Edição 190 - Caderno 2

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DO!S

Jéssica Amaral

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 30 • número 190 • Dezembro de 2012 • Belo Horizonte/MG

Quer novidade? Vá ao museu!

PÁGINAS 6 e 7

Tecnológicos e interativos, espaços de arte e memória não são mais sinônimo de velharia


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Belo Horizonte, dezembro de 2012

Reportagem Gonzo

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É tenso demais! Dany Starling 7º Período

Edição: João Luís Chagas

Não vejo problema em demonstrar minha total ojeriza à música sertaneja. Sendo mais específico, ao que chamam de sertanejo universitário. Abomino. Acho de péssima qualidade. Ai se eu te pego? Lelelê? Camaro amarelo? Tchetcherere? Não, isso não é música. Não para mim. É tão ruim quanto axé e o funk da Eguinha Pocotó. Talvez até pior, por levar no nome a palavra “sertanejo”. Sou do interior. Da roça, como prefiro dizer. Cresci ouvindo música sertaneja de raiz: Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Trio Parada Dura, Sérgio Reis, Tião Carreiro e Pardinho. Era o que tocava na vitrolinha da peãozada, após um dia de lida árdua nas fazendas. Era a música das festas do Patronato, dos rodeios do Zé Carrim, dos bailes do Trio Asa Branca, lá em Resplendor, onde eu nasci. Mais velho, me enveredei pelos caminhos da bossa nova. Descobri João Gilberto, Tom Jobim, Roberto Menescal, Johnny Alf, Carlos Lyra, Silvinha Telles e Vinícius de Moraes. A reboque deles, vieram Caetano, Chico, Gil, Milton e seu clube, Elis e Gal. Djavan, Tim Maia e Jorge Ben também entram no rol. Não sou propriamente um roqueiro, mas curto Titãs, Paralamas, Ira!, Planet Hemp, Velhas Virgens. MPB, enfim. Por sempre manifestar meu repúdio ao tal sertanejo universitário, fui provocado na reunião de pauta que definiu os rumos desta edição do Impressão. Que tal uma peregrinação pelas casas de música sertaneja de Belo Horizonte? Não apenas para recolher dados e informações sobre o comportamento das pessoas, mas para encarar meus próprios demônios. Será que o diabo é tão feio quanto eu o pintava? Fui conferir. Galopeira Sábado, 17 de novembro. Em casa, matuto sobre a pauta e resolvo começar os trabalhos pela Galopeira. A casa noturna, uma das maiores da capital de acordo com sua página no Facebook, fica na Av. Teresa Cristina, no Prado. Capacidade para mais de duas mil pessoas. “Belo Horizonte está vazia, todo mundo viajou. Duvido que lote”, penso. Acabo saindo cedo demais. Passo numa loja de conveniência na Francisco Sá. Como não tinha coragem pra vender, tomei dois whiskys e um energético.

Homens e mulheres entram no posto, compram alguma bebida e voltam aos seus carros, partindo para lugares diferentes da cidade. Chego na porta do Galopeira por volta das 22h. Primeira providência, descobrir como entrar no show. São três opções: pista, 25 reais. Área vip, 35 reais. Camarote, 40 reais, com direito a transitar pela pista. Como quero liberdade de movimento, escolho o último. Sou informado que as portas só abrem às 23h. “Que beleza, vou ficar mofando aqui fora. Só falta chover”. Para minha sorte, não chove. Decido explorar o ambiente. Ao longo de quase 100 metros, na frente da casa, carrinhos vendendo comida aguardam a chegada dos frequentadores. Cachorro-quente, macarrão na chapa, feijão tropeiro, sanduíches, pão com pernil. Além de bebidas de todos os tipos, quentes e geladas. Duas jovens e um rapaz oferecem cigarros e chicletes a todos que chegam, de carro ou de táxi. Recolho as primeiras informações sobre o local de um senhor rechonchudo. “Pode escrever, vai lotar. Agora não tem ninguém,

A moda country não está presente na noite de Belo Horizonte. Nada de chapéus, botas, fivelas e outros estereótipos o movimento começa depois das 23h30”, garantiu. Chico é especialista no assunto. Topógrafo por formação, trabalha informalmente na noite há dez anos. “Só com cerveja, vendo cerca de 300 reais por noite. Isso em apenas três horas. Quando der uma da madrugada, junto minhas tralhas e vou embora”, gaba-se. Dois rapazes chegam, pedem cervejas e perguntam qual a melhor opção, se pista ou camarote. “Podem ir de pista, é onde a mulherada vai”, explica Chico, que não se furta a elogiar cada menina que passa à sua frente. Pergunto se sobra alguma para ele, que, desconfiado, nega. “Minha mulher trabalha junto comigo. Hoje ela não veio, aproveitou o feriado para ir ver a mãe”. Deixo Chico fazer sua noite e vou circular. Um grupo perto da entrada é um dos mais animados. Seis mulheres e dois homens di-

videm uma garrafa de vodka misturada com refrigerante, enquanto recordam uma viagem feita à Bahia. “Vamos beber depressa que logo vai abrir”, um deles alerta. Uma das moças continua com a história. “Lembra daquele show do Reginaldo Rossi? Bebi tanto que fui acordar na praia”, conta, às gargalhadas. Por volta das 22h30, os seguranças começam a organizar as filas, uma para cada ambiente. Como não vejo ninguém disputar espaço pelo camarote, continuo a transitar. É quando encontro Marco, ex-garçom, que também deixou de lado o emprego para se aventurar na noite. Mas não esqueceu o velho métier. Calça social preta, sapato da mesma cor, brilhando, camisa branca engomadíssima, faltou só a gravata borboleta. Com uma bandeja na mão, oferece whisky com energético em copinhos de plástico. A fila para a pista é a mais disputada. Para minha surpresa, as pessoas não estão a caráter. Nada de chapéus, botas ou fivelas. A moda country não chegou por aqui, pelo visto. A combinação para os homens é a mesma: calça jeans, camiseta e tênis, embora muitos usem bonés, principalmente os mais novos. As mulheres apertam-se em vestidos justíssimos e equilibram-se nos saltos mais altos. Curiosamente, as mais bonitas estavam acompanhadas de maridos ou namorados, todos com caras fechadas, como que para espantar os olhares cobiçosos para suas amadas. Enquanto caminho, vejo um rapaz pedir um cachorro-quente em um dos carros parados no meio-fio. Em suas mãos, a mais insólita combinação de bebidas possível: um energético e uma garrafa de vinho Adega da Serra, terror dos paladares refinados. Penso no que meu amigo Lino Ramos, enófilo e sommelier da melhor estirpe, diria sobre a iguaria. Às 22h53 as portas se abrem. Ao entrar na casa mostro minha identidade e um segurança me revista. Pagos os 40 reais, uma mocinha bonita coloca uma pulseirinha em meu braço. Subo as escadas e fico impressionado. A casa é realmente grande. Como ainda estava vazia, exploro bem o local. A área vip nada mais é que um espaço logo na frente do palco, nenhum atrativo a mais. Poucas mesas e cadeiras próximos aos bares, três ao todo na pista, um deles somente para coquetéis. O camarote, nos fundos da casa, fica num plano elevado, com mais mesas e um bar exclusivo, além de um grupo de garçons que atende diretamente os


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Avesso à música sertaneja, repórter se aventura em diversas casas do gênero na capital mineira: Alambique, Galopeira e Vagalume Center Show... E sai ileso.

