IMpReSSÃO/tIRAgeM Sempre editora 3.000 exemplares

Sinto dizer que você está com um problema grave...

...que infelizmente está te deixando cego

Mas.... mas... o quê....

Como assim doutor?!

eleito o melhor jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003 O jornal ImpReSSÃO é um projeto de ensino coordenado pelo Laboratório de Inovação em Comunicação e Design.

É miopia ????

Hipermetropia????

Catarata ????

Não, não... ... é pior ainda.

É preconceito.

Mas tem cura viu?!

mesmo como um projeto vinculado ao curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. participe do jORNAL IMpReSSÃO e faça contato com nossa equipe: Av. mário Werneck, 1685 bH/mg Cep: 31110-320 Tel.: (31) 3207-2811 unibh.impressao@gmail.com

3 o futebol no COMBATE AO PRECONCEITO visão crítica

Os estádios brasileiros têm sido palco da intolerância de parte dos torcedores, com gestos racistas e homofóbicos.

Os recentes casos de preconceito no mundo do esporte trouxeram à tona a discussão sobre como combater a discriminação por gêneros, raças e etnias.

Como vencer o racismo, o machismo e a homofobia no ambiente que envolve a maior “paixão nacional”?

Em 2014, o jogador Daniel Alves foi manchete nos noticiários esportivos, quando jogava uma partida pelo Barcelona, na Espanha. Um torcedor do time adversário atirou uma banana contra Daniel, que surpreendeu a todos ao comer a fruta e voltar para a partida. Esse é um entre vários casos de racismo registrados no mundo do futebol, que ficam ainda mais em evidência frente a audiência que o esporte explora em todas as mídias.

Outro caso que gerou polêmica foi o da bandeirinha Fernanda Colombo, durante um clássico mineiro cujo resultado foi a vitória do Atlético por 2 a 1, contra o Cruzeiro, ocasião em que muitas ofensas foram direcionadas a ela. A catarinense teria cometido um erro e, por isso, teve a sua atuação criticada por um dirigente que, durante uma entrevista, ressaltou os atributos físicos de Fernanda, sugerindo que ela posasse para uma revista masculina em vez de trabalhar com futebol.

Os eventos esportivos são espaços interessantes para pensar a sociedade. Especificamente em relação ao futebol, os estádios têm uma certa “permissividade” comportamental do torcedor. Às vezes, uma pessoa extremamente quieta e calma, adota um comportamento completamente diferente no estádio, pois existe essa “abertura” natural, estimulada pelo espetá-

culo e influenciada pelas multidões.Mas, essa mesma permissividade faz com que determinados limites sejam ultrapassados.

Um dos aspectos mais discutidos é a falta de iniciativas por parte das autoridades para combater os atos preconceituosos. Para muitos, ainda não existem punições severas.

As pessoas se sentem no direito de agir dessa maneira sabendo que sairão impunes. Enquanto essa omissão ocorrer, tolerando toda e qualquer ofensa, ataques continuarão acontecendo, usando o esporte como meio de propagação de mensagens de ódio. O futebol, popular no mundo inteiro, deve usar sua audiência e seu prestígio para passar um recado que exalte o respeito, a igualdade e a punição contra esse tipo de atitude.

Alguns clubes brasileiros já realizam campanhas de conscientização, seja por meio de faixas em jogos, na camisa do clube ou

ILUSTRAÇÃO: DA VINCI

Carolina Rizzo

Dezembro de 2018 Jornal Impressão

em peças publicitárias.

Como o Cruzeiro, que prestou um serviço no dia Internacional da Mulher. A equipe entrou em campo levando reflexões sobre os problemas sofridos por mulheres no Brasil e no mundo. Todos os jogadores carregavam, em seus uniformes, números relativos às estatísticas das dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seu cotidiano, como violência domiciliar, discriminação, preconceito e machismo. A campanha foi premiada com o

Leão de Bronze, na categoria “Media” (Meios de Comunicação), do 64 Cannes Lions, o Festival Internacional de Criatividade, na França.

Outra ação que merece destaque foi criada pelo Esporte Clube Bahia. Em uma referência ao Dia da Consciência Negra, os jogadores entraram em campo com nomes de heróis e heroínas da história afro no Brasil em suas camisas. O tricolor baiano já vinha dando sinais de que queria se reaproximar do públi-

co negro e resgatar a ideia de ser um clube popular. Desde 2014, o Bahia tem como mascote a “Lindona do Bahêa” (uma versão negra da mulher-maravilha).

Atitudes como essa são extremamente importantes. É o mínimo que cada clube deveria fazer em prol de uma sociedade mais tolerante. O papel do esporte como protagonista de ações de impacto e de grande visibilidade contra o preconceito é fundamental. Ele pode mudar realidades.

rodapé Um sonho real Carolina Rizzo Um sonho estranho, um lugar desconhecido, mas não sinto nenhum medo, pois, olhei para o lado e te encontrei sorrindo para mim e dizendo: “vai ficar tudo bem, eu estou aqui e irei te proteger”. Eu sempre acreditei e senti segurança nas suas palavras, contudo, agora não é só como nos sonhos, é também na nossa realidade. Agora não é como nas outras vezes, em que você me disse que não ia deixar nada de ruim acontecer com a gente. As coisas ruins foram acontecendo aos

poucos, se juntando, se entulhando e transformando-se nesse caos.

Não estamos falando só de mim , estamos falando de nós dois, do nosso amor e do nosso futuro, que, por hora, foi interrompido. Você se foi de uma forma tão drástica que meu coração chora por não aguentar tanta dor. A gente quase sempre age como se a vida fosse eterna. Passamos por cima de pessoas, sentimentos, ignoramos momentos, fatos, nos reduzimos aos pensamentos mesquinhos, pessimistas, preconceituosos, como se a vida fosse seguir eternamen-

Violet, a fada biomédica te. Como se aprender pudesse ficar para amanhã.

As lembranças de você são constantes em meu pensamento, não consigo mais me esquecer daquelas noites quando você me deitava em seu colo e dizia com aquele sorriso lindo no rosto: ‘’faça valer diariamente o dom mais precioso que você recebeu: o dom de viver, o dom de estar vivo’’. E hoje, mais do que nunca, essas palavras tocam o meu coração. Apesar de não poder te escutar, te ver, sinto sua presença, sinto sua falta todos os dias e vivo, vivo como se não houvesse amanhã, vivo por nós.

Allysson Aguiar No mundo das fadas pocs, andróginas, como Peter Pan, entre outros milhares, existia a Violet Chachki, a biomédica. Violet notou que ia dar close na estética quando ainda era ninfeta e já se destacava, pois, brilho não é para todas. Ao se formar no ensino médio das fadas, resolveu sair da sua floresta no interior para estudar na cidade de Saint Mary Clair .

Entrar na universidade das fadas foi fácil, Violet estudava sozinha no YouFadas. Brilhava em todas as disciplinas,

principalmente nas que envolviam estética: era a louca do botox. Ser a melhor lhe custou várias inimigas penosas, porém, Violet sempre soube que fada bonita é fada odiada.

Ela começou a fazer estágio na empresa de estética Courtney Act. Fazia tudo o que queria: alongamento de asas, botox milenar, troca total de pele e bronzeamento de diamantes.

Era fina, enjoada.

Todavia, como a vida de qualquer ser mágico, as trevas tentaram derrubá-la. A Courtney Act foi vendida para a Kimora Black, uma em-

presa especializada em tanatopraxia de ogros. O que ela mais temia estava acontecendo: trabalhar com cadáveres.

Umas das fadas mais pintosas, a Miss Fame, começou a dar close em outra empresa de estética, a Latrice Royale, e lembrou de Violet. Ela não pensou duas vezes e saiu voando, ficando só com as lembranças da extinta Courtney Act. Violet e Miss Fame voltaram a espalhar brilho por toda Saint Mary Clair e não foram tombadas pelo close errado da Kimora Black e suas fadas penosas.

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dossiÊ rEsistÊNcia

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A ResIstênCIA esQueCIdA o golpe de 1964 foi dado por militares, mas parte da categoria rebelou-se contra o regime, formando guerrilhas, como a caparaó Marcelo Gomes “Porque resolveu desenterrar essa história, que aconteceu há tanto tempo?”, indagou Euzedir Galvão com surpresa, a poucos minutos de nos conhecermos. A conversa com a senhora de 70 anos aconteceu durante o trajeto da rodoviária de Valença, na Bahia, até sua casa, onde mora com seu marido, Arakem Galvão, um dos protagonistas da referida história: a Guerrilha do Caparaó.

Acontecimento negado por escolas e universidades, essa guerrilha foi o primeiro movimento composto, em sua maioria, por oficiais das forças armadas contra o regime militar vigente no país após 31 de março de 1964.

Antes de percorrer cerca de 1.400 quilômetros que separam Belo Horizonte de Valença, onde vive Arakem, eu já tinha duas constatações em mente. A primeira era que estava indo conversar com um grande personagem da história do país. A segunda é que conheceria uma figura à altura de Graciliano Ramos e tantos outros importantes nomes da literatura brasileira.

“Pode escrever isso”, foi o que assegurou José Caldas da Costa. Jornalista e escritor capixaba, José é autor do livro Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura.

Trabalho de dez anos de produção, é um rico acervo do que foi esse momento da história, no qual, entre os envolvidos, estavam também o governo Cubano e Leonel Brizola.

A história começa no momento em que forças opositoras ao vice-presidente de esquerda, João Goulart, não desejavam vê-lo na cadeira presidencial, como

assim deveria ocorrer em virtude da renúncia do então chefe do Executivo, Jânio Quadros, em 1961. Porta-voz da esquerda na época, Leonel Brizola trabalhava com afinco na posse de Goulart, que tornou-se mandatário mediante muitas articulações políticas. Além disso, desde o início do século XX, o medo do comunismo tirava o sono de setores da população e do governo.

