Edição 192 - Caderno 2

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DO!S

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 30 • número 192 • Julho de 2013 • Belo Horizonte/MG


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Literatura

BeLo HorIzonte, juLHo de 2013

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e vai ter festa no planeta B 612! O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, completa 70 anos de lançamento Cláudio Dornellas Helen Araújo 6º PeríODO

edição: André Zuliani

Podem preparar o bolo, balões e docinhos. Vai ter festa no menor planeta habitado do mundo dos contos. Em 2013, o livro O Pequeno Príncipe, um dos mais vendidos e consagrados de todos os tempos, completa 70 anos de lançamento, com todo vigor e com público cada vez mais fiel e apaixonado. Clássico que por muitos foi considerado um livro do segmento da literatura infantil, a obra-prima do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, lançada no ano de 1943, completa sete décadas, contando a história de um príncipe que habitava o planeta-asteróide chamado B 612 – que, para além da ficção, foi realmente descoberto por um astrônomo turco - e sua busca por um novo lar para uma rosa vaidosa. O Pequeno Príncipe consegue aliar o sucesso comercial com o conteúdo, sendo admirado por fãs que não são apenas os pequeninos. Concorrendo no mercado literário com obras de todas as espécies, o livro ocupa um lugar de respeito em qualquer livraria que se preze, em qualquer lugar do mundo. O sucesso atemporal é claramente demonstrado pelos números de vendas - até o momento já foram vendidas mais de 150 milhões de cópias em todo o mundo, sendo oito milhões só no Brasil. A obra já foi traduzida em mais de 220 línguas, ficando atrás apenas da bíblia. E não para por aí. Segundo a lista do jornal francês Le Monde,, sobre as 100 obras mais importantes da história, O Pequeno Príncipe galgou o 4º lugar, ficando atrás do Nobel de literatura Albert Camus com o livro O Estrangeiro, de Marcel Proust com Em Busca do Tempo Perdido e de Franz Kafka, com O Processo.. Isso sem contar as vendas de produtos dos mais variados tipos e as licenças para desenhos animados e filmes. E por falar em filmes, O Pequeno Príncipe foi levado às telonas em 1974, pelas mãos de Stanley Donen, nada menos que

o diretor de clássicos do cinema como Cantando na chuva, Cinderela em Paris, Sete noivas para sete irmãos e Charada. Segundo a Editora Agir, que detém os direitos da obra no Brasil, o livro continua sendo um sucesso de vendas e está sempre entre os mais vendidos, incluindo os lançamentos e os chamados best-sellers. “É um livro muitíssimo importante para a editora Agir, assim como para toda a Ediouro Livros (que hoje detém os direitos sobre a obra, no Brasil, após incorporar a editora Agir). Está sempre entre os cinco mais vendidos da editora, apesar de todos os outros lançamentos”, informa Daniele Cajueiro, gerente editorial da Nova Fronteira. Da guerra ao céu

Antoine Jean-Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry era, além de escritor, aviador. Pilotando aviões da força aérea francesa, foi combatente durante a Segunda Guerra Mundial. Antes de escrever

sua obra mais famosa, Exupéry escrevia sobre guerra e sobre aviões (que era uma de suas paixões, assim como a literatura). Durante uma de suas viagens entre Paris e Saigon, seu avião foi forçado a aterrissar em um deserto próximo a cidade do Cairo. Durante cinco dias, ele percorreu sozinho o deserto até ser encontrado por uma caravana de nômades que o socorreu. Essa aventura é apontada como uma das mais prováveis fontes para a criação da história. Algumas outras curiosidades e mitos cercam a origem da obra. Uns dizem que Saint-Exupéry teve a ideia de escrever o livro após receber a visita de uma amiga, a atriz francesa Anabella (13 rua Madelleine; O milhão), que buscava entretê-lo con-