Anotações feitas durante a incursão de nosso repórter pela noite sertaneja

fregueses. Mais à frente, alguns espaços reservados, chamados de lounges, voltados para grupos de clientes vip, que consomem mais de 500 reais. A primeira providência após a exploração é descobrir onde fica o fumódromo. Um dos muitos seguranças presentes me aponta o local. Totalmente fechado, sem janelas, uns 30 metros quadrados, com dois ventiladores, um deles quebrado. Enquanto estou sozinho, tudo ótimo. Quando fosse fumar e o lugar estivesse cheio, iria sair dali completamente defumado. Por quase uma hora, suporto o melhor (???) da música eletrônica. Quando tinha meus 18 anos, tudo bem. Mas hoje? Enfim, ossos do ofício. A casa não para de encher. Nos bares, o que mais se pede é cerveja ou o combo mais famoso da casa: um litro de vodka e dois de refrigerante de maçã por 89 reais. O que satisfaz inúmeros grupos de amigos. No camarote, os pedidos eram superiores. O combo preferido pelos homens é o de whisky com energéticos. As mulheres vão de espumante. Sempre que sai um combo, o balde é iluminado com uma dessas velas que mais parecem fogos de artifício. “É para chamar a atenção. Sempre que alguém pede uma bebida mais cara, fazemos isso. Os outros vão e pedem também”, me conta um garçom. 00h13, o cantor João Kazak sobe ao palco. A primeira música, como não poderia deixar de ser, foi Galopeeeeeira, nunca mais te esquecerei!!! O público, até então meio desanimado, não para de dançar e cantar. A casa já esta lotada, é difícil andar pela pista, ainda mais quando o repórter é volumoso como eu. Além disso, é impossível conversar com alguém ali. As conversas, todas ao pé do ouvido, tem um único significado: xaveco. Um dos lounges mais invejados tem um único rapaz, rodeado por seis belas meninas. Pedro Drummond me disse ser funcionário público, mas é chamado pelos garçons de “promotor”. Ele elogia o tratamento e a estrutura da casa. “Fui bem recebido desde a primeira vez”. Para ele, o fato de sempre gastar mais de 500 reais por noite não faz dele um cliente diferencial. “Todo mundo é igual, não tenho privilégios”, assegura. Enquanto bebo a pior caipivodka da minha vida, encontro outra peça rara na área de fumantes. Reinaldo, morador do bairro Palmares, já meio tonto. Me pergunta se era minha primeira vez no Galopeira, confirmo. “Estou vindo pela segunda vez. Briguei

com a mulher na quarta-feira e caí aqui. Hoje voltei com ela e a desgraçada me pediu pra vir logo aqui. Estou fazendo de conta que nunca estive aqui antes. Espero que ninguém me reconheça”, disse, antes de apagar seu cigarro e voltar para a pista. No palco, Kazak anima a plateia com músicas famosas do sertanejo universitário. Arrisca algo da própria safra, o que esfria a pista. Mas, quando canta um hit famoso, a galera, bem orquestrada, responde com passinhos ensaiados. No entanto, o que realmente levanta o público e faz com que todos cantem juntos é a velha É o amor, de Zezé di Camargo e Luciano, quase pais dos Luans Santanas, Gustavos Limas e Joões Lucas e Marcelos da vida. Atravesso o salão e vou para onde imagino ser a entrada do palco. Depois de muita ladainha, convenço o segurança a me deixar entrar. Subo no palco e... uau! Tive uma visão ampla do lugar, do ambiente. Kazak começa a cantar o Lelelê, empolgando a plateia. Faço o máximo de fotos que posso, mas não demoro, com medo de ser expulso. De volta ao camarote, vejo, bem no cantinho, um grupo que chamava a atenção. Em um dos lounges, nove mulheres e apenas um homem dançam animados, brindando a toda hora. Descubro que são todas policiais e estão ali comemorando o aniversário de uma delas. Quem me conta é a militar Jane. “Tem meninas da polícia civil e da federal também”, disse, depois de sorrir quando brinco que aquele era o espaço mais bonito e seguro da casa.

A música que realmente levanta o público e faz com que todos cantem juntos é a velha “É o amor”, de Zezé di Camargo e Luciano Já são 1h12 quando resolvo ir embora. Muito barulho, muita gente, bebida ruim. Julgo que minha missão foi cumprida. Na descida, vejo pessoas ainda chegando. As mulheres mais “ajeitadinhas” eram liberadas do pagamento da entrada. Pago minha conta – pouco mais de 40 reais – e saio, conservando a pulseiri-

nha. Chico e Marco já foram embora. Os vendedores de comida ainda estavam lá. É no final da festa que eles mais faturam. Meio tonto, decido se vou dormir ou se busco algo mais para a noite. Procuro no Google o endereço de um tal de Vagalume, casa de música sertaneja no centro. Tinham me dito que era na Olegário Maciel, perto da rodoviária. Vou para lá, mas não encontro nada. O jeito é ir embora. Alambique Demorou para que eu retomasse a peregrinação. Reta final de TCC e outros afazeres atrasaram o trabalho. Duas semanas depois, dia 29 de novembro, é que resolvo me aventurar novamente pela noite. O destino é o Alambique, talvez a mais tradicional casa do gênero na capital mineira. Quem passa pela Raja Gabaglia sabe onde fica, principalmente pela enorme locomotiva Maria-Fumaça que decora sua fachada. Próximo ao “Alam”, um postinho é ponto de encontro dos frequentadores do local, que se fartam de bebidas mais baratas antes de encarar preços mais salgados. Chego na porta da boate às 23h06. O movimento, comparado ao Galopeira, é bem mais fraco. Somente dois carros na porta vendendo sanduíches. Paro para conversar com um dos três baleiros do local. Marlon, frentista durante o dia, me conta que ali já foi melhor. “Três anos atrás, isso aqui bombava. A concorrência aumentou muito, tem muita boate. Antes eu vendia 300 reais por noite. Hoje, se a noite for ótima, vendo no máximo 100”. Compadecido, compro um chiclete. Na porta, pergunto os preços. Quarenta reais a pista e sessenta reais o camarote. Há um outro camarote, mas reservado para quem consumir pelo menos 300 reais. Vou no mais comum mesmo. Passo pela mesma rotina de identificação e revista. Ganho uma comanda e uma pulseirinha igual à do Galopeira (as casas são dos mesmos donos), porém roxa e com a marca do Alambique. Ainda é cedo e a casa está vazia. Comparações com o Galopeira são inevitáveis. A estrutura do Alambique é toda em madeira. A casa é muito bonita, porém bem menor. Os camarotes ficam em andares superiores, com bares exclusivos. A pista, diminuta, conta com dois bares e alguns conjuntos de mesas e cadeiras. No canto, um espaço mais aconchegante, com mesinhas e estofados, voltado para casais. A indefectível música eletrônica toma conta do ambiente, mas poucos se aventuram na pista. Bem próximos ao