Um documento do Ministério da Justiça, da década de 1930, mostra a preocupação por parte das autoridades. Nele, o ministério determinava aos órgãos militares censura à imprensa, sob o argumento de evitar a intranquilidade pública. Publicações com referências “à atividade comunista” eram proibidas.

O receio da implantação do comunismo no Brasil culminou com o golpe de Estado de 31 de março de 1964. Ele foi uma articulação de diferentes setores da sociedade como boa parte da classe média, da imprensa, do empresariado, do governo norte-americano, e das forças armadas, em prol de expurgar a ameaça comunista, representada por João Goulart. O então presidente exilou-se imediatamente no Uruguai, junto com seus apoiadores, dentre os quais Brizola, e logo articularam-se para reverter a situação instalada no Brasil.

“Eu sempre fui patriota. Quando eu vi o exército dar um golpe e se associar aos Estados Unidos foi o estopim para eu entrar na Guerrilha do Caparaó”, conta Arakem Galvão, um dos insurgentes. Arakem e outras 20 pessoas - há controvérsias sobre esse número -, pouco depois do golpe, subiram a Ser-

ra do Caparaó, região que divide o Espírito Santo e Minas Gerais, para criarem o primeiro foco de resistência ao regime. Em sua maioria, o grupo era composto por oficiais das forças armadas. Arakem, por exemplo, era sargento do exército.

Os guerrilheiros não foram juntos de uma vez à serra. Foram aos poucos, ao longo dos três anos em que durou a resistência, de 1964 a 1967. Além de Arakem, José Caldas aponta em seu livro outros personagens importantes: Amadeu Felipe, Avelino Capitani, Amaranto, Edival Mello, Jelcy Rodrigues e Jorge Silva.

A Serra do Caparó foi escolhida pelos guerrilheiros pelo fato de ser um ponto estratégico, ao contrário do Sul do país, região onde outras tentativas de resistência foram empenhadas pelo grupo de Goulart.

A área estava relativamente próxima da capital federal e do Rio de Janeiro, braço de apoio da guerrilha; essas cidades ainda eram centros políticos e econômicos.

Além disso, na região, o grupo contou com o apoio do Movimento Nacional Revolucionário (MNR), organização armada socialista, e do governo cubano, que financiou a guerrilha em seus momentos iniciais. Membros do grupo também realizaram cursos de luta armada em Cuba.

Batalha diária A vida na serra não foi fácil. Escassez de alimentos e doenças acompanharam os insurgentes. “Andávamos para cima e para baixo, pegávamos muita chuva, passávamos fome”, relatou Arakem, lembrando ainda que o grupo competia comida até com os ratos.

Manchete do jornal Estado de Minas, de abril de 1967

Natural de Jequié, interior da Bahia, Arakem contou que não sabia, num primeiro momento, quais seriam as atividades da Guerrilha.

“Eu peguei um mapa do Brasil e disse para Amadeu: ‘você acha que nesse grande país vamos conseguir mudar alguma coisa? Somos tão pouco’. Amadeu me respondeu: ‘o importante é que a gente comece o primeiro gesto de rebeldia, o resto a história vai dizer”, recordou Akarem.

A historiadora capixaba Dinoráh Rubim, em sua dissertação de mestrado sobre a guerrilha - um dos poucos registros sobre o assunto - aponta que, nos períodos iniciais do movimento, “cerca de duas toneladas de ar-

mamentos e cem quilos de dinamite chegaram à Serra do Caparaó”. Para levar tais artigos serra acima o grupo teve que driblar a polícia.

Arakem foi um dos responsáveis por levar um dos carregamentos de armas. Apesar de todo o armamento, não houve nenhuma resistência, inclusive a fogo, por parte do grupo, mesmo quando a Polícia Militar de Minas Gerais descortinou toda a insurreição.

1967, o fim Arakem conta que, quando os militares descobriram o esconderijo do grupo, na mata, ele estava fazendo a barba. “Quando a polícia chegou Amaranto me disse: ‘e agora?’. Aí eu respondi: ‘Rapaz, eu estou preocupado só

se voltaremos a sentar na mesa de um bar e recordar essa história”, brinca Arakem. O grupo foi descoberto, segundo Dinoráh, por meio de denúncias da população local.

“Era 1 de abril de 1967 e o sol nascia sobre o acampamento quando as prisões foram efetuadas. Uns tomavam café e outros ainda estavam dormindo. O subtenente Zezinho e o Cabo Rocha, do primeiro batalhão da Polícia de Minas, sediado em Manhuaçu, comandaram o cerco ao acampamento. Não houve resistência, nenhum tiro foi disparado, e o comandante militar da guerrilha, Amadeu Felipe, estava rendido.

Morria ali o primeiro foco da resistência ar-

DOSSIÊ RESISTÊNCIA

5 Foto: marcelo gomes

mada no Brasil”, afirma a historiadora capixaba em seu trabalho de mestrado.

A partir daí os guerrilheiros não tiveram outra opção à prisão.

Nos três anos seguintes, Arakem ficou preso e, um dia, precisou ir ao médico. Ele aproveitou a ocasião para fugir.

Logo, exilou-se em diversos países da América do Sul, como Uruguai e Peru, onde pode estudar história.

Hoje, aos 82 anos, Arakem se orgulha de ter participado da insurgência. “Nós fomos os primeiros a nos rebelar frente a nação acovardada. Fizemos a Guerrilha.

O fato de um grupo de ex-militares, de classe média baixa, sem o segundo grau completo, o “científico”, como se chamava na época, ter se insurgido... eu acho que em algum momento alguém vai

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dizer que aqueles caras tiveram coragem”, afirma Arakem.

Militares contra o regime Na época da ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985, diversos movimentos foram organizados contra o golpe, parte deles, formado por militares. Entre esses grupos, existiu o Comando de Libertação Nacional, o Colina, e a Organização Revolucionária Marxista Política Operária, a Polop. Envolveu-se nesses grupos ao longo da vida, o exmilitar da Aeronáutica João Lucas Alves. João é um dos desaparecidos nos porões da ditadura.

Informações sobre sua vida constam em documentos das Comissões Nacional e Estadual da Verdade, instituições cujos objetivos são lançar luz sobre a memória do período ditatorial brasi-

Capa do livro ‘‘Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura”

O casal Galvão na sua casa ,em Valença, Bahia

leiro e as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime.

Se estivesse vivo, neste mês, João Lucas faria 83 anos. Nascido em Pernambuco, morreu aos 33

anos na antiga Delegacia de Furtos e Roubos, no bairro Floresta, em Belo Horizonte, em março de 1969. Uma das coordenadoras técnicas da Comissão Estadual, Helena Amorim, indica que existem duas interpretações sobre a morte do ex-militar.

Uma alega seu suicídio, a outra, defendida pela Comissão, é de assassinato.

De acordo com o relatório final da Comissão Estadual da Verdade “em 2013, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos Humanos, solicitou ao setor técnico da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado de Minas Gerais, um laudo de perícia criminal, para obter informações em relação à causa da morte. Em resposta, os peritos Rodrigo Octavio de Paiva e Gustavo Guimarães Parma afirmaram, com base no laudo de necropsia, que a causa da morte por asfixia mecânica seria compatível com as condições em que o corpo foi encontrado e que os peritos não tiveram como apontar uma causa diferente da mencionada (suicídio). Uma informação técnica foi encaminhada um ano depois pelo mesmo se-

tor, reforçando a versão do suicídio. Já durante audiência pública realizada pela Comissão Nacional da Verdade em 2014, o médico legista João Basco Nacif da Silva, signatário do laudo necroscópico de João Lucas Alves, confirmou que as lesões no corpo, descritas no laudo, foram decorrentes de tortura.

Conforme Helena, João Lucas foi expulso da Aeronáutica após participar da Rebelião dos Sargentos, protesto de militares que reivindicavam melhores condições de trabalho no início da década de 1960. Depois disso, ele aliou-se aos grupos armados de resistência.

Devido às atividades de insurgência, João Lucas transitava constantemente entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde foi preso após denúncia de um vizinho. Em sua casa foram encontradas obras de Kalr Marx, fato que, para as autoridades, levava a crer que ele era comunista.

“Apesar disso, a polícia do Rio de Janeiro não conseguia ligá-lo a nenhum movimento, pois não havia provas concretas”, afirma Helena.

No entanto, a polícia carioca o transferiu para a capital mineira, onde sabiam que possuía laços.

Resistência Desde os meus primeiros contatos com Arakem, percebi que ele não se sentia à vontade em rememorar a fase da vida em que esteve na guerrilha. Em um determinado momento da visita à sua casa, ele confirmou que não possuía grande interesse em recontar as histórias do Caparaó.

“Me causa desânimo ter lutado tanto por esse País e ver essa juventude não fazer nada nesse momento pelo qual passa o Brasil”, justifica Arakem sua desmotivação em recordar as memórias da guerrilha. Atualmente, ele e sua esposa, Euzedir, vivem pacatamente em uma bela casa em Valença. O “bela” não é à toa.

Ele e Euzedir transformaram a casa em centro cultural, onde pautas sociais são discutidas; é de lá a origem da vasta obra de Arakem, entre elas, 17 livros publicados, que abarcam contos, crônicas, romances, monólogos, peças teatrais, entre outras; além disso, a residência abrigará um museu. “O objetivo desse projeto é expor a magia que é a cultura brasileira.

Isso será a minha resistência, afinal, não posso mais lutar como antes, pois estou com câncer e debilitado”, revela Arakem.

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DOSSIÊ RESISTÊNCIA

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Brasileiros natos Foto: reprodução/xapuri.info

Longe de suas terras de origem, povos indígenas lutam para preservar sua existência e conquistar seu lugar no meio urbano

Avelin Buniacá trabalha para trazer visibilidade política às causas indígenas

Fernanda Cris Gomes Marcelo Gomes “Esta população, em sua grande maioria, vem enfrentando uma acelerada e complexa transformação social, necessitando buscar novas respostas para a sua sobrevivência física e cultural e garantir às próximas gerações uma melhor qualidade de vida”, alerta a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em seu site oficial, sobre a condição de vida dos povos indígenas no Brasil.

