Edição 190 - Caderno 1

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Ano 30 • número 190 • Dezembro de 2012 • Belo Horizonte/MG

MONtAGEM: GUILHERME PACELLI

FOtO: JÉSSICA AMARAL

CÂNCER

Chega de silêncio Melhor que omitir o nome é conhecer os avanços da ciência, ser solidário e acreditar na superação PÁGINAS 8 a 11 JorNALISMo GoNZo

do!s - rock, moda, museus interativos, Tim Burton e mineiridades

Repórter se infiltra na cena sertaneja de BH


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Belo HorIzonTe, dezemBro de 2012

primeiras palavras

Impressão

Impressão: mais 30 anos! João Luís Chagas 6° Período

O Impressão celebra, em 2012, 30 anos de existência. Trinta anos de sucesso, de pautas improváveis e muito aprendizado. O aniversário foi comemorado em uma mesa redonda do Uni+, que contou com a presença dos atuais professores responsáveis pelo jornal, Maurício Guilherme e Leo Cunha, e dos estimados João Joaquim, Fabrício Marques e Fernanda Agostinho, que em anos anteriores estiveram à frente da publicação. O presente, contudo, veio durante a cerimônia de entrega do 6º Prêmio Délio Rocha, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, quando a reportagem “Quem Guarda os Guardiões?”, produzida por Gustavo Pedersoli, Jéssica Amaral, Guilherme Pacelli e Dany Starling, e publicada na edição 188, ficou com o 2º lugar na categoria Reportagem Impressa – Estudante de Jornalismo. Nesta edição, monitores e estagiários do jornal se debruçaram sobre o câncer, com matérias que procuram entender melhor o universo da doença. O desenvolvimento de

uma vacina que pode combater até 80% dos tipos de tumores conhecidos e a falta de investimento em pesquisas dão o tom da abertura, que segue mostrando o caminho, espinhoso, enfrentado por pacientes do SUS e por clientes de planos de saúde em busca de tratamento. Solidariedade também foi foco do dossiê, que mostrou a importância do trabalho voluntário e de ONGs que atuam junto a pacientes e hospitais. A solidariedade também está presente na seção Eu estava lá. Conheça melhor a realidade das pessoas que habitam as ruas de Belo Horizonte pelos olhos do aluno Ronaldão e pelos faróis da Generosa, kombi que roda pela cidade distribuindo sopa e carinho para pessoas carentes. Falando em comida, acompanhe Liliane Mendes, carnívora convicta, durante uma semana vegetariana. A aluna conta as dificuldades que enfrentou e benefícios e malefícios de uma dieta sem carne. Já a seção “Outros (so)papos”, que mudou de nome apenas nesta edição, conta a história e a rotina de treinos do lutador de MMA Thiago Michel, relatada pelos alunos Lucas Garabini, Mozart Dias e Felipe Braga.

No DO!S, a matéria Projeções do Admirável Mundo Novo, dos alunos Anita Andreoni, Jonathan Goudinho e Leilane Stauffer, explora a tecnologia presente em museus de Belo Horizonte. Telas sensíveis ao toque, vídeos e interatividade convivem junto a objetos antigos. Descubra alguns dos ambientes mais interessantes da cidade. O jornalismo gonzo também está presente no DO!S. O repórter Dany Starling, completamente avesso às duplas que chegaram à universidade, se aventurou pelo universo da música sertaneja em casas noturnas famosas (ou não) da capital. Do Alambique ao Vagalume Center Show, conheça melhor quem são os frequentadores desses estabelecimentos e os personagens que ganham a vida trabalhando na noite. A influência do gênero imortalizado por Hunter S. Thompson confirma o caráter experimental, único e atrevido do Impressão, presente desde sua concepção e que marcou todo o trabalho desenvolvido ao longo de 2012. Felizes somos nós, alunos do UniBH, que podemos propor as pautas mais inusitadas e escrever, sem censura, nessas páginas, há 30 anos. FERNANDO DUtRA

eXpedIenTe

REITOR Prof. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E DESIGN Prof. Rodrigo Neiva COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO Profa. Fernanda de Oliveira Silva Bastos

LABORATÓRIO DE JORNALISMO IMPRESSO EDITORES Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. PRECEPTORA Profa. Ana Paula Abreu (Programação Visual) ESTAGIÁRIOS Camila Freitas Guilherme Pacelli Jéssica Amaral MONITORES Dany Starling João Luís Chagas LAB. DE CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS EDITORA Profa. Lorena Tárcia Parcerias LACP – Lab. de Criação Publicitária Laboratório de Moda Laboratório de Convergência de Mídias Laboratório de Fotografia Ilustrações Cristiano Soares (aluno de Publicidade e Propaganda) Modelo da capa Christiane Lasmar IMPRESSÃO / TIRAGEM Sempre Editora 2000 exemplares

eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003

O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo - do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe:

Maurício Guilherme, João Joaquim, Fabrício Marques, Leo Cunha e Fernanda Agostinho comemoram 30 anos do Impressão

Rua Diamantina, 463 Lagoinha – BH/MG CEP: 31.110-320 Telefone: (31) 3207-2811 Email: impresso@unibh.br

pArA seGUIr o JornAl Facebook Impressão - Jornal Laboratório do UniBH

@ O Dossiê “Raio X da Imprensa”, publicado no Impressão 188, recebeu o 2º lugar no Troféu Délio Rocha de Jornalismo de Interesse Público - categoria alunos

Site: www.jornalimpressao.com.br

Twitter: twitter.com/impressaounibh


Impressão

Visão crítica

Belo HorIzonTe, dezemBro de 2012

A diva nossa de todos os dias REPRODUÇÃO

Leilane Stauffer 6º Período Edição: Dany Starling Difícil, cheia de regras, imposições e não-me-toques. Com todo respeito, você é bem complicada às vezes. Na verdade, quase sempre. Por outro lado, com aquele ar imortal que a existência de mais de dois mil anos revela, tem toda a pompa de quem já viveu bastante e mostra que as transformações a deixaram mais charmosa e com uma beleza coerente. Independentemente das controvérsias, é assim que te imagino. Eu e provavelmente vários habitantes dos oito países que, hoje, te adotam oficialmente. São cerca de 230 milhões de pessoas que te usam. E, com certeza, abusam. É, dona Língua Portuguesa, não deve ser confortável para você que – verdade seja dita – veio de um idioma morto, mas se consagrou como língua culta, ser escrita, falada e pensada por estilos, jeitos, comportamentos e culturas diferentes. Mas também, quem mandou ser assim? São análises morfológicas e sintáticas, figuras de linguagem, concordâncias verbais e nominais, milhões de sentidos para o mesmo verbo e milhões de tempos verbais para tantos sujeitos... Haja paciência para dominar essas e mais tantas outras minúcias suas. Ai, de nós! Às vezes, acho que foi você que criou aquele enigma da esfinge e dona Hera, lá da Grécia, resolveu patentear. Essa história de “Decifra-me ou devoro-te” é bem a sua cara, sabia? Dias atrás mesmo, não te decifraram da maneira correta e você já imagina o resultado: constrangimento total. Um dos jornais ainda mais respeitados do nosso Brasil esqueceu como se conjugava o verbo “manter”. Em uma baita manchete, resolveram reproduzir uma

declaração nada bem sucedida, nos aspectos de forma e conteúdo, se é que a senhora me entende. Eles publicaram: “Servidor que manter greve ficará sem reajuste, diz governo” (sic). A tentativa de acordo, grafada de maneira equivocada pela Folha de S. Paulo, diz respeito aos setores federais que promoveram paralisações, buscando por melhorias, principalmente salariais. O reajuste oferecido pelo governo foi de 15,8% até 2015 e pretendia alcançar os professores universitários e os policiais federais, citados na matéria. A falha foi vergonhosa e não apenas para você, querida flor do Lácio. E a gente fica assim, neste eterno caso de amor e... não, ódio não. É uma expressão pesada. Olha aí! Benditos signos linguísticos esses seus também, hein! Enfim... neste caso constante de admiração e atrito. Como você bem sabe, de vez em quando, os eufemismos conseguem apaziguar a situação. No final das contas, estamos cansados de ouvir – e de reconhecer também – que só se relaciona bem com você quem lê, e muito. Eu sei, e você há de concordar comigo, que a frase já ficou manjada. Mas, como dizem por aí, quando repetimos muito as coisas, elas se tornam verdades. Não necessariamente o fato em questão precisa ser mentira, que fique bem claro. E por falar em repetição, dona Língua Portuguesa, o nosso convívio diário só vai funcionar quando a gente praticar o verbo que conjugamos (e corretamente, lógico!) em um futuro – ainda distante, infelizmente – do subjuntivo: quando eu ler, quando tu leres, quando ele/ela ler, quando nós lermos, quando vós lerdes, quando eles/elas lerem. Quando todo mundo ler.

