Edição 182 - Caderno 2

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Ano 28 • número 182 • Outubro de 2010 • Belo Horizonte/MG

O camaleão e a abelha-rainha

Leia as críticas de Marcos Mendes, que acompanhou os shows de Ney Matogrosso, em Belo Horizonte, e Maria Bethânia, no Rio de Janeiro. Página 12

Leonardo lobo


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Belo Horizonte, outubro de 2010

Artes Plásticas

Impressão

Fotos Juliana ValliM

Bastidores de uma grande exposição Trazer uma mostra internacional para Belo Horizonte demanda muito esforço e capital Marlon Neves Viviane Araújo 7º Período

Edição: Ana Tornelli Muita gente foi conferir de perto as obras do escultor francês, Rodin, na Casa Fiat de Cultura no ano passado. Mas é certo que poucas sabem que para realizar a exposição foram necessários dois anos de produção e muito trabalho. a gestora da Casa Fiat de Cultura, Ana Vilella. O primeiro passo, de acordo com a gestora da instituição, Ana Vilella, é elaborar uma proposta com todos os detalhes, espaço, obras, estratégias de marketing e custos. A proposta é apresentada ao conselho diretor da Casa Fiat. e, se aprovada, inicia-se uma negociação com as instituições que detêm a guarda das obras. Nesse processo é preciso comprovar que há infra-estrutura adequada para receber o acervo.Encerradas as negociações, é necessário conseguir recursos para viabilizar o projeto. Ana Vilella

conta que para uma exposição como a de Rodin o custo é de quatro milhões de reais. O próximo passo é aprovar o plano junto ao Ministério da Cultura, para que parte dos tributos que seriam repassados a União, pelo grupo Fiat, sejam direcionados para a exposição. “Além dos custos de manutenção e funcionamento da instituição que são assumidos pelos mantenedores, os projetos são viabilizados com um aporte dos patrocinadores que giram em torno de 20% a 30%. O restante é subsidiado através da Lei de incentivo Federal”,explica a gestora. Assegurados os recursos, é hora de finalizar o contrato com a instituição internacional, definir datas para a exibição, escolher as obras que serão expostas, enviar técnicos ao museu de origem das peças para verificar questões como transporte e acondicionamento. Paralelamente, em Belo Horizonte, as instalações são preparadas para receber as obras (iluminação, e climatização). Também é pre-

ciso planejar a melhor disposição das peças no espaço. Já a equipe de comunicação inicia uma pesquisa histórica e desenvolve conteúdos que serão essenciais para manter o evento.

cação e educativo”. Mas o trabalho não acaba aí. Encerrada a exposição, cabe a instituição cultural acompanhar a viagem de volta das obras para o museu de origem e assegurar que cheguem sem sequer um arranhão.

“Além dos custos de manutenção assumidos pelos mantenedores, os projetos são viabilizados por patrocinadores. ”

Tecnologia

Ana Vilella Segundo Ana Vilella, 80 pessoas são contratadas temporariamente para trabalhar no funcionamento das atividades, “entre elas equipe de receptivo, segurança, limpeza, produção, técnicos, comuni-

A Casa Fiat de Cultura é uma instituição cultural sem fins lucrativos. Foi inaugurada em 2006, em comemoração aos 30 anos da Fiat no Brasil. Com área total de 3.650 m, está localizada em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. O maior diferencial da instituição é a tecnologia com a qual foi projetada, o que permite receber obras centenárias, tombadas pelo patrimônio histórico da humanidade. Para a professora de crítica da escola Guignard da UEMG, Janaina Melo, esse novo espaço insere Belo Horizonte na rota das grandes produções artísticas. Segundo a professora, “na década de 90 a capital recebeu impor-

tantes produções como Camille Claudel, Picasso e Dali, mas a proposta de espaços como o Museu de Arte da Pampulha, que foi um marco na trajetória artística da nossa cidade, mudou, e a casa Fiat, aliada a uma política cultural bastante eficiente, colabora para formação e ampliação de um público de arte”. Em resposta às críticas de uma parcela da população que vê a Casa Fiat como espaço elitizador da cultura, Janaina Melo é taxativa: “a partir do momento em que o local abre as portas para a visitação pública, ele não pode ser visto como elitizador, e sim, como democratizador. O que falta é incentivo e políticas de deslocamento até esses locais”. Durante a exposição de Marc Chagall, em ANO, a Casa Fiat ofereceu transporte gratuito à população com ônibus que saíam regularmente da Praça da Liberdade.

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Artes Plásticas

Impressão

Belo Horizonte, outubro de 2010

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Etapas de montagem Marina Messias

desde o curador até o setor de imprensa da exposição.

6º Período

O programa Valores de Minas expõe trabalhos de jovens de escolas públicas estaduais

Complexa e exigente. A montagem de exposições temporárias não é simples e demanda por profissionais qualificados. Organização, pesquisa, contatos e patrocínio são algumas das etapas para realizar uma mostra. O primeiro passo para a elaboração de uma exposição de arte é definir o tema e o período de duração. Após essas decisões, a equipe deve pesquisar e mapear as obras que se encaixam ao assunto escolhido. A partir daí começam os contatos entre instituições e colecionadores. Após vencida esta etapa, o instituto deve garantir transporte adequado, direitos autorais e seguro para as obras. Esses são os grandes problemas que, geralmente, inviabilizam a realização de várias exposições, principalmente internacionais, no Brasil. Por isso, as instituições recorrem a patrocínios e leis de incentivo a cultura. Esta fase representa 50% da montagem da mostra. Para a próxima etapa entram em cena os courries, pessoas responsáveis pelo acompanhamento das obras desde o empréstimo até a exposição, além de observar a devolução dos objetos. A conservação, temperatura ambiente, iluminação e segurança devem ser sempre observados. O trabalho de montagem mobiliza uma gama de profissionais, que vão