A fundação também denuncia os inúmeros problemas enfrentados pelos indígenas na luta pela preservação de sua existência. Entre eles, estão as invasões e degradações territoriais e ambientais de seus territórios, a exploração sexual, o aliciamento e uso de drogas, a exploração de trabalho, inclusive infantil, e a mendicância.

Tudo isso culminando

em um êxodo desordenado de indígenas para as cidades.

“O indígena é o brasileiro nato... não existe país sem a nação indígena, sem nossa luta, nossa fé, força, resistência e beleza”, defende a indígena, que faz parte do projeto político Gabinetona (PSOL), Avelin Buniacá. Pertencente à etnia Kambiwa, atualmente junto ao povo da recém retomada aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, Minas Gerais, Avelin decidiu entrar no meio político por perceber que as causas indígenas são invisíveis e inviabilizadas. “É preciso que sejamos protagonistas da nossa história e do Brasil”, declara Avelin.

O Banco de dados CACI (Cartografia Dos Ataques Contra Indígenas), feito pela Fundação Rosa De Luxemburgo, mostra que 1.071 indígenas no país sofreram ataques neste ano.

Ainda de acordo a fundação, dos 687 casos de assassinatos de indígenas, 377 (54,88%) foram registrados só no Mato Grosso do Sul. Em virtude desse fato, a entidade alega que há no estado um genocídio contra os indígenas.

Na universidade Anna Carolina de Paiva Leal, 23 anos, cursa pedagogia na UFMG e conta que, no início, não foi nada fácil a interação com os estudantes indígenas, já que eles vinham de uma realidade bem diferente da que ela conhecia.

Contudo, isso não a impediu de tentar se aproximar e passar a se dedicar no apoio à causa indígena no ambiente universitário.

O primeiro e único levantamento estatístico, de caráter nacional, sobre as escolas indígenas, foi feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira) em 2005. O relatório revelou que o país possuía, até aquele ano, 2.323 estabelecimentos de educação escolar básica indígena, sendo que 931 foram criados entre 1999 e 2005. Minas Gerais, o quarto maior estado do Brasil, possuía, em 2005, apenas 10 escolas indígenas.

Anna aponta que os estudantes indígenas que não falam o português contam com a ajuda de tradutores contratados pela FIEI (Formação Intercultural de Educadores Indígenas), mas que “poucas interações com outros estudantes são propostas e concretizadas”.

O FIEI é um programa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tem o objetivo de formar e habilitar professores indígenas, com enfoque intercultural. O programa é voltado para os

professores de aldeias indígenas que exercem o magistério, mas que ainda não tiveram a oportunidade de se qualificar para a profissão por meio de um curso superior.

O Governo Federal possui alguns programas que buscam incentivar e amparar o indígena que queira ter uma formação superior. Entre eles, o que mais se destaca é o Prolind (Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas), destinado a apoiar a realização de cursos específicos para a formação de professores indígenas. Nele, as aulas são divididas entre a instituição de ensino superior (o chamado Tempo Universidade) e atividades de formação nos territórios indígenas (Tempo Comunidade).

A União também oferece ao universitário indígena uma Bolsa Permanência que tem

como objetivo “minimizar as desigualdades sociais e contribuir para a permanência e a diplomação dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica”, como explica os gestores do programa. O valor da bolsa deve ser igual a pelo menos o dobro da bolsa paga aos demais estudantes (R$ 800) em bolsas de iniciação científicas (R$ 400,00).

Segundo a Assessoria de Imprensa da UFMG, dos 163 indígenas matriculados, 33 concluíram o curso no segundo semestre deste ano. Entre os interessados em uma pós-graduação o número foi bem maior: todos os 34 indígenas matriculados conquistaram seu diploma.

Apesar do IMPRESSÃO ter conseguido o contato de alguns estudantes indígenas através da Assessoria de Comunicação da UFMG, até o fechamento desta

DOSSIÊ RESISTÊNCIA

Representatividade Andréia Baia Prestes, 38, ou Raial Orutu, como é conhecida pelo seu povo Puri, no Acre, é graduada em Direito e Mestre em Antropologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Ela trabalha como antropóloga no DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) e é voluntária na FEPHAC (Federação do Povo Huni Kui do Acre). Raial revela ao IMPRESSÃO os desafios do povo indígena no meio urbano e a importância do respeito pela sua cultura.

1. Como você definiria o índio? “Índio’ é um elemento da tabela periódica, ou um termo impróprio para designar o que somos, que no caso é: indígena. Resumidamente, ser indígena é ter um mundo diferente habitando em você.

É ter que conciliar esse mundo com uma realidade que não é sua e que, muitas vezes, lhe é hostil. Mas é também ter uma resistência infinita e uma fé imensa de que esse mundo que eu carrego dentro de mim é o verdadeiro. É o mundo no qual as coisas fazem sentido de verdade, onde eu posso ouvir a voz de meus ancestrais e dos Encantados e no qual eu encontro o equilíbrio para seguir adiante. Mesmo que do lado de lá me digam que nada disso é real, basta eu fechar os olhos e ver.

2. Como tem sido a luta pelo direito à educação, a saúde e a manifestação e preservação da cultura indígena?

Bom, a luta do indígena começou em 1492, né? Lutamos para nos mantermos vivos, para que nos permitissem ser quem somos. Não é uma coisa que termina hoje ou amanhã. É um processo contínuo.

No caso, falando de Brasil, podemos dizer que a constituição de 1988 trouxe um novo olhar para a questão indígena, ao pontuar o direito à diferença. Ou seja, além dos direitos que temos como cidadãos brasileiros, é nos permitido também o respeito às nossas especificidades culturais. Então, em tese, podemos exercer nossa cultura, mas ao mesmo tempo somos bombardeados pelo racismo. Então, na realidade, ser indígena é um exercício diário de se colocar no mundo e ser aceito do jeito que se é.

A saúde é outra grande luta dos povos indígenas. Foi pela mobilização popular que conseguimos conquistar a criação de um subsistema de saúde indígena vinculado SUS, o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) e a implantação de equipes de saúde nas aldeias. Mas, isso criou algumas questões que também são discutíveis, como, por

exemplo, o excesso de medicalização e casos de desvalorização das práticas tradicionais indígenas. Ainda falta muito para que as práticas da medicina tradicional indígena tenham o devido respeito pelo SUS. Penso que, nesse quesito, muito há que se caminhar para podermos falar realmente de respeito e igualdade.

3. Quais são os principais impactos que a conclusão do curso superior tem na vida do indígena e de sua tribo?

Eu entendo que a educação formal dá ao indígena a possibilidade de falar por si próprio, perante o mundo não-indígena, sem a necessidade de um intermediário. No tocante à minha área de estudo, isso é muito importante porque, durante séculos, a antropologia era uma ciência do branco colonizador que falava sobre aquele grupo primitivo e seus hábitos exóticos. Havia um discurso de que ou evoluiríamos ou seríamos extintos. Provamos que nem uma coisa nem outra! Seguimos vivos e seguimos com o desejo de que nossa cultura e nossa cosmovisão seja respeitada. Então, ter um antropólogo do próprio povo falando pelo povo é um ganho, até para que não haja distorção nas traduções.

que não oferece uma dieta diferenciada e na escola que não ensina sobre a diversidade cultural existente no país.

5. Os indígenas têm representatividade nas pautas de políticas públicas?

Somos forçados a partilhar de uma mesma realidade, e o que fazem no mundo de vocês afeta os nosso mundos também. E, no caso de políticas públicas, quando chega para o indígena, chega como um pacote fechado, sem possibilidade de adaptação.

Então, penso que falta participação política efetiva. Muitos indígenas têm o entendimento de que um dos caminhos possíveis seria ter representantes indígenas eleitos no legislativo, mas, apesar de inúmeras tentativas, isso ainda não foi conseguido.

6. Qual a importância de incentivar e apoiar as manifestações culturais indí-

genas?

Eu acredito que só é possível superar o preconceito por meio do conhecimento sobre a diversidade. Então, penso que as escolas são muito importantes nesse papel. Por isso, ter um espaço para o exercício da diversidade é essencial para desmistificar e tirar nossa cultura do exotismo. Indígena saudável é aquele que tem sua cultura viva e forte. Não é exagero.

Para nós, é questão de sobrevivência e sanidade - mental, inclusive poder exercer livremente nossa cultura.

7. O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre as tribos indígenas?

Bom, gostaria que soubessem que, apesar de sermos vítimas do maior genocídio da história, ainda somos muitos. Não somos genéricos, não temos todos a mesma aparência.

Não somos preguiçosos, nem fedidos; não somos burros, não matamos crianças, não cremos

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em superstição, não temos “mitos”, mas uma história e um sistema de crenças próprio. Gostaria que soubessem que temos ciências, tecnologias e conhecimentos enormemente sofisticados e desenvolvidos, baseados em nossa própria perspectiva. Portanto, não é correto compará -los com os valores e padrões ocidentais. Somos professores, artistas, escritores, desenhistas, funcionários públicos.

Nos conhecer é fundamental para ampliar a visão sobre a diversidade e descobrir a sua enorme beleza. Mas que fique claro, conhecer um povo e sua cultura não é uma excursão a um jardim zoológico ou parque de diversões. É importante ter respeito, entender os limites e, também, saber que elementos da nossa cultura nos são importantes e vitais, por isso, não devem ser apropriados por terceiros. Por exemplo, nada de usar cocar indígena no carnaval e dizer que está fazendo homenagem, beleza?!

Foto: Reprodução/cAROL MIRA

edição, nenhum deles respondeu nossas perguntas.

A estudante Anna Carolina denuncia que o preconceito contra os indígenas ainda é grande: “Mesmo na faculdade de educação ainda perguntam se esses estudantes usam roupas, celular e computador. O imaginário social que se tem de indígenas é o mesmo do ano de 1.500.”