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Por Pedro tiago 7º Período

De roça a cidade empresa

A nova música mineira

Diziam que Belo Horizonte era uma roça grande. Bom se fosse. Na roça, temos espaços para as folias de reis, roda de viola, tempo para prosa no portão do vizinho, soltar pipa, jogar bola... Recreações impossíveis na cidade que se moderniza sem saber para quem. A cidade está em curso de pavimentação total, pega-pega na rua só para automóveis. O espaço público foi reduzido a ruas, avenidas e locais de consumo. Os interesses empresariais influenciam o planejamento urbano. O único rio que corta o centro da cidade foi tapado, para virar avenida, com o pomposo nome de Boulevard Arrudas. BH está prestes a ostentar o maior prédio da América Latina, ocupando uma área de 15 mil metros quadrados, próximo ao tradicional bairro Santa Tereza. De roça grande à Babilônia de concreto, Belo Horizonte trocou suas hortas de quintal, seus pomares, por imensas construções. E cobra uma conta cara do cidadão pela chegada à urbe.

O primeiro disco da cantora mineira Laura Lopes, denominado Abaporu, nome de famoso quadro de Tarsila do Amaral, abrasou mais minha paixão pela música contemporânea de Minas. Mas sempre que os novos artistas figuram na imprensa local, são taxados como netos do Clube da Esquina. Um apego histórico-musical desnecessário, que impede as novas baladas de se apresentarem em plenitude. Muito além da Esquina – e caminhando longe dela também – estão os "novinhos", como Gustavito, que espalha suíngue e sensualidade brasileira em seu trabalho, Rafael Martini, um pianista extraordinário, que demanda horas de atenção musical para digestão sonora, e o grupo Capim Seco transando marujadas do interior mineiro às possibilidades do sambajazz. Outros nomes, como o evidente e substancial Graveola e o Lixo Polifônico, figuram na cena independente. É tempo de assumir o novo e conhecer a profusão da juventude musical de Minas. CRIStIANO SOARES

Ativismo de sofá Nos últimos meses, o drama dos índios Kaiowás, que durante muito tempo foi ignorado pela chamada “grande imprensa”, pautou os debates nas redes sociais. A internet foi fundamental para dar publicidade à tragédia eminente daquela tribo e mobilizou milhares de pessoas em prol da causa. Textos, vídeos, fotos, enfim, uma gama de conteúdos trouxe a distante realidade do Mato Grosso do Sul para o cotidiano das pessoas.

Chamada pejorativamente de “ativismo de sofá” pelos mais críticos, a atuação dos internautas foi determinante para que a Justiça suspendesse a liminar que autorizava a retirada dos 170 Kaiowás da fazenda Iguatemi, localizada em território histórico para os indígenas dessa tribo. Por fim, só aceito críticas aos "click-revolucionários" de quem estiver de baioneta nos dentes, prestes a derrubar um castelo de inverno.


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Belo Horizonte, dezembro de 2012

Tramas contemporâneas

Impressão

perfil que vale por Conheça o filósofo que é congadeiro, o economista que canta música erudita e o advogado que toca pagode – desafios, prazeres e recompensas de quem leva uma jornada dupla Ana Carolina Abreu Júnia Rodrigues Marcela Martins Raquel Braga 6º Período

Edição: Dany Starling João Carlos já carregava a bandeira de São Sebastião quando cheguei à igreja de NossaSenhora do Rosário, na cidade de Contagem. A missa conga estava prestes a ocorrer. João usava vestes coloridas e uma coroa. Lá, ele é rei. Dentro da sala de aula, ele é João Pio, e procura se vestir com máxima discrição. Foi esse João que encontrei dias depois, num shopping de Belo Horizonte. Ele voltava de uma escola pública, onde é professor, e mais tarde se dirigiria à Prefeitura de Contagem, onde ocupa o cargo de coordenador de Políticas para a Igualdade Racial. A agenda não é somente cheia, mas multifocal: é filósofo, professor, coordenador público e congadeiro. Os eixos temáticos de tantas esferas até se cruzam em determinado momento (podemos dizer, livremente, que a luta pela igualdade racial é a base da atuação do professor), mas

é surpreendente que alguém tão graduado na academia se dedique a ir a campo. “Desempenho papéis muito diferentes e preciso ter jogo de cintura para fazer o meu melhor em cada um deles”, conta. Um currículo e tanto: João conta que grande parte dos congadeiros que integram a guarda à qual ele pertence tem pouco ou nenhum estudo. Ele, ao contrário, acumulou formações. Graduou-se em Filosofia pela PUC Minas e começou a dar aulas. Anos mais tarde, fez mestrado em Educação. Antes disso, concluiu um curso de Estudos sobre Religião na Universidade Gregoriana de Roma, na Itália. João ganhou a bolsa de intercâmbio em função de trabalhos sociais que desenvolvia à época. Um dos mais marcantes foi estar à frente do grupo Agentes de Pastoral Negros. Mais tarde, a pastoral o colocaria em contato com a comunidade quilombola dos Arturos, onde João conheceu o Congado. Por enquanto, os trabalhos em prol da igualdade racial lhe davam outras oportunidades. Fez parte da Associação dos Sociólogos Negros, entidade que promovia estudos sobre

A arte de se tornar outro Pedro, Luiz Eduardo e João Carlos conseguem administrar a vida profissional e os projetos paralelos de forma harmoniosa, mas esta não é uma tarefa fácil para todos. A analista de carreiras Fátima Dutra diz que, para conciliar uma dupla rotina, é preciso ter foco. “Nem sempre as pessoas sabem qual atividade devem priorizar, ou quanto tempo é necessário destinar a cada uma delas”, afirma. O primeiro passo é organizar o tempo, eleger prioridades e definir objetivos profissionais. “Para manter o equilíbrio, o profissional precisa saber aonde quer chegar com cada uma das carreiras”, destaca. Além disso, é fundamental ter responsabilidade, comprometimento e organização. Fátima ressalta que as atividades paralelas podem, inclusive, trazer ganhos à profissão. “Hobbies, dons e habilidades são valorizados pelas empresas”, diz. Desenvolver uma atividade prazerosa contribui não só com o desempenho profissional, mas também para a realização pessoal.

raça e democracia e, em 2001, participou da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na África do Sul. Reinado perpétuo “Os mais antigos contam que, há muito tempo, uma imagem de Nossa

Senhora foi vista ao mar. Os brancos a trouxeram para a terra, mas, de noite, a imagem voltava para as águas. Só quando os negros foram buscá-la, com festa, é que ela ficou”. Essa história não figura nos livros, mas é a resposta que tenho quando pergunto a João como o congado surgiu. O fotos: arquivo pessoal

Rei do Congado, professor e funcionário público, João Carlos divide sua vida em atividades distintas


Impressão

mito é ensinado de geração para geração, como todos os outros rituais e crenças que são a base do Reinado – que, aliás, é mais abrangente que o congado, a manifestação em si, a dança, o encontro dos congadeiros. O reinado é um compromisso com a comunidade, em todos os sentidos. A caracterização das guardas que, no dia da festa, em Contagem, prende-se à estrutura do mito. João é o rei da bandeira de São Sebastião. Fora dali, durante todo o ano, ele se esforça para mostrar a força desse compromisso para as novas gerações – embora ele próprio só tenha conhecido o congado bem mais tarde. A história que ligou o filósofo ao Congado, de alguma forma, nos leva a refletir sobre a ancestralidade, termo tão presente nas crenças da comunidade e que tem a ver com a energia que liga as pessoas a determinada coisa. Aconteceu que a atual esposa de João, Anaíse, foi trabalhar com educação na comunidade de Arturos. Os Arturos têm sua origem ligada à história do negro Arthur Camilo Silvério, cujo nome tornou-se denominação de seus descendentes, que foram criados unidos em torno da família, da terra e da fé em Nossa Senhora. O grupo familiar habita uma propriedade particular situada em Contagem. Anaíse começou a participar da vida da comunidade em função de um projeto dos Agentes de Pastoral Negros. Um dia, de brincadeira, ela pegou a coroa usada nos festejos e colocou na própria cabeça. Então, brincou com alguns membros da comunidade e disse que seria ótima rainha. A resposta foi unânime: “Você já é”! Mais tarde, foi a vez de João Carlos ser coroado rei. Ele explica que, nem sempre, rei e rainha são casados. “Não tem a ver com isso. Tudo depende de uma análise dos mais velhos, da aceitação deles. Uma vez coroado rei, esse compromisso é perpétuo”, explica. Desde que foi coroado, a comunidade é parte importantíssima da vida dele. Lá, ele desenvolve inúmeros trabalhos, cuida de vários projetos e vive o congado, não por reconhecer sua importância dentro da sociologia, mas por se sentir ligado a ele pela dimensão da fé. “O congado não é folclore, não é uma apresentação artística: é muito mais do que isso. E eu me sinto privilegiado de acreditar”, garante. Universos paralelos João enumera alguns problemas por transitar tão intensamente nestes dois mundos, mas diz que não são comuns. O que é comum é a estranheza e a curiosidade. “Levo coisas da academia para a comunidade, e vice-versa, mas tem verdades válidas apenas em cada um destes lugares. Pela minha experiência, sei que é muito mais válido beber na cultura do outro do que rejeitá-la. Sou apaixonado pelo conhecimento, e, por isso mesmo, sei que conhecimento não é sinônimo de erudição. Convivo com culturas diferentes, faço parte de universos diferentes, mas temos que lembrar que todos eles estão num mesmo mundo”.