Local da exposição Lendas do Sertão, seis dias antes da abertura, em 20 de outubro, em BH

Mudanças na Lei O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional uma proposta de revisão da Lei Rouanet, criada em 1991 para incentivar a cultura por meio de renúncia fiscal. A lei tem sido alvo de críticas desde sua promulgação, sob o argumento de que a empresa não estaria financiando a cultura de fato, apenas redirecionando parte dos seus tributos devidos para uma instituição ou projeto cultural. Segundo o Coordenador da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, Bernardo da Mata Machado “A cada R$ 10,00 investidos, R$ 9,50 são públicos e apenas R$ 0,50 é dinheiro do patrocinador privado. E o patrocinador ainda se beneficia, porque através do projeto faz propaganda de sua empresa sem gastar um

tostão.” Bernardo admite que a Lei cria distorções regionais (vide infográfico) além de privilegiar projetos ligados a empresas fortes, uma vez que seus projetos teriam maior notoriedade, por conseqüência, maior publicidade. Segundo Bernardo “Projetos de cultura popular, circo, biblioteca, restauração de patrimônio cultural, cultura indígena e afro-brasileira, entre outros, mesmo que aprovados, quase nunca obtêm patrocínio”. Pela nova proposta do governo, os projetos não receberão 100% de isenção indiscriminadamente. O percentual de renúncia será estabelecido de acordo com critérios de julgamento que levam em conta dimensões simbólica, econômica e social do projeto.

Em BH

O Palácio das Artes abriga grande parte das exposições na capital mineira. Recentemente, o espaço recebeu a mostra do programa Valores de Minas, que oferece oficinas de arte para jovens de escolas públicas estaduais. Os trabalhos de 40 alunos foram apresentados e os estudantes vivenciaram a montagem da exposição, em nível regional. Primeiro, eles ficaram três meses trabalhando com o objetivo de conhecer as artes plásticas, criar obras e expô-las para o público. “No momento da montagem eles perceberam realmente o que é uma exposição. Participar dela é uma estratégia para que eles entendam melhor o processo”, diz a coordenadora da área de artes plásticas Marina Bylaardt, do Valores de Minas, do Serviço Voluntário de Assistência Social, o Servas. O programa Valores de Minas inaugurou, em 2009, o Plug Minas e faz parte do Núcleo do Centro de Educação Juvenil, que funciona na antiga Febem, no bairro Horto. Esta semana, o estilista e curador Ronaldo Fraga estreia, no Palácio das Artes, a exposição Lendas do Sertão, que retrata a arte das cidades ribeirinhas do Rio São Francisco. A reportagem esteve na galeria para conferir a montagem da mostra, mas o artista preferiu não revelar detalhes para surpreender o público.

Realidade da Lei Rouanet Em 18 anos de Lei Rouanet, alguns aspectos ainda precisam ser melhorados. Existem diferenças consideráveis na arrecadação da verba quando se divide o país em regiões.

Norte 0,45%

Centro-oeste 3,84%

Nortedeste 6,91% Sudeste 79.11%

Sul 9,69% Fonte: MInistério da Cultura


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Shows

Belo Horizonte, outubro de 2010

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Palcos

f lamejantes Festival musical eclético coloca Belo Horizonte no circuito da cena independente nacional Daniel Ottoni Gustavo Caetano Lucas Oliveira

Adeptos do rock, em suas intermináveis vertentes, têm encontro marcado há muitos anos na Galeria do Rock localizada na Praça Sete, patrimônio histórico-cultural da capital mineira. Em 1999 Wellbert Ramos, mais conhecido como Bart, decidiu fundar ali a sua loja, a 53 Hardcore Company ou 53HC. A partir daí, o produtor musical não apenas comercializou álbuns de bandas alternativas, mas promoveu a cultura independente em todo o país com um misto de loja, selo e produtora.

cuito underground, quisemos trabalhar para que a participação da cidade nesse meio fosse mais expressiva”, afirma a assistente de produção da 53HC, Rafaela Maini. Através do festival, a cidade se tornou palco de grandes shows e viu despontar talentos antes distantes do público. “Nossa proposta é apresentar alguns dos artistas da cena independente, promovendo-os e aumentando o intercâmbio entre estilos musicais”, explica um dos produtores do festival, Tomaz Alvarenga. A cada três meses, uma noite flamejante invade a cidade, sempre com artistas emergentes ou surpresas da cena independente. Ainda promove o encontro de públicos de várias faixas etárias, es-

Disposto a preencher o calendário cultural da cidade e querendo ampliar as iniciativas da 53HC, nasceu o projeto Flaming Night, em 2007. “Percebendo a defasagem que BH possuía em relação ao cir-

tilos e gostos. Rafaela garante que a diversidade não tem fim. “As atrações do Flaming Night já trouxe para Belo Horizonte vão do rockabilly ao metal, passando pelo reggae, punk rock, hardcore, indie,