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Fotos: Dany Starling

burburinho, dois senhores dividem uma mesa. Enquanto bebem cubas libres, observam, atentos, o que acontece ao seu redor. Fui conhecer a área de fumantes. Pequenininha, mas muito melhor que a do Galopeira, melhor climatizada, com exautores e janelas. Além disso, uma bela vista da região oeste de Belo Horizonte. Enquanto fumo, um rapaz entra com uma cerveja na mão, reclamando da porta de vidro. “Isso é armadilha contra bêbado”. Dali, vejo um rapaz abordar uma loirinha, que estava com sua amiga. Deu os tradicionais três beijinhos, mas ela o rejeita. Ele vem para a área de fumantes e fala mal da menina. Insistente, apaga seu cigarro e volta para a mesa, mas dessa vez se senta ao lado da amiga. As duas não dão confiança: pegam seus celulares e ficam mexendo. Contrariado, ele deixa a mesa. Saio da área de fumantes e me aproximo da mesa das duas. Sento e brinco que a loirinha é a menina mais disputada da noite. É a primeira vez delas no Alambique, me dizem. A mais velha se chama Kelly, ou Kellen. Estavam ali por que Adriana, a loira, queria comemorar a conclusão de uma pós-graduação em enfermagem. Depois de parabenizar a moça, deixo as duas e continuo rodando pela casa. Conheço Mônica, engenheira civil, está em Belo Horizonte há quatro meses. Adora música sertaneja, já que nasceu em Sorocaba – o sotaque é típico! Ela me conta que vem sempre ao Alambique, mas que a casa só fica boa depois da 1h – ainda são 0h13. Conversamos sobre casas do gênero e tenho uma verdadeira aula. “Em São Paulo as pessoas vão caracterizadas. Aqui em BH ainda não vi isso, só em rodeios”, diz a moça. A pista só se anima por volta da

Galopeira, a maior casa noturna de Belo Horizonte, assusta pelo tamanho

meia-noite e meia, quando começa um pagode. A mulherada começa a se soltar. Perto da uma da madrugada, o DJ anuncia a sessão flashback e o reggae de Bob Marley invade o salão. Os mais velhos cantarolam e até os dois coroas se levantam, a primeira vez na noite. “Is this love, is this love, is this love, is this love that I’m feeling?” Foi a melhor música da noite. O show da dupla Diogo e Danilo começa pouco depois, à 1h19. A novidade, aqui, é no modo de dançar. Casais rodopiam coladinhos, como num bom forró. O camarote fica vazio, todos descem para a pista. Até os funcionários arriscam tímidos passos de dança ao som dos

Show da dupla Diogo e Danilo no Alambique

hits de Michel Teló, Gustavo Lima e companhia. Resolvo ir para a pista também, que já está lotada. O trânsito em meio ao povo dançando é difícil. Quando a dupla canta o “Camaro amarelo”, a animação chega ao limite máximo. Empolgada, uma mulher deixa escapar a garrafa de cerveja, que voa longe e espatifa no chão. Quase duas da manhã, reencontro Kelly no fumódromo. Bêbada, reclama do namorado (primeiro de 47, depois de 57 anos), que a trocara por uma menina de 20 (ela deve ter uns 35, pelo menos). “Eu sou feia? Eu sou feia?”, pergunta a todos que entram. “Hoje vou enfiar o pé na jaca”,

promete. Um rapaz, que a noite toda estava sozinho, acompanhado somente de sua cerveja, não perde tempo. Dá tanta trela para a moça que, logo depois, os dois se atracam, aos beijos. A deixa para a minha saída é o início da sessão nostalgia. É o amor, sempre ela, puxa a fila, seguida por O grande amor da minha vida (aquela que a moça manda o convite de seu casamento pro ex, mas rabisca no verso que não o esqueceu) e Evidências (só quero ouvir você dizer que sim!). Hora de ir. Pago a conta – exatos 90 reais – e consigo, novamente, preservar, intacta, a pulseirinha. Vagalume Saio do Alambique pouco feliz com o resultado. Falta alguma coisa, um fato envolvente, arrebatador. Pego um táxi e vou conversando com o motorista. Chegando na Assembleia, pergunto se ele conhece o Vagalume. “Claro, ali perto da Raul Soares”. Toca pra lá. Não é de se espantar que eu não o tenha encontrado antes. Não há placa nem nada que indique do que se trata. Parece um buteco, desses comuns no Centrão, porém de maiores proporções. Ali em frente ao Mercado Novo. Antes de sair do táxi, pergunto se realmente não há perigo. “Claro que não, olha o tanto de gente normal aí dentro”. Dou uma espiada. O taxista e eu temos conceitos muito diferentes sobre pessoas normais. Como diz a música da dupla Fernando e Sorocaba: “É tenso demais!” Logo na entrada, uma estufa com doces. Cocadas, pés de moleque, doces de leite em pedaços generosos. No balcão, quitutes típicos de buteco. Torresmo, frango frito, linguiça calabresa. Só falta o ovo rosa. Mesas espalhadas, umas trinta pessoas sentadas. Mesas comuns,


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5 crédito

de plástico. Perguntei como faria pra entrar no baile: cinco reais. Fui ao caixa. Uma mulher, aí de uns 50 anos, completamente bêbada, discute com a atendente. Deixa a carteira cair no chão duas vezes. Na primeira vez me abaixo e pego, ela sequer me agradece. Reclama que faltam 25 centavos em seu troco, pede uma bala. A senhora do caixa não dá, a mulher sai xingando. Pago os cinco reais da entrada. Rapidamente, um senhor pega o recibo da minha mão e me manda segui-lo. Numa porta improvisada, um rapaz me dá um quadradinho de papelão com o carimbo de uma seta. É minha comanda. Não tem revista, não pedem documento. A única exigência é o pagamento de cinco reais. Entro. Um salão grande, com dezenas de mesas vermelhas, de plástico, espalhadas. Ao fundo, um bar. Vários garçons, de gravatinha borboleta, circulando. Há umas 100 pessoas lá dentro. Perto do palco, vazio – o som é mecânico –, 12 casais rodopiam para lá e para cá. O forró, universitário, não chega a ser contagiante, mas agrada. Não a mim, é claro. Encosto num canto para observar o ambiente. Ao meu lado, uma faixa pedindo desculpas pelo transtorno e que as mudanças (não consegui identificá-las) proporcionarão maior conforto (???) aos frequentadores. Avisto aquele que parece ser o único segurança da casa. Atarracado, deu a impressão de estar com um colete a prova de balas. Do outro lado, pintada na parede, a única identificação do lugar: Vagalume Center Show. Show! Já são 3h, o povo parece cansado. Um sujeito cochilava na mesa. Bermudas, camisas de times de futebol (Atlético, Grêmio, Palmeiras)