De acordo com o último censo demográfico publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a população brasileira somava cerca de 190.755 milhões de pessoas, das quais 817.963 mil eram indígenas, divididos entre 305 etnias diferentes.

Belo Horizonte é o segundo município mineiro com a maior quantidade de indígenas em seu território.

São, ao todo, 3.477 índios vivendo nas zonas rural e urbana da capital mineira. O município de São João das Missões ocupa o primeiro lugar no levantamento com 7.936 moradores indígenas.

Dezembro de 2018 Jornal Impressão

Como advogada, eu me formei para ajudar meu povo. É um compromisso de vida, de sangue e de parentesco.

4. Na sua opinião, quais são as principais dificuldades que as tribos indígenas enfrentam no ambiente urbano?

O preconceito. A cidade não se cansa de nos lembrar que nós não pertencemos a ela.

Isso está na falta de paciência do atendente de banco para com a indígena que não tem o domínio da língua portuguesa, no hospital

Andréia Baia acredita que só é possível superar o preconceito por meio do conhecimento sobre a diversidade

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DOSSIÊ Resistência

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a potência do afeto FOTOs: RAFAEL LOPES

No país que mais mata LGBTQ+ no mundo, trans buscam forças na arte e no amor Rafael Lopes “Se passaram anos difíceis. Momentos que destruíram muitos corações, perdemos várias pessoas ao decorrer dessa caminhada. Acho complicado dizer as coisas que mais quero contar, mas é necessário deixar registrado como forma de consciência e existência”.

Essa seria a minha declaração se eu estivesse escrito a canção Fuck You, da cantora Lily Allen, que em algumas partes da música repudia a homofobia e confronta os preconceituosos:

Fuck You Look inside Look inside your tiny mind Now look a bit harder ‘Cause we’re so uninspired So sick and tired Of all the hatred you harbour So you say It’s not ok to be gay Well I think you’re just evil You’re just some racist Who can’t tie my laces Your point of view is medieval Reconhecimento Em 1969, no dia 21 de junho, na cidade de Greenwich Village, nos Estados Unidos, um grupo de gays, lésbicas, travestis e Drag Queens foram para ruas reivindicar seus direitos civis. Esse dia ficou conhecido como Stonewall Riot (Rebelião de Stonewall) e é considerado o marco zero do movimento LGBTQ+ contemporâneo e, por consequência, comemora-se o dia do orgulho LGBTQ+.

No Brasil, os primeiros relatos sobre mobilização do movimento surgem a partir dos anos 70, em meio

Thaysa Natiely vestindo fantasias que ela mesma produziu

a ditadura civil-militar (1964-1985). Os grupos se encontravam em bares secretos, onde poderiam ser livres para ser o que quisessem ser. Esses bares eram conhecidos como “guetos”, onde a comunidade LGBTQ+ podia distribuir panfletos e colher assinaturas para a criação de manifestos. Ao longo desse tempo, na década de 80, a comunidade LGBTQ+ sofreu uma terrível golpe: o vírus HIV, que matou muitos membros pelo mundo e mudou o foco das reivindicações políticas do grupo. A AIDS trouxe mais uma infâmia, deixando a imagem de “portadores de uma doença incurável”, ganhando o nome, na época, de “câncer gay”. Esse estigma persegue a comunidade até os dias de hoje. Como a proliferação da doença, a violência e discriminação só aumentou no país. Milhares de pessoas foram, e ainda são, mortas por casos de homofobia e pre-

conceito. Em 1980, foi fundado o GGB (Grupo Gay da Bahia), que tem como objetivo lutar por pautas sobre saúde, segurança e diretos da comunidade.

Nos índices de violência, segundo o GGB, o Brasil é considerado o país que mais mata LGBTQ+ no mundo.

Em 2017, morreram cerca de 445 pessoas. Se comparado aos números de 2016, estima-se um aumento considerável, de 30%.

Todos esses crimes foram motivados por homofobia.

A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 725 denúncias de violência, discriminação e outros abusos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros no primeiro semestre de 2017. Esses números deixam claro o que a comunidade LGBTQ+ sente na pele todos os dias. O Centro de Referência LGBT de Belo Horizonte garantiu que

está trabalhando para diminuir a discriminação e homofobia na cidade. O coordenador do CRLGBT, Gustavo Magalhães, disse em matéria da página oficial da prefeitura de Belo Horizonte que “os desafios são constantes, uma vez que as violências contra essa população são graves e cotidianas. Mas, é nosso foco trabalhar em busca de melhorar a qualidade de vida de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”.

Com isso, foram surgindo vários coletivos e ONGs. Uma delas, presente em Belo Horizonte, é a ONG Transvest, que oferece cursos a transexuais e travestis que lutam por respeito, educação e emprego.

Segundo a idealizadora e coordenadora, Duda Salabert, a Transvest tem como objetivo “lutar pela vida das garotas, motivá-las a estudar e inseri-las no mercado de trabalho”. Para Duda, o que poderia mudar a

realidade das transexuais e travestis seria “um maior espaço no mercado de trabalho e uma melhora na educação”.

Em um encontro na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela disse que “o problema da educação nunca esteve na educação e, sim, na economia.”

Para ela, se a economia do país fosse melhor planejada, poderia ter mais investimento na educação, assim a vida de milhares de transexuais e travestis poderia ser diferente.

Entre as guiadas pela Transvest, encontra-se a jovem Thaysa Abalone Natiely (22 anos), estudante, transexual, Drag Queen, artesã e designer de fantasias. Aos 11 anos, Thaysa já se reconhecia como transexual e teve como inspiração uma Drag Queen que viu na TV. “Não me lembro bem, mas acho que era a atriz e humorista Nany People”. Segundo Thaysa, ela teve a sorte de ter a aceita-

ção de sua mãe, que sempre esteve ao seu lado, a incentivando a se colocar no mundo da maneira que queria ser reconhecida. Quando já estava na adolescência, Thaysa viajou para o Rio de Janeiro e morou por lá por um tempo.

Aproveitando a oportunidade, foi trabalhar na área de confecção da escola de samba Beija Flor. Aprimorou o talento, que desde pequena já vinha praticando: artesanato. Na escola de samba, colocou em prática seu amor por desenhos e design de moda, confeccionando fantasias de carnaval e alegorias.

Quando voltou para Belo Horizonte, Thaysa passou por dificuldades e não sabia o que poderia fazer para se manter de forma independente na cidade. Foi nesse momento que conheceu a Transvest. Logo que chegou lá, segundo ela, uma das fundadoras, Carol Sales, colocou-se na posição de parcei-

DOSSIÊ resistência ra em busca de uma forma de resistir e lutar por sua existência.

Hoje, para que Thaysa possa estudar moda, aos finais de semana faz apresentações em boates e eventos privados. Ela revela que sua maior preocupação é passar, por meio da sua arte, amor e alegria. ”Não é porque já sofri, e que existe muita violência e preconceito contra o meu grupo, que eu tenho que retribuir da mesma forma.

Eu distribuo amor para poder mudar o mundo e tirar sorrisos das pessoas”, afirma.

Resistência A arte, de modo geral, sempre se colocou no mundo como um espaço para mostrar ideias, sentimentos e emoções. Em vários momentos da humanidade, também foi usada como resistência, como forma de minorias buscarem reconhecimen-

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to e seu lugar no espaço social. Na comunidade LGBTQ+ isso não seria diferente. Vários artistas estão abrindo espaço no cenário nacional.

A ilustradora, estudante de Cinema de Animação e Artes Digitais da UFMG e pessoa trans, Jocosa Aguiar, 19, diz usar a arte como uma forma de se mostrar ao mundo, deixando sua marca e distribuindo suas emoções. Ela utiliza as cores como guias para seguir em seus projetos. Na maior parte dos seus trabalhos, se entrega e coloca seus sentimentos e emoções na mesa, tratando de assuntos sérios com delicadeza.

Com traços e cores fortes em sua obra sobre transexualidade, Jocosa mostra como é o processo de aceitação no começo da mudança, descrevendo os medos, inseguranças e, acima de tudo, a ternura.

Amor Poetisa militante, estudante de pedagogia da UFMG e mulher bissexual, Keila Rodrigues, 18, trata de pautas feministas, anti-homofobia, racismo e resistência em seus poemas. Ela, que saiu de São Paulo para estudar na capital mineira, enxerga a arte como a única coisa que diferencia o ser humano de animais, pois, nos faz pensar e sentir cada processo ao nosso redor. “Eu coloco minha alma em cada letra que escrevo, pois, são meus sentimentos, minha vivência e meu amor que estão escritos no papel”, conta Keila. Em seu poema, Amar uma mulher, Keila se revela quando fala “sou mulher, negra, poeta e bissexual”.

Amar uma mulher Eu amo uma mulher Isso sendo outra mulher O problema da situação está quando eu nasci Pois nasci no país que mais mata LGBTQ+ no mundo Esse preconceito é tão

profundo Que talvez eu não sobreviva Tenho medo de meu corpo virar estatística Isso tudo porque amo uma mulher Amo alguém que a sociedade diz que é errado Amo uma pessoa que a bíblia diz ser pecado Mas engraçado Achei que o primeiro mandamento fosse “ame ao próximo como a ti mesmo” E achei que Jesus espalhasse amor E não dor Mas ele não espalha As pessoas espalham E tudo isso porque amo uma mulher!

- Keila Rodrigues O debate que todos deveriam fazer não é sobre o que o outro é.

A sociedade deve debater sobre o que, juntos, podemos fazer para mudar o mundo - transformando em um lugar melhor para se viver.

Não podemos evoluir para o abismo, temos que fazer algo enquanto há tempo, validando nossa existência

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DOSSIÊ resistência

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COADJUVANTES NUNCA MAIS Representando 51% da população brasileira, mulheres lutam por protagonismo na política

“Você não pode fazer isso”, “lugar de mulher é na cozinha”, “fulano dirige que nem mulher”, “vestido curto demais,tá pedindo…”.