7º Período

Edição: Ana Tornelli

jazz, eletrônico e pretendemos tornar cada vez mais variada e rica essa lista de estilos.” A lista de bandas que tiveram a oportunidade de

mostrar seu trabalho no festival é extensa e conta com nomes como: Móveis Coloniais de Acaju, Fresno, Matanza, Strike, Ratos de Porão, Dead Fish, Canastra, Autoramas, Forgotten Boys, Copacabana Club, Cachorro Grande, Mundo Livre S/A. Um dos fatores que comprovam a valorização e o reconhecimento do festival é o apoio da imprensa que aumentou muito desde a primeira edição. “A mídia já percebeu o valor do evento e cada vez mais abre espaço para este segmento”, ressalta Tomaz. Segundo o estudante Bernardo Biagioni, que não perde uma edição do festival, o Flaming Night mostra quem são os artistas mineiros de hoje e quais são os novos diálogos da

Anderson Aurélio

O produtor musical Welbert Ramos, fundador do 53HC, é o idealizador do Flaming Nights

cultura feita nas mais diversas cidades de Minas Gerais. Ele também acredita na relevância do evento para o fomento da cultura contemporânea pro-

duzida no Brasil. “Isso é importante para compreendermos os nossos tempos, nossas aspirações, nossas revoluções pontuais. Com o festival, ficamos por dentro do que há de melhor sendo feito no país hoje”, destaca Biagioni. Com visão semelhante, Guto, vocalista da banda mineira The Dead Lover’s Twisted Heart, acredita que a experiência de tocar no festival foi muito boa. “Como é de praxe na Flaming Night, a curadoria mistura públicos diversos, distinto do nosso habitual e foi um desafio muito legal. Como músico, o contato com públicos diferentes te obriga a experimentar coisas novas no palco. Isso é demais”, conta. Outro músico que já participou do Flaming Night, Cássio Corsino, acredita no poder das noites da 53HC para a música mineira. Atual baixista do grupo de BH Ragna, o músico analisa que o evento caminha para o amadurecimento no setor organizacional. Ele diz que esse tipo de evento é importante, já que “além de colocar a capital mineira na cena musical, auxilia a formação de novos públicos e perpetua um trabalho iniciado há décadas”. A última edição do Flaming Night foi realizada em setembro, no Music Hall, e manteve a tradição eclética com diversidade de estilos. No palco, bandas veteranas como Matanza e Mukeka di Rato dividiram espaço com as novatas Vespas Mandarinas, Vivendo do Ócio, Skacildes, e o Dj Chuck Hiphólito.

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Apoio é desafio Não é fácil realizar eventos na capital mineira. Os produtores alegam que o retorno não é garantido, o público muda de opinião e gosto com facilidade e os preços de aluguel e investimento não costumam ser baixos. É preciso muita coragem, conhecimento e persistência para tocar um projeto adiante. Por mais difícil que a concretização da idéia possa parecer, é preciso acreditar e ir em frente, é o que pensa a assistente de produção da 53HC, Rafaela Maiani. “A dificuldade é grande, pois até o ano passado realizamos todas as edições dos dois projetos sem qualquer apoio financeiro, contando com a bilheteria para cobrir todos os custos gerados. É um grande desafio, mas temos muita expectativa em tornar esses projetos cada vez mais sólidos e ricos culturalmente falando”, afirma. Outro ponto discutido é a previsão de início e término dos festivais. “O evento deveria ser mais pontual. Assim não terminaria tão tarde - ou cedo da manhã seguinte”, indica Bernardo Biagioni, ouvinte de música independente. A última atração, normalmente mais aguardada, só sobe ao palco algumas horas depois do início de um novo dia. Até a penúltima edição, o Lapa Multshow foi a casa que sempre recebeu o festival, mas desde a 13ª edição, realizada em 10 de abril deste ano, o Lapa cedeu espaço para o Music Hall, no Santa Efigênia. Procurado pela reportagem para falar sobre as noites flamejantes, o produtor musical e proprietário do Lapa, Guilardo Veloso, não quis se manifestar.


Cultura

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Desafios do “novo” jornalismo cultural Jornalistas da área discutem os prós e contras do conteúdo da programação na TV mineira Fotos Larissa Scarpelli

Lucas Mortimer entende que o nicho cultural se diversificou

Larissa Scarpelli 8º Período

Edição: Luiz Ladeira A televisão e os veículos impressos abrem espaço para

a cultura, mas de forma restrita. Nos quadros culturais dos canais de televisão, o que se torna comum é a reprodução da agenda cultural de Belo Horizonte, com coberturas

mais aprofundadas de poucos eventos. Tradicionalmente os mais populares. De uma maneira geral, são poucas as emissoras que apresentam a cultura mineira em algum programa específico. Uma das exceções é a Rede Minas, com uma programação voltada para discussões culturais. Para Fernanda Ribeiro, apresentadora de um desses programas, o Agenda, o jornalismo cultural em Belo Horizonte “ainda é pequeno”. A frente do programa, a jornalista faz parte da minoria responsável por apresentar informações culturais em um programa dedicado integralmente para o assunto. “Isso ainda não é suficiente. Belo Horizonte, há muito, vem entrando na rota dos grandes eventos, mesmo que com várias ressalvas, mas é triste pensar que a cultura ainda é pouco valorizada na imprensa”, completa Fernanda. Sob outro ponto de vista,

a jornalista e apresentadora do programa Trilha MTV, Laura Damasceno acredita que o jornalismo vem acompanhando o crescimento cultural em Belo Horizonte. “Os profissionais da área têm aproveitado a passagem de nomes importantes pela cidade e a reunião de público realmente interessado em cultura para produzir conteúdos muito interessantes e levantar questões que tratem da cultura não só de maneira ampla, mas também local, ajudando a fomentar ainda mais a cena cultural em Belo Horizonte.” Impressos e a cultura Atualmente o mercado mineiro conta com três jornais impressos de grande circulação que apresentam as informações culturais belohorizontinas, através de cadernos, semanais ou diários, específicos. Para a repórter do caderno de cultura Magazine, do jor-