Pulseirinhas do Alambique e Galopeira: prova das peripécias do nosso repórter

ou camisetas formavam os trajes masculinos. Bonés de todas as cores são praticamente obrigatórios. As mulheres estão mais à vontade que nas outras casas. A maioria de jeans, uma e outra de vestido. Nas mesas, praticamente só cervejas. O preço é convidativo: R$ 6,00 pela garrafa de 600 ml. No Alambique, uma long neck custa o dobro. Um garçom se aproxima e pergunta se desejo algo. Somente uma resposta: se há problema fotografar o ambiente. Infelizmente, a bateria do meu celular já piscava, o que impede o uso do flash. Faço uma foto. Algumas pessoas olham para trás, me encarando – melhor guardar o celular, não quero importunar ninguém.

Neon dá um clima de “inferninho” ao Vagalume Center Show

Duas amigas passam por mim, em direção ao bar. Uma delas é, certamente, a mais extravagante do lugar. Seus seios, enormes, imploram para saltar do decote. A maquiagem no seu rosto é tanta que não sei dizer se ela tem 20 ou 50 anos. Pega uma cerveja e me encara, como se esperasse uma abordagem. O juízo - e o fato de não ter bebido nada a noite toda - me impedem de fazer qualquer coisa além do devido. Ela passa por mim e volta para sua mesa, perto do palco. Eu não sabia se comemorava ou lamentava. A sensação de deslocamento, que tomava conta de mim, começa a se dissipar quando percebo melhor o local. Aquilo, sim, re-

mete à minha infância, à minha adolescência! Ainda que a música seja ruim, o Vagalume se aproxima muito mais das festas que eu costumava ir que a grandiosidade do Galopeira ou o requinte do Alambique. Até os frequentadores, mais simples, são mais reais. Não estão ali para comprar um espumante, o que atrairia as periguetes em volta. Também não ficam falando sobre o mercado financeiro, para depois choramingarem na porta do Alambique pedindo para que a entrada fosse revertida em consumação. “Quem vai ao Vagalume é autêntico”, concluo junto aos meus botões. 3h30. “Desse mato não sai coelho”, penso. O máximo que pode acontecer de interessante é estourar uma briga – o que tornaria o lugar ainda mais parecido com Resplendor. Como não tenho sequer um cortador de unhas no bolso, resolvo ir embora. Conto os presentes, pouco mais de 70. Um dos garçons lamenta a noite fraca. “É final do mês, o povo está sem dinheiro”. Saio do salão, não sem antes devolver o papelão com a setinha. Queria guardar de recordação, mas não me atrevo a pedir ao porteiro. A senhora que havia brigado pelos 25 centavos capotou em cima de uma mesa. Passo reto e, sem conversar muito, entro no único táxi que está parado na porta. No caminho de volta pra casa, puxo a língua do taxista. Ele conta que o “quente” ali são as noites de sexta e sábado. “Menino, isso aqui lota. Dá meia-noite e já não cabe mais ninguém”. Indago se as confusões são frequentes. “Já teve muita briga, hoje não tem mais. Toda hora a polícia dá um perdido aqui”. Satisfeito, encerro o papo. O trajeto até a Rua da Bahia é curto. Dou uma nota de dez, deixo dois de troco e subo. Hora de dormir.


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Museus

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Projeções do admi

Museus da capital mineira apostam em imersão e interatividade, por meio da tecnologia, para Anita Andreoni Jonathan Goudinho Leilane Stauffer 6º Período

Edição: Dany Starling

Objetos antigos e empoeirados, penumbra, alguém falando horas a fio sobre a história de um artefato, lugar ou momento importante. Depois, exemplos práticos do que foi explicado. Muitas pessoas ainda pensam nestes termos, sobre os museus. Mas um rápido giro por alguns desses espaços históricos em Belo Horizonte mostra uma realidade bastante diferente. Ao lado dos objetos antigos e empoeirados, alguns que mal saíram da caixa de embrulho. A penumbra deu espaço a iluminações mais sofisticadas, e aquele expositor conta, agora, com o auxílio de totens, vídeos, áudios e projeções holográficas. De uns tempos para cá, os museus têm mudado a maneira de se comunicar com o público. As novas formas de interação estão relacionadas com as próprias fases da história desses ambientes. O que era dedicado somente à pesquisa, descobertas científicas e conservação, abriu espaço para fruição da sociedade elitizada até chegar ao grande público. Paralelamente a esse contexto, a efervescência de espaços que se apropriam de recursos tecnológicos

é considerada uma adequação à própria sociedade contemporânea, em um novo modelo de interpretação cultural. “Durante décadas, acreditou-se no objeto como evidência singular que sintetizaria o tempo. Porém, a sociedade atual é menos material e mais processual. Passa a existir uma oportunidade de se interpretar com novos museus esse território narrativo”, explica o museólogo, diretor artístico e designer Marcello Dantas, responsável pela concepção de vários museus no Brasil e no mundo. Na lista, integram o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o Museu do Caribe, na Colômbia, e os projetos do Circuito Cultural Praça da Liberdade. O interesse dos museus nessa sociedade mais processual é evidente no Memorial Minas Gerais Vale, um dos espaços que compõe o Circuito Cultural Praça da Liberdade. Caracterizado como um museu de experiência, em todas as 31 salas espalhadas pelos três pavimentos da antiga Secretaria da Fazenda, há a presença dessa nova possibilidade de narrativa. Já no início da visita, o espectador recebe fones de ouvidos para desfrutar dos diferentes áudios de cada sala. Na Midiateca, o visitante tem a oportunidade de assistir e ouvir materiais de diversos gêneros, desde obras de Bach até curtas sobre índios. No Panteão da Política

Paletós exibidos no Memorial da Vale ganham versos do poeta Carlos Drummond

Mineira, a história da Inconfidência é contada por quadros com os principais personagens dessa importante história, que interagem entre si falando, ouvindo e interpretando. Criado em uma parceria do governo de Minas Gerais com a mineradora Vale, o objetivo do Memorial é resgatar a história e os costumes mineiros, do século XVIII à atualidade, remontando, com instrumentos tecnológicos, cenários tradicionais. “Essa é a dinâmica de uma sociedade em transformação que não tem o objeto mais como centro, mas sim sua contextualização. Os instrumentos tecnológicos são peças importantes para apresentar isso”, ressalta Marcello. Outro espaço cultural que usa a tecnologia como principal ferramenta de comunicação é o “pequeno notável” Museu das Telecomunicações. Os recursos tecnológicos, ali, são ainda mais fortes, já que, em

uma metalinguagem, a história das telecomunicações no Brasil é recontada com recursos tão tecnológicos quanto os protagonistas. Propondo um espaço de interação e convergência entre passado e futuro, o museu – instalado no Oi Futuro – dispensa monitores aos visitantes. Logo na chegada, são fornecidos fones de ouvidos e um pick-up, pequeno aparelho sensorial que ativa o áudio dos vídeos espalhados pelo museu. Equipado com as duas ferramentas, o espectador pode começar a viajar pela história da evolução das telecomunicações. Para a diretora de Desenvolvimento de Linguagens Museológicas da Secretaria de Estado de Cultura (SEC-MG), Andreia de Bernardi, o momento experimentado nos museus de Belo Horizonte é uma reposta conjunta à era tecnológica, à demanda e aos próprios museus, já que muitos deles têm sido concebi-