O machismo sempre esteve presente na sociedade. Antes era algo mascarado, mas hoje é pauta nas discussões sobre os direitos da mulher. Apesar disso, há pessoas que defendem que frases como as citadas acima são apenas brincadeiras inocentes, sem nenhuma intenção de ofensa.

Madrugada do dia 29 de maio de 1983.

Maria, aos 38 anos, sofreu, enquanto dormia, uma tentativa de homicídio: levou um tiro nas costas. Seu marido, Marco, foi encontrado na cozinha da casa, com uma corda no pescoço.

Após ser interrogado, ele tentou enganar a po-

lícia, dizendo que a casa havia sido assaltada e os invasores tentaram matar a esposa e ele. Depois do que aconteceu, Maria passou por várias cirurgias, mas acabou paraplégica. Ao voltar para casa, foi mantida em cárcere privado e sofreu outras tentativas de homicídio do marido.

Maria procurou o sistema judiciário para tentar salvar a si mesma e as 3 filhas, e conseguiu sair de casa. Porém, somente após 19 anos, ela conseguiu que o marido fosse preso.

A Lei n 11.340, popularmente conhecida como Maria da Penha, foi sancionada em 2006 graças à luta dessa mulher. Seu objetivo é prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Ela surgiu como chance de elevar a voz feminina no Brasil.

Contudo, a lei não funciona como deveria. Apenas no primei-

ro semestre deste ano, a Central de Atendimento à Mulher registrou 27 feminicídios e 547 tentativas de feminicídios.

Nesse mesmo período, os relatos de violência chegaram a 79.661, sendo os maiores números referentes às violências física (37.396) e psicológica (26.527).

Vários são os fatores que não permitem que a lei Maria da Penha seja efetiva. E, infelizmente, muitos casos ocorrem por falta de denúncia das mulheres. Então, o que leva a mulher a não denunciar a agressão? Dados do DataSenado revelam que os principais motivos para as mulheres não denunciarem são: o medo do agressor (74%), a dependência financeira e a preocupação com a criação dos filhos (34%), por não existir punição (23%), acreditar que seria a última vez (22%) e por não conhecer seus direitos (19%).

ONDE ELAS ESTÃO? 152ª

De 190 nações, o Brasil ocupa a 152ª posição no ranking de representatividade feminina na Câmara dos Deputados.

A vergonha, com 26% no índice de motivos para não denunciarem a agressão é, surpreendentemente, mais frequente conforme cresce a escolaridade e a renda das entrevistadas. A pesquisa mostra que 35% das mulheres que têm o ensino superior não denunciam a violência por constrangimento. E entre as mulheres que têm até o ensino fundamental esse número cai para 19%.

Quase 100% das mulheres entrevistadas pelo DataSenado afirmaram conhecer a Lei Maria da Penha. 88,8% delas alegaram já terem sido vítimas de algum tipo de agressão e conhecem mulheres que já passaram por situações semelhantes. A pesquisa também revelou que a reincidência acontece em quase metade dos casos (49,2%) e é maior entre as mulheres adultas (54,1%) e as idosas

(60,4%). 71,9% das mulheres que sofreram algum tipo de agressão não letal foram agredidas em sua própria casa.

Sendo que a maior parte das agressões têm como autores seus maridos ou companheiros.

Lei do Feminicídio A Lei 13.104/2015, ou Lei do Feminicídio, como é popularmente conhecida, foi sancionada em março de 2015, 9 anos após a Lei Maria da Penha. Ela classifica como crime hediondo os assassinatos de mulheres que são motivados pelo simples fato das vítimas serem do sexo feminino. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013), define o feminicídio como: “A instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afir-

30%

das candidaturas de um partido devem ser ocupadas por mulheres, de acordo com a lei eleitoral brasileira.

1 dos 35

partidos brasileiros distribui recursos financeiros igualmente entre homens e mulheres.

51%

52,21%

15%

18.244

da população brasileira é composta por mulheres, mas somente...

dos cargos de deputados federais pertencem às mulheres.

mação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”

Segundo o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil (Flacso/OPAS -OMS/ONU Mulheres/ SPM), o Brasil ocupa a quinta posição entre os 83 países com o maior número de homicídios do mundo, com 4,8 homicídios por 100 mil mulheres. Ele está abaixo apenas de El Salvador (8,9), Colômbia (6,3), Guatemala (6,2) e a Federação Russa (5,3).

do eleitorado são mulheres, mas elas ainda são minoria no poder.

mulheres não receberam nenhum voto sequer nas eleições de 2016.

Fontes: TSE, IBGE e Mapa Mulheres da Política 2015

legra

Isabela Beloti Fernanda Cris Gomes Napauria Almeida

DOSSIÊ resistência

11 reprodução facebook

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Equipe de mulheres jornalistas da Campanha Libertas

O ditado popular “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, comumente repetido e ensinado no Brasil, pode explicar esses números.

Umapesquisa feita pelo DataFolha mostra que 28,9% das mulheres, que já sofreram algum tipo de agressão, acham que as pessoas que presenciaram a situação não possuem o direito de denunciá-la. 64,8% delas afirmaram que a impossibilidade, em alguns casos, de retirar a queixa feita na delegacia, faz com que elas desistam de denunciar.

Apesar disso, 93,5% dessas mulheres afirmam que o agressor deve ser processado em qualquer situação.

Por fim, 85,3% delas denunciariam, caso presenciassem um ato de agressão contra outra mulher.

LIibertas Sabe-se que a sociedade ainda tem muito o que evoluir para que a mulher conquiste, com dignidade e livre de preconceitos, seu lugar no poder. Feminicídio, violência doméstica, assédio, machismo e, até mesmo, a própria questão salarial são problemas que fazem parte da rotina da mulher e precisam ser soluciona-

dos com urgência. Nos últimos meses foi destacada, ainda mais, a luta das mulheres para alcançarem cargos na política. E, por terem conquistado o direito de voto há menos de um século, entende-se quemais debates sobre esse assunto são necessários.

Pensando nisso, mulheres jornalistas, mineiras e feministas, que possuem experiência em grandes veículos de comunicação em BH, se uniram nas eleições de 2018 para trazer maior visibilidade às candidatas para os cargos políticos de Minas Gerais.

Desse desafio, nasceu a Campanha Libertas – Por mais mulheres na política.

Vivendo na pele esse contexto, o coletivo surgiu para dar voz às mulheres, preservando o viés jornalístico ao produzir matérias sobre as candidatas. Ele teve o intuito principal de dar oportunidade a todas para que fossem conhecidas pelos eleitores. A Libertas foi uma inspiração do Projeto Adalgisas, que já existia em Recife, viabilizado pela empresa Marco Zero. Ele chamou a atenção de uma das idealizadoras da campanha mineira, Joana Suárez, que compartilhou com as

demais colaboradoras a ideia de trazer o projeto para Minas, buscando parcerias para viabilizar a campanha.

As idealizadoras da campanhasão as jornalistas Joana Suaréz e Luiza Muzzi, que já possuem carreiras sólidas na área. Elas contam, ainda, com as colaboradoras: Bárbara Ferreira, Juliana Baeta, Lara Alves, Larissa Arantes, Larissa Ferreira, Letícia Silva, Daniela Maciel, Isabella Lucas, Marcela Káritas, Stéphanie Bollmann, Thaíne Belissa e Graziele Martins.

Graziele Martins, jornalista e designer, explica que criar o Libertas, voltado especialmente para as causas das mulheres, foi importante e necessário.

Um dos motivos para o início do projeto, durante a corrida eleitoral, foi a diferença para disponibilização de verbas entre as campanhas dos candidatos homens e as campanhas das candidatas mulheres. Ainda que a lei eleitoral brasileira atual exija que um partido tenha 30% de candidaturas femininas, são feitas denúncias de que alguns deles não deixam claro quais critérios usam para disponibilizar verba para os candidatos de sexos diferentes.

A jornalista relata

histórias de candidatas que financiaram a campanha com recursos do próprio bolso, pois, por mais que o partido disponibilizasse certa quantia, ela não era suficiente para os trabalhos a serem realizados.

“Muitas candidatas iam pra rua e divulgavam seus trabalhos por meio de panfletos ou no boca a boca mesmo, por causa da falta de dinheiro”.

“Quando vemos Andreia de Jesus, mulher negra, de periferia, moradora da cidade mineira de Ribeirão de Neves, que se candidatou pela primeira vez em 2018 e foi eleita, notamos que a sementinha que Marielle Franco plantou lá atrás está criando raízes e brotando.”

Pelo preconceito e baixo número de mulheres na política, a luta para que elas conquistem seu lugar nas estruturas institucionais de poder nunca parou.

Marielle Franco, vereadora pelo PSOL do Rio de Janeiro, foi assassinada em maio deste ano.

Marielle dava voz às outras mulheres, representava comunidades negras, invisibilizadas, de periferia e mães. O assassinato, de certa

forma, tentou calar a voz de todas as suas admiradoras. Mas, isso não aconteceu. “Quando vemos Andreia de Jesus, mulher negra, de periferia, moradora da cidade mineira de Ribeirão de Neves, que se candidatou pela primeira vez em 2018 e foi eleita, notamos que a sementinha que Marielle Franco plantou lá atrás está criando raízes e brotando. A bancada de Minas Gerais elegeu 4 mulheres negras nesta eleição. Durante os outros mandatos isso não existiu, é uma vitória. Elas foram eleitas porque entenderam a importância de lutar por causas femininas e ocupar essas posições de poder”, explica Graziele.

Graziele também enfatiza que, quando a mulher entra para a política, é preciso que ela saiba que existem barreiras a serem quebradas diariamente. E quando elas começam a exercer cargos na política, os problemas diretamente ligados às mulheres passam a ser questionados, discutidos e, consequentemente, solucionados.

Começa aí a igualdade de oportunidades em todos os aspectos.

