Edição 213 - Caderno 2

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FOTOS: ANNA LUIZA E JORGE PEREIRA

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH Ano 37 • Número 213 • Novembro de 2019 • Belo Horizonte • MG


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DOSSIÊ CULTURA

Novembro de 2019 Jornal Impressão

ARTE COMO TERAPIA FOTO: SARAH AQUINO

Do início do século XIX aos quadrinhos online

Bar da Casa Cultural Suricato - Produtos expostos para venda.

Mariana Amaral Sarah de aquino A utilização da arte como instrumento de avaliação, de tratamento, de reabilitação e de prevenção na área da saúde mental, física, emocional e espiritual não é algo recente. A técnica da arteterapia é milenar, mas só foi consolidada no início do século XIX, pelo médico alemão Johann Reil. A atividade pressupõe a utilização de recursos e técnicas artísticas em contextos terapêuticos. A arteterapia conta com expressões como dança, música, modelagem, pintura e desenho, que possibilitam ao paciente expressar e comunicar suas vivências e sentimentos. A psicóloga Maria Luísa de O. Salomon, especialista em psicologia clínica e com formação em ludoterapia, arteterapia com crianças e adolescentes, conta que, no processo da arteterapia, “o papel do arteterapeuta é fundamental porque é com ele que o indivíduo constrói uma relação de confiança, que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento e que possibilitará mudanças comportamentais, emocionais, sociais e

afetivas. O processo arteterapêutico dinamiza e coloca em movimento a história de vida do indivíduo, revela seus conflitos mais íntimos e profundos e não apenas a expressão de fatos do cotidiano. Através da interação com o terapeuta, que o ajudará na decodificação e interpretação do que está expressando, a pessoa pode tornar conscientes emoções até então inconscientes, em relação aos fatos reais da vida. Não depende das habilidades artísticas das pessoas e o que se busca não é o ensino de técnicas, nem seu aprimoramento, ou seja, não existe a valorização da estética, por exemplo, mas a tomada de consciência de sua capacidade de se expressar concretamente e simbolicamente através da arte”. Indicar a arteterapia para um paciente depende de vários aspectos. Personalidade e características individuais cognitivas, comportamentais, sociais e econômicas do cliente. “Muitas vezes, indiquei atividades de arteterapia para crianças em atendimento em psicanálise como atividade complementar, ou para crianças para as quais as tera-

pias verbais não seriam a melhor indicação no momento e consideramos que lucraria mais e teria melhor evolução em um contexto arteterapêutico”, explica Maria Luísa. Ainda segundo a profissional, a arteterapia pode ajudar no desenvolvimento e melhoria das formas de expressão (crianças reprimidas, muito tímidas, com dificuldades de expressão e elaboração mental de seus conflitos). “Em adultos e idosos, muitas vezes, a indicação de uma atividade artística como pintura e modelagem pode contribuir muito para o desenvolvimento do potencial criativo. Essas condutas, contudo, não são padrões, e ocorrem, em minha experiência, apenas esporadicamente”, conclui Maria Luísa No Brasil De acordo com o relato de experiência realizado por Neusa Freire Coqueiro, Francisco Ronaldo Ramos Vieira e Marta Maria Costa Freitas sobre como a arteterapia pode ser um dispositivo terapêutico em saúde mental, a técnica terapêutica recebeu influência da psicanálise freudiana, que se interessou pela arte

como meio de manifestação do inconsciente através de imagens no início do século XX. Freud observou que o artista pode simbolizar concretamente o inconsciente em sua produção, retratando conteúdos do psiquismo. Dessa forma, a arteterapia configura-se, até os dias de hoje, como uma forma eficaz para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do adoecimento mental, assim como os conflitos pessoais e com familiares, medos, angústias e dificuldades. No Brasil, destaca-se o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), que implantou a Seção de Terapêutica Ocupacional no Hospital Psiquiátrico Pedro II. Em

1952, foi inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente, que reúne em seu acervo materiais produzidos pelos internos do hospital psiquiátrico. Para Nise da Silveira, a pintura e a modelagem tinham em si qualidades terapêuticas, já que davam forma a emoções tumultuosas, despotencializando-as e objetivando forças autocurativas que fossem em direção à realidade, ou seja, à consciência. Olhar para as imagens isoladas resultará num enigma indecifrável. O estudo adquire sentido quando as séries de imagens são analisadas, de modo a permitir um acompanhamento dos processos psíquicos. A tarefa do terapeuta seria encontrar conexões entre a

situação emocional vivida pelo indivíduo e as imagens que emergem do inconsciente. Em Belo Horizonte, a Associação Suricato, localizada hoje no Bairro Floresta, trabalha com o contexto de liberdade e respeito aos direitos das pessoas em sofrimento mental. A casa cultural conta com núcleos de atividades como marcenaria, costura, culinária e mosaico, sendo todos os trabalhos colocados à venda na entrada do local. Segundo Marisa Maria de Jesus Alvarenga, associada da casa, quem coordena a Suricato são eles, os portadores de sofrimento mental. A casa conta com um quintal, local onde funciona um bar e, eventualmente, são ministradas ofi-

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Sands of Time - Dawid Planeta The-Greatest - Learning- Dawid Planeta Deep-Forest - Dawid Planeta Personaliy - Disorder Shawn Coss Anxiety - Disorder Shawn Coss Panic - Disorder Shawn Coss


DOSSIÊ CULTURA Raquel Segal, Sow Ay, Kristian Nygård, Shawn Coss, Just Peachy Comic e Dawid Planeta abordam, online, situações do cotidiano de quem vive com transtornos mentais e como é o sentimento dos pacientes de forma geral. O artista visual polonês, Dawid Planeta, após conviver com a depressão, usou suas habilidades em ilustração para retratar os sentimentos obscuros que vivenciou. Transferindo suas emoções para o papel, pôde compreender e conhecer o que sentia e o lugar de onde esses sentimentos vinham. Seus desenhos retratam a história de um homem que precisou mergulhar na escuridão para entender a si próprio e a vida. Quando encontra sua força interior ele volta, mas agora sem medo. Em entrevista, Dawid diz que o lugar retratado é o lado sombrio de sua própria mente e, por lado sombrio, quer dizer coisas que vem ignorando e negligenciando há muitos anos, não lhes dando suficiente apreciação, aceitação e amor. O personagem retratado

ILUSTRAÇÃO: SHAWN COSS

Arteterapia na web Com a ascensão das redes sociais, em específico a do Instagram, e a necessidade de se discutir saúde mental na atualidade, artistas visuais, desenhistas e pessoas que passaram ou ainda passam por transtornos mentais postam ilustrações e histórias em quadrinhos sobre temas como ansiedade e depressão. As imagens abrem o diálogo para que mais pessoas falem sobre suas dificuldades e sobre doenças mentais, além de serem uma forma de alívio para quem desenha e quem é inspirado pelos projetos. Bruna Fonseca Rodrigues, portadora de esquizofrenia, afirma que acha essa iniciativa (desenhos e quadrinhos sobre transtornos mentais serem publicados na Internet) muito bacana. “É uma forma de nos expormos em crise. Quando não estou bem comigo mesma, com minha família, com meus amigos e meus colegas, vou para os centros de convivência e expresso isso através do mosaico, da arte e da pintura”, conta Bruna. Artistas como Anna Bolenna, Nick Seluk,

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Obra: Transtorno Delirante

nos trabalhos é uma representação universal de um sentimento. E os sentimentos que retrata são sempre reais, tudo o que experimentou. Ainda segundo Dawid, criar arte é um processo mais subconsciente que requer abertura a sentimentos e emoções, e seu episódio com depressão o ajudou muito nesse aspecto.