Memorial Minas Gerais – Vale Praça da Liberdade, s/nº - Lourdes Telefone: (31) 3343-7317 Funcionamento: Terça a domingo Entrada gratuita www.memorialvale.com.br Museu das Telecomunicações Avenida Afonso Pena, 4001, térreo - Mangabeiras Telefone: (31) 3229-3131 Funcionamento: Terça a domingo Obra do fotógrafo Sebastião Salgado conta história da mineração

Entrada gratuita www.oifuturo.org.b

Museu de Ciências Rua Dom José Gasp Telefones: (31) 3319 Funcionamento: Te Visitação: R$ 4,00 Entrada franca par de 60 anos. www.pucminas.br/m


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irável mundo novo

a remontar momentos históricos e se consagrar como espaço de conhecimento e lazer fotos:jéssica amaral

Novos contadores de história Um espaço suntuoso que promete reunir o registro político e histórico por meio de animação, tecnologia e mídias digitais. Esta é a nova proposta do projeto museográfico do Palácio da Liberdade. O espaço, que serviu de residência a vários governadores, passa por reformulação para que, ao final de 2012, os visitantes viajem, através da tecnologia, pela história política de Minas e do Brasil. A reinvenção do espaço, com a arquitetura e a decoração intactas, tem projeto de Marcello Dantas, com a parceria do Governo de Minas e da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), que investirão R$ 800 mil na reformulação.

De acordo com o diretor do projeto, a criação do “novo Palácio” passa pela convicção de que “a presença da tecnologia começa como linguagem do nosso tempo, continua como recurso possível para mostrar o que não é mostrável sem ela e se conclui com a necessidade de criar vínculos com novos públicos”. A partir dessa concepção, diversas mudanças poderão ser observadas nos 30 cômodos do Palácio. “Vou fazer intervenções no mobiliário. Fazer o piano falar, os espelhos lembrarem o quem viram, as bandejas ganharem vida, os portas retratos contarem histórias.” E garante: “vai ser muito sutil e, por isso, legal”.

Diversão e conhecimento juntos

d de Andrade

dos nesse universo. “O fato é que os museus deixaram de ser espaços de silêncio para se tornarem espaços de fala”, destaca. Dentro desse mesmo contexto de inovação estão os bens materiais considerados patrimônios históricos. Para Andreia, “sempre haverá espaço para as relíquias e antiguidades. O que se verá, sempre, são novas formas de se comunicar com o público”. Marcello Dantas concorda com a perenidade das relíquias, e destaca: “Elas podem render mais se estiverem contextualizadas, repletas de novas informações e de uma forma de expansão da percepção do seu valor”. Do contrário, o excesso de tecnologia, apresentando-se como única mensagem entre museu e espectador, pode apresentar problemas. “Há o risco de criarmos simulacros de museus, com a espetacularização da cultura e dos espaços culturais”, aponta Andreia.

O espaço tecnológico e interativo, que transmite conteúdo de maneira lúdica e registra a história, pode ser o mesmo que se consagra como ambiente de lazer. Em Belo Horizonte, o Museu de Ciências Naturais da PUC Minas mostra que aprendizado e diversão podem andar juntos. As instalações, divididas em três espaçosos andares, reúnem coleções de fósseis de mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Sem falar da atenção à astrologia, representada pelo Planetário, uma toca escura onde são projetados estrelas, constelações e planetas. “É um espaço de brincadeira, mas também de aprendizado, sempre incentivando as crianças a aprenderem mais”, compartilha a mãe de Sie Mendes, Salomé Mendes, colombiana que se mudou para o Brasil há dois anos, e

levava o filho para conhecer o museu. Contente com a experiência, ela chega a imaginar a satisfação do pequeno: “É tudo incrível, os bichos são enormes, e ele deve ficar pensando como tudo isso existiu. Se eu, que já sou adulta, fico surpresa, imagina como ele não se deslumbra!”. Orientadas por monitores graduandos da PUC, as visitas são voltadas para crianças, estudantes e adultos. Diversão e conhecimento estão presentes em dois tipos de visitas: a educacional, com o acompanhamento de escolas, e o tour, quando o museu se transforma em espaço de comemoração de aniversários, com direito a piquenique, trilha e escavação. O principal desafio da orientação é revelado pela monitora e estudante de História Laís Maine: “Como a gente recebe di-

versos públicos, adequar a linguagem sempre é importante. Quando vem uma escola, a gente precisa saber o nível de conhecimento dos alunos, para abordar o conteúdo da maneira que eles entendam”. Os museus, quais sejam suas prioridades, “são espaços para fruição, aprendizado e lazer. Não há como dissociar uma coisa da outra”, constata Andreia de Bernardi. “São lugares de interação não só com a máquina, mas com tudo o que aqueles espaços contemplam e envolvem”, continua. E para os próximos anos, Marcello Dantas dá a tônica dos desafios: “Me preocupo em pensar o futuro do processo de inserção do museu em sua sociedade, que lacuna ele vem preencher e como vai conseguir construir vínculos duradouros com o público”. jonathan goudinho

Serviço

br/cultura/museu-telecomunicacoes

s Naturais – Puc Minas par, 290 – Coração Eucarístico 9-4520 / 3319-4152 erça a sábado

ra crianças até cinco anos e maiores

museu No Museu de Ciências Naturais da PUC Minas há fósseis e réplicas de mamíferos, aves, répteis e anfíbios


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Belo Horizonte, dezembro DE 2012

Música

Impressão

Lóvi à mineira DLTH aposta em romantismo, mistura de estilos e parceria inusitada com Odair José fotos: REPRODUÇÃO

Banda belo-horizontina Dead Lover´s Twisted Heart durante show em Madri, em 2011

Fernando Dutra Vânder Júnior 6º Período

Edição: João Luís Chagas

Rebeldia, alegria e amor: esse é o sentimento que marcou o show de lançamento do novo álbum do Dead Lover’s Twisted Heart , ou DLTH, Lóvi. As canções, pré-disponibilizadas pela internet, já haviam caído nas graças do público, que cantou a plenos pulmões as letras em português, uma novidade nas músicas do grupo. Desde o primeiro show, Guto (guitarra/voz), Ivan (voz/guitarra), Vinikov (baixo/voz) e Pat (bateria/ voz) encaram o palco como uma grande diversão que, cada vez mais, exige maior comprometimento dos músicos. O profissionalismo pode ser notado na produção dos discos e do videoclipe da música “Pretenders”. O DLTH começou como uma brincadeira de amigos, uma legítima banda de garagem. Na formação original estavam Vinikov e Ivan, acompanhados do baterista Marcelo Feijão e, posteriormente, do guitarrista Guto. Quando estavam prontos pra lançar um EP com músicas próprias, Feijão pulou do barco e abriu as portas para a mais nova integrante, Pat. A banda definiu o nome, gravou o primeiro disco e fez o show inaugural, no Pastel de Angu, bar em Belo Horizonte.