A Libertas é aberta a todas as candidatas,

independente do seu partido político. Um dos nomes muito fortes em BH, que participou da campanha, é o de Áurea Carolina, eleita Deputada Federal. Nas rodas de conversa promovidas antes das eleições, estiveram presentes também a Pole do Amaral, candidata do PSOL e Doula (parteira), que luta pelos direitos das mães e milita pelas causas feministas; Adriana Araújo, que luta pelas causas animais; Duda Salabert, primeira candidata trans, que batalha pelas causas de mulheres transexuais; e a Nathália Granato, mulher negra, de 23 anos, que se candidatou pela primeira vez, lutando pelas causas de mulheres negras.

Cada candidata, dentro do seu propósito, teve espaço na Libertas.

Ao final das eleições, 77 candidatas a Deputadas Federais foram nomeadas, o que simboliza um aumento de 51% em relação a 2014. O estado de Minas Gerais também alcançou o percentual de 40% a mais de candidaturas femininas em comparação com as eleições anteriores. Esses dados foram retirados da página oficial da Campanha Libertas.

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DOSSIÊ RESISTÊNCIA

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DONAS do universo Isabela Beloti Fernanda Cris Gomes Foi num período em que a segregação racial ainda era muito forte nos Estados Unidos, e quando o mundo da ciência pertencia somente aos homens brancos, que três mulheres afro-americanas conquistaram suas posições de poder dentro da NASA, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos.

Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, cientistas negras que lutaram desde a infância por seus direitos estudantis e sociais, se uniram para conquistarem seus lugares dentro da empresa e participar de uma das mais importantes missões espaciais: levar o primeiro homem ao espaço.

A história das três heroínas é narrada no filme “Estrelas além do tempo” (Hidden Figures), que foi indicado ao Oscar 2017. Apesar de não terem ganhado o prêmio, as atrizes que interpretaram as personagens receberam no palco a verdadeira Katherine Johnson, hoje com 100 anos.

Conhecida como a garota que amava contar, Katherine, que foi inspiração para a personagem protagonista no filme, calculou a trajetória da expedição do astronauta Alan Shepard, que aconteceu em 1961. Ela também teve um papel importante na verificação dos cálculos da operação que colocou o viajante espacial, John Glenn, na órbita da Terra. Além disso, Katherine foi uma das poucas mulheres que colaborou com a missão Apollo 11 e ajudou a equipe a alcançar seu objetivo: chegar à Lua. Uma pesquisa feita

pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre os anos de 2013 e 2014, no Brasil, coletou informações sobre a quantidade de mulheres e homens participantes da Bolsa de Produtividade em Pesquisa por áreas de conhecimento. O resultado mais discrepante foi no ramo de “Engenharia, Ciências Exatas e da Terra”, e comprovou que, até hoje, ainda existe segregação entre os sexos dentro da Ciência.

Em engenharia elétrica, o número de mulheres inseridas no setor foi de 13 para 269 homens; em engenharia civil e engenharia biomédica, a proporção foi de 56 para 210 e de 4 para 60, respectivamente. Uma grande diferença pode ser observada também em física e matemática. O número de mulheres foi extremamente menor: 29 mulheres para 271 homens em matemática e apenas 101 mulheres para 806 homens em física.

Em 2015, a matemática Johnson quebrou mais uma barreira: foi a primeira mulher negra e cientista a ganhar a Presidential Medal of Freedom (Medalha Presidencial da Liberdade) das mãos do ex-presidente Barack Obama. No ano seguinte, a NASA homenageou Katherine ao batizar uma central de pesquisa com o seu nome, reconhecendo a sua importância para a história espacial americana e mundial.

Embora a cientista tenha recebido esse prêmio quase 50 anos depois, foi na época em que a segregação racial nos EUA era ainda mais forte que ela protagonizou seus maiores feitos. Em 1964, Katherine pode vivenciar

foto: divulgação

Mulheres persistem na corrida para conquistar, também, seu lugar na Ciência o fim dessa separação, quando o presidente Lyndon B. Johnson, assinou a Lei dos Direitos Civis, resultado da luta persistente dos cidadãos negros junto a líderes como Martin Luther King e Linda Brown.

No Brasil Também no Brasil, as mulheres resistiram - e ainda precisam resistir - contra o preconceito para conquistarem seu espaço de poder na ciência.

Grande exemplo disso foi a naturalista e botânica, Graziela Maciel Barroso, nascida em 1912, no Mato Grosso do Sul. Aos 30 anos, a “Primeira Grande Dama” da botânica brasileira realizou seu sonho de voltar a estudar. Ao longo de sua carreira, Graziela fez a catalogação de diversos vegetais das diferentes regiões do Brasil, escreveu livros que hoje são referência nos cursos de Botânica, além de ter sido a única brasileira que recebeu a medalha Millenium Botany Award, prêmio entregue a botânicos dedicados à formação pessoal na área. Como reconhecimento à suas pesquisas, cerca de vinte e cinco plantas foram batizadas com seu nome. Graziela faleceu em 2003, aos 91 anos, um mês antes de sua posse na Academia Brasileira de Ciências.

Outro grande exemplo de mulher que conquistou seu lugar no mundo científico, foi a alagoana Nise da Silveira. Em uma época em que os sofrimentos mentais eram marginalizados e ignorados, Nise entrou para a faculdade de Medicina na Bahia.

Foi a única mulher a se formar em uma turma de 158 alunos, e se dedicou à psiquiatria.

Hoje, reconhecida in-

Cartaz do filme Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures), de Theodore Melfi (2017)

ternacionalmente pelo seu trabalho pioneiro com a esquizofrenia, ela é um dos principais símbolos da luta antimanicomial no país.

Nise chegou a ser presa por causa das

suas ideias de liberdade e até dividiu cela com Olga Benário, militante comunista alemã. Anos mais tarde, a psiquiatra começou a utilizar a arte como forma de terapia ocupacional e

teve grande papel na divulgação da psicologia Junguiana no Brasil.

A médica, conhecida por humanizar o tratamento psiquiátrico no Brasil, faleceu em 1999, aos 94 anos.

terapia junguiana

A terapia Junguiana, ou análise de Carl Jung, é um estudo da psicologia que busca iluminar as áreas obscuras da psique humana para favorecer a autorrealização. É uma forma especializada de psicoterapia que tem como objetivo facilitar a integridade psíquica de uma pessoa, chegando a um acordo com o inconsciente. As técnicas dessa terapia são desenvolvidas por meio de uma relação próxima entre o especialista e o paciente, como a técnica de conversa, análise de sonhos, associação de palavras e atividades criativas.

DOSSIÊ RESISTÊNCIA lista científica, ao falar principalmente com pesquisadores homens mais velhos, eles a tratavam com um certo ar professoral, uma postura muito paternalista ou até mesmo arrogante, duvidando da sua capacidade de compreender uma questão de pesquisa.

“Eu tento não me abalar muito quando vejo que as minhas credenciais como pesquisadora ou jornalista são questionadas. Procuro entender que isso faz parte de uma estrutura machista e patriarcal, que é estrutural, muito maior do que eu, e até mesmo, maior do que a pessoa que está agindo daquela maneira comigo”, esclarece.

Veronica ressalta que não existe como mensurar a participação da mulher na ciência, e lembra que a diversidade é muito benéfica para o progresso científico. Para ela, é importante falar não só da mulher, mas também das pessoas negras, das trans, pessoas com as mais variadas viagens culturais e os mais variados estilos de vida. Quanto mais pessoas que pensam diferente estiverem juntas, melhores serão as soluções encontradas.

Não é fácil trabalhar com jornalismo científico no Brasil.

Verônica explica que a profissão é desvalorizada, de modo geral. Ainda mais hoje, em que a produção de conteúdo em ambientes digitais extrapola os domínios da mídia. Atualmente, todo mundo pode produzir conteúdo online, conteúdo bom, mas não tem necessariamente formação em Jornalismo ou Comunicação, então a concorrência fica cada vez maior. “A gente não pode sentar e esperar que só a nossa formação como jornalistas seja suficiente para nos garantir um lugar ao sol. Então, é um desafio inerente à profissão. Precisamos

foto: reprodução/ NASA/Bill Ingalls

Ainda hoje, as mulheres brasileiras lutam pelo seu lugar de poder nas áreas da ciência. Verônica Soares, nascida em Petrópolis - RJ, quando ainda estudava o ensino médio, fez parte de um programa de iniciação científica júnior, coordenado pelo professor José Abdalla Helayël. Foi nesse projeto, incentivada pelo professor, que ela descobriu sua paixão pelo jornalismo científico.

Verônica é, hoje, jornalista de ciências, professora e pesquisadora em comunicação, doutoranda em Textualidades Midiáticas pelo PPGCOM - UFMG (Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social) e pesquisadora da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Ela já escreveu diversas produções bibliográficas e é colaboradora do projeto Minas faz Ciência.

Mesmo com tantas conquistas, a jornalista conta que a maioria das lembranças que tem do início da sua carreira é de um silenciamento que, infelizmente, a mulher ainda sofre no mercado de trabalho. “Em qualquer profissão que a gente queira seguir, a gente sempre sofre preconceito de machistas ou sexistas por ser mulher. Mas, muitas vezes, esses preconceitos são velados e, por a gente ainda não ter maturidade suficiente para interpretar determinadas atitudes como preconceituosas, elas passam despercebidas”, explica. Para ela, as mulheres, enfaticamente, foram invisibilizadas e silenciadas na história da ciência.

A pesquisadora ressalta que, infelizmente, sempre precisou referenciar a instituição que está por trás do seu trabalho como forma de trazer mais credibilidade a ele. Ela lembra de situações em que, como jorna-

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Katherine Johnson recebendo a Medalha Presidencial da Liberdade, em 2015

nos reinventar, e a ciência é só mais um fator complicador”, comenta.

Para as mulheres que querem seguir carreira no mundo da ciência, Verônica comenta que o que a motiva é sua vontade de fazer diferença no mundo, de estar presente na Ciência e poder contribuir com o avanço do conhecimento. Ela não se deixar abater pelos inúmeros entraves e dificuldades que vão se colocando em seu caminho, e afirma que o que a encoraja é ver as mulheres descobrindo a força política que elas carregam pelo simples fato de existir.