Tramas contemporâneas

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Após 20 anos, a volta para a música

Luiz Eduardo Pacheco: paixão pela música erudita

Algumas paixões nos acompanham desde sempre e, por mais que, às vezes, tenhamos que seguir caminhos diferentes, elas estarão aguardando apenas uma oportunidade

para ressurgir. O economita mineiro Luiz Eduardo Pacheco é apaixonado por música. Foi em sua cidade natal, Juiz de Fora, que deu os primeiros

passos na carreira de músico, ao participar do coro da cidade. O fascínio pelos ritmos o acompanhou durante toda a adolescência: no período em que cursava Economia na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Luiz Eduardo participava do coral da instituição, cantando MPB e música erudita. Luiz foi posto à prova quando, depois de sua formatura, precisou decidir entre a vida de músico e a carreira como economista. “Não foi uma escolha fácil, mas as chances de uma trajetória de sucesso falaram mais alto naquele momento”, relembra. Atualmente, ele atua como analista de gestão na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Durante 20 “longos” anos, o canto foi deixado de lado, mas, recentemente, o economista decidiu dar ouvidos ao coração e reingressar na música erudita. Durante três noites por semana, faz aulas de canto lírico, o que permitiu que, além de desenvolver o dom, preparasse um repertório com cerca de 20 canções napolitanas. “Tenho me dedicado bastante e já estou em fase de finalização do meu primeiro disco solo, Sapore d’Italia”, afirma. Ele conta que, na CBTU, a dedicação à música foi uma grande surpresa, mas, aos poucos, todos perceberam que o gosto pela vocação artística fazia parte da essência do economista. “É preciso ter coragem para se lançar e deixar o talento aflorar”, ressalta. A cada vez que ouve as palmas do público, ele tem certeza de que todo esforço está valendo muito a pena.

Dos palcos ao escritório Quem entra no escritório do Dr. Pedro Henrique Abreu percebe o quanto o advogado, de 23 anos, está acostumado a lutar pelos interesses de seus clientes nos tribunais. Mas o que ninguém imagina é que Pedro viva uma situação parecida com a do barítono Luiz Eduardo. Há cinco anos, quando ainda estava na faculdade, conquistou vários amigos que tinham, além da aptidão pelo Direito, um gosto em comum:

a música. No caminho entre as idas e vindas ao Fórum, os estudantes tiveram a ideia de criar uma banda de pagode. “Como começamos a investir cedo na profissão, tínhamos pouco tempo de folga. Quando nos sobrava tempo, brincávamos de cantar pagode”, afirma. Dos tribunais aos palcos, assim é a rotina de Dr. Pedro Henrique, ou Pedrinho, como também é conhecido quando está com a PegaSamba,

banda em que é vocalista e toca percussão. “Começou como brincadeira, mas hoje temos uma agenda de shows cheia”, diz, ao lembrar que nem tudo é um mar de rosas. “Às vezes, enfrento problemas: clientes do escritório ligam na hora da apresentação ou shows são marcados para dias em que preciso me dedicar às atividades do escritório”. Mas Pedro não desanima. “Eu me dedico muito às duas profissões e não vou deixar nenhuma delas”.

Advogado e pagodeiro, Pedrinho (com o microfone) se desdobra para dividir seu tempo com as duas paixões



Conhecimento

Impressão

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Prazer, senhora alface! Fã de churrasco, estudante passa sete dias sem comer carne e relata os efeitos – corporais e psicológicos – da inusitada experiência Abner Augusto Liliane Mendes Lorena Scafutto Nayara Vianna 6º Período

Edição: Dany Starling

grande. Para o café da manhã, pensei que seria simples, mas, já de cara, vi uma das paixões da minha vida...” Lili – como é conhecida pelos amigos – refere-se ao alimento que lhe pareceu ainda mais suculento a partir da restrição: o presunto, “a que resisti com muita força de vontade. Confesso que tive ânsia de dar uma pequena ‘fugida’, sem que ninguém percebesse. Mas aí, perderia o primeiro dia da experiência. Resignei-me, deixei o fatídico presunto a um canto e segui, com café e um pãozinho solitário, para a varanda.

antes mesmo de iniciar a dieta”, lamentou. A estudante descobriu que os especialistas atentam para um cuidado especial: os novos vegetarianos tendem a comer carboidratos em excesso. Sem as carnes, sobram batatas fritas, pizzas, arroz e muito queijo – por vezes, substituindo a ingestão de proteínas e outras vitaminas fornecidas com o consumo de carne. “A situação do carboidrato em excesso aplicou-se a mim”, contou Lili. Em conversa com a endocrinologista Ticiane Correa, ficou claro que, ao

O que você faria se fosse desafiado a passar um dia sem consumir carne ou derivados de animais? O que, para muitas pessoas, parece assustador à primeira vista, tem se tornado prática popular entre os brasileiros. É o que aponta a pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), realizada em 2010: 9% da população brasileira segue a dieta vegetariana. Os motivos vão desde o fato de não apreciarem o sabor da carne a questões religiosas. A estudante de jornalismo Liliane Mendes, que não consegue se imaginar sem carne, enfrentou uma semana de vegetarianismo. O que não foi nada fácil. “O desafio, contudo, revelou-se bastante instigante”, confessou a jovem, que descobriu um novo mundo de sabores e sensações – além dos benefícios que este estilo de vida pode trazer à saúde. Diferentemente do que muitos Uma semana em meio aos vegetais: experiência de virar a cabeça pensam, a tarefa fica pior com o passar do temAo longo do dia, Liliane contrário do que imaginam po. A disciplina torna-se quafoi testada por familiares e muitas pessoas, se houver se impraticável, como revelou amigos. Foi difícil suportar consumo exagerado de queiLiliane: “Pensava que as peso passar das horas. Por tojos e ovos, o vegetariano pode soas que deixavam de comer dos os lados havia carne! Na até ganhar peso, além de precarne, por ideologia, crença mesa do almoço, no lanche judicar sua saúde. Ainda de ou questões filosóficas, só poda tarde e no da noite... “A acordo com Ticiane, quem deriam mesmo estar fora de essa sensação, eu chamei cariadota a dieta não precisa sosi. Hoje, meu pensamento é nhosamente de ‘o mundo está frer: a alimentação pode ser completamente diferente”. contra mim’. Por mais que eu bastante saborosa e variada. comesse salada, barras de cereOs dois dias que se seguiXô, presunto! ais e biscoitos sem fim, nunca ram foram mais leves – apesar A primeira etapa da exestava satisfeita”, ressaltou. de mais desafiadores – para periência deu-se no dia 12 a recém-vegetariana. “Descode outubro, o que tornaria a Alface X Batatas fritas bri que poderia diversificar prova ainda mais desafiadora. No segundo dia, tudo paa alimentação. As premisAfinal, manter distância das receu pior. Lili começou a fisas de ‘o mundo está contra carnes justamente no feriado, car mal humorada com a falta você’ e de ‘vazio alimentar’ quando se pode comer com de opções alimentares. “Foi dissiparam-se. Ao contrário, mais liberdade, não é fácil. aí que procurei me informar senti, inclusive, que o mundo “Me dei conta de aquele seria sobre como substituir a carne estava a meu favor, devido à o dia ‘do tudo’, menos da carna minha alimentação. Essa quantidade de informações ne, o que me causou uma senfoi uma grande falha, pois para que eu complementasse sação de desconforto muito deveria ter essas informações minha alimentação”. Somou-

-se a isso o fato que o organismo de Lili começar a se acostumar com uma alimentação menos pesada. “Pude sentir uma sensação de leveza e de bem estar, que se transformou no que chamo de ‘corpo em funcionamento’”. Descoberta de sabores No quinto dia de dieta, a estudante fez a sua grande descoberta. Na internet, deparou-se com inúmeras receitas vegetarianas e resolveu se aventurar na cozinha. “Fiz um delicioso estrogonofe de carne de soja. Investi, ainda,

num hambúrguer vegano para o lanche, que ficou muito gostoso! Comecei a entender que o difícil não é deixar de comer a carne, mas ter disposição e curiosidade para brincar com ingredientes que não provêm do animal”. A quarta

sensação a ser experimentada por Lili foi, por isso, o que ela chamou de “descoberta de um mundo de sabores”. No sexto dia, a “cobaia” visitou um restaurante vegetariano e descobriu as delícias que tais locais podem oferecer. “Como meu paladar estava mais apurado, aproveitei muito. Porém, como a carne está presente na minha vida desde a infância, sua ausência contribuiu para o consumo excessivo de outros alimentos e, consequentemente, para o ganho de peso”, descreve. Além disso, a repórter passou a sofrer com REPRODUÇÃO problemas como irritação estomacal e náuseas. No sétimo dia, foi a hora das “considerações finais”. A primeira delas: não siga esta experiência ao pé da letra. Se você quer mesmo tornar-se vegetariano, pesquise, analise e reflita muito antes de iniciar o seu processo, que deve ser gradual – e sempre com o acompanhamento de um especialista. “O que eu digo agora, após passar pelo desafio, sem ingerir nada de carne? Vale a pena enfrentar todas essas sensações. Você conhecerá melhor o seu corpo e abrirá a mente para esse universo de possibilidades”. Você deve estar se perguntando: será que a Liliane continuará a ser vegetariana? Pois ela lhe responde, com segurança: “Acredito que não, mas já estou substituindo refeições diárias por outras que não tenham carne”.