“Nossas composições eram em inglês e queríamos um nome grande. Daí surgiu alguém, não me lembro quem, com esse nome da canção de Daniel Johnston “Dead Lover’s Twisted Heart”, todo mundo gostou”, conta Vinikov sobre a origem do inusitado nome escolhido. A escolha pelo idioma

estrangeiro, segundo o guitarrista Guto, tinha um motivo puramente estético.“O inglês se encaixava e fluía melhor com o tipo de som, uma mistura de rock, country e folk que fazíamos na época.” Definidos os integrantes e o nome da banda, faltava um lugar para tocar. Nesse processo, a pro-

Capa do disco Lóvi, primeiro álbum do grupo com músicas em português

dutora Jana Macruz tem papel preponderante. Amiga de outros tempos, Jana passou a ficar responsável por agendar shows, procurar novos públicos, auxiliar na divulgação da banda. Desde então, os DLTH já tocaram em diversas casas de shows em Belo Horizonte, São Paulo, Belém/PA, Madri, Lisboa, Paris. A variedade de estilos da banda é uma característica marcante. Nas andanças pelo Brasil e pelo mundo diversas parcerias artísticas foram se desenvolvendo, sobretudo na capital mineira. Destacam-se as feitas com as bandas Graveola e o Lixo Polifônico e Orquestra Mineira de Brega. Mas a de maior destaque é, sem sombra de dúvida, com o cantor Odair José. Além dos diversos shows em conjunto pelo Brasil, o resultado dessa junção do rock com o brega pode ser ouvido em “Eu Tenho”, segunda faixa de Lóvi. No que depender de seus integrantes, o futuro do DLTH é o sucesso. Não necessariamente ser “convidado pra tocar no Faustão” ou ficar “milionário”, mas viajar, ter um público fiel, viver de música e ter reconhecimento do público e de outros músicos. Embora nem todos os integrantes se dediquem exclusivamente à música – como Guto e Ivan – é intenção de todos os componentes que a banda continue e possibilite uma independência financeira e artística dos músicos.


Impressão

Ensaio

Belo Horizonte, dezembro DE 2012

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Lúdica passarela Texto e fotos: Jéssica Amaral 4º Período

“Vocês vão entrar em um mundo mágico” foram as palavras da coordenadora do curso de Design de Moda, Cibele Navarro, antes de os modelos entrarem na passarela para desfilar com os figurinos feitos pelos alunos do curso. E ela tinha razão. As roupas mostraram a bela alquimia entre conhecimento e imaginação, colorindo a passarela com vários temas e conceitos, como moda música e cultura brasileira. As criações empolgaram a plateia, levando a magia da moda a cada um.


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Belo Horizonte, dezembro DE 2012

Você já viu?

Impressão

A reencarnimação de Frankenweenie

fotos: REPRODUÇÃO

André Zuliani 7º Período

Edição: Dany Starling

O ano era 1984. Tim Burton, até então funcionário da Disney, dirigia seu último curta-metragem, antes de iniciar carreira nos longas. Esse derradeiro trabalho foi inspirado no filme Frankenstein, de James Whale, adaptação do romance homônimo de Mary Shelley, lançado em 1818. Frankenweenie foi uma ideia de Tim Burton que se tornou roteiro nas mãos de Leonard Ripps. Era a história da amizade entre um garoto de 10 anos, Victor Frankenstein, e o bullterrier Sparky. Victor não possui amigos, apenas Sparky, que estrela os curtas produzidos e dirigidos pelo garoto. Os pais do garoto se preocupam por Victor passar todo o tempo livre no sótão. O menino é um aluno dedicado. Não tem interesse em esportes, mas adora ciências, estimulado pelo inusitado professor Mr. Rzykruski, que promove uma empolgante feira entre os alunos. Para participar, é preciso que Victor consiga a autorização do seu pai, Mr. Frankenstein, que impõe uma condição: o filho deve ingressar no time de beisebol. No curta, o menino tem amigos e se envolve com o esporte. Já no longa, essas relações ocorrem de forma forçada pelos pais. Victor é obrigado a jogar e fazer amizade com Edgar, um menino corcunda que parece Fritz – o ajudante de Henry Frankenstein no filme de 1931. Edgar e Fritz A maneira como Sparky morre – atropelado por um carro ao buscar a bolinha de beisebol – é comum aos dois filmes de Tim Burton. Até

mesmo o enquadramento na grade dianteira do carro, ocultando o ato, é mantido no longa. Outro enquadramento que foi mantido no filme atual é o da cena em que Mr. Rzykruski ensina aos alunos o efeito da carga elétrica no sistema nervoso, utilizando como cobaia um sapo morto. Nesse momento, observamos as pernas abertas do sapo em primeiro plano e o rosto de Victor em segundo plano, com uma expressão de espanto. É desse exemplo visto em classe que Victor resolve reviver Sparky. Ele criar seu próprio laboratório, ao estilo Henry Frankenstein, porém, utilizando recursos disponíveis a uma criança. Ou seja, utensílios domésticos da mãe, como torradeira, máquina de waffles e liquidificador. Alguns brinquedos antigos, como robô, cavalinhos e uma bicicleta, também são utilizados na construção da engenhoca responsável pela empreitada de reviver seu cão. Com direito a um parafuso no pescoço,Sparky dá sinal de vida sob o lençol branco mexendo a cauda e lambendo a mão de Victor. Com o êxito de sua experiência, Victor certamente ganhará a feira de ciência, mas seu “amigo” Edgar espalha para os outros meninos o experimento frankensteniano. Os garotos, empolgados com a experiência, vão até o cemitério de animais da cidade e resgatam seus bichos de estimação para dar-lhes vida. O que se tem a seguir é toda a meninada reanimando suas tartarugas, ratos, morcegos, hamsters e seamonkeys (uma espécie de camarão), para concorrer à altura com Victor pelo troféu. De forma catastrófica, devido a uma enorme descarga elétrica, ao invés desses animais se tornarem familiares