Ao ser questionado sobre o quão importante é para ele publicar quadrinhos e desenhos que abordam transtornos mentais, respondeu: “Eu nunca pensei nisso. Arte é algo que faço porque é assim que sou, não consigo parar de fazê-la. Não importa para mim se outras pessoas veem o que eu fiz. Eu fiz muitas

obras de arte que estão perdidas para sempre, coisas que criei enquanto improvisava em lugares aleatórios durante minhas viagens e ninguém nunca as verá. Por outro lado, começo a perceber que criar arte e ser genuíno pode inspirar outras pessoas, por isso tento compartilhar mais do que faço com as pessoas”. ILUSTRAÇOES: DAWID PLANETA

cinas de várias áreas da arte e da cultura, como apresentações musicais, teatrais e audiovisuais, conversas em roda e lançamentos de livros. “Os visitantes do bar Suricato aproveitam do aconchego e da simpatia com que são recebidos no local. A Suricato é um espaço cultural, artístico. Cada peça que é vendida é de um artista”, explana Marisa. De acordo com Ana Rita Gonçalves, monitora da associação, um dos objetivos é auxiliar na ordenação e melhora das vendas e da renda dos participantes. “Além disso, fazemos ações de educação, capacitação e saúde. Visamos também tornar a Suricato mais autônoma, aproximando sua finalidade de geração de trabalho, renda e inclusão social”, explica Ana Rita. Os princípios da Suricato e sua finalidade são descritos em um documento chamado estatuto, no qual, resumidamente, os objetivos da instituição são: geração de renda através do trabalho e inclusão social por meio de realizações dos associados em atividades importantes para os mesmos e para o contexto em que estão inseridos.

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Obra: Areias do Tempo

Obra: Visão Interna


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PADRÕES ESTÉTICOS As mudanças ao longo dos anos e sua atuação nas redes sociais Beatriz Fernandes Fernanda Freitas Letícia Sudan

FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS

Nas estátuas da Grécia Antiga, nas pinturas da Renascença ou nas passarelas das semanas de moda. Os padrões estéticos, assim como comportamentais, mudam ao longo do tempo, entretanto, permanecem comuns na vida em sociedade. Compreender a história que existe por trás de um conceito é essencial para desenvolver um olhar crítico. É necessário construir um raciocínio pautado em suas origens ao buscar entender a forma como os padrões estéticos funcionam atualmente e, assim, assimilar que ter um olhar pessimista a respeito da realidade de hoje, às vezes, não é o melhor caminho a percorrer. Os moldes visuais sempre foram uma forma de coerção, não só

para as mulheres, como também para homens. Todos esses moldes ainda nos afetam como indivíduos, começando nos ideais que herdamos do Helenismo, que originou-se na Grécia Antiga e propagava o culto e a exaltação ao corpo. Já na Idade Média, por meio da ideia defendida pelas igrejas, adquirimos o repúdio ao nosso ser integral. Os meios de comunicação desempenharam, na contemporaneidade, papel fundamental para a disseminação e reforço desses padrões. Com enorme alcance, cinema e TV ‘esculpiram’ ideais de beleza, comportamento e modo de vida, vide the american way of life - estilo de vida americano propagado no período entre guerras e após a Guerra Fria. Com o surgimento da internet e as modificações provocadas pela mesma na comunicação mundial, os movi-

Simulação de uma pessoa desesperada com o peso

mentos de contestação de padrões começam a ganhar maior espaço, alterando efetivamente o modo como a mídia se comunica com o consumidor. A influência do cinema Nos anos 1920, o visual tido como bonito era o mais angelical possível, as sobrancelhas deviam ser finas, olhos destacados e cabelos curtos. Já para os homens, com o jazz tornando-se popular, os músculos perderam lugar para um rosto liso e cabelos penteados. A Era de Ouro de Hollywood foi uma época de forte padronização, na qual as mulheres eram retratadas como frágeis, angelicais e influenciáveis, e para os homens, se instaura o padrão “Clark Gable”, que imitava o ator em seu cabelo super penteado e bigode fino. Com o cenário da

Segunda Guerra Mundial, em 1940, o cinema começa a incluir uma noção de força no visual feminino e masculino, com mulheres de ombros largos e homens de topete. De acordo com o professor de história do Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH, Fabrício Vinhas, “a partir do auge do cinema e outros meios de comunicação, na primeira metade do século XX, a onipresença de astros do cinema, do rádio e, depois, da TV, surgem ícones que influenciarão nossas formas de consumo e, aí, começa a surgir uma perseguição a modelos inalcançáveis pelas pessoas comuns, por não serem auxiliadas pelos dos meios de comunicação que têm uma série de efeitos especiais, bem como são produtos produzidos por uma coletividade”. Já em 1950, a figura de Marilyn Monroe

constrói um imaginário de ultravalorização dos cabelos loiros e, para os homens, a virilidade começa a ser fortemente retratada com os músculos e queixos bem marcados. E é com a consolidação da cultura de massa que a mulher passa a ser vista como uma consumidora de produtos estéticos em potencial. De 1950 até os dias atuais, a linha do tempo da ditadura da beleza foi diversa, desde corpos musculosos, até uma magreza inatingível. As revistas na indústria cultural - produção cultural que visa lucro - estampavam padrões estéticos nocivos à saúde, tanto física quanto mental, para grande parte do público consumidor. Frases do tipo “como é bom, fácil e importante ser bela”, “barriga e calvice: a plástica faz um novo homem”, ou ainda, “novos tratamentos contra celulite, barriga e stress a base de água”, podiam ser encontradas em edições de revistas, em seus conteúdos de beleza e boa forma, como a Claudia, da Editora Abril, que teve tiragens superiores a 150 mil exemplares mensais. Entretanto, em 1960, o movimento feminista ganha voz nesse cenário de padronização. Nessa época, era comum o retrato da mulher como um ser independente, dona do seu corpo e agente responsável do seu bem-estar. Em resposta, a indústria vê oportunidade de lucro em 1980, com a propagação do corpo musculoso como ideal. Propagandas de vitaminas e aparelhos de musculação sobrecarregam o imaginário da mulher. Engana-se quem acredita que a onda fitness é atual, na realidade, essa ideologia teve seu início há quase 30 anos.

Os conteúdos midiáticos produzidos nessa época eram propositalmente dirigidos a uma classe social específica. Por isso, pode-se afirmar que a apresentação visual também era uma forma de status social. Apenas um grupo seleto da sociedade tinha acesso aos procedimentos estéticos e, como resultado, apenas esse grupo conseguiu atingir o padrão estabelecido. É possível notar uma mudança do ponto de vista sobre o que é ser fitness em 2000, quando instaura-se o conceito wellness, ou ‘maromba-zen’, que não se preocupava somente com o estado físico, mas a atenção recai também no bem-estar mental. Na teoria, parece algo saudável, no entanto, a repercussão desse estilo de vida pode ser percebido nos dias de hoje de uma forma negativa: uma pressão para ser a melhor versão de si mesmo, em todos os aspectos. Na teoria, parece algo saudável, no entanto, a repercussã desse estilo de vida pode ser percebido nos dias de hoje de uma forma negativa: uma pressão para ser a melhor versão de si mesmo, em todos os aspectos. Redes sociais digitais Ainda é possível perceber ideias renascentistas na sociedade, que enxergam o corpo como objeto de modificações em prol de uma adequação cultural e do desejo de ser aceito e se ver pertencente. O criador do conceito “sociedade do espetáculo”, Guy Debord, levanta esse poder da imagem nas relações sociais e, sobretudo, do modo como o consumismo reafirma esse processo. As redes sociais online são o maior exemplo disso, onde


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Simulação de uma pessoa se comparando a imagens na internet

todos estão sempre impecáveis, nos melhores lugares, e tendo uma vida “perfeita”. Pensando nisso, usamos a rede social Instagram como recurso para levantamento de dados sobre este assunto. A ferramenta usada foi a de enquete, que mostrou – em um universo de 87 pessoas, em sua maioria mulheres de 18 a 35 anos - que a média de tempo que os nossos seguidores passam na internet é de 4 horas por dia. 92% das pessoas que responderam disseram que não se sentem representadas com os padrões estéticos propagados na internet, 72% já quiseram mudar o seu corpo e/ou se sentiu mal por posts que viram nas redes, e 36% já fizeram uso de aplicativos para mudar a aparência. A professora de jornalismo do UniBH, Adélia Fernandes, dá a sua opinião a respeito dos diferentes papéis que as mídias podem desempenhar em um mundo de padroniza-