nal O Tempo, Soraya Belusi, os jornais atuais tentam apresentar ao seu leitor um texto de qualidade, mas acabam se prendendo na reprodução das agendas culturais. De acordo com Soraya, o Magazine “sai na frente de seus concorrentes”, pois tenta trazer para as matérias, constatações e associações de ideias dos próprios repórteres. Além de trabalhar como repórter, Soraya participa de um núcleo de pesquisa sobre jornalismo cultural do Grupo Galpão. Nos encontros do grupo, são discutidos novos formatos para a prática de jornalismo cultural, além de temas que cercam a rotina do profissional que trabalha nessa área. “A idéia é refletir como o jornalismo cultural pode ir além dos padrões que estão sendo veiculados”, explica Soraya.

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No movimento inverso Indo contra a tendência de pouco aprofundamento no jornalismo cultural, em 2007 surgiu uma nova opção para os leitores mineiros: sites especializados, não só nas agendas culturais de Belo Horizonte, mas também com coberturas jornalísticas da área. O primeiro deles foi Guia Entrada Franca, criado pelo gestor cultural, Alexandre Fabello Fernandes, o Alex. Além dele, o site conta com duas jornalistas responsáveis pelas reportagens, Ártemis Brant e Ana Paula Pimentel. Outra opção, mas voltada para o público alternativo, é o Coletivo Pegada. O veículo surgiu a partir de uma carência de bandas independentes, que buscavam espaço para apresentarem seus trabalhos. O início foi em 2008, impulsionado por Lucas Mortimer, músico e coordenador de planejamento do site. Para ele, os veículos a exemplo de jornais impressos, rádio e televisão, não conseguiram acompanhar a velocidade das mudanças estão acontecendo no meio cultural. Por isso, a internet forçou um

dinamismo para todo o jornalismo, e não apenas o cultural. “Hoje, por exemplo, o Twitter é uma grande ferramenta de informação. Isso fez com que as notícias tenham que ser bem mais diretas e informativas, utilizando o mínimo de caracteres para passar a informação”. Para a jornalista e apresentadora do Agenda, na Rede Minas, Fernanda Ribeiro, as novas mídias sociais são válidas para divulgar cada vez mais a cultura. “Acho que hoje a coisa é mais casada, como no caso do Agenda que tem Twitter. Mas ainda acho que as mudanças são pequenas.” Já na opinião de Laura Damasceno as redes sociais, como o facebook e twitter, contribuem para a promoção da eventos culturais, mas de uma forma geral, não impacta na “maneira de pensar o jornalismo cultural”. “O mais legal disso (as redes sociais e blogs) é que muitas vezes as conversas que surgem nesses espaços aumenta o interesse do público pelos eventos culturais.”

Laura Damasceno acredita que os jornais acompanharam o crescimento de Belo Horizonte


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Ensaio

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Furnas da natureza Percorrendo as estradas de Minas, os contrastes de cores que surgem das águas, do sol e da mata que se fundem, inunda os olhos do viajante. As terras, que deram lugar a imensidão azul de águas, que refletem a luz do sol, não podem mais ser vistas, ficaram na lembrança dos antigos moradores e na imaginação do andarilho. Para ele, presenciar o anoitecer à beira daquelas águas é refletir sobre cada história mergulhada sob o imenso lago, que carrega consigo o curso dos Rios Grande e Sapucaí. A vida de muitos homens e mulheres foi transformada em nome da evolução. A energia elétrica que chega nas casas, ruas e empresas brota dali. Todavia, para o viajante, a verdadeira energia não é a que move a tecnologia, mas sim àquela que alimenta o espírito quando é inspirada pelo toque natural.


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Ensaio

Belo Horizonte, outubro de 2010

fotos: Geraldo Lisboa 4º Período

Design Gráfico Texto e Edição: Mariana Medrano 8º Período

Jornalismo

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Belo HorIzonte, outuBro de 2010

Cinema

ImPressão

PREsERVAR

também é preciso A visão de quem restaura filmes para manter viva a memória audiovisual da sociedade Lucas oliveira 6º Período

edição: Luiz Ladeira Tão importante quanto produzir novos filmes é recuperar e arquivar os antigos, a fim de permitir ao público interessado o acesso à nossa memória cinematográfica. Rafael de Luna, atuante na área de memória audiovisual e história do cinema brasileiro, concorda quanto a esta importância e diz que esta prática “não é

u m a ação que se encerra. Nenhum filme jamais ‘foi’ preservado, ele pode ‘estar sendo’ preservado. Isso requer ações contínuas e permanentes para garantir a manutenção do estado

dos materiais e sua permanente acessibilidade”. O trabalho de preservação de filmes é caro e trabalhoso. A boa notícia para os cinéfilos é que há pessoas e instituições interessadas em manter viva nossa história audiovisual, como Patrícia Civelli, Myrna Brandão (do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro), os familiares de Glauber Rocha - que com o projeto Tempo Glauber recuperou os

títulos: Barravento (1961), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), e A Idade da Terra (1980); e de Joaquim Pe-

dro de Andrade (com o projeto Filmes do Serro); além de Alice Gonzaga. O trabalho de Alice à frente do Cinédia tem ajudado a mudar o quadro em que se encontra parte do acervo de filmes brasileiro. Dando continuidade ao trabalho que seu pai, Adhemar Gonzaga, iniciou em 1930, Alice vem recuperando boa parte do acervo dos tempos de estúdio do Cinédia, além de finalizar em dezembro de 2009 –

pelo Instituto para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro (IPMCB) – a recuperação de cinco filmes do cineasta Moacyr Fenelon, nascido em Patrocínio do Muriaé em 1903,

e um dos fundadores da Atlântida Cinematográfica e também um ativista em defesa do cinema nacional, na fase final de sua carreira (de