Variedades A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) considera vegetariano “todo aquele que exclui, de sua alimentação, todos os tipos de carne, aves e peixes e seus derivados, podendo ou não utilizar laticínios ou ovos. O vegetarianismo inclui o veganismo, que é a prática de não utilizar produtos oriundos do reino animal para nenhum fim (alimentar, higiênico, de vestuário etc.).” Ainda de acordo com SVB, o indivíduo que segue a dieta vegetariana pode ser classificado de acordo com o consumo de subprodutos animais (ovos e laticínios).


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Dossiê

Impressão

Dos ricos para os emergentes Número de casos de câncer dispara, mas pesquisas sobre o assunto ainda são tímidas Fotos : João Luís Chagas

-los e destruí-los. A doutora lembra que a vacina pode ser usada também no tratamento daqueles que já estiverem doentes, estimulando o sistema imunológico a combater células cancerígenas. Sem a utilização de drogas sintéticas, os efeitos colaterais são menores, o que pode aumentar as chances de sucesso do tratamento. A próxima fase da pesquisa contempla os testes em outros animais. “Nós escolhemos trabalhar com cães, por ser um modelo mais complexo e também por que eles desenvolvem câncer tal como os humanos”, explica Caroline. Outra vantagem de se realizar a pesquisa em cachorros é desenvolver tratamento para os animais, já que, até o momento, as soluções existentes são paliativas. Se tudo correr bem, os testes em humanos poderão começar em quatro anos.

Caroline Junqueira desenvolve vacina que pode revolucionar o tratamento do câncer no Brasil

João Luís Chagas 6°PERÍODO

Edição: Dany Starling

O Brasil sempre foi referência em pesquisas sobre doenças infecciosas, até pela ampla variedade encontrada por aqui. Nos últimos anos, contudo, a medicina brasileira tem voltado seus olhos para males conhecidos como “enfermidades dos países ricos”. Assim são classificadas, informalmente, a obesidade, as alergias e o câncer. Esta última deverá, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), ser diagnosticada em mais de 54 mil mineiros até o fim deste ano, um aumento de 10% em relação a 2011. Apesar da alta incidência de câncer no Brasil, ainda engatinhamos quando o assunto é pesquisa, mas esse é um quadro em mutação. A prosperidade econômica dos últimos dez anos tem provocado alterações no dia a dia da população. Sedentarismo, hábitos alimentares ruins e poluição são exemplos de um novo estilo de vida – cada vez mais semelhante ao dos países desenvolvidos. Junto com essas transformações, “novas” doenças passaram a fazer parte de nossa realidade, criando uma necessidade de conhecê-las melhor. Hoje, a grande maioria das inquirições, no mundo todo, trabalha na criação de mecanismos de detecção

dos vários tipos de câncer. Um dos avanços nessa área foi feito recentemente na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) pelo professor e pesquisador Luiz Ricardo Goulart. Ele criou um exame menos invasivo e mais objetivo para a detecção do câncer da próstata. O teste é feito a partir da coleta de sangue, de onde é extraída uma molécula das células sanguíneas para análise laboratorial. O procedimento – que alcança 80% de precisão – já tem permissão legal para comercialização. Além disso, o custo do diagnóstico chega a ser 50% mais barato que de similares feitos em outros países. Vacina contra o câncer O sistema imunológico do corpo humano não combate células próprias, o que impede o ataque aos tumores – aglomerados de células defeituosas do nosso corpo. Para enfrentar as células cancerígenas, a bióloga e doutora em Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Caroline Junqueira, trabalha no desenvolvimento de uma vacina. A pesquisadora modificou geneticamente o Trypanosoma Cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas, de forma que ele passasse a produzir uma molécula presente em 80% das células tumorais: a proteína NY-ESO-1. Ela explica que, por estar

junto ao parasita, a proteína passa a ser identificada pelo sistema imunológico como uma ameaça. “Nos testes com camundongos, eles desenvolveram uma proteção contra o parasita e contra o antígeno”, relata. Dessa forma, o organismo estaria preparado para impedir a formação de tumores no futuro, pois já “saberia” identificá-

Dependência estatal O governo federal, por meio da Lei nº 12.715/2012, deu um importante passo para fomentar o estudo de novas doenças. Ela estabelece uma nova maneira para que as empresas façam o recolhimento das contribuições previdenciárias, o que permite à União ampliar o financiamento à pesquisa, hoje feita quase que exclusivamente com verbas públicas. Tais investimentos, por parte da iniciativa privada, ainda são incipientes no país. Dependem de universidades e centros federais, como o Inca e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Pesquisas e estudos dependem maciçamente de verbas federais


Impressão

Dossiê

Belo Horizonte, dezembro de 2012

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Maratona do tratamento Pacientes ainda enfrentam dificuldades para tratar câncer no SUS e na rede privada Camila Freitas 2°PERÍODO

Guilherme Pacelli 4°PERÍODO

Edição: João Luís Chagas O Ministério da Saúde estima que, até o fim de 2012, serão registrados cerca de 500 mil novos casos de câncer no país. Nos últimos anos, os avanços da medicina proporcionaram melhorias significativas nas formas de tratamento da doença, mas o acesso a elas ainda é desigual. Pacientes que dependem tanto da rede pública, como de convênios privados, sofrem com a espera por atendimento,a escassez na oferta e na variedade de remédios, além de dificuldades para marcar e fazer exames, muitas vezes cruciais para início do tratamento do câncer. A presidenta Dilma Rousseff sancionou, no fim do mês de novembro, lei que obriga o Sistema Público de Saúde (SUS) a iniciar o tratamento de pacientes com a doença em até 60 dias. A medida veio numa boa hora, mas até que ponto estabelecer tempo limite para que o SUS inicie o tratamento, sem oferecer as condições adequadas, pode resolver o problema? No último mês, Rafaela Lima* enfrentou verdadeira maratona para conseguir dois exames para seu pai, Antônio*, que acabara de descobrir um câncer da próstata. Ele foi diagnosticado com a doença há apenas um mês, quando se sentiu mal devido a cólicas renais. “A partir daí, as dificuldades para conseguir marcar os exames foram imensas”, conta a filha. Para iniciar o tratamento, o pai de Carolina precisava fazer biópsia – coleta de amostra de tecido para verificação da doença – e tomografia. O plano de saúde informou à filha não saber onde Antônio poderia realizar

os exames, mas que os cobriria assim que se encontrasse um local, em Belo Horizonte, capaz de realizá-los. Passada a dificuldade de conseguir um local para os exames, Carolina e seu pai procuraram o SUS, onde a filha alega ter tido péssimo atendimento.Primeiramente, o exame que comprovava o diagnóstico de câncer, feito pelo convênio, foi recusado. Carolina teve que buscar outro médico, dessa vez do SUS, para ter o atestado da doença. Só assim eles entraram na fila de espera. Nesse ínterim, a operadora do convênio médico de Antônio finalmente liberou os exames para seu pai, que serão realizados em dezembro. No entanto, ela não esconde a revolta com o atendimento burocrático e demorado que encontrou nos dois sistemas de saúde, que em tese deveriam garantir tratamento imediato. “Eu penso assim: a pessoa não morre de câncer apenas, mas de esperar também”, desabafa Rafaela, que até hoje não recebeu retorno do SUS. Demora O Ministério da Saúde estima que, até o fim de 2012, cerca de 54 mil pessoas deverão apresentar algum tipo de tumor cancerígeno, somente em Minas Gerais. Em BH, deverão ser mais de 8 mil casos, número dez vezes maior que os leitos disponíveis para pacientes de oncologia. Segundo o professor André Márcio Murad, especialista em oncologia do Hospital das Clínicas, o paciente pode esperar até três meses para conseguir iniciar o tratamento. “Aumentou muito a demanda, mas não houve melhora no número de funcionários, na quantidade de medicamentos, nem na estrutura dos hospitais.” Para Murad, o SUS não tem acompanhado os avanços no tratamento,

Conhecer seus direitos e ler o contrato é importante na hora de aderir um serviço de plano de saúde privado, para evitar quaisquer eventualidades futuras. Mas, se ocorrer de o plano de saúde não atender as diretrizes do contrato ou da lei, o usuário pode acionar o Procon, ou reclamar na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Além disso, pode-se consultar sobre os planos de saúde e suas relações como prestadores de serviço, ligando ou entrando no site da agência. Em último caso,é possível recorrer à Justiça. Já no caso do SUS, a melhor alternativa é entrar com uma ação judicial, requerendo outro tipo de tratamento. Cada vez mais pacientes usam esse recurso, já que, por

apesar de a oncologia ter melhorado a eficácia de seus medicamentos. Ele lembra que, no final dos anos 1980, o mesmo tratamento oferecido na rede privada era o que ele fazia para os pacientes da rede pública. “O SUS tem uma tabela com protocolos de medicamentos. Então, parte das drogas mais modernas acaba ficando fora”, afirma. Em resposta, o Sistema Único de Saúde declarou que o Ministério e as secretarias de saúde não fornecem diretamente os medicamentos, mas apresentam listas com uma série de indicações terapêuticas para os diferentes tipos e situações tumorais. Informou, ainda, que cabe aos médicos e aos estabelecimentos credenciados e habilitados para assistência em oncologia a padronização, a aquisição e a prescrição de drogas.

meio de grupos de apoio aos doentes, tem chegado cada vez mais ao seu conhecimento a existência de remédios mais eficazes contra o câncer, que o Sistema geralmente não fornece. A nova lei sancionada pela presidenta Dilma, no fim de novembro, também prevê que a “padronização de terapias do câncer, cirúrgicas e clínicas, deverá ser revista e republicada, e atualizada sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico e à disponibilidade de novos tratamentos comprovados”. Se realmente funcionar, essa outra medida pode diminuir muito o número de processos de requerimento de medicamentos, que o SUS sofre todos os anos.