ção. “As mídias sociais permitem que várias vozes apareçam na vida pública e não apenas a voz da padronização. Elas apresentam outros pontos de vista, outras estéticas corporais e, assim, pouco a pouco, salpicam alternativas e contradiscursos nesse cenário padronizado e monótono, mostram tanto o estereótipo como a luta contra o estereótipo”, defende a professora. Mas, ela destaca que, não é porque os consumidores podem produzir conteúdos, que essa padrões serão desmontados, “muitas pessoas usam as redes justamente para alimentar o discuros do padrão.” Entretanto, é necessário ressaltar que essa luta não é fácil. Adélia enfatiza que “o corpo é um espaço político. E, em última instância, o corpo é a mídia mais importante de luta contra a hegemonia que a elite tenta impor. Uma luta diária que tem as redes sociais para expressão, mas também são nessas redes que a crítica

e o ódio vão ser mais disseminados”. As redes sociais digitais, como as novas tecnologias, mudaram também as formas de comunicação, expressão e os relacionamentos humanos. Além da quebra de barreiras na comunicação como distância, velocidade e alcance, a relação entre produtores e receptores de conteúdo sofreu e ainda sofre alterações A comunicação que se fazia de modo unilateral, agora dá voz aos receptores e os torna também produtores de conteúdo. O que acaba proporcionando maior pluralidade de vozes, antes restrita aos detentores dos meios de comunicação. Nos últimos anos surgiram campanhas de empoderamento feminino, impulsionadas por hashtags, como #Soulindaassim, #AmeSeuCorpo e #ParaDeOdiarSeuCorpo, criadas por mulheres insatisfeitas, para questionar os padrões. Movimentos como esses co-

de impacta no processo de autoaceitação “com a grande participação de pessoas gordas nas propagandas, nas novelas, séries, dançarinos, modelos, influencers em geral que são plus size, a aceitação começou a ser mais presente”, lembrando a necessidade de selecionar os conteúdos, uma vez que a internet é vasta e ainda existem páginas/perfis que reforçam padrões inalcançáveis. A percepção histórica amplia a visão e traz o entendimento de que as mídias sociais não são “criadoras” de padrões. Na realidade, elas dão visibilidade e reforçam moldes estéticos já existentes. Atualmente, podemos utilizar as redes sociais como ambientes propícios para discussões em torno da importância da diversidade, dando voz à pessoas que buscam quebrar esses padrões. FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS

meçaram a ser adotados também por empresas que trabalham, principalmente, com o público feminino, produzindo campanhas como #BelezaForaDaCaixa e #NãoPrecisoMasQuero, da Dove e O Boticário, respectivamente, que viram o anseio do público, neste caso feminino, em se sentirem representadas pelas peças publicitárias da indústria da beleza. Kyvian Araújo, 21, manicure, conta como as redes sociais, onde procurava informações e estímulos, atuaram em seu processo de empoderamento. “Foi de uma forma muito natural, não consigo me lembrar ao certo quando começou, foi fluindo, até chegar no nível de hoje. As redes sociais tiveram muita influência, pois era ali que eu buscava inspirações”. Ela também conta como a representativida-

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Simulação de uma pessoa infeliz com suas medidas.


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UNIVERSO DO AUDIOVISUAL E SAÚDE Lucas Wilker Stéffane Nascimento “Este episódio contém representações gráficas de suicídio e violência, que alguns espectadores podem considerar perturbadoras. É destinado ao público adulto. Aconselha-se discrição do espectador”. Com essa legenda é que se inicia o décimo terceiro episódio de 13 Reasons Why (Os 13 Porquês), série adaptada de um livro homônimo de Jay Asher, por Brian Yorkey, na Netflix. Na trama, a personagem Hannah Baker, após cometer suicídio, narra, ao longo dos 13 episódios de sua primeira temporada, as razões de seu auto-extermínio. Controversa, a série da Netflix recebeu atenção mista da crítica e inúmeros apontamentos acerca de suas abordagens sobre saúde mental. Chama atenção, por exemplo, o fato de que o serviço de streaming tirou do ar, em julho de 2019, uma cena em que Hannah tira a própria vida na banheira de sua casa, justamente no 13º episódio da primeira temporada, em que a frase sobre discrição do espectador é utilizada. O motivo? Segundo o próprio serviço de streaming, um estudo do governo americano relacionou o aumento do número de mortes de adolescentes à estreia da atração nos Estados Unidos. As taxas entre meninos com idade entre 10 e 17 anos, por exemplo, aumentaram 30% no período, em 2017. Apesar de importante no que concerne ao debate sobre saúde mental no audiovisual, 13 Reasons Why é apenas um exemplo

dentre inúmeras outras obras realizadas. Seja no cinema, na TV ou nos serviços de streaming, a temática encontra um território fértil para expansão dessas narrativas. A trajetória de tais abordagens remonta ao expressionismo alemão, quando, em 1920, o filme “O Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wieni, chegava aos cinemas. Na trama, o personagem Francis (Friedrich Feher) e seu amigo Alan (Hans Heinrich von Twardowski) visitam o gabinete do Doutor Caligari (Werner Krauss), onde conhecem Cesare (Conrad Veidt), um homem sonâmbulo que diz a Alan que ele morrerá. Quando Alan acaba morto no dia seguinte, Francis acredita que, para descobrir todos os mistérios, a melhor saída é adentrar no gabinete do doutor Caligari. Segundo a doutora em comunicação, com ênfase em cinema, Tatiana Hora, o filme configura um marco para história do cinema, principalmente ao considerar que influenciou inúmeras outras obras a posteriori, como a Ilha do Medo (2010), do famoso diretor Martin Scorsese. No quesito saúde mental, ela observa que o longa ressaltou formas estilísticas de como trazer essas abordagens para o audiovisual. “O cinema pode usar a questão da loucura para causar uma confusão entre o real e o imaginário. Entrar em fase com a perspectiva do personagem e trazer ambiguidade para narrativa”, destaca. A emissão das mensagens Uma pesquisa realizada em 2016, pela ONG britânica Mind,

revelou que reportagens jornalísticas, novelas e seriados têm grande impacto sobre o público. O estudo, realizado com mais de 2000 pessoas, em Londres, apontou que cerca de 52% das pessoas, ao se verem representadas em algum enredo sobre saúde mental, compreenderam melhor o problema. Personagens fictícios também mobilizaram 37% dos homens pesquisados a buscar ajuda profissional, enquanto apenas 15% das mulheres fizeram o mesmo. Tais estatísticas, portanto, apontam para uma discussão importante em todo o mundo: qual é o impacto dessas narrativas no público a que se destinam? A Mariane - como preferiu ser identificada - tem uma história delicada. Vitimada pelo bullying e pela gordofobia enquanto estava na escola, a estudante carregou as marcas dessas violências durante um longo percurso, que feriu, inclusive, a sua autoestima. “Hoje em dia, há muita gente falando sobre empoderamento e aceitação do próprio corpo, mas grande parte da minha infância e adolescência foram marcadas por apelidos como baleia e elefante”, lamenta. Os desafios que se apresentavam para Mariane chegaram aos ouvidos da diretoria da escola, o que motivou o início de uma campanha de combate ao bullying no ambiente. Apesar da tentativa de romper com as mazelas que assolavam as relações naquele território, as ações desdobraram-se em outro infortúnio, quando um abaixo assinado foi criado para que Mariane cometesse suicídio. “Eu cheguei a tentar, mas meu avô impediu.