como eram, transformam-se em aberrações. Talvez até uma homenagem de Tim Burton a monstros famosos que povoaram sua infância. A enorme tartaruga se assemelha a Godzilla; o rato mais lembra um lobisomem; morcego e gato entraram em fusão e se metamorfoseiam em um vampiro; o hamster vira uma múmia e os seamonkeys se transfiguram em gremlins. Quem assistiu ao curta há 28 anos e gostou, agora poderá se divertir com o longa. Com o acréscimo de quase uma hora, o novo trabalho de Tim Burton consegue explorar melhor a trama, enriquecendo-o com diálogos interessantes e irônicos, como na cena da reunião dos pais para definir se o professor de ciência será expulso ou não do colégio. Ao se defender, Mr. Rzykruski diz aos pais, de forma nada didática, que não pode abrir a cabeça fechada deles, mas que pode abrir as de seus filhos. É acrescentada à trama um relacionamento amoroso entre Sparky e Persephone, uma cadela da raça poodle. No curta, a aparição de Persephone (já com as mechas brancas) se dá somente no final da trama. No longa, a relação entre os enamorados é narrada desde o início, nos mostrando que foi amor desde o primeiro toque de focinhos. É possível descobrir, no novo filme, como a poodle negra adquiriu “mechas” brancas, deixando-a com um visual gótico. Outro elementos que os filmes têm em comum é a cena derradeira, no moinho, na qual criatura e criador entram na moenda, fugindo da população revoltada, com tochas em punho. A multidão em frenesi com as atitudes do mostro e, com o intuito de dar fim à criatura, ateia fogo ao moinho.

O que poucos sabem O filme retrata a infância de Tim Burton. O personagem de Victor é um alter ego do diretor, que fazia curtas em Super 8 aos treze anos de idade, visto que o seu terceiro curta foi feito utilizando a mesma técnica do seu atual filme o stop-motion. Naquela ocasião o pequeno Burton utilizou um modelo de homem das cavernas. Frankenweenie é um neologismo que mistura franken (Frankenstein) e weenie (que pode significar cachorro quente em inglês) uma brincadeira com a possível temperatura que o cão Sparky chegou ao receber a descarga elétrica. Persephone é nome da rainha do submundo conhecida por sua beleza estonteante. Os filmes de Tim Burton, tanto o curta quanto o longa, são fiéis ao nome original do personagem Victor Frankenstein, do livro de Mary Shelley. Já o famoso filme Frankenstein de James Whale o nome foi alterado para Henry Frankenstein. Frankenstein, ao contrário do que a maioria pensa, não é o nome do monstro, mas sim do seu criador. O personagem interpretado por Boris Karloff no filme de 1931 chama-se The Monster, assim como no livro da autora britânica. No filme de James Whale, o estudante de medicina Henry Frankenstein possui um ajudante chamado Fritz, que a mando de seu chefe rouba um cérebro anormal ao invés de um normal na universidade, para Frankenstein usar em sua criação. No livro de 1818, não há um ajudante e muito menos o episódio do cérebro trocado.


Impressão

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Belo Horizonte, dezembro DE 2012

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Carlos Eduardo Novaes debocha do Brasil collorido Em tempos de julgamento do mensalão e da possível prisão de personagens considerados intocáveis, vale a pena ler, ou reler, as crônicas irônicas e demolidoras do cronista carioca fotos: REPRODUÇÃO

Patricia Ferreira de Souza 7º Período

Edição: João Luís Chagas

Em O País dos Imexíveis (Editora Nórdica, 1990, 176 p.) Carlos Eduardo Novaes, critica, de forma irônica e bem humorada, os caminhos turbulentos trilhados pela política e pela economia brasileira há cerca de 20 anos. Num país onde nada mudava, o autor usa o neologismo imexível, criado pelo ex-ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, para referir-se ao plano econômico do governo Collor. Predominam na obra a crítica e o sarcasmo. Por meio de uma provocação divertida, o leitor é envolvido em temas complexos, mas que se tornam entendíveis, mesmo para quem conhece pouco de política e economia, devido à linguagem leve e acessível. [...] Não fazemos a Revolução Francesa porque Sarney Capeto não repete a mancada de Luís XVI que, em meio à crise, convocou os Estados Gerais, uma assembleia composta de 1.200 representantes da nobreza, do clero e do resto. Sarney Capeto sabe que, em momentos de crise, quanto mais gente reunida, pior. Limita-se a convocar seus amigos do peito ou seus Ministros da área econômica. [...] (1990, p. 19) A crônica que abre o livro, “A língua oficial”, explica de forma cômica, como, durante algum tempo, o economês quase tomou o lugar do português. O autor apresenta uma situação em que um casal usa diversos jargões deste campo para a conquista. [...] - É natural – admitiu ela. – Há um grande desequilíbrio entre a oferta e a procura. Os homens não parecem interessados em aplicações em longo prazo. Além disso, sofri uma queda e tive um corte no orçamento direito. [...] – Por que não saímos daqui? Vamos lá pra casa. Podemos fazer um programa de ajuste fiscal. Talvez eu possa lhe abrir uma nova linha de crédito. Vamos. Prometo que não lhe envolverei com ações ordinárias.[...](1990, p. 8) Apesar de terem se passado mais de vinte anos do lançamento do livro, diversos assuntos aborda-

dos por Novaes permanecem atuais. Um exemplo claro é a crônica “A Guilhotina Brasileira”, que demonstra a ineficiência da máquina administrativa brasileira, que, com os entraves impostos pela sua tradicional burocracia, atrapalham o crescimento do país. Também muito bem-humoradas são as ilustrações feitas por Vilmar Rodrigues, que abrem o livro de forma irreverente já na ilustração da capa, onde a letra “i” é roubada, numa alusão à realidade política e econômica do país, marcada por desonestidade e corrupção. Jornalista e advogado, Carlos Eduardo Novaes foi um dos cronistas brasileiros mais publicados das décadas de 1970 e 1980, com destaque para as obras O caos nosso de cada dia (1974), O quiabo comunista (1977), Deus é brasileiro? (1984) e O Day After do Carioca (1985). Escreveu também romances, peças teatrais e obras infantojuvenis. Embora um de seus temas prediletos seja a política, Novaes não deixou de se aventurar nesse campo, quando assumiu a Secretaria de Cultura da cidade do Rio de Janeiro, no início da década de 1990.