André Murad diz que há muita resistência por parte dos convênios privados em fornecer certos medicamentos para seus clientes – e que muitos trabalham com tabelas semelhantes ou idênticasà do SUS. Por isso, acabam sofrendo diversos processos, na maioria das vezes, com ganho de causa para o paciente. “Agora, os pacientes também têm recorrido e acionado os convênios. Vários deles têm inúmeras ações, na justiça, por causa disso. Todos os processos envolvendo medicamentos, que eu acompanhei, ou o governo ou as empresas acabaram perdendo.” Sobre as afirmações, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) afirmou não saber a quantidade de processos desse gênero em tramitação. (*Nomes fictícios por escolha das fontes)


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Belo Horizonte, dezembro de 2012

Dossiê

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Fazer o bem faz bem Ajudar o próximo é um ato multiplicador. Entre hospitais e casas de apoio, a solidariedade faz com que a esperança de dias melhores mantenha-se viva Jéssica Amaral 4°PERÍODO

Edição: João Luís Chagas Em meio às dificuldades de um tratamento de câncer, estão pessoas engajadas em fazer o bem e se dedicar ao próximo. Muitas doam seu tempo; outras, suas habilidades, ou, até mesmo, recursos financeiros. Essa corrente de carinho é forte e faz mover a esperança dentro de cada um. Que o diga o caso de Aninha, de 4 anos, que, ao enfrentar tratamentos exaustivos – necessários ao combate do Tumor de Wilms, diagnosticado há cerca de 24 meses –, recebe todo o apoio de que precisa na Associação Unificada de Recuperação e Apoio (AURA). Ali, a pequena paciente convive com outras crianças, além de brincar e participar de atividades recreativas, contando sempre com equipe clínica, estagiários e voluntários. O apoio é muito importante de todas as partes, pois beneficia a qualidade de vida dos portadores. Para a psicóloga Mara Alice, que trabalha no Centro de Apoio a Pessoas com Câncer (Capec), a experiência de lidar diretamente com os pacientes é bem mais reconfortante do que a rotina nos consultórios: “É um trabalho valioso, porque você percebe a recuperação pelo tema latente, diferente do consultório.” O Capec, que, no início, quase teve as portas fechadas, pode continuar em frente graças aos atuais proprietários da associação, que se uniram para não deixar essa ideia solidária se apagar. A entidade auxilia os assistidos paralelamente ao tratamento hospitalar, em busca de garantir maior qualidade de vida e oferecer – além de amparo psicológico – programas sociais e exercícios semanais, como atividades de artesanato. Neste caso, trata-se de projeto que, além de melhorar a auto-estima dos assistidos, serve-lhes de caminho para adquirir autonomia financeira. Afinal, após a descoberta da doença, muitos pacientes ficam sem renda. Vera Lúcia dos Santos, de 45 anos, diz que, desde que entrou no Capec, sente-se bastante reconfortada. “É uma casa acolhedora, que me preenche. Só tenho a elogiar e a agradecer. Aqui, tenho apoio com medicamentos e alimentação e o artesanato e a psicologia me fazem muito bem”. Antonieta Gomes, conhecida na associação como “Fifia” e que está no Capec desde sua fundação, também é só elogios. “Tenho 81 anos e estou há cinco aqui, onde me distraio, recebo apoio e tenho meus amigos”. Nos próximos anos, os frequentadores da entidade, que se sentem tão satisfeitos e acolhidos, terão ainda mais motivos para comemorar. Hoje com 75 funcionários e 186 pacientes, a associação, que se mantém com doações, está de mudança para uma unidade maior. Amigos solidários Criado em 1944, o Hospital da Baleia atende pacientes com câncer e é também conhecido por seu compromisso e responsabilidade social, dando espaço para várias formas de voluntariado dentro da instituição. Uma das iniciativas desenvolvidas há 30 anos pelo hospital, a Rede de Amigos, ao incentivar o voluntariado, possibilita uma corrente solidária, em que a humanização e a cidadania se destacam. Para fazer parte da proposta, é preciso participar de um treinamento de integração e, em seguida, realizar entrevista, para identificação das habilidades das atividades voluntárias. Além disso, é necessário estar com as vacinas em dia. A instituição também possui programas solidários como o “Adote um leito”, que consiste na manutenção e conservação de leitos por doadores. A

“adoção” colabora para a melhoria das condições de tratamento e bem estar do paciente. Outra maneira de ajudar a instituição é por meio do imposto de renda. Pessoas físicas ou jurídicas podem fazer as doações. Esse projeto é ligado ao Fundo da infância e Adolescência (FIA) um instrumento legal de ajuda á crianças e adolescentes Brasileiros em risco social. Na busca de pessoas comprometidas com a causa social, o Hospital também abre espaço para campanhas rápidas e de fácil adesão pela Rede de Voluntariado Amigos da Baleia. Daliane Santos, estudante de publicidade, realizou junto á alguns colegas de classe a campanha solidária Sou Yellow. A ideia foi divulgada na universidade e também pela página criada no Facebook. “O projeto se expandiu com

a colaboração das pessoas. Não tem preço ajudar o próximo”, explica Daliane. O grupo de alunos se mostrou muito empolgado com o projeto e seu bom resultado, encarando a experiência como um aprendizado para a vida. Paula Medeiros, que também faz parte do Sou Yellow, conta da visita feita ao hospital para entrega de doações e da sensação de ter feito parte da iniciativa. “Foi muito bom entrar nos quartos e levar a alegria às crianças e fazê-las sorrir. Foi gratificante sentir que podemos mudar o dia de alguém.” (Colaboraram: Janaína Praeiro e Luísa Reiff 6º período) Fotos: JÉSSICA AMARAL

Oficina de artesanato é uma das atividades lúdicas promovidas pelo Capec


Dossiê

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Belo Horizonte, dezembro de 2012

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O câncer na mídia Doença é recorrente em matérias e reportagens na imprensa brasileira Dany Starling 7º PERÍODO

Edição: João Luís Chagas Motivo de inquietação, curiosidade e pesquisa por parte da população comum, o câncer sempre foi alvo de grandes reportagens. No período pré-Google, era por meio de jornais e revistas que as pessoas se informavam sobre a doença, conheciam novos tratamentos e os meios possíveis de prevenção. Além disso, a imprensa também explorava questões como superação, a angústia dos momentos finais dos portadores de câncer e como celebridades encaravam a enfermidade. Ainda que o jornalismo científico e as matérias sobre saúde tenham se tornado mais comuns a partir dos anos 1980, é possível encontrar matérias e reportagens sobre o câncer em publicações ainda mais antigas. Nas últimas duas décadas, contudo, foi que esse tipo de assunto ganhou mesmo as páginas das publicações, principalmente com o surgimento de veículos específicos, como as revistas Galileu e Superinteressante e outras liga-

das à órgãos públicos, como a Minas faz ciência, editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Marca do jornalismo narrativo no Brasil, calcado em reportagens densas, de apuração esmerada e redação acurada, a Realidade, desde seus primeiros números, deu espaço para o câncer em suas páginas. Em fevereiro de 1967, em sua edição número 11, a revista publicou a matéria “Tenho câncer e não quero morrer”. Em três páginas, uma mulher de 24 anos, cuja identidade foi preservada pela revista, contou sua experiência com a doença, as relações com os diversos médicos que consultou, o período de revolta e o reencontro com a esperança. Pouco mais de um ano depois – janeiro de 1960 –, a mesma Realidade voltou à carga, desta vez com uma reportagem de capa: “Câncer: a última batalha”. Em seis páginas, um verdadeiro dossiê sobre o tema, mostrando as variedades da doença, como o câncer surge no organismo, as novidades no tratamento (na época, cientistas apostavam em vegetais com atividades antitumorais) e a evolução da

ciência. Na abertura, contudo, uma promessa que, infelizmente, não se cumpriu. “Dentro de poucos anos, o câncer estará inteiramente derrotado pelo homem”, disse o professor Bindo Guida Filho, então presidente do Instituto Central da Associação Paulista do Combate ao Câncer, uma das fontes consultadas pelo repórter Ary Coelho. O câncer na Veja A mais longeva revista brasileira – publicada desde setembro de 1968 –, a Veja sempre deu destaque ao câncer. Em seus 44 anos de existência, a doença foi matéria de capa nove vezes: abril de 1973, fevereiro de 1976, novembro de 1981, dezembro de 1985, abril de 1996, maio de 1998, janeiro de 2001, novembro de 2004 e outubro de 2008. Sem contar as inúmeras matérias sobre o assunto que não receberam o mesmo destaque e as capas sobre o câncer envolvendo políticos – como o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff – e artistas – como o ator Reinaldo Gianecchini. A primeira reportagem, intitulada “Uma tragédia brasileira”, foi tão