1948 a 1951). Por este seu trabalho de resgate, foi homenageada em março deste ano pela Academia Brasileira de Cinema. A produtora do ramo cinematográfico confessa que sentiu “mais necessidade ainda de ajudar a valorizar os artistas, tanto os conhecidos quanto os esquecidos”, e completa que “os novos espectadores precisam conhecer o passado artístico do país. São registros de nossa cultura e parte do nosso patrimônio histórico”. A preservação de filmes e a disponibilização das cópias restauradas para consulta, seja tanto para pesquisa ou para liberação ao público, envolvem procedimentos caros, pois necessitam de auxílio de tecnologias digitais. A

exemplo dos filmes de Moacyr Fenelon. Muitas culas se

pelíencontram em situação de perda total. Myrna Brandão, do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, se preocupa com a qualidade dos filmes antigos, principalmente os realizados antes da década de 1960. Ela acredita que “a preservação da nossa memória fílmica é importantíssima, mas no Brasil a situação de muitos filmes é crítica. Muitos se perderam e outros estão ameaçados de extinção. O cálculo dos profissionais é que um grande número de

longas realizado antes da década de 1960 estão desaparecidos, entre eles clássicos como ‘Favela de meus amores’, de Humberto Mauro, ‘Barro Humano’, de Adhemar Gonzaga, ‘Moleque Tião’, de José Carlos Burle (o primeiro filme sonoro brasileiro), ‘Acabaram-se os Otários’ (o primeiro musical), ‘Coisas nossas’ (primeira sátira), entre outros”. Resgatar e preservar a memória da cultura brasileira é possibilitar às futuras gerações o acesso a estas obras. Os investimentos neste sentido se fazem, portanto, necessários. Mas, segundo Alice, “os recursos ainda são insuficientes. Nossos filmes precisam ser duplicados a fim de evitar a perda e garantir a manutenção dos mesmos”. E ela acrescenta que “os profissionais do meio audiovisual e cultural, inclusive setores da administração pública, têm uma grande responsabilidade social. Os recursos negados a instituições e empresas que preservam acervos cinematográficos, sob o argumento de redução de verba, comprometem a própria existência das produtoras, pois pode não haver mais o que pesquisar e usar nas cinematecas do século XXI”. Hitchcock O Instituto Britânico de Filmes tomou uma iniciativa interessante, lançou uma campanha de adoção de filmes de Alfred Hitchcock. Através de uma doação, qualquer pessoa pode contribuir para a restauração de um trabalho do diretor e, dependendo do valor doado, pode inclusive receber créditos na telona depois da projeção. Qualquer valor é aceito. De acordo com cálculos do próprio instituto, com 25 libras é possível restaurar 50 centímetros de filme. Para obter o direito a crédito no final do filme, o doador deve desembolsar 5 mil libras e calcula-se que para restaurar integralmente uma película sejam necessárias 100 mil libras.

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Cinema

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Belo Horizonte, outubro de 2010

Arrecadação para a manutenção de filme Preservar é um trabalho constante para manter viva uma obra no estado mais próximo possível àquele em que ela foi originalmente realizada e apresentada. Isto permite que as gerações futuras tenham acesso à memória audiovisual daqueles retratados por essa obra. Portanto, Restaurar filmes é mais que uma questão relativa à arte, é uma questão de cidadania e de identidade, seja regional ou nacional. Myrna Brandão diz que “o cinema é como um espelho onde cada um se vê e vê também sua história e sua cultura. Se nossos filmes não forem restaurados e preservados, corremos o risco de adotar valores de outras culturas que inundam nossas telas com seus filmes”. O professor Rafael de Luna lembra que “hoje todos sabem do valor de um filme como “Central do Brasil” ou “Cidade de Deus”, mas nem sempre foi assim. No passado muitas vezes não se questionou a possibilidade de se estar perdendo – sobretudo por

descaso e inércia – uma parte da memória cuja ausência hoje lamentamos”. A boa notícia é que atualmente muitos já se conscientizam da importância de preservar os filmes, apesar da falta de um programa de incentivo governamental, por exemplo. A lei Ruanet é uma ajuda importante para os produtores, mas deixa as produtoras dependentes do interesse de empresas em participar dos projetos. Uma saída simples e de custos baixos seria a realização de mais festivais e premiações para o setor. Porém, o que resolveria de forma definitiva o probelma é a criação de políticas públicas adequadas. Ainda é difícil conseguir os recursos para manter ou recuperar nossas produções. Depois desta prática, o que se espera é que os espectadores brasileiros possam ter mais acesso à nossa cultura cinematográfica, e assim se possa privilegiar os filmes produzidos no Brasil, que contêm os nossos valores e costumes.