INFOGRÁFICO: JÚLIA COSTA

Abordagens fictícias sobre a psique humana chamam atenção para as boas e más formas de se contar uma história


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7 FOTO: WARNER BROS/DIVULGAÇÃO

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Cenas do Filme “Coringa”, o ator Joaquim Phoenix vive o personagem Coringa

Tive que fazer anos de terapia”, afirma. Tempos depois, mesmo no ensino médio, o cotidiano de violências ainda pertubavam a estudante, até que a sua professora de português a apresentou à 13 Reasons Why - à época, o livro. “Ela me pediu para focar não no fato de Hannah ter suicidado ou o que levou ela a isso, mas sim ao que acontece com todos os personagens após a sua morte,principalmente seus pais. Valeria a pena?”, conta. Para a psicóloga e ex-conselheira do Conselho Regional de Psicologia- Minas Gerais (CRP-MG) , Mariana Tavares, há um poder de representação nas narrativas ficcionais que, a depender do espectador, pode causar impactos positivos. “Cada caso é um caso, mas o do auto-extermínio nós nunca vamos conseguir abarcar em uma compreensão total. Contudo, se você pensa que são pessoas com modelos identificatórios frágeis, algo na TV, na imagem, pode aparecer como uma solução ao problema e a pessoa pode se identificar”,

realça.Apesar de existir possibilidades positivas, Mariana Tavares explica que há uma série de questões a serem consideradas uma narrativa sobre problemas relacionados à saúde mental. No caso de assuntos delicados como suicídio, por exemplo, ela afirma que é importante não evidenciar metodologias e chama atenção para criação de problematizações que não pormenorizam as problemáticas apresentadas ao torná-las bidimensionais. “Fulano era depressivo, sofria bullying e a família não aceitava. Isso conduz quase a uma condenação”, alerta. Indo ao encontro do que explica a psicóloga, Tatiana Hora ressalta que as obras de ficção são marcadas por processos de identificação e de projeção do espectador diante dos personagens. “A ficção mobiliza nossos desejos, nossos medos, traumas, nossos sonhos e pesadelos. Os personagens encarnam emoções, comportamentos e histórias que nós já vivemos, gostaríamos de ter vivido ou tememos”, ressalta.

Para a doutora, tais narrativas são poderosas justamente pelo fato de apresentarem uma riqueza perceptiva grande, ou seja, se pode ver e ouvir pelos olhos e pelos ouvidos dos personagens, através de determinados procedimentos narrativos e estilísticos. No entanto, a recepção pode ser dúbia. De um lado, segundo ela, é possível que a ficção gere empatia, do outro, pode estimular o ódio ou criar estereótipos. Cinema, televisão e streaming Ao longo da história, a diversidade de narrativas sobre saúde mental ocupou uma importante frente no cinema nacional e internacional. No Brasil, o filme “O Bicho de Sete Cabeças” (2001), dirigido por Laís Bodanzky e estrelado por Rodrigo Santoro, chama atenção, ainda hoje, do público e da crítica. Na história, o personagem Neto é internado pelo pai em um manicômio e, lá, ele enfrenta condições terríveis de tratamento. “O filme mostra uma rotina violenta nesse hospital. Foi

um marco para discutir saúde mental e proporcionar debates sobre a luta antimanicomial”, salienta Tatiana Hora. Em retrospecto, outros importantes filmes destacam a história do cinema para com a temática. Na filmografia do cultuado diretor Alfred Hitchcock, por exemplo, é possível citar os célebres “Um corpo que cai” (1958) e “Psicose” (1960). Ingmar Bergman também contribuiu para o olhar do audiovisual à psique humana em “Persona” (1966). Daí em diante, o audiovisual passeou desde o olhar de Stanley Kubrick, em “Laranja Mecânica” (1971) à recente produção de Todd Phillips, que trouxe ao cinema mais um retrato do personagem da DC Comics, o “Coringa”. Novelas e representações Novelas e série brasileiras também configuram um ecossistema grande e valoroso na sociedade brasileira. Das narrativas curtas e semanais às diárias, as abordagens sobre saúde mental já tiveram roupagens marcantes sob o olhar de diver-

sos autores, diretores, atores e atrizes. Lembramos, então, de alguns exemplos famosos, como os dilemas psicológicos da personagem Camila (Carolina Dieckmann), em Laços de Família (2000), ou do retrato da esquizofrenia no personagem Tarso, em Caminho das Índias (2009), e até mesmo a problemática visão sobre abuso sexual e coaching, visto na recente “O Outro Lado do Paraíso”(2017). A superficialidade das novelas brasileiras no que se refere à saúde mental é algo que incomoda a atriz e jornalista, Cristina Ribeiro, de 51 anos, que acompanha tais narrativas desde muito cedo, ainda quando criança. E, para ela, o gênero tem muita influência na sociedade brasileira. “Dita comportamentos, ideias, debates”, pontua. No amontoado de tramas possibilitadas pelas novelas, a jornalista observa que as narrativas vendem bandeiras específicas do canal de TV que a constrói e, segundo ela, saúde mental não se encaixa nas prioridades. “Os canais costu-

mam colocar em pauta o que a sociedade mais está requerendo no momento, e a sociedade é medicalizante”, destaca. Pensar no reflexo que isso produz na vida em sociedade, para Cristina, é um passo importante. A atriz cita o exemplo da personagem autista Linda (Bruna Linzmeyer), da novela Amor à Vida (2013), que, para ela, foi criada de forma problemática. “Não tiveram nenhum cuidado de pesquisar a fundo. Apenas estereotipou ainda mais essas pessoas”, ressalta. Apesar de não ser atriz do audiovisual, Cristina coloca alguns pontos importantes no debate sobre como interpretar personagens com questões relativas à saúde mental. Ao encarnar a personagem sem nome “Uma Mulher” e “Stela”, ela salientou que tais retratos exigem uma pesquisa mais cuidadosa sobre perfil, desenvolvimento, para não reproduzir discursos violentos. “É para fazer com que o personagem leve as pessoas a reflexão, então a responsabilidade do papel é muito maior”, reforça.


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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO

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SER HOMEM ...

é sentir a liberdade de expresar os seus sentimetos para o todos Thayane Domingos sua vida conosco. Do tempo de criança, às reponsabilidades como filho, irmão, soldado, pai, avô. Hoje, ele vê a vida de uma forma mais clara, objetiva. Tirar fotos de Maurício foi surprendente, com um bate-papo revelador em meio aos clicks. Convidamos também Fernando da Silva, professor de dança há 25 anos. Animado, falante, contou sobre sua vida. Entre gargalhadas, mostrou que

todos nós podemos ser o que quisermos. E que, na dança, é muito mais visivél a expressão dos seus sentimetos. Para ele, a dança pode fazer as pessaos se aproximarem e se conhecerem melhor, ver o mundo com outros olhos. Ajudar as pessaos com a dança é a sua maior felicidade. Falar de masculinidade e demonstrar os sentimentos, para Fernando, foi mais divertido. Nesse ensaio, mos-

trou espontaneidade, com sorrisos, olhares e companheirismo. Quem lembra de uma música onde o refrão “porque homem não chora”, do cantor sertanejo Pablo? Vamos mudar esse trecho: todo homem pode e deve chorar, demonstrar seus sentimentos. Ser forte é também chorar, tanto de alegria como de tristeza. O que não podemos é deixar de expressar o que sentimos, nunca. FOTOS: ANNA LUIZA, JORGE PEREIRA E VINICÍUS DANIEL

Nesta edição, os alunos de Fotografia foram desafiados a fazerem um ensaio para mostrar que os homens também podem e devem expressar os seus sentimentos, mesmo em um tempo em que somos influenciados a não demostrarmos as nossas emoções. Um dos nossos modelos é o aluno do curso de Jornalismo, Maurício Flávio, militar aposentado que partilhou um pouco da


EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO

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TRAMAS CONTEMPORÂNEAS

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SAÚDE MENTAL INFANTIL

É preciso incentivar as crianças a se manterem ativas, para combater o sedentarismo.