Novaes: um dos principais cronistas brasileiros das últimas décadas


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Belo HoRIzonte, dezemBRo de 2012

Crônicas

ImpRessão

Nada será como antes

Priscilla Fujiwara 7º PeríoDo

Vou contar uma história. A história da estrada, do pó, da poeira e da ventania. Ela se passa pelo bairro “Santê” dos belo-horizontinos;ou Santa Tereza, para os demais mineiros ou estrangeiros. Durante a década de 60 e 70, Santê foi um importante ponto de encontro de artistas e boêmios, onde de tudo se fez canção. Há mais de 40 anos, da amizade de Milton Nascimento, Wagner Tiso, Lô Borges, Fernando Brant, Toninho Horta e tantos outros, surgiu o Clube da Esquina. Tinham muito em

comum e o que compartilhar. Todos tinham o mesmo sol na cabeça e pegavam o trem azul. O clube não era um local, mas um encontro, um movimento, uma pororoca musical. Não tinha regras e nem burocracia, todos podiam contribuir e todo talento era bem-vindo. Juntaram-se ao grupo mais de 40 compositores, músicos, colaboradores e intérpretes, de vários lugares e, despretensiosamente, foram fazendo música. Se tivesse uma sede, ela seria entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, perto da casa de Lô. O contexto no Brasil era de ditadura militar, e direitos básicos como

liberdade de imprensa e de expressão eram fortemente podados. Os movimentos culturais eram reprimidos e usavam a poesia para se expressarem por meio de metáforas. A música era uma resistência. Já nos Estados Unidos, o movimento hippie ganhava força, assim como o movimento feminista e os beatniks. Na Europa, os estudantes se juntavam aos trabalhadores e foram para as ruas reivindicar seus direitos. Na França ocorreu o lendário maio de 1968. Em meio a tanto rebuliço, censura e repressão, esses jovens se encontraram, fortaleceram seus laços e, por consequência, a afinidade musical e política. Uma das materializações mais importantes deste momento é o disco Clube da Esquina (1972), bem como seu segundo volume, de 1978. Ambos emblemáticos na história da música nacional e contestatórios na medida do impossível. Com pé na estrada e sem notícias dos amigos, o Clube fazia música. Resistiam na boca da noite com gosto de sol. Não perguntavam mais aonde vai a estrada. Plantavam

o trigo e repartiram o pão musical. Aqui os mineiros sabem cada estrofe e suspiram que o girassol é da cor do seu cabelo, sorriem, fecham os olhos e relembram coisas que a gente se esquece de dizer, com uma naturalidade particular que só quem nasce aqui é que tem. Um sol na cabeça é para poucos. Sou uma forasteira em Minas. Gostar obsessivamente de pão-de-queijo e do Clube da Esquina são predileções que vemos somente aqui. Essas mineiridades se adquirem hereditariamente. E ressalto, não é morar em qualquer lugar de Minas, precisa ser em Belo Horizonte, a cidade em que se ouve mais Clube da Esquina por metro quadrado. Vocês não querem acreditar, mas isso é tão normal. Não há como nunca ter ouvido nada deles. Onde quer que se vá, uma de suas músicas é tocada e é inevitável a pergunta: esta também é do Clube da Esquina? Costumo dizer que só os belo-horizontinos conhecem todos os versos do grupo, todas as curiosidades das ladeiras de Santa Tereza, histórias dos quintais da casa dos Borges ou das noitadas criativas no Edifício Levy. Nós, os estrangeiros, gostamos imensamente da mistura de música popular, do jazz e rock dos Beatles, com a erudição de Wagner Tiso e a poesia de Milton e Lô Borges, mas nunca saberemos o que é ser cria cultural musical deste momento histórico. Ainda hoje, hora ou outra cruzamos com eles pelos bares. Quando menos se espera, somos testemunha dos reencontros desta amizade. A pororoca cresceu. Filhos, sobrinhos ou netos têm, no sangue, a música. Os sonhos não envelhecem, mas nada será como antes.

Minas no plural Jonathan Goudinho 6º PeríoDo

Dia desses saiu no jornal que Minas Gerais pode ser dividida em duas: a parte rica e a parte pobre. Normal, não é? Se nas nossas famílias têm sempre aquele primo rico, que ganha mais, mora melhor e é mais feliz, por que cargas d’água não seria assim também no estado, um grande conjunto de famílias de primos ricos e primos pobres? É por isso que digo: normal. Mais normal ainda é ver como é essa divisão assimétrica. Na Minas Rica está o Triângulo Mineiro, é claro. É só fechar os olhos que consigo ver as maravilhas das cidades do nariz de Minas. Araxá, “lugar onde primeiro se avista o sol”, com Dona Beja e aqueles doces de fazer qualquer diabético querer morrer em uma overdose de degustação de açúcar. Uberaba, a cidade do zebu, com seus clássicos eventos que reúnem o que há de mais elegante por aquelas bandas,

tanto das pessoas, quanto dos touros. E não dá pra pular Uberlândia. Ah, Uberlândia, com toda sua tradição cultural e o famoso sotaque que, na cabeça dos forasteiros, é o de toda Minas. Essas cidades exalam riqueza. E não é pra menos. Mas não se empolgue. Se você fica admirado demais com os primos ricos, sinto lhe dizer, mas você está no grupo dos pobres. Eu estou. Quer dizer, pensando bem, estou mesmo é na meiúca: Beagá é bem rica, mas não tem os doces mais saborosos, os zebus mais elegantes, tampouco o sotaque que ganhou o imaginário dos não-mineiros. Mas não me importo, estou bem aqui. Pode ser um pouco incômodo, mas chegou a hora de falar da parte menos abastada, diriam. Prefiro dizer Minas Pobre. É mais chocante – e mais verdadeiro. Ela está pelas bandas do lado direito, com um histórico de degradação ambiental, o que explica muito da sua situação. Momento de reflexão: não vejo ricões por aí jogan-

do papel no chão. Pense nisso. De volta a nossa Minas Pobre, lembro aqui que certa vez me embrenhei pelos rincões do Jequitinhonha, lugar de gente sofrida, queimada pelo sol. Aliás, que sol. Não sei não, mas a julgar pelo que diz a Bíblia, o calor de lá parece uma amostra grátis do inferno. Só que com pessoas legais. Sim, porque apesar do sofrimento e da pobreza, o povo é bom, é batalhador, é cheio de experiências. Contando isso, me vem à mente a história de uma jovem, a Iracema, que aos 26 anos já tem que cuidar de dois filhos. Aos 12 anos Iracema interrompeu os estudos, saiu do Jequitinhonha e foi tentar a vida em Montes Claros. Não deu muito certo. Resolveu arriscar mais: foi para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar como cuidadora de idosos. Sofreu um bocado lá, perdida em meio a aura cafajeste da cidade. Voltou pra sua terra aos 19, quando se casou. O marido também, trôpego da vida, teve que sair

em busca de uma existência melhor. E isso quer dizer aqui, qualquer coisa a mais que os R$250 que ele recebia mensalmente. Foi para Portugal, mas a maré por lá também não está pra peixe. Juntou um dinheirinho, porém voltou para receber os mesmos R$250 de outros tempos. Lembro dos olhinhos de Iracema lacrimejarem ao me contar: - Lá em casa, eu, o Erici e as crianças comemos arroz, feijão e verdura. Fruta também. Mas carne mesmo que é bom e os meninos gostam, só uma vez por mês. Não foram só os olhos dela que marejaram. Os meus também, fato. Não tenho saudade de lá: do calor infernal, do olhar sofrido de Iracema. Tenho saudade de lá: da gente sofrida, mas ‘indesistível’; da gente sem perspectiva, mas nunca sem esperança. Depois de toda essa viagem, o que de fato sei é que, mesmo que fosse Mina Geral o nome do nosso estado, ele teria que ser dito no plural.


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