Estar presente em determinados ambientes de trabalho “masculinizados”, como o ambiente científico, é uma maneira de batalhar pela igualdade de gênero e pela resistência da mulher na política.

Verônica deixa três dicas para as mulheres que também amam e querem entrar para o mundo científico: “(1) Não desista por causa dos desafios. Eles vão ser muitos mesmo, então, seguir em frente é a única solução. (2) O

apoio umas às outras abre mais espaço para mulheres trabalharem na Ciência ou em qualquer outra área do conhecimento. (3) Saber os nossos próprios privilégios como mulheres é uma dinâmica que, muitas vezes, é invisibi-

lizada. A gente precisa dar atenção a isso. O jornalismo, nesse sentido, pode contribuir. E eu acho que é papel das mulheres nas ciências, que querem ver mais mulheres nas ciências também, incentivarem essa consciência.” foto: reprrodução

A luta continua

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Verônica Soares, jornalista de ciência, é motivada pelo desejo de fazer parte do mundo científico

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DOSSIÊ RESISTÊNCIA

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Resiliência gera resistência Após anos condenados ao preconceito, pessoas que venceram a hanseníase compartilham suas histórias Um diagnóstico que causou muitas separações, uma doença que trouxe solidão. Após receber o diagnóstico da Hanseníase, dona Antônia Rodrigues Barroso perdeu o marido, teve sua filha de 5 meses retirada de seus braços e foi expulsa de casa pela própria mãe. Ela, que nasceu num pequeno município de Minas Gerais, teve que se mudar para uma colônia na região metropolitana de Belo Horizonte, onde teria o mesmo estilo de vida decretado para todas as pessoas que sofriam daquela doença.

Hoje, aos 84 anos, dona Antônia é uma senhora aposentada e mora com o seu filho, Reginaldo Barroso, no bairro Citrolândia, em Betim. A região abrigava o ex-leprosário Colônia Santa Isabel, onde morou durante boa parte da sua vida.

Para chegar até aqui, essa senhora teve que aprender a ser forte e resistir. Principalmente quando chegou à colônia e lhe foi imposta uma única solução: esquecer toda sua história, começar tudo de novo, “do jeito que a Hanseníase mandava”.

Sintomas e causas A Hanseníase é uma doença crônica conhecida por causar inflamação nos nervos da pele, deixando manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas na região atingida. Essa região perde ou altera a sensibilidade à dor, ao calor, ao frio e ao tato. Em casos mais avançados, a pessoa pode sentir dores, sensação de choque, além de perder, gradativamente, a força das mãos, pés e face, por causa da inflamação.

O microorganismo causador da Hanseníase

é transmitido por vias aéreas. Por isso, qualquer pessoa pode entrar em contato com ele, porém, só haverá manifestação da doença em pessoas que possuem baixa imunidade ou que tenham contato constante com a bactéria.

De acordo com o Ministério da Saúde, a Hanseníase é uma doença que passa por um determinado período de incubação no corpo antes de se manifestar. Esse período pode variar de 2 a 7 anos, tendo alguns casos de manifestação em períodos mais curtos, como 7 meses, ou mais longos, como 10 anos.

Hoje, é oferecido tratamento completo para a doença pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Todo o procedimento é feito por meio de uma associação das substâncias Rifampicina, Dapsona e Clofazimina, e o tratamento dura entre 9 e 18 meses, dependendo da evolução da doença.

Já no início do tratamento, a transmissão é interrompida.

Primeiros registros Antes da descoberta da bactéria causadora da Hanseníase, a doença era conhecida como lepra, palavra de origem grega que significa “doença de pele que provoca o aparecimento de escamas”. Vários manuscritos antigos fazem referência à doença, como a Bíblia, na passagem: “Quando alguém apresentar sinal de lepra, será levado ao sacerdote. Este o examinará e, se houver inchaço branco na pele, o qual tenha tornado branco o pelo, e se houver carne viva no inchaço, é lepra crônica na pele, e o sacerdote o declarará impuro.

Não o porá em isolamento, porquanto já está impuro.” Levítico 13:9 A lepra só passou a ser chamada Hanseníase a partir de 1.974.

O nome faz referência ao médico norueguês Armauer Hansen, que após fazer uma análise microscópica e detalhada com células de peles que continham a doença, descobriu a sua causa.

A doença no Brasil No final do século XIX, a medicina brasileira espalhou um alerta de que casos da Hanseníase estavam se tornando mais frequentes. Por causa desse crescimento explosivo, era necessário criar um sistema de controle da doença. Assim, começaram a ser construídos os antigos leprosários, para isolar os doentes e mantê-los separados de suas famílias e amigos.

Após a construção desses locais, as pesso-

as eram levadas à força pela vigilância sanitária ou abandonadas pela própria família. Naquela época, havia uma grande repulsa da sociedade com relação aos doentes, que sofriam com a rejeição e a falta da presença familiar. Houve, até mesmo, uma lei de isolamento, que foi executada em 1949 e vigorou por quase 40 anos, até 1986.

Em 2011, a OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou dados de uma pesquisa que mostrou que o Brasil era o segundo país com maior número de casos de Hanseníase, perdendo apenas para a Índia.

Dados mais recentes, registrados entre 2015 e 2017, comprovam que houve diminuição considerável dos casos, mas,

mesmo assim, o Brasil permanece em segundo lugar no ranking.

O doutor Marcelo Pascoal, pesquisador em saúde pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), conta que existem vários fatores que contribuem para esse resultado, como a descontinuidade na assistência e na manutenção de equipes no Programa Saúde da Família, e condições socioeconômicas da população vulnerável.

A Fiocruz, fundada em 1900 pelo doutor e pesquisador Oswaldo Cruz, teve, desde o início de sua fundação, um papel importante na evolução da medicina no Brasil. Com o objetivo de promover a saúde e o desenvolvimento social, a Fundação desenvolve,

até hoje, vários projetos de pesquisa e assistência a diversas doenças, entre elas, a Hanseníase.

“Especialmente nas unidades do Rio de Janeiro, há centros de referência nacionais para o diagnóstico e tratamento, além das pesquisas sobre a patogênese da doença”, enfatiza o doutor Marcelo.

Atualmente, os países que possuem maior índice da doença são os menos desenvolvidos. O dermatologista Marcelo Grossi Araújo, que faz parte da Associação Brasileira de Dermatologia e é professor associado da Faculdade de Medicina da UFMG, diz que esse resultado está relacionado ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos países mais pobres ou desiguais. Ele fotos: Gil braga

Rafael lopes Stéffane Nascimento

João Almeida, que descobriu a doença aos 8 anos, usando a caixa que o fez famoso em seu bairro

DOSSIÊ RESISTÊNCIA

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Dona Antônia se apegou à fé para lidar com a doença

explica também que a Hanseníase é uma doença que se manifesta em pessoas que possuem baixo sistema imunológico, que são desnutridas, têm outras infecções simultâneas ou vivem em moradias superlotadas. Esses fatores contribuem para que a doença seja mais recorrente nesses países.

Um fator muito importante para a cura da Hanseníase é o acompanhamento após o tratamento. Isso, na maioria dos casos, não acontece por falta de assistência médica ou por negligência dos próprios pacientes.

“O povo muda demais e não há um sistema informatizado.

Os pacientes não informam que já tiveram Hanseníase e não dão sequência no acompanhamento”, informa o Dr. Getúlio Ferreira de Morais, Médico Clínico especialista em Dermatologia e Diretor Geral da Casa de Saúde Santa Isabel. “Se, depois do tratamento, eu identificar que o paciente perdeu a sensibilidade dos pés e das mãos, tenho que amputar. Por exemplo, se ele trabalha abrindo vala da Copasa todos os dias, vai acabar machucando as mãos e os pés sem sentir nada, até chegar ao ponto da amputação”, desabafa.

Superando as marcas A Colônia Santa Isabel, antiga moradia de dona Antônia, chegou a isolar 5 mil pessoas portadoras da Hanseníase.

Muitas pessoas que hoje moram no bairro onde ficava a Colônia são ex-internos, que permaneceram ali após o leprosário ser desfeito.

Dona Antônia lembra das reações da sua família quando descobriu a doença. “Meu irmão veio me falar que eu teria que ir embora da cidade para buscar tratamento, mas meu esposo não reagiu bem, falava que preferia morrer a viver longe de mim.

Isso partia meu coração”, recorda emocionada. Segundo ela, ao saber que seria mesmo separado da esposa, o marido não aguentou a dor e acabou tirando a própria vida.

Dias após a morte do marido, o irmão mais velho de dona Antônia a levou para a Colônia Santa Isabel, separando-a também de sua filha, na época com 5 meses. “Depois de 30 anos eu conheci a minha filha. Tiraram ela de mim depois da missa de sétimo dia do pai dela”, revela Antônia.

Ela diz que nunca reclamou de portar a doença. “Deus me deu esse fardo porque acreditava que eu aguen-

taria”, conta. A única coisa que a angustiava era o preconceito que sofria por parte da família, principalmente de sua mãe. Na colônia, as únicas pessoas com quem ela podia conviver eram os outros internos, os médicos e as freiras que trabalhavam no local. “Lá não entrava ninguém, era um isolamento”, desabafa.

A profissão de dona Antônia na Colônia era de professora. Ela dava aula para os internos que tinham pouco estudo. E foi na sala de aula que ela conheceu a mãe biológica de seu filho adotivo, Reginaldo Barroso, hoje com 30 anos.

“Quando ela descobriu que estava grávida, falava que só entregaria a criança se fosse pra eu cuidar”, conta Antônia com gratidão. Hoje, ela vive uma vida normal e se considera vitoriosa por ter passado por tudo isso. “Deus me deu força”, disse sorrindo.

Seu filho Reginaldo mora com ela e sua filha mais velha, Inês, que é casada e tem 4 filhos.