Fernanda Freitas Num mundo conectado, parece impossível que as crianças não tenham acesso à internet, o que se inicia cada vez mais cedo. Por estarem em processo de formação, as atividades desenvolvidas pelos pequenos influenciam seu comportamento e percepções. Um estudo de 2016, das universidades norte-americanas de San Diego e da Geórgia, mostrou que crianças de até 5 anos que usam as mídias digitais com frequência têm até o dobro de chances de se tornarem impacientes, além de terem dificuldades de se acalmar quando ficam muito empolgadas, em comparação com as que usam pouco. É na primeira infância, período de 0 a 6 anos, que as crianças formam sua estrutura mental. Nesse período,

as experiências negativas que elas são incapazes de gerenciar podem se transformar em traumas que, futuramente, terão ou não reflexo na saúde mental desses indivíduos. Por isso, pais e responsáveis precisam acompanhar de perto os conteúdos aos quais as crianças estão expostas. A psicopedagoga Ana Paula Medeiros ressalta a importância de um uso regrado, evitando que as crianças passem longos períodos na frente de celulares, tablets ou computadores, e que se incentive a interação com outras crianças para que aprendam com seus pares. “O excesso ou o mau uso desses recursos pode desencadear nas crianças baixa tolerância à frustração e comportamentos cada vez mais individualistas”, afirma. É necessário também incentivar as crianças a se manterem

sempre ativas, participando de brincadeiras saudáveis, o que se mostra essencial, uma vez que a adoção de hábitos sedentários é outra problemática do uso excessivo da internet pelas crianças, podendo aumentar as chances de obesidade e problemas cardiovasculares. Ana Paula reforça que é preciso ofertar às crianças outras formas de atividades que proporcionem bem-estar físico e emocional. Mas, para crianças que nasceram em uma sociedade onde as mídias digitais participam ativamente na manutenção das relações sociais, e são parte do cotidiano das pessoas, permitir à elas o acesso ao mundo virtual seguindo hábitos saudáveis de consumo se torna um desafio para pais que não conseguem estar sempre presentes para acompanhar de perto a

vida cotidiana. Em situações como esta, os aplicativos de monitoramento de acesso se tornam aliados. Como no caso de Rosemeire Paulino, 38, autônoma e mãe de duas crianças, de 10 e 4 anos. Pelo aplicativo, ela controla por onde os meninos navegam, tudo o que eles acessam, assistem e baixam. “Chega uma mensagem no meu celular avisando o que vai ser acessado e se pode autorizar mediante uma senha”, explica Rosimeire. Ela conta que também controla o tempo que as crianças ficam online e que, apesar da dificuldade, conversa sobre os riscos do mau uso. “Ele (o filho) participa de um projeto onde explicaram como abordar o assunto com muita clareza, foi onde eu consegui falar sobre”. Rosimeire também acredita que o uso da internet impacta no comportamento. De acordo com sua experiência materna, “quando a criança fica muito tempo na internet, a vida social já não é a mesma, tendo comportamento agressivo quando a bateria acaba ou quando não consegue acessar o que quer”.

A escola Quando o ambiente familiar não proporciona essa orientação, o papel da escola se torna fundamental para a discussão do tema. “A escola precisa esclarecer as famílias sobre as consequências do uso excessivo da internet. Esse movimento poderá ocorrer através de reuniões e formações envolvendo as famílias, e de forma constante para atingir todos os envolvidos, principalmente as crianças”, afirma a professora de educação infantil, Ana Paula Oliveira. Quanto ao processo de aprendizagem, Oliveira pontua que a internet pode se tornar aliada ou inimiga. Para ela, “a influência no desenvolvimento cognitivo depende do uso destinado a essa tecnologia. O uso consciente e orientado poderá contribuir para o desenvolvimento de diversas habilidades necessárias para um bom empenho escolar”. Ana Paula Medeiros reforça que, por si só, o uso das mídias digitais não interfere na aquisição das competências necessárias no processo de aprendizagem, mas a forma que ocorre esse

uso determina se irá contribuir ou não. Os benefícios e prejuízos do uso dessas tecnologias para as crianças deve ser foco de discussão para toda a sociedade, principalmente aqueles que lidam/trabalham diretamente com elas. Em 2016, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou um manual de orientação para “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital”, que traz recomendações para pais e responsáveis, pediatras, educadores e escolas, e crianças e adolescentes, sobre como usar as tecnologias de informação e comunicação. “Fazer combinados com as crianças ainda é a melhor forma de negociar o tempo de exposição a telas”, reforça Medeiros. Entre as orientações do manual estão: • Conversar sobre regras de uso; • Monitorar sites/programas/aplicativos/ filmes/vídeos; • Usar antivírus; • Desconectar, dialogar, e aproveitar os momentos desconectados; • E estabelecer limites de horários. FOTOS: FERNANDA FREITAS

FOTOS: FERNANDA FREITAS

Como o uso da internet impacta o psicológico das crianças

O execesso do uso da internet por crianças pode desencadear comportamento individualista


11 ARTE: PAULO HENRIQUE SANTOS / CACAU

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DE COPO EM COPO Thayane Domingos Mas, afinal, o que é a cultura do alcoolismo? É o encanto e o exagero. O encanto pode vir em propagandas, filmes, músicas, séries e produtos que, sutilmente ou não, exaltam a bebida. Quando saímos com os amigos e exageramos, no final de semana, na faculdade, no trabalho, ou reunião de família, é comum ouvirmos as pessoas comentando sobre quem bebeu mais, ou quem “deu vexame” na última festa . Uma pesquisa feita pelo jornal “BMJ Open” analisou 532 filmes,. Neles, o tempo de exibição de cenas com bebidas alcóolicas somavam, em média, quatro horas e meia, podendo chegar a quase oito horas de cenas. Outras associações também podem ser feitas. “O desenvolvimento econômico e a globalização são causadores diretos da tendência gritante ao abuso do álcool. Essa cultura é real”, afirma Maristela Monteiro, da OMS, em uma entrevista para a BBC Mundo. A influência da bebida vem de todos os lados. A normalização do consumo do álcool, sem importar a idade, está presente em diversos países. O que muda são as bebidas. No Brasil, por exemplo, as pessoas gostam de cerveja e cachaça, já na Itália, do vinho. Em um estudo divulgado pela revista Vivência, as pessoas começam a beber na infância ou na adolescência, percentual que aumenta para 88% se incluirmos a faixa etária dos 18 aos 20 anos. A estudante Géssica Barbosa, de 22 anos, conta que a primeira

vez que experimentou tinha apenas 8 anos, e foi em uma festa de família. ‘’Depois, aos 16 anos, começou com mais frequência, em festinha de amigos e em baladas. Eram mais batidas, destilados, a cerveja em si não tomava muito”, afirma. Aos 17 anos bebeu, oficialmente, pela primeira vez com os familiares. Foi em um casamento, e sua tia que lhe ofereceu. “A bebida me ajudava a conversar com as pessoas, me dava uma liberdade maior para falar com quem eu quisesse. E também pelo incentivo de amigos, comecei com a minha prima. Era muito tímida, hoje em dia não faço o uso da bebida destilada para interagir com as pessoas. E nesse período, até hoje, eu tive apenas um porre, quando misturei todas as bebidas”, conta. Hoje, quase todos os seus amigos consomem bebida alcoólica. “Em todas as festas que vamos, todo mundo bebe. Acho que não tenho nenhum amigo que não faça o uso de bebida alcoólica”, completa Géssica. Ela revela, por fim, que bebe cerveja todos os dias, tanto com seus familiares e amigos quanto sozinha. “Com a rotina de faculdade, estágio e outros afazeres, acabo não bebendo tanto assim, mas não tenho nenhuma vontade de parar de beber”. O consumo de bebida alcoólica entre mulheres cresceu muito no Brasil. Mais de 40% fazem o uso abusivo, isso não quer dizer que frequentem bares todos os dias, mas, quando o fazem, “passam da conta”. Esse crescimento tem a ver com a maior presença das mulheres no mercado de trabalho, a liberdade de estarem