ou mais completa quanto a publicada pela Realidade quatro anos antes. Curiosamente, assim como em “Tenho câncer e não quero morrer”, a revista não revelou o nome das pessoas acometidas pela doença que serviram como personagens para a matéria – todas foram apresentadas somente com suas iniciais. Quadros com os tipos de câncer com maior incidência no Brasil (colo do útero, com 34,3%, apareceu em primeiro lugar entre as mulheres. Nos homens, o campeão foi o de pele, com 27,4%) e as probabilidades de cura de acordo com a variedade enriqueceram a reportagem. A última matéria de capa da Veja sobre a doença abordou uma variedade específica: o câncer de próstata. Um gráfico mostrou a evolução no tratamento, mostrando que, hoje, 97% dos pacientes sobrevivem após o diagnóstico, contra 10% no início do século XX e 40% em 1950. Ao contrário das reportagens anteriores, as personagens não foram escondidas – pelo contrário, foram mostradas inclusive em fotografias. Também ganharam destaque um histórico da doença e as opções mais modernas de tratamento.

imagens: acervo virtual e coleção particular (dany starling) montagem: Guilherme pacelli


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Belo Horizonte, dezembro de 2012

Eu estava lá

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Uma noite Generosa Conheça a história da kombi que leva solidariedade em forma de sopa e pão para pessoas carentes da capital mineira

Ronaldo de Souza 6º Período

Edição: João Luís Chagas São 18h30 de uma sexta-feira. Ando apressado pelo Viaduto Santa Teresa e vou observando as pessoas que vivem em torno dele. Olho a Praça da Estação e nela vejo de tudo: pessoas, bêbados, drogados, cães e crianças se misturam, num vai e vem diário. Converso comigo mesmo, observando tudo, e chego à rua Itambé, me encontro com Generosa. Branca, conservada e parada na esquina. O cheiro forte de droga no local me chama a atenção, mas não ligo. Perto dela estão três homens. Cumprimento, um por um, e me apresento. Senhor Inácio, um japonês que se tornou mineiro; Wallace, um jovem que perdeu uma das pernas em um acidente de moto, e o outro homem, o Nivaldo. Todos estavam juntos de Generosa. O grupo faz parte do “Movimento de Promoção e Assistência Social Sopão Mineiro”, que distribui sopa, pão e água aos necessitados e pobres da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Logo de cara, me resumiram o que o “Sopão Mineiro” faz e já me delegaram uma função: distribuir os pães, os vasilhames (feitos com garrafas pet) e as colheres descartáveis para as pessoas que ali pediam os alimentos. No início, houve fila, e me chamou a atenção uma mulher de roupas limpas, não parecia ser mendiga. Ela estava com seu filho, de uns cinco anos, e falava sem parar. A senhora pedia certa quantia em dinheiro para completar a passagem, com o objetivo de voltar à casa dela. Senhor Inácio, o motorista, avisou-a que dinheiro não tinha, mas sopa e pão eram garantidos.

Percebo que existe prazer e responsabilidade em ajudar as pessoas Homens, jovens e velhos chegavam perto do grupo e uns até recusavam o pão e preferiam só a sopa, que cheirava bem. Esta sopa quente fica dentro de dois panelões. Segundo Wallace, o outro ajudante, cabia neles 200 litros de sopa. Meu pensamento “girava” em torno daquela situação e eu olhava para Generosa, que ali ficava quieta, como uma mãe olhando seus filhos a saciar a fome

fotos : jéssica amaral

deles. Conversa vai, conversa vem, já me sentia parte fiel do sopão mineiro e perguntei aos três sobre a segurança do grupo. Disseram-me que, quanto à segurança, era tranquila e que se alguém chega mais exaltado, tudo era contornado com um bom diálogo e calma. É que, às vezes, algumas pessoas pedem cobertores, para se abrigar do frio. E eles dão o aviso: cobertor não teriam para doar. Sopa contra as drogas 19h30. O sopão mineiro segue para outro local de distribuição pela cidade. O senhor Inácio vai ao volante, Wallace se ajeita no banco de trás e eu vou à frente, junto ao motorista. Generosa vai com a gente. Pelo caminho, o papo vai pela minha curiosidade em saber mais sobre o sopão mineiro. Eles me dizem que tudo é feito por doações, e nada é cobrado. A cada semana, eles se revezam na distribuição dos alimentos. Percebo que existe prazer e responsabilidade neles em ajudar as pessoas. Generosa se mantém firme em todo o trajeto. Olho em volta e vejo uma reserva de colheres e pães. Sem pressa, chegamos à Praça da Estação, onde o número de dependentes químicos é grande. Paramos e oferecemos a sopa e logo nos pedem água. O crack desidrata seus viciados e a sede neles é grande. Observo uma mulher, de uns 20 e poucos anos, bonita, corpo ainda firme e de vestido, que chega até nós e pede o alimento para ela e para seus quatro colegas, deitados no chão. Continuamos, seguindo pela Avenida do Contorno, em direção à Rodoviária. O ponto escolhido fica próximo do Metrô. Mais jovens se destruindo com o vício do crack. Eu converso com alguns deles, não sobre drogas e álcool, e vejo que, pelas roupas de alguns, eles têm famílias e casa. Há gente pobre, mas os viciados são maioria neste ponto da cidade. O governo de Minas Gerais lançou um programa de ajuda aos dependentes químicos, porém eles têm de entrar nesse projeto por vontade própria e o vício da droga, quase sempre, fala mais alto. A experiência vivida, nesse dia, vai me fazendo perguntas: e o preconceito da sociedade, quanto à distribuição do sopão mineiro aos pobres e carentes? É dever do Estado amparar essas pessoas? Pergunto ao senhor Inácio e ele me responde que o grupo faz a parte dele. E faz bem. Percebi que as pessoas já sabem o dia da entrega da sopa e do pão e até comemoram a chegada deles em suas regiões. Generosa sabe de tudo isso e segue confiante. Passamos também pela “turma” do Elevado Castelo Branco. Generosa conhece quem vive por lá. Estava eu distribuindo as colheres e os pães, Wallace enchendo os vasilhames com

Sopão da Generosa: alimento, altruísmo e calor humano pelas ruas de Belo Horizonte


eu estava lá

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a sopa, e nos chega um homem que não parecia estar muito bem. Ele estava bêbado e queria comer algo. Ofereci a sopa e lhe disse para comer devagar, para ajudá-lo a melhorar seu estado cambaleante. Mais pedidos de cobertor e nossos avisos foram os mesmos: sopa tem, cobertor, não. O sopão mineiro seguiu para o bairro São Francisco e, chegando lá, a meninada com panelas fez fila para pegar o alimento. No trajeto pelo bairro, eu ia gritando, incentivado pelo senhor Inácio: “Olha o sopão, gente! Sopão!” As pessoas iam chegando e percebi que, naquela região, a pobreza era alta. A sopa já estava quase no fim e ainda chegava mais gente. Alguns ficaram sem pegar o alimento. Eu fiquei cabisbaixo, pelo fim da sopa, mas Generosa se manteve firme. Muitas crianças levaram a sopa, panelas e baldes cheios para casa. Uma delas me disse: “vou levar para o meu pai”. Os outros voluntários do sopão mineiro me avisaram que era assim mesmo, que eles voltariam na próxima semana, naquele lugar. Informaram que eles vão dosando a distribuição, que é para a sopa e os pães darem para todos. No final do turno, que varia, tem dias que o grupo fica até tarde. E tem dias que a sopa acaba rápido. Experimentei e provei o sopão e senti o gosto de carinho e o tempero da gratidão. voltamos ao bairro Carlos Prates, onde fica a sede do sopão mineiro. Recolhemos os panelões, me despedi do grupo e fui embora com uma sensação de bem-estar. Pensei na noite, em todas as pessoas que ajudei a alimentar com a sopa e, principalmente,na Kombi, que mostrou muita disposição para transportar todo o grupo e os alimentos. Daí o nome: Generosa.

Belo HorIzonTe, dezemBro de 2012

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Conheça o Sopão Mineiro

Carinho na hora de distribuir a sopa

Camila Freitas 2º Período

O Sopão Mineiro surgiu em maio de 1980, liderado por um grupo de jovens de alto espírito humanitário e grande senso de solidariedade, que resolveu, de forma improvisada e com recursos próprios, distribuir sopa e pães para a população de rua. O projeto cresceu e tornou-se uma entidade filantrópica, sendo registrada e reconhecida como Utilidade Pública Municipal, Estadual e Federal. Atualmente o Sopão desenvolve quatro programas sociais distintos, contando com o apoio parcial da Prefeitura de Belo Horizonte. Para organizar a distribuição, o site

As ações do sopão mineiro •

distribuição de sopa/pães: distribuição semanal de 400 litros de sopa e 250 pães, a desabrigados e pessoas carentes.