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Arquivo

Para preservar os filmes, são necessários muitos investimentos e cuidados com a pelicula

Quem está à frente das recuperações Preocupados com a situação da preservação, muitas empresas procuram patrocínio para conseguir salvar parte de nossa memória cinematográfica. Mas, mesmo com os incentivos obtidos por quem financia esse trabalho, obter investimento nem sempre é tão fácil. Para os cinco filmes de Fenelon que o Instituto para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro (IPMCB) resgatou, Alice explicou que, no início, foi muito difícil, mas acabou conseguindo patrocínios do Ministério da Cultura, do Fundo Nacional de Cultura e da Petrobras. Esta última contribuiu para restaurar, por exemplo, “Alô, Alô Carnaval” e outros filmes do Cinédia. O IPMCB atualmente finaliza “Berlim na Batucada”, “Bonequinha de Seda” e outros cinco filmes. Já Myrna Brandrão explica que enviou seus projetos de restauração para mais de 20 empresas, e o resultado só conseguiu ser alcançado com a Petrobras e a Labocine, que, com uma equipe técnica coordenada pelo restaurador Francisco Moreira, possibilitou a complementação dos recursos que foram patrocinados pela empresa estatal. O CPCB, com seu programa

de restauração, já salvou, em dez anos de atuação, seis filmes, como “Aviso aos Navegantes”, de Watson Macedo, “Tudo Azul”, de Moacyr Fenelon, “Menino de Engenho”, de Walter Lima Jr., “O País de São Saruê”, de Vladimir Carvalho, “O Homem que Virou Suco”, de João Batista Andrade, e “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral. Segundo Myrna, todas as restaurações foram incentivadas pelo Ministério da Cultura – Secretaria do Audiovisual –, através da Lei Rouanet. Em princípio, qualquer filme que esteja em graves condições técnicas pode e deve ser restaurado, porque independentemente da qualidade artística que a produção possa ter, todos os filmes trazem em si um componente forte de memória da época em que foi realizado, que deve ser preservado. Myrna acredita que os critérios de seleção e incentivos financeiros para recuperação não resolvem o problema dos inúmeros filmes que estão se perdendo por falta de um trabalho adequado de conservação. “Por isso, outra questão muito difícil é escolher o filme que será restaurado, entre tantos ameaçados”, completa.


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Cinema

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Fim ou recomeço? Como Belo Horizonte perdeu suas grandes salas de cinema e a retomada dessa atividade Pablo Estanislau Letícia Flávia Caio Araujo Leonardo Ribeiro 7º Período

Edição: Luiz Ladeira Que ligação pode existir entre uma pequena cidade texana, chamada Anarene, e uma grande metrópole como Belo Horizonte? Coisa alguma, quase nada. Exceto pelo fato de ambas as cidades, cada uma a seu tempo, terem testemunhado o fim das tradicionais salas de cinema. Mesmo comparando a década de 50 nos Estados Unidos com os anos 90 no Brasil, essa relação fantasiosa é bastante adequada, tendo em vista que o desenvolvimento tardio das atividades culturais no Brasil – principalmete a TV - fez com que a crise dos estabelecimentos de exibição de filmes também tivesse efeito retardado. O caso de Anarene dá um pequeno entendimento a respeito dos motivos que determinaram o fechamento das grandes salas de cinema. Anarene é a cidade retratada pelo diretor Peter Bogdanovich no clássico “A última sessão de cinema”, de 1971. O filme, que aborda as desesperanças e infelicidades dos moradores da pequena cidade, usa o encerramento das atividades da sala de cinema Royal como elemento metafórico dessa desilusão, ao mesmo tempo em que expõe a fragili-

Arquivo

dade da sétima arte frente à concorrência da televisão. No caso específico da capital mineira, o fim das grandes e badaladas salas de cinema parece ter diversas outras razões, entre as quais a especulação imobiliária, a disseminação da TV a cabo e o surgimento dos shoppings centers, com suas modernas instalações de projeção. No entanto, para alguns, como o projecionista Eder Mario Delatore, os anos difíceis podem ter ficado para trás. Pesquisador do assunto, ele acredita no retorno dos cinemas de rua mas ressalta a

“Não foi o cinema que perdeu o encanto, é que outros encantos não cessam de aparecer. ” Victor Almeida importância de um projeto eficiente, que inclua uma política de preços populares. O fenômeno do fechamento das grandes salas é bastante recente, sentido por muitos dos belo-horizontinos com mais de 20 anos de idade, mas uma de suas principais causas

Cine Brasil exibe um dos ultimos filmes antes do seu fechamento, ocorrido em julho de 1999

não é tão nova assim. Desde o seu planejamento, Belo Horizonte não foi concebida para abrigar uma população de quase três milhões de habitantes. Como a cidade tem dimensões limitadas, cada espaço é extremamente valioso, e as salas de cinemas tradicionais, por ocuparem áreas maiores, não foram capazes de manter uma estrutura dispendiosa (impostos, aluguéis, taxas). Paralelamente, por localizarem-se em um centro comercial, as salas nos shoppin-

Mariana Medrano

Depois de restaurado, o Cine Brasil reabrirá as portas como um novo centro cultural da capital

gs ganharam localização estratégica, oferecendo facilidade de acesso e comodidades com as quais os antigos cinemas, empreendimentos voltados exclusivamente para a exibição de filmes, não foram capazes de competir O primeiro cinema da cidade foi o teatro Paris, inaugurado em 1906 e, posteriormente renomeado para Odeon. Em 1927, foi inaugurado o Cine Glória, controlado pela produtora cinematográfica Metro-Goldwin-Mayer, com capacidade para 1.200 pessoas. Tivemos também outros nomes marcantes em Belo Horizonte, como o Cine Pathé, na Savassi, o Cine Padre Eustáquio, que tinha capacidade para 1000 pessoas. Tivemos o Cine Acaiaca, o Cine Tupi, com capacidade para 1.800 pessoas e também o importante Cine Brasil. De todas as salas, a única em pleno funcionamento atualmente é o Cine Humberto Mauro, criado nas dependências do Palácio das Artes em 1978. Para o cineasta e diretor executivo do Instituto Humberto Mauro, Victor Almeida, os cinemas faziam parte de um ritual social, mas, com o desenvolvimento da sociedade de massas, as pessoas começaram a ter acesso a outras formas de lazer. “Nos Estados Unidos, ela fez com que fossem mudados os filmes. Entre nós, a televisão, dispensando as pessoas de saírem de casa, e, além disso, sendo de graça, contri-