FOTO: THAYANE DOMINGOS

Como a cultura do álcool está presente no nosso cotidiano em um bar com suas amigas, depois do expediente, ou mesmo de comprar as bebidas com tanta facilidade. Porém, o risco das mulheres se igualarem aos homens em relação a embriaguez é muito alto. Nas reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA), o aumento de mulheres que comparecem tem um crescimento significativo. Na Argentina, por exemplo, a presença das mulheres em reuniões do AA é muito maior do que a dos homens. A cada 20 pessoas presentes, 11 são mulheres. Lembrando que a Argentina é o segundo país da América Latina que mais consome bebida alcoólica, ficando atrás do Chile. ADOLESCÊNCIA De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os adolescentes estão, cada vez mais, fazendo o uso precoce de bebidas alcoólicas. Um estudo feito pelo AA revela que 70% dos membros começam a fazer o uso da bebida ainda crianças ou adolescentes: 15% com menos de 12 anos, 56% com 13 a 17 anos, 17% com 18 a 20 anos, 9% com 21 a 30 anos, 2% com 31 a 40 anos e 1% com 41 anos ou mais. Um membro do AA que, por isso, não pode ser identificado, conta que começou a fazer o uso da bebida aos 12 anos por curiosidade e, para “fazer frente” aos seus conhecidos, abusou da bebida, até que virou uma doença. Por isso, frequenta as reuniões do AA há 15 anos. Hoje, para ele, já não importa o ambiente ex-

Letras de músicas sertanejas fazem as pessoas ficarem mais tristes

terno, se tem bebidas ou alguém fazendo o uso delas. “Me importo é em comportar de maneira sóbria sem necessidade de consumo para viver”, afirma. Entretanto, outras pessoas começam a fazer o uso de bebida alcoólica mais tarde, como conta o estudante Nilton Lopes, de 24 anos. “Comecei a fazer o uso de bebida alcoólica com 18 anos, quando eu comecei a ir para a balada. Comecei com vodka, e era só um copinho. Nunca fui de beber muito. Foi quando entrei para a faculdade, em 2016, que comecei a beber todos os dias, no bar”, revela o universitário. No seu ciclo de convivência, os únicos

que não bebem são os seus pais e seu irmão. Todas as vezes em que Nilton vai sair com seus amigos, todos usam aplicativos de transporte, ou combinam quem será o motorista da rodada. “Eu não acho que fui influenciado pelos meus amigos, pois quando eu quiser parar eu paro”, aifrma Nilton. Muitas vezes, as pessoas não percebem que estão abusando do consumo de bebida e acham que, quando quiserem, sozinhos, vão conseguir parar de beber. Mas, pode não ser um processo fácil. A forma como as pessoas chegam ao AA são: 34% abordados por outro membro, 23% abordados por familiares ou

amigos, 11% por conta própria, 11% abordados por profissionais, 15% afirmaram ter chegado de outras formas, 3% por meio matérias de TV, rádio, jornal ou revista, 2% abordados por religiosos, 1% abordados por chefes. Esses percentuais podem ser fatores de atração para quem ainda sofre dessa doença. Apesar de todos os possíveis transtornos causados pela bebida, o álcool em si não é o problema se o consumo for moderado. “O que realmente causa problemas são os mecanismos psíquicos que acionam esta aparência, como desejo ou dependência emocional, compulsão, carência ou necessidade


de aprovação externa, associação ao orgulho como uma marca de status”, explica a doutoranda e mestre em antropologia social pela Universidade de São Paulo, Andrea Carvalheiro, em entrevista para a webrevista da USP. A OMS também não vê o álcool em si como problema, mas sim, o abuso do uso, já que 5,9% de todas as mortes do mundo são consequências da bebida. Para que a cultura do álcool perca essa força sobre as pessoas, é necessário que políticas públicas mostrem a todos os perigos reais que o álcool traz, tanto para o indivíduo que a usa, quanto para a sociedade. Música e bebidas Para os frenquentadores de bares, butecos e baladas, a sofrência é garantida. Claro, nas letras das músicas, principalmente do gênero do sertanejo. Quem nunca escutou uma música e não se identificou com uma das letras, que não lembrou de algum caso vivido, e parece que a letra da música foi feita para você? Assim, começa a beber sozinho ou até mesmo com os amigos, que muitas vezes estão passando pelo mesmo sofrimento. A música já te influenciou bastante a querer beber, pela letra ou pelos cantores que bebem no show ou no videoclipes? Não podemos esquecer também do funk carioca que, muitas vezes, coloca uma temática etílica e sexual nas letras. Associar bebidas alcoólicas com uma vida luxuosa, de baladas e sexo, ou usar para sanar as mágoas do fim de um relaciomento é cada vez mais comum. Essa associação acaba influenciando jovens e adultos a fazerem o uso mais contínuo. No Brasil, o consumo de álcool já virou estudo acadêmico em várias áreas distintas. A pesquisadora da

universidade Estadual do Oeste do Paraná, Mariana Lioto, escreveu um artigo com o tema ”Felicidade Engarrafada: bebidas alcoólicas em músicas sertanejas”, que listava os 48 artistas famosos do gênero sertanejo estudado. Destes estudados, apenas sete não continuam nenhuma música que tivesse a temática do álcool. Das duplas, 85% falam de bebidas alcoólicas em suas canções. Com isso, os estudantes universitários são os que mais consomem bebidas alcoólicas. A mídia tem muito poder, podemos dizer um poder subjetivo, indireto ou direto, com a letras dessas músicas podem afirmar que bebida é legal, atraente, e que quem não bebe está fora de alguns ciclos de amizades. O funk carioca, com as letras que falam de ostentação, mulheres, dinheiro e bebibas alcoólicas, são constantes e influenciam jovens a buscar por uma vida como as dos são ilustradas nos vídeoclipes. Psicólogos alertam sobre como o consumo entre os jovens cresceu por isso. Os cantores, em seus shows, bebem em horário de trabalho, incentivando ainda mais os fãs a consumirem. Influência da publicidade As propagandas de bebidas alcoólicas também são incetivadoras do consumo. Antes, as propagandas de cervejas eram extremamente machistas, em que somente os homens podiam fazer o consumo. Ao longo dos tempos, as mulheres começaram a aparecer nas propagandas, mas de uma forma em que a sua beleza e os seus corpos eram usados para chamar mais a atenção dos homens. O intuito era que, quanto mais o homem consome essa bebida, mais mulheres com aquele estereótipo iriam querer sair com eles. Nos últimos anos, algumas marcas de cerveja têm mudado o tom de sua

comunicação, depois de tantas repercussões negativas. Hoje, têm usado a imagem das mulheres de uma forma em que também fazem o uso da bebida com o namorado, marido, amigas, todo o tipo de perfil, sem fazer apelo para as mulheres bonitas, que nem falavam nas propagandas. Filmes, séries e novelas A TV brasileira tem colocado cada vez mais como, personagem principal, a bebida alcoólica, como uma forma de relaxamento e diversão. Para conseguir patrocínio, muitas emissoras de TV colocam as bebidas em papel de destaque em reality shows, novelas, séries. Mostram o uso da bebida como um antídoto do que está ao redor delas. O aumento cresce gradativamente. Em novelas brasileiras, o que é mais visto, os personagens que fazem o uso são alcoólatras, perdem família, dinheiro ou, quando ganham alguma coisa, precisam festejar com uma bebida. Em séries de TV, quase que todas mostram o uso da bebida alcoólica por mulheres, homens e adolecentes. Para se ter uma ideia, basta colocar em um buscador online, as séries que falam de bebida, drogas e sexo, e ter uma longa lista como resultado. O mesmo acontece com filmes, principalmente os de Hollywood. 95% dos filmes mostram cenas em que os personagens estão fazendo o consumo. Em um estudo feito pela Pediatria do Hospital Universitário da USP mostra que 60% dos adolecentes entre 15 e 17 anos já fazem o uso de bebidas alcoólicas. Esse aumento vem surgindo pela contribuição das propagandas, séries e filmes que criam um cenário ao qual associam o a bebida alcoólica ao glamour da sociedade.