Assistência a gestantes carentes (kit Bebê): atendimento a gestantes carentes, com acompanhamento psicológico, fisioterápico e orientação médica. Também são ministradas palestras e,por fim, é doado o enxoval do bebê.

Assistência à saúde: abordagem e atendimento da população de rua nos casos de saúde de urgência e emergência, orientando, acompanhando e transportando os necessitados às Unidades do Sistema de saúde (hospitais), após a sua indispensável higienização.

desospitalização psiquiátrica/ serviço residencial Terapêutico: Administração e manutenção de residências, abrigando pacientes desospitalizados de saúde mental, às vezes rejeitados pelas próprias famílias, que necessitam de uma readaptação à sociedade.

do grupo informa aos possíveis voluntários quando e onde a sopa será distribuída, além da equipe que sairá pelas ruas com Generosa. O movimento acredita que todos podem ser voluntários, participar e contribuir. Para eles, o que realmente importa é a motivação solidária, o desejo de ajudar e o prazer de se sentir útil. O Sopão conta com a ajuda de voluntários e empresas, para seguir na sua missão de ajudar os moradores de rua de BH. Os interessados em ajudar podem acessar o site da entidade (www.sopaomineiro.org.br), escolher a opção “voluntários” e preencher o formulário de inscrição. O movimento ressalta que não trabalha com agenciadores de rua e que, para fazer qualquer

doação ou contribuição, é preciso ligar para 3272-3998, deixar um recado no mural do site, ou enviar e-mail para sopaomineiro@ig.com.br. Os pães e os ingredientes da sopa são recolhidos de porta em porta. Basta ligar que Generosa busca os donativos na sua casa. Repasses em dinheiro são feitos por meio de boleto bancário. A comida não segue uma receita única, ela varia de acordo com o que é arrecadado e dos “chefs” que a preparam: dois grupos se revezam, semanalmente, no preparo. Além de ajudar com dinheiro e mantimentos, você pode preparar sua própria sopa e entrar em contato com o movimento, que providenciará uma visita de Generosa. No site uma lista, “Dez dicas sobre voluntariado”, chama a atenção. Os 10 tópicos abordam os benefícios de ser um voluntário. Destaco aqui algumas partes: “voluntariado não tem nada a ver com obrigação, com coisa chata, triste, motivada por sentimento de culpa. voluntariado é uma experiência espontânea, alegre, prazerosa, gratificante. O voluntário doa sua energia e criatividade, mas ganha em troca contato humano, convivência com pessoas diferentes, oportunidade de viver outras situações, aprender coisas novas e satisfação de se sentir útil. O voluntariado não compete com o trabalho remunerado nem com a ação do Estado. Sua função não é tapar buracos nem apenas compensar carências.” Os interessados que desejarem visitar a sede da entidade, podem agendar por telefone ou email. A casa da Generosa fica na Rua Serpentina, 62 – Carlos Prates.


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Belo Horizonte, dezembro de 2012

Um dia no...

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Homem das multidões Um olhar de quem vê a vida correr nos trilhos Lúcia Santos Shirley Pereira 6º Período

Edição: Dany Starling Minas Gerais é conhecida por várias características marcantes. O jeitinho mineiro, o pão de queijo, as montanhas, o Clube da Esquina, o minério de ferro e os trens. Trens da língua, trens de carga, de passageiros. E, porque não, o metrô. Quem nunca andou de metrô, certamente um dia irá fazê-lo. Por ser um meio de transporte rápido, eficiente e barato, é preferência para milhares de usuários. Tomar ou “pegar”, como muitos costumam dizer, vai muito além de uma simples viagem. Pelo menos para quem acompanha a rotina das pessoas que por lá passam. Chefe de estação há 23 anos, Alexandre Santos já perdeu a conta de quantas pessoas viu passar pelas catracas, e diz que lidar com “gente” é o que há de melhor em sua rotina. Diariamente, ele abre as estações e confere cofres, equipamentos de sinalização, áudio e vídeo e o quadro de funcionários. Alexandre recorda as muitas mudanças ocorridas no metrô, principalmente em relação ao número de passageiros, ao conforto oferecido e à capacidade dos trens. Mas o chefe de estação ressalta que a modificação mais significativa foi a evolução das pessoas. “Antigamente, o usuário não tinha educação. Hoje, todos respeitam as normas e sabem que o serviço está sendo prestado para ele”.

Dentro do regulamento “O metrô é um canal de Deus para tudo o que eu tenho. Procuro ser gente boa, mas dentro das normas. Muitas vezes, sou chamado de chato porque gosto de fazer meu serviço tranquilamente e dentro das normas”. Como um mantra, Alexandre repete isso várias vezes ao longo da entrevista. Sábado é o dia em que o metrô recebe um maior número de crianças, levadas pelos pais para passear. Alexandre conta que muitos desses usuários são pessoas simples, que não podem oferecer outra forma de lazer aos filhos. “Sempre me perguntam se, para cada estação, deverão pagar uma nova passagem. Explico que, se não passarem pelas catracas, podem ficar passeando por todas as estações, sem ter que pagar novamente”. Apesar de não ser usuário, pois que o metrô ainda não atende a seu bairro, Alexandre diz que este é o melhor meio de transporte que existe atualmente. “A regularidade de horários, a possibilidade de não pegar trânsito, o fato de ser barato e de atingir grande parte da capital faz o metrô ser um dos meios mais procurados pela população”, avalia. A vista da cabine Maquinista do metrô há seis anos, com rotina de trabalho tranquila, percebida em sua forma de conversar e trabalhar, Alexandre Fonseca diz achar incrível a relação de sua profissão com a sociedade em geral. Segundo o maquinista, a relação com os colegas de trabalho é a melhor

possível. O que credita à rotina do serviço, diferenciada das demais profissões. Afinal, ele vê (e conversa) com os colegas apenas poucos minutos na sala dos maquinistas, localizada na estação Minas Shopping. Como ele e os demais companheiros passam a maior parte do tempo na cabine do condutor, não há tempo para desentendimentos ou outros conflitos. Para Alexandre, a oportunidade de encontrar os amigos de trabalho é na festa anual que a empresa oferece em comemoração ao dia do metroviário. “Lá, a gente ri bastante e se diverte com casos pessoais e do trabalho”, lembra. Usuários De dentro de sua cabine de condutor, Alexandre observa o povo ir de um lado para o outro. Conta que, diariamente, é cada vez maior o número de novas pessoas que começam

a usar o serviço. “Muitas eu acabo por conhecer, pois são trabalhadores ou estudantes que pegam o metrô no mesmo horário, para iniciar suas rotinas diárias. Porém, o número de usuários novos aumenta a cada dia”. Há aqueles usuários que deixam marcas e não são esquecidos. Para Alexandre, o ‘coronel’ é um deles. Um senhor de aproximadamente 60 anos e de pouca fala frequenta o metrô vestido com farda do Exército, já desgastada. Embarca na estação Vilarinho e segue até a estação Eldorado. Ao chegar, cumprimenta a todos, inclusive o maquinista, e, ao desembarcar, corre ao lado do trem, acenando e se despedindo do condutor. “Acredito que ele seja um senhor solitário, que aqui encontra uma forma de se sentir inserido na sociedade novamente. Ao correr ao lado do trem, parece uma criança. É alegre e triste ao mesmo tempo”, emociona-se o maquinista.

Promessa de agilidade para todos O primeiro metrô subterrâneo foi construído em Londres, em 1863, para atender uma população que crescia e demandava rapidez e fluidez. Em São Paulo, a novidade do transporte elétrico sobre trilhos foi inaugurada no dia 14 de setembro de1974. O veículo buscava atender o crescimento populacional. Em Belo Horizonte, o metrô também surgiu como promessa de atender a população que crescia desordenadamente. Com apenas 14 estações, ele atende, por dia, cerca de 250 mil passageiros, segundo dados da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

lúcia SAntos

“Ói, ói o trem!” Não apita nem fumega, mas é fundamental “para os que sabem do trem”


Outros (so)papos

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Belo Horizonte, dezembro de 2012

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A luta que não conta pontos Thiago Michel, lutador de MMA, mostra que no combate da vida o importante é ficar em pé JÉSSICA AMARAL