buiu para o fechamento dos cinemas, primeiro no interior, depois nos bairros das capitais e, finalmente, nos seus cinemas de rua. Não foi o cinema que perdeu o encanto, é que outros encantos não cessam de aparecer, explica. A decadência dos cinemas de bairro foi causada por vários fatores externos, mas também por falta de planejamento. O fechamento das salas que, quando não demolidas, se tornaram templos evangélicos ou centros comerciais seria uma prova de que boa parte da população não é nostálgica e preza pela qualidade dos serviços apresentados, afinal, a dinâmica da cidade não permite que as pessoas criem uma mobilização cultural por pura conveniência ou para salvar empreendimentos que não lhes oferecem qualidade técnica comparável à das salas de cinema dos shoppings. O público busca qualidade de som, imagem e atendimento, além de outras opções de atividades, facilmente encontrados em shoppings. A maioria dos moradores da capital mineira já deve ter ido aos cinemas antes desse período de crise. As salas eram uma diversão legítima e o clima sempre festivo. Todavia, filas enormes se formavam, o público se tornou mais exigente e os cinemas se fecharam.

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Cinema

Impressão

O Cine Brasil renasce O Cine-Theatro Brasil é o maior exemplo da ascensão e queda dos cinematógrafos de Belo Horizonte. Inaugurado em 1932, foi um marco para o processo de verticalização da cidade, e sua arquitetura contribuiu para o design das ruas da região central. Nos anos 80, sentiu o declínio na procura pelos cinemas convencionais, mas resistiu, popularizando o gênero dos filmes exibidos. Em 1999 o prédio fechou suas portas, paradoxalmente no mesmo ano em que foi reconhecido pelo Patrimônio Histórico e Artístico. O cinema está sendo reformado e se tornará um centro cultural graças à iniciativa privada. Segundo Victor Almeida, não falta interesse dos órgãos públicos. O governo do Estado está transformando a Praça da Liberdade num grande centro cultural a céu aberto e a prefeitura mantém vários centros culturais em bairros de Belo Horizonte. “O projeto do Cine Brasil era, talvez, grande demais para ela (a prefeitura). O principal ela fez, que foi impedir que os proprietários destruíssem o edifício. Ela teve também a sabedoria de entregar o empreendimento para a iniciativa privada, que está fazendo um belo trabalho de restauração”, afirma.

Belo Horizonte, outubro de 2010

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Arquivo pessoal

“Se souberem dosar, terão boas chances” Como fazer com que esse público perceba a proposta de novos olhares sobre o cinema? Difícil responder, mesmo numa cidade privilegiada como BH, em que há um circuito alternativo forte em ação, no qual a Sala Humberto Mauro é a referência principal.

Nísio Teixeira, jornalista, professor universitário e cinéfilo acredita na possibilidade do retorno dos cinemas de bairro. Segundo ele, se os cinemas dos centros voltarem, devem investir na formação de um público diferenciado daquele das programações dos shoppings para ter chances de sucesso. Qual foi a causa do fechamento dos cinemas de bairros? Com o advento da TV o público perdeu o encantamento com o cinema? Não acredito. No caso de BH, praticamente todos os cinemas eram de um proprietário só e, quando ele morreu, as salas foram transformadas em igrejas, lojas, entre outros. Isso no início dos anos 90, quando a televisão a cabo, por exemplo, estava engatin-

hando, bem como eram inexistentes as grandes tevês de plasma. Agora, numa coisa estamos de acordo, há uma sensível perda de encantamento do público pelo cinema, tudo parece hoje girar em torno de uma atração visual combinada com pipocas e refrigerantes caros e enormes. Há uma sobreposição da máquina de consumo, que é notória nos shoppings, sobre as salas, ainda que haja o esforço de alguns por uma programação mais diferente.

Você acredita que salas de cinema como as do Cine Brasil vão atrair o grande público, visto que os Shoppings oferecem mais opções de lazer, compras e, principalmente, segurança? Ir ao cinema em shopping hoje é mais imbatível por estas razões. Eu incluiria ainda o estacionamento. Mas é também muito mais caro, ao contrário do que se observava nos cinemas do centro e dos bairros. Contudo, acho que, se o cinema dos centros e dos bairros voltarem, devem investir em algo próximo à formação de um público, que não seja totalmente igual à programação blockbuster dos shoppings, porque aí eles não vão ter nenhuma

chance. Mas se souberem dosar a proposição de um olhar diferente para o cinema, para formar o público que vai passar a frequentar ali e trazer mais público, combinado com alguma vantagem de serviço (estacionamento, cafés, bares e segurança), creio ter boas chances de sucesso. A reforma de alguns cinemas de BH, como o Cine Brasil, está sendo realizada por iniciativa privada. Se elas fossem conduzidas pela Prefeitura, já teriam sido concluídas? Tudo depende da política cultural a ser conduzida pelo município. A prefeitura de BH está demorando a atuar na área, vide a crise gerada pelo adiamento do FIT. De um lado, deve haver o interesse político. De outro, o suporte financeiro. No caso do Cine Brasil, houve ainda um problema jurídico para se definir qual era o dono do imóvel. Agora vamos esperar que o centro da capital tenha, novamente, um espaço de cinema.