13 INFOGRÁFICO: JÚLIA COSTA

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VOCÊ JÁ VIU E OUVIU?

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QUANDO A DOR VIRA ARTE Beatriz Fernades Milena Reis No dia 3 de setembro, o rapper mineiro Das Quebradas lançou a música 188, em parceria com a vocalista da banda Patu Fu, Fernanda Takai. O nome da canção não é por acaso: 188 é o número do CVV (Centro de Valorização da Vida). O CVV está disponível 24 horas por dia, em todos os estados brasileiros, para onde pessoas que estão lutando contra pensamentos suicidas podem ligar para pedir ajuda, ou simplesmente conversar. A letra retrata um episódio delicado, a depressão, que o rapper enfrentou em sua vida, quando não conhecia o número. É de se admirar a vulnerabilidade em se dispor a transformar a sua dor exposta a todos em formato de música, ainda mais levando em conta o fato de suas canções terem um outro estilo, bem como a mensagem que ele passa na maioria delas. Algo interessante de se perceber é que, geralmente, as músicas que têm como tema a depressão têm uma melodia mais lenta. Já a música 188 mescla os dois mundos, combinando de forma harmoniosa momentos mais rápidos e momentos mais lentos. Além disso, a participação de Fernanda Takai incrementa a composição. Das Quebradas nos conta como foi esse processo de criação, e se houve alguma resistência, pelo fato de “188” ser totalmente diferente daquilo que ele está acostumado a produzir. “Não escrevi pensando em fazer música, depois de um tempo eu fui ler o que eu escrevi e vi que era bastante sério,

então fui pesquisar sobre e vi que era depressão. Pensei como eu poderia ser julgado, mas aí decidi fazer porque eu acredito que têm outras pessoas sentindo tudo aquilo que senti”, revela o rapper. E como resultado, a música tem tido um alcance positivo. “Recebo muitas informações de pessoas que falaram que vão procurar ajuda por conta da música, muitos contam o que passam e tudo. Como eu não sou apto a aconselhar, a cuidar, eu sempre escuto, converso, mas falo para a pessoa procurar ajuda. É mais uma conversa amigável, porque o que as pessoas querem é ser ouvidas”, conta o artista. Frases como “eu só quero chorar, mas chorar nem se pode, porque chorar é para os fracos, e o mundo manda ser forte” demonstram a falta de compreensão por parte da sociedade em relação às pessoas que sofrem da doença. Algo interessante na letra é como o rapper constrói a realidade de confusão mental que existe no indivíduo depressivo, mostrando que essa falta de informação não é realidade somente na sociedade. Podemos perceber isso com os seguintes trechos: “difícil de entender mas vou tentar te explicar [...] eles não entendem nada daquilo que eu estou sentindo [...] não sei o que eu estou sentindo, me ajude a compreender”. E é nesse cenário de desamparo, que músicas como a de Das Quebradas têm o papel de alertar para a causa. Lícia, diagnosticada com depressão e tratada há 8 anos, opina: “sem dúvida nenhuma, (a música) retrata exa-

FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS

Rapper Das Quebradas usa a música para falar sobre depressão

Reprodução da cena do clipe Das Quebradas - 188 ft. Fernanda Takai (prod. DJ Spider)

tamente o que é um ser humano em estágios depressivos. Em tudo que retratou, eu me vi entre 1999 e 2001 novamente”. A forma como a fotografia do clipe foi produzida é essencial para demonstrar essas duas realidades. Cenas em que a personagem está sozinha são mais escuras e com o tom azulado. Já em momentos em que ela está ao redor de amigos, a fotografia ganha mais luz e cores variadas. Técnicas como essa são importantes na criação de sentido que agrega muito para a música 188. A música mostra também o dilema entre a vida individual e a sociabilidade que o

depressivo enfrenta, trazendo a crítica de que a doença é muitas vezes negligenciada justamente por ela ser silenciosa. E esse silêncio existe justamente pela forma ultrapassada que as pessoas entendem que deve ser o tratamento. Por ligarem a depressão ao tédio e ao tempo ocioso, associam a sua cura a simplesmente procurar novas atividades, “ocupar a cabeça”. O rapper fala sobre isso em um trecho da música: “estou sofrendo profundamente, mas não posso demonstrar pois mandam eu tomar vergonha na cara e trabalhar”. Além disso, a personagem do clipe se vê

lidando com a doença e uma gravidez ao mesmo tempo. A forma como o clipe termina, porém, deve ser levado em conta: se dá a ideia de que, com o nascimento do filho, a personagem superou seus pensamentos suicidas e encontrou a cura na criança. O que é algo delicado, por dar margem à interpretação de uma não necessidade de acompanhamento psicológico e até mesmo psiquiátrico. A calorimetria das imagens do clipe ajuda a deixar essa ideia subentendida, já que o momento que a criança aparece é a cena mais colorida e iluminada.

O meio artístico pode, muitas vezes, ser propenso a tratar de assuntos delicados com certo nível de romantização. O que não é de todo negativo, pois sabemos que artistas usam suas emoções como fonte de inspiração. Tudo depende da forma como é tratado o assunto em questão. Por isso, tão importante quanto dar voz ao problema do suicídio, que tem origem na depressão, é mostrar o caminho para a cura. Isso pode ser feito de forma simples, mas notável. Como foi feita na música, que mostra um celular com o número 188 na tela ao final do clipe.


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ATÉ QUANDO A VIDA SERÁ DESVALORIZADA? FOTO: ILUSTRATITVA RETIRADA DO USPLASH.COM

Dados divulgados pela OMS mostram que as narrativas sobre suícidio precisam ser rescontruídas com foco na preservação da vida

O futuro está em nossas mãos

Stéffane Nascimento “Os despojos mortais do corpo que foi o mais célebre do mundo, ostentam hoje uma sinistra etiqueta em papel amarelo: peso, 117 libras; estatura 6,5 pés; cabelos louros e olhos azuis. Seus restos não são diferentes de qualquer mulher morta, uma mulher sem família, segundo os empregados do necrotério, um cadáver que ninguém reclama que ninguém conhece.” Foram com estas palavras que o jornal brasileiro Correio da Manhã divulgou, no dia 7 de agosto de 1962, a morte de uma atriz ícone da época. Noma Jean Mortenson, mais conhecida como Marilyn Monroe, foi encontrada morta em seus aposentos na manhã do dia 5 e, segundo a polícia, a causa seria um “provável sui-

cídio”. Ao longo da notícia, o jornal deu ênfase à solidão em que a atriz se encontrava, a começar do subtítulo: “Até na morte a solidão persegue Marilyn Monroe”. Um fato curioso é que, no primeiro parágrafo, o jornal critica o sensacionalismo e a insensibilidade com a qual outros veículos retrataram a morte da atriz. A morte de Marilyn não foi a única que a imprensa retratou com insensibilidade. Kurt Cobain, vocalista da banda Nirvana, suicidou-se em 1994 e o jornal Tribuna da Imprensa, também brasileiro, noticiou o fato descrevendo com detalhes como o cantor cometeu o ato. Quando o ator Robin Williams morreu, em 2014, o portal G1 publicou uma notícia com o título “Robin Williams se enforcou com cinto e

tinha cortes no pulso, diz polícia”, e, ao longo do texto, deu ênfase ao estado emocional no qual o ator se encontrava naquele período. Outra empresa de comunicação que também noticiou a morte do ator de forma insensível foi a Record TV. Na notícia que transmitiu no jornal Fala Brasil, o noticiário de horário noturno iniciou a matéria com riqueza de detalhes sobre o estado em que Robin Williams foi encontrado, indicando diretamente a forma como o ator se matou. Durante muito tempo, falar sobre o suicídio na mídia de massa foi considerado um tabu na sociedade. Nos dias atuais, com a instantaneidade com que as notícias chegam através da web, o desafio dos jornalistas é trazer à tona temas que são do interes-

se do público, assim como o suicídio, tendo como primordial o conhecimento sobre o papel do jornalismo na sociedade, que é auxiliar na construção e mudança de pensamentos. O problema é: como falar? A notícia da morte de Marilyn mostra que, mesmo antes da internet se tornar popular, o suicídio era abordado de forma sensacionalista e desrespeitosa, principalmente quando a morte era de alguma personalidade famosa. Sensacionalista por ser “mais importante” retratar os detalhes da morte e levantar questões que “chocam” tanto o fã, que tem apreço pela pessoa famosa, quanto para a família, que está em luto. E desrespeitosa por que, de certa forma, “mancha” a memória da pessoa que morreu, como se o suicídio desconstru-