Discípulo do pai, Thiago Michel trouxe da infância a paixão pelas artes marciais

Lucas Garabini Mozart Dias Felipe César Silveira Braga 6º Período

Edição: Dany Starling Um esporte que está nos holofotes. Bruto, pesado, impactante. Como será a vida de quem cresceu nesse meio? O dia a dia é tão glamuroso como se imagina, principalmente diante dos profissionais badalados que aparecem na televisão? Na vida de um lutador de MMA (sigla em inglês para artes marciais mistas), a porrada vem só no octógono? A infância de Thiago Michel foi daquelas que nenhuma criança poderia reclamar. Cercado de amigos, em um bairro simples, e com o incentivo familiar para a prática de esportes... Ainda cedo, numa fase em que os pequenos são conhecidos pela curiosidade com relação ao mundo que os rodeia, surgiu o interesse - inflado pela natural admiração de um filho - pela profissão paterna. “Vivia perguntando sobre tudo e repetindo os movimentos. Até que meu pai me levou para treinar na academia onde era professor e eu nunca mais saí de lá”, conta. O pai de Thiago, Ely Pereira, foi a grande inspiração para seu início nas artes marciais. Os primeiros chutes

foram ensaiados aos seis anos, com os ensinamentos do tae-kwon-do. Logo em seguida, aos oito, passou a praticar kung fu e, posteriormente, kickboxing, jiu-jitsu e wrestling (luta olímpica). Sempre muito amparado pela família, o jovem não esconde a admiração pelo pai. “Sou muito grato, pois além do carinho e da atenção, recebi ensinamentos sem os quais não estaria fazendo o que gosto, que é viver das artes marciais”, diz Thiago, faixa preta em todas as modalidades que já praticou. Com o passar do tempo, o lutador tornou-se peça importante na vida de treinos de seu pai e mestre. Presente à maioria das aulas, o filho ajudava a montar os equipamentos, limpava o tatame e auxiliava o início dos alunos novatos. O companheirismo extrapolou, inclusive, os limites da academia. “Seguia meu pai em tudo o que fazia. Quando ele se tornou vegetariano, eu tinha 8 anos, e, mesmo tão novo, decidi acompanhá-lo nessa decisão. Desde então, nunca mais comi carne.” Vida de coruja Ely conta que nunca obrigou o filho a fazer nada contra a vontade. Toda iniciativa surgiu de Thiago. Ainda que a presença do menino fosse assídua aos treinos, em certos momentos, Ely o chamava para acompanhá-lo

na academia, mas o jovem negava. “Às vezes, acontecia de ele querer brincar com os colegas do conjunto habitacional onde morávamos. Era raro, mas, de vez em quando, ele dava uma escapadinha dos treinos”, lembra, aos risos. As escapulidas, entretanto, não eram vistas como um problema. “Nunca exigi que ele lutasse. Thiago começou a se sentir importante na medida em que convivia com o espaço em que eu trabalhava. É um orgulho para um pai ver um filho realizando seu sonho, e, mais do que isso, fazendo isso ao se espelhar em mim”,destaca. Temores naturais Apesar de dizer que já se acostumou, Ely confessa sentir um pouco de medo e aflição quando vê os combates de Thiago. “Ele é inteligente, sabe raciocinar dentro da luta. Raramente leva um golpe forte”, analisa. O pai garante que, embora tenha essa confiança, quando precisar, jamais hesitará em jogar a toalha e interromper uma situação de muita desvantagem. “Em qualquer esporte, a integridade do atleta está em primeiro lugar. Isso acontece com qualquer um dos meus alunos, não só com meu filho.”, afirma o mestre. Já a mãe do lutador, Ângela Perei-

ra, sempre sofreu - de maneira saudável, segundo ela - com as escolhas profissionais do filho. O curioso é que sua maior inquietação em relação ao atleta não é com as lutas em si, ou com a possibilidade dele se machucar, mas com sua alimentação rigorosa desde que ingressou no MMA. Essa preocupação também parte da esposa de Thiago, Mariana, que se ressente quando o marido se ausenta de eventos familiares por causa dos compromissos, treinos e lutas no exterior. Cercado de cuidados e afeto, Thiago vê em sua família a maior força para entrar no octógono e conquistar mais espaço como lutador. “A maioria dos lutadores pensa em alguma coisa quando está subindo no cage [termo inglês que significa jaula e dá nome aos ringues de MMA]. Nessa hora, não tiro minha família da cabeça.”, completa. Thiago pai Apesar de ser um lutador de MMA, profissão cheia de particularidades, Thiago sempre teve vida simples e pacata. Casou-se aos 18 anos e tem um filho de oito, Pedro, que também já segue os passos do pai e do avô na prática das artes marciais. Mas que, se o pai puder escolher, não será um lutador profissional. “Amo essa vida e não troco por nada, mas existem detalhes difíceis de assimilar, como a alimentação, a rotina de treinos, a vida regrada. Não gostaria que ele passasse pelas mesmas dificuldades. Meu filho, hoje, fala que quer ser cientista. Vou apoiar qualquer escolha que ele fizer no futuro, inclusive se for para lutar”. Vida de atleta Entre treinos de jiu-jitsu e wrestling, além de dar aulas de boxe e kickboxing, Thiago se vê dividido entre a profissão de lutador e mestre. “Gosto de fazer as duas coisas, mas confesso que sofro com a sobrecarga de trabalho. A vida de um lutador ainda é incerta. Precisamos que o MMA evolua ainda mais para sobrevivermos só da renda que vem das lutas”, explica. Qual conselho o lutador daria para quem deseja iniciar no esporte? “É preciso conhecer a realidade. Muitos tentam, mas poucos conseguem se destacar e conseguir algum dinheiro. Nada ali é fácil, e aquilo que vemos na TV é só uma pequena parte do mundo que cerca os atletas. Entretanto, se este é o seu sonho, corra atrás, trabalhe muito, se esforce, pois pode valer a pena. Se, ao final, você se sentir feliz e realizado, nada mais importa”.


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Belo HorIzonTe, dezemBro de 2012

Jornal daqui

Impressão

15 anos de sucesso Banda Diante do Trono, formada na Igreja Batista da Lagoinha, mantém projetos sociais no Brasil e no mundo Thiago Teodoro Welbert Emery Edição: Dany Starling

Em Belo Horizonte, o grupo também sustenta, há seis anos, abrigo social para crianças em situação de risco, no bairro Lagoinha.

Direto da região da Lagoinha, em Belo Horizonte, o grupo gospel Diante do trono, comemora 15 anos de carreira neste ano. Como um dos atuais expoentes do gênero, o grupo já lançou 15 álbuns e já vendeu mais de 10 milhões de CDs e dois milhões de DvDs, além de possuir o recorde de público para um artista nacional, com dois milhões de pessoas em uma única apresentação em São Paulo. O primeiro disco foi gravado em 1998 pela Igreja Batista da Lagoinha, onde ainda tocam aos domingos, intitulado “Diante do Trono”. Dez mil cópias, com o intuito de serem comercializadas entre os membros da igreja, foram produzidas na primeira tiragem. O dinheiro arrecadado foi usado para obras sociais na índia, onde o Ministério sustenta o projeto Ashastan, casa de apoio à meninas vítimas de prostituição infantil que já atendeu cerca de 200 crianças.

Sucesso As primeiras cinco mil cópias do CD “Diante do Trono” se tornariam insignificantes diante do sucesso que surgiria logo em seguida, quando conquistaram um Disco de Ouro. “O Diante do trono explodiu no Brasil, ficamos assustados com o sucesso do primeiro disco”, explica o pastor Lourival de Jesus, um dos líderes do departamento de musica da Igreja da Lagoinha e líder do grupo Manancial (que serviu de incubadora). Pelo Manancial passaram nomes importantes do Diante do trono, como a vocalista Nívea Soares, o tecladista Gustavo Soares e o baterista Bruno Gomes. “Me lembro que o pastor Márcio falou uma vez uma coisa que eu nunca esqueci: a Ana [Paula valadão] indo, todo mundo vai junto. E foi o que aconteceu. O Manancial participou, até a quarta gravação do Diante do trono, do coral formado”, relembra

6º Período

Lourival. Os números de vendagens e de público do Diante do trono chamaram a atenção da mídia. A gravação do quarto trabalho do grupo, “Preciso de Ti”, em 2001, foi a maior lotação da história do Mineirão, em Belo horizonte: cerca de 210 mil pessoas lotaram o gramado, a arquibancada e o lado de fora do ginásio. Na primeira semana de lançamento, foram vendidas mais de 400 mil cópias e, hoje, mais de dois milhões de cópias já foram distribuídas. Em 2002 o grupo gravou Nos Braços do Pai, em Brasília, e reuniu um milhão e meio de pessoas. Em 2003, o grupo fez seu maior ajuntamento (e um dos maiores públicos musicais da história do Brasil), quando 2 milhões de pessoas compareceram no Campo de Marte em São Paulo, na gravação do CD/DvD “Quero me Apaixonar”. Em 2009, a Som Livre assinou contrato com o Diante do trono para a distribuição dos produtos do grupo mineiro. Essa parceria inovadora incentivou um dos melhores momentos na história da música gospel no país, pois mostrou para o mercado fonográ-

fico que era possível fazer no Brasil o mesmo que já ocorre em outros países, como nos EUA: inserir artistas religiosos no cast das grandes gravadoras. Para comemorar os 15 anos de carreira, o grupo gravou, em Manaus, seu novo CD e DvD, intitulado Creio. O evento contou com a participação de vários outros cantores renomados da música gospel, como Ludmila Ferber e Mariana valadão. De acordo com informações do diretor executivo do Diante do trono, Júnior Monteiro, os integrantes do grupo já mostravam esse desejo de gravar em Manaus desde 2009. “Essa vontade ficou guardada, pois nunca a descartamos. E com a graça de Deus, conseguimos marcar a gravação do show. Nossos shows em Manaus estão sempre lotados de fiéis que querem receber as graças de nosso Senhor. E este será mais uma prova da vitória do público cristão”, disse Júnior.

REPRODUÇÃO

Erguei as mãos e tirai os pés do chão: Diante do Trono levanta público em show


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