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Críticas

Belo HorIzonte, outuBro de 2010

Heron barbosa

O beijo bandido de Ney Marcos Mendes 3º Período

Aos 68 anos, o cantor revela sua surpreendente forma vocal

ImPressão

No mês de julho, Ney Matogrosso trouxe a Belo Horizonte o seu mais recente trabalho, o Beijo Bandido. O teatro do Palácio das Artes foi palco de uma memorável viagem por grandes sucessos da música popular brasileira. Surpreendentemente, o camaleão se despe dos excessos para exibir sua excelência vocal num criterioso repertório que passeia entre nomes como Herivelto Martins, Astor Piazzola, Chico Buarque e também de importantes referências do pop/rock nacional como Paula Toller, Hebert Viana e Cazuza. De cara limpa e terno cor claro aos moldes dos dançarinos de tango, Ney Matogrosso subiu ao palco para mostrar um show íntimo e sedutor. Com perfeita afinação, cantou uma pequena e irretocável seleção de canções, acompanhado apenas de um quarteto de cordas liderado pelo pianista e maestro Leandro Braga. Mesmo sem fantasia, o cantor não perde sua expressão teatral. Parece sentir cada palavra

interpretada como se realmente vivesse tudo aquilo que canta. Aos 68 anos, o cantor revela surpreendente forma vocal. De tom camerístico, Beijo Bandido se encontra na MPB, mas sem a fantasia e os adereços brilhantes

“se canto sou ave, se choro sou homem, se planto me basto, valho mais que dois. quando a água corre a vida multiplica” Luhli do trabalho anterior do intérprete, “Inclassificáveis”. Quem brilha em Beijo Bandido é a voz de Ney, emoldurada por um piano, violino e violoncelo. Tudo posto a serviço de repertório irretocável. Ney consegue

se impor até em músicas “batidas”. Na sua voz, “Fascinação” ganha uma de suas mais belas abordagens. Sinal de que Ney não buscou somente hits populares é a gravação de “Invento” (faixa da qual foi extraído o título “Beijo Bandido”), canção do inspirado compositor gaúcho Vitor Ramil. Merece destaque também sua interpretação para Bicho de Sete Cabeças, dramática canção de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha, que se transformou num quase choro graças ao bandolim de Ricardo Amado. Sendo uma das músicas mais aplaudidas pelo público em todo o espetáculo. E o belíssimo samba-canção, “Doce de Coco” de Hermínio Bello de Carvalho e de Jacob do Bandolim, eternizado na voz de Elizeth Cardoso, que marcam um dos melhores momentos do show. Acima de qualquer clima ou rótulo, o show expõe a segurança do intérprete e seu total domínio cênico, resultando ainda melhor do que o álbum de estúdio. Beijo Bandido apresenta Ney Matogrosso em real estado de graça. É (mais um) grande show desse grande intérprete!

A arte de Maria Bethânia e as palavras Marcos Mendes 3º Período

Onde começa uma e termina a outra? Em seu novo espetáculo a resposta fica mais difícil, pois ambas se confundem e entrelaçam profundamente em uma coisa só. Com a sua voz inconfundível e presença de palco marcante, Maria Bethânia aflora toda a sua ligação com o teatro e a poesia para apresentar leituras que nos remetem a grandes escritores, poetas e compositores. A ligação de Maria Bethânia com o teatro e com as palavras não é nenhuma novidade. Porém, nunca esteve tão evidente como agora. Em “Maria Bethânia e as palavras”, a cantora se liberta para apresentar algo totalmente pouco usual. No palco, Bethânia mescla a leitura de textos, selecionados com Hermano Vianna e Elias Andreatto, e poucas canções, capazes de reafirmar sua íntima ligação com a palavra escrita. Acompanhada pelo violonista Luiz Brasil e o percussionista Carlos César, entoa versos cunhados por grandes nomes da canção e das letras de língua portuguesa, como Manuel Bandeira (“Trem de ferro”), Caetano Veloso e Fernando Pessoa (“Os argonautas”), Amália Rodrigues (“Estranha forma de vida”), entre outros. Alguns poemas já frequentaram seus shows, como Poema

do Menino Jesus, de Alberto Caeiro, e Ultimatum, de Álvaro de Campos, ambos heterônimos de Fernando Pessoa. Outros autores escolhidos por Bethânia são de gêneros e épocas distintas, destacando Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andersen, José Craveirinha, Padre Antonio Vieira, Fausto Fawcet e Ferreira Gullar. As músicas entram em trechos, de modo oposto ao que acontece em seus shows. No repertório, clássicos como ABC do Sertão (Luiz Gonzaga), Romaria (Renato Teixeira), Último Pau de Arara (J. Guimarães/Venâncio/Corumbá), Marinheiro Só (adaptação Caetano Veloso), casam perfeitamente com os poemas declamados resultando num banquete regado a música e poesia, para o brinde de todos os seus fãs. A cada trabalho, a cantora se reinventa sem perder a simplicidade que deixa de imensurável tamanho a beleza do espetáculo. Nesse não é diferente, com os pés descalços como quem sente a força da terra nordestina em sua vida e com a voz de uma pessoa vitoriosa cada palavra ganha corpo, alma e voz e ocupa cada lacuna exposta por nossa carência poética e se transforma em algo que transcende os saraus. Faz nos acreditar verdadeiramente na magia das palavras.


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