ísse toda a história que a pessoa construiu ao longo da vida, despertando no leitor um ato crítico de julgamento. Além disso, dar mais ênfase quando o caso é de alguém famoso cria entre a sociedade mitos como “suicídio é coisa de rico, pobre não tem tempo para isso”. Em 2000, a OMS (Organização Mundial da Saúde) publicou o documento “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia”, no intuito de auxiliar a mídia a construir narrativas que contribuam para a prevenção do suicídio. No manual, a organização expressa que a mídia “influencia fortemente as atitudes, crenças e comportamentos da comunidade e ocupa um lugar central nas práticas políticas, econômicas e sociais. Devido a esta grande influência, os meios de comunica-

ção podem também ter um papel ativo na prevenção do suicídio.” Mesmo com a publicação no início do século XXI, a notícia sobre o suicídio de Robin Williams ainda seguia os parâmetros antigos. Outro caso um pouco mais recente foi da blogueira Alinne Araújo, uma jovem estudante de psicologia de 24 anos, que morreu no dia 15 de julho de 2019. Um dia antes de sua morte, Alinne decidiu seguir com o casamento, mesmo após o noivo ter terminado com ela, e postou um vídeo em suas redes sociais expondo sua decisão para público. Assim, muitos portais de notícias, como Estadão, Metrópole e IstoÉ, retrataram este caso evidenciando já no título que a blogueira cometeu o ato após ter sido “abandonada” pelo noivo.


CRÔNICAS 16 O SENTIMENTO DE QUEM PRATICA CARIDADE Novembro de 2019 Jornal Impressão

Caridade não é algo para quem pratica sair espalhando por aí, alimentando o próprio orgulho. A caridade é um ato de amor em primeiro lugar, é se deixar ser levado pela humildade, se colocar de joelhos diante da situação do próximo que tanto precisa da nossa ajuda. Uma vez escutei um versículo do qual me recordo até hoje: “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. E qual o significado disso? Podemos trazer uma reflexão sobre caridade. Quando a doação é feita de coração, não necessita ser falada, é uma simples troca, você doa e recebe um amor puro de volta. Afinal, quem será que sai mais transformado dessa partilha? Essa pergunta é difícil de ser respondida, porque vai da percepção de cada um, mas de acordo com as ex-

periências que já vivi, arriscaria dizer que nós, que praticamos a caridade, seja através de uma visita ou de uma doação material, saímos mais transformados. Nessa troca somos nós quem mais recebemos. Neste ano, tive a oportunidade de participar da Missão do Acorda em Belo Horizonte, um movimento do grupo Projeto Jovem Fanuel, que tem como principal objetivo levar o amor de Deus para as pessoas através do trabalho voluntário, um dia inteiro de visitas simultâneas pela cidade. O Acorda realiza ações como visitas a hospitais, asilos, creches, abrigos de adolescentes e crianças e moradores em situação de rua. Além disso, distribui alimentos a pessoas carentes, faz doações e ações de gestos mais simples, como distribuição de flores nas ruas, que também arrancam sorrisos das pessoas. Ao participar

da Missão, pude viver uma experiência pessoal e individual, a caridade vai para além do que a gente pode imaginar, ela está ligada diretamente ao sentir. Sentir-se tocado por receber um olhar de gratidão de pessoas que vivem uma realidade tão distante da nossa. Na Missão, visitei um asilo com idosos que estavam com saú-

de bastante debilitada. Antes da visita começar, rezamos em grupo a oração de São Francisco que diz “pois é dando que se recebe” para, assim, entrarmos no espírito do nosso serviço. Além das doações, também levei o meu violão para tocar e cantar algumas músicas, acreditava que através da música eu levaria um pouco de alegria para aqueles

idosos. Mas, ao encontrá-los, depois de todas as conversas, choros, cantorias e compartilhamento de violão, compreendi o sentido daquilo tudo. O agradecimento deles era abundante, sendo que eles é que mais estavam doando carinho, nos confiando seus desabafos de saudades e partilhando suas histórias. Os idosos nos ofereceram aquilo que

eles tinham de maior valor, o amor. Então, saí daquele asilo com o coração transbordando de gratidão e valorizando ainda mais a minha vida e as pessoas que tenho à minha volta. Aprendi que aqueles que aparentemente menos têm, na realidade, são os que mais se disponibilizam a ofertar. Uma tarde para nunca me esquecer.

Escrevendo uma matéria onde o presidente está sendo investigado por algum delito. O cenário? Fértil. O terreno está adubado para voltarmos no tempo. Qualquer semelhança com as crises financeiras vividas no início da década de 1960, herdadas por Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, (não) é mera coincidência com a atualidade. A classe jornalística está desqualificada,

quem expõe os problemas do governo agora? A população não acredita mais na imprensa. A fiscalizadora, a porta-voz do povo está silenciada. Ainda não plantaram no terreno, mas o solo está perfeito. Como fica a mente de uma pessoa de classe baixa, estudante e trabalhadora neste momento de desconfiança? O problema não é e está distante de ser solucionado.

FOTO: PAULO HENRIQUE SANTOS

Isabela Santana

A caridade faz as pessoas terem compaixão uns com os outros

FOTO: MAYKEL DOUGLAS

PERIGO IMINENTE Luciano Neto Em um passado recente, possivelmente, isso não seria discutido. Perigo? Onde? Hoje, nada disso é levado a sério por aqueles que não enxergam o que pode acontecer. Porém, o questionamento que se faz é: quem está em perigo? Nós, a nação,, a humanidade. Semelhanças existentes com o golpe militar de 1964 não nos coloca na melhor posição para embates. Desqualificação, zombaria, dúvidas sociais. É isso que nos amedronta? Imagine: acordar, preparar um café reforçado. “Ah! Hoje é mais um dia em que vamos prestar o

serviço de informar verdades para a sociedade, vamos crescer! Evoluir! Somos humanos em constante evolução (?).” Não será bem assim. O seu serviço agora está sendo vigiado, não há autonomia, nada de independência. Repressão, opressão. O poder é maldoso, intuitivo, irracional. O poder seguido do medo consegue ser mais desastroso, medo da imprensa? O que fizemos de tão ruim? Não

estamos no palanque dos poderes da república democrática. Que influência temos? Seguindo a lógica de que o vilão disso tudo é o comunismo, é uma afronta à ‘Doutrina de Segurança Nacional’, os conflitos políticos, ou qualquer projeto de reforma que mobilizasse as massas trabalhadoras, poderiam ser uma porta de entrada para a “subversão”. Nessa perspectiva, os exércitos nacionais

dos países capitalistas liderados pelos EUA deveriam cuidar da defesa interna contra a “subversão comunista infiltrada”. Portanto, o inimigo seria, primordialmente, um “inimigo interno”, que poderia ser qualquer cidadão simpatizante ou militante do comunismo. Será mesmo? Ainda na parte onde me dirijo para a redação e ainda penso em prestar um serviço social com o fazer jornalístico…


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