Outro ex-interno que inspira esperança é o senhor João do Carmo Almeida, de 84 anos, aposentado e natural de Diamantina/ Palmital. Sua trajetória até chegar à Colônia teve muitas mudanças repentinas. João era órfão e morava com sua

madrinha, que faleceu quando ele ainda era criança durante uma cirurgia na Santa Casa para um tratamento contra câncer, em Belo Horizonte.

Ao perder a segunda mãe, ele ficou aos cuidados da sobrinha dela. Seu João e a nova cuidadora passaram por muitas dificuldades financeiras, e contavam com a ajuda das freiras para comprar comida. “Naquela época, onde era o Hospital das Clínicas, tinha uma comunidade das Irmãs Vicentinas, e a gente ia lá pra pegar sobras de comida”, conta.

“Meu irmão veio me falar que eu teria que ir embora da cidade para buscar tratamento, mas meu esposo não reagiu bem, falava que preferia morrer a viver longe de mim. Isso partia meu coração.”

Ele descobriu que era portador da Hanseníase quando tinha apenas 8 anos. Contou que foi encontrado na rua por um senhor, que percebeu que ele tinha sinais da doença pelo corpo. “Eu tinha tubérculos no nariz, na orelha, no braço. Aí ele reconheceu a doença e me levou para fazer exames”, explica. Após os resultados, ele foi

diagnosticado portador da Hanseníase. Imediatamente, João foi levado, sozinho, para a Colônia Santa Isabel. “Por felicidade cheguei lá na hora do almoço, umas 11 horas”, diz sorrindo sem perder o bom-humor.

Com o tempo, João acabou perdendo o contato com a sua terceira mãe, embora, segundo ele, o esforço que ela fazia para visitá-lo era grande. “Ela pegava o trem em Belo Horizonte, descia em Mário Campos e vinha a pé até a Colônia todo domingo me visitar, era uma distância de doer”, desabafa. Ele lembra do dia em que ela disse que ficaria um tempo sem visitá-lo, pois, estava doente e, depois desse dia, não voltou mais. “Aí é que dói o coração. Só depois de grande que eu entendi o esforço que ela fazia para me ver”, contou emocionado.

Na colônia, João morava em um pavilhão exclusivo para as crianças.

Ficou lá até os 16 anos, quando começou a trabalhar vendendo café.

E, assim, ele começou a construir a sua vida no novo lar.

Ainda como interno, João se apaixonou por uma também interna, Maria Auxiliadora de Oliveira, e, após um tempo, se casou. Ele conviveu com a amada por pouco tempo. No segundo ano de casados, Maria descobriu que estava com cirrose hepática, e acabou falecendo. Depois disso, João decidiu não casar mais. “Agora com essa idade é muito difícil. Mas eu também não estou interessado não, mesmo que apareça uma princesa e fale, eu estou doidinha por você”, brincou.

João é conhecido no seu bairro pelo apelido de João da Caixa, por usar uma caixa na cabeça sempre que vai à rua. Com o passar do tempo e por causa da doença, ele foi perdendo a visão,seus olhos desenvolveram sensibilidade à poeira e à luz.

Para proteger os olhos, João pegou uma caixa

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e fez buracos nela para conseguir enxergar. Por isso, ganhou o apelido.

Por fora da caixa estão escritas várias frases de amor e esperança para as pessoas que o encontram na rua. Mesmo passando por tantas dificuldades e desafios, João diz que “vive no paraíso”.

Combate ao preconceito Em 1939, na cidade de Manicoré - Amazonas, nasceu o senhor Francisco Augusto Vieira Nunes, conhecido como Bacurau. Ele foi diagnosticado com Hanseníase aos 5 anos de idade e, durante toda sua vida, Bacurau foi um grande líder social, sendo um dos fundadores do MORHAN (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase).

O MORHAN é uma ONG que promove ações de conscientização em todo território brasileiro para combater o preconceito e a disseminação da doença. “São diversas ações, parcerias com universidades, igrejas e outras organizações sociais. O objetivo é sempre levar informações a todos os públicos de todas as linguagens, sempre com o slogan ‘Hanseníase tem cura, e preconceito também’”.

Contou Thiago Pereira da Silva Flores, diretor jurídico e científico do Morhan Nacional.

Além disso, assim como o mês de conscientização do câncer de mama é conhecido como Outubro Rosa, o mês para conscientizar sobre a Hanseníase é o Janeiro Roxo. O dia 28 de janeiro é marcado como o Dia Mundial de Combate a Hanseníase. Durante todo o mês são promovidas várias ações para combater a disseminação da doença e o preconceito contra os atingidos. Infelizmente, o preconceito permanece É preciso lembrar que a doença atinge o exterior, mas não a essência de cada ser humano, que é de resiliência e resistência.

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Jornal Daqui (Buritis e Região)

Palafitas do buritis Intervenção artística em espaços urbanos esquecidos No dia 06 de novembro foi lançado o edital Outros Territórios - Chamada Internacional de Projetos para Intervenção Urbana. A proposta do projeto é fazer uma mudança na paisagem do Bairro Buritis por meio da ocupação de “palafitas”, vigas e pilares que sustentam os prédios.

As palafitas serão ocupadas com peças teatrais e de dança, esportes radicais, projeções de vídeo, light art (forma de arte na qual a luz é o principal meio de expressão), paisagismo e pinturas. A ocupação, idealizada pela Vazio S/A, em parceria com o Coletivo Aurora e o Curador Eduardo de Jesus, busca trazer uma maneira de mostrar que pequenas intervenções podem gerar transformações duradouras, mesmo com recursos limitados. O desafio é pensar soluções alternativas na recomposição urbana invadida pelo concreto.

Segundo a Associação Bairro Buritis, a região oferece o maior número de unidades habitacionais. A beleza da região, as ruas arborizadas e a localização privilegiada são características que fazem do bairro um dos espaços mais disputados da capital. Por ser localizado em uma região montanhosa, muitos dos seus edifícios foram construídos em terrenos de topografia acidentada.

Com isso, algumas palafitas chegam a ser mais altas que os próprios prédios.

O conjunto de intervenções efêmeras do projeto Outros Territórios acredita nos benefícios que a arte pode trazer para o bairro e para a cidade. Entre elas, algumas poderão ser únicas, passageiras,

e outras poderão permanecer, desde que o legado material seja de interesse do condomínio ou do bairro. Estes espaços podem gerar debates em torno de questões relativas à cidade, explorando e problematizando a gestão do espaço urbano, ambiental e arquitetônico.

A iniciativa divide opiniões entre os moradores. Para Joel Gaspar, geólogo de 74 anos, não falta nenhum espaço cultural no bairro. “Eu vou sempre ao cinema, está vazio e vai acabar falindo porque ninguém vai”, desabafa. “Esse projeto é bom, mas, pode interferir na tranquilidade da região. Os bares já botam música e o som da boate lá de cima a gente escuta daqui”, pondera Gaspar.

Por outro lado, o estudante e morador do bairro, Pedro Coronha, 19 anos, sente falta de espaços culturais. “Podia ter teatro, algumas apresentações, algo relacionado à arte, exposição, algo do tipo”, disse o jovem. Na opinião dele, a proposta de intervenções artísticas é muito interessante e pode ajudar a disseminar o acesso à cultura.

Já para o presidente da Associação Bairro Buritis, Bráulio Lara, o projeto pode trazer grandes vantagens econômicas. “É um projeto pioneiro. Então, se esses espaços de fato virarem uma forma de atração cultural, certamente teremos alguns benefícios”, afirma. Lara fala também que a criação de novos espaços culturais “é uma manifestação que busca uma outra forma de enxergar uma situação que, aparentemente, poderia ser um problema. Essa intervenção urbana traz uma nova perspectiva”.

Ainda segundo o presidente, a Associação Bairro Buritis irá par-

ticipar da abertura da exposição e da mesa de debates, agendadas para março de 2019.

Para Carlos Teixeira, fundador do escritório de arquitetura Vazio S/A, integrante da comissão organizadora, “os projetos com um nítido potencial de requalificação do edifício, relacionados à passagem do tempo, ou cujo legado material seja de interesse do condomínio ou do bairro, são passíveis de se tornarem permanentes”. Ou seja, o conceito de legado e de intervenção-modelo é parte fundamental da ideia do evento. Cada intervenção e sua eventual permanência nas palafitas dependem da vontade dos condomínios. Contudo, no projeto Outros Territórios, está imbuída a ideia de transformação e, principalmente, de propor uma maneira inusitada e livre para discussão de problemas urbanos específicos e locais, explica Teixeira.

O projeto tem a intenção de ir para outros bairros que possibilitem uma transformação ambiental, social e arquitetônica com poucos recursos e com a participação da comunidade.

Como participar Profissionais e estudantes de diversas áreas como arquitetura, artes visuais, paisagismo, design e artes cênicas/ performáticas poderão apresentar suas ideias de acordo com suas áreas. Não há limitação no número de integrantes das equipes, assim como não há restrição à formação de equipes multidisciplinares.

O edital foi aberto no dia 6 de novembro e o envio das propostas é até dia 22 de janeiro de 2019, por meio do preenchimento da ficha de inscrição disponível no endereço www.outrosterritorios.com.br.

foto: vinicius souza

Allysson Aguiar

Palafitas sobressaem no visual do bairro Buritis

As propostas devem ser elaboradas com textos e imagens.

A seleção será feita em duas fases. Na primeira, as propostas selecionadas serão expostas no espaço cultural Viaduto das Artes, localizado na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Este espaço se adéqua ao objetivo

do Outros Territórios, por ser instalado sob dois viadutos.

Na segunda fase, as propostas vão ser discutidas de acordo com os fatores de captação de recursos, negociação com condomínios e outros aspectos referentes a viabilidade de execução. O Outro Território, por meio da

organização, promoverá uma intervenção em forma de festival cultural.

Algo a ser considerado é o custo da proposta, R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como limite máximo de custos.

O resultado da seleção será divulgado no site oficial e nos sites parceiros no dia 29 de janeiro do ano que vem.