tando a história de A Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen, enquanto ele estava internado em um hospital. Como algo escrito nas estrelas, um outro amigo, o cineasta René Clair, levou de presente uma caixa de tintas aquarela. Exupéry as usaria para fazer as ilustrações originais do livro, que foi primeiramente lançado nos Estados Unidos, em 1943, e somente três anos depois na França, em consequência da Segunda Guerra Mundial. Durante anos, O Pequeno Príncipe foi apontado como o livro de cabeceira de misses de vários países mundo afora. Por trazer uma mensagem que leva à busca de um mundo melhor por quem o lê, o livro encantava as belas moças e tornou-se, por certo tempo, motivo de chacota, talvez pelo fato das misses sempre pregarem a paz mundial e o amor entre os povos, mesmo sendo algo utópico e impensado por muitos, passando um ar de ingenuidade. De certa maneira, o livro traz consigo uma imagem que marca justamente pelo seu lado crítico aos valores pessoais. Para o mestre em literatura brasileira e professor universitário Edmundo de Novaes Príncipe, Gomes, O Pequeno Príncipe ou como é tratado por ele, Le Petit Prince (título original em francês), revela a importância atemporal da obra, quando se trata da crise de valores por qual o mundo moderno passa. “A idade do livro e o fato de até hoje fomentar a crítica e a indagação, revela, além de sua importância inquestionável, a atualidade de muitas de suas propostas. Sobretudo em um mundo no qual valores humanistas, como aqueles ensinados


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Literatura

Belo Horizonte, juLho de 2013

LUISA AMARAL

Personagem de Saint-Exupéry foi o tema principal do stand da editora, no Salão do Livro Infantil no Rio de Janeiro, em junho

pelo principezinho, vão pouco a pouco diminuindo,” analisa Edmundo. Com o passar do tempo, também se desfez outro mito em torno dele. Por muitos anos ele foi considerado um livro de literatura infanto-juvenil, por conter uma história do estilo fábula ou conto de fadas. A obra se consolidou e se destacou, demarcando e criando uma identidade própria, carregando em si uma grande carga de ensinamentos e, para muitos, verdadeiras “lições de moral”. Segundo a doutora em literatura e professora universitária Ana Rosa Vidigal, o livro não pode ser considerado apenas como um livro feito para crianças, mas para o público em geral. “Na verdade, não veio ao Brasil como literatura infanto-juvenil. Veio como prosa-poesia para adolescentes e jovens adultos. A proposta é metafórica, há personagem infantil, mas isso não quer dizer que é para o público infantil,” esclarece Ana Rosa. Mesmo sendo uma obra com 70 anos de “idade”, O Pequeno Príncipe

ainda conta com uma legião de fãs por todo mundo e também em território brasileiro. A página oficial no facebook (facebook.com/opequenoprincipe) conta hoje com nada menos que 1,2 milhões de curtidas e também com um perfil no twitter (@opeqprincipe) atualmente, com mais de 100 mil seguidores. As frases do autor e suas referências são amplamente disseminadas em posts nas redes sociais. Uma das mais famosas e utilizadas é a “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Há também uma loja virtual, que conta com uma grande linha de produtos como relógios, roupas, brinquedos e joias. Festejos pelo mundo

Na França (país de nascimento do autor), será lançada uma nova biografia de Saint-Exupéry. Também estão programadas o lançamento de um e-book, de uma nova edição do livro e também de mais um episódio do desenho animado, que já foi exibido em centenas de países pela Nickelodeon

(no Brasil, faz parte da programação do Discovery Kids). Já está em andamento uma exposição na sede da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), em Paris, que dá ênfase aos valores do Pequeno Príncipe, tratando-o como “um menino protetor do planeta, da paz, da harmonia, da infância”, segundo a entidade. E para coroar as festividades, a Fundação Antoine de Saint-Exupéry prepara uma edição especial do livro para crianças cegas, em braile e com ilustrações tridimensionais. Segundo a fundação, a edição será capaz de compartilhar a magia e o sonho deste mundo dos contos. Desta maneira, o legado principal buscado pelo autor irá se propagar a todos, levando sua mensagem de um mundo melhor, sem barreiras. Como dito por ele, “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.

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Música

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O cemitério das almas perdidas Lei do Silêncio diminui as oportunidades de emprego para músicos de Belo Horizonte Asley Gonçalves Carlos Daniel 6º Período

Edição: André Zuliani

O que diriam Eduardo e seus amigos se o encontro tivesse sido marcado para 2013? Com certeza, a ânsia cosmopolita dos jovens personagens de Fernando Sabino, que sonham com a música, com a literatura, com a grandeza e com a glória daria lugar à frustração e a angústia. Durante o dia, Belo Horizonte mostra sua agitação pelas ruas, prédios novos, gente andando para lá e para cá, como se realmente tivesse urgência de ir a qualquer parte. Em contrapartida, à noite, quando os jovens buscam nos bares os valores autênticos no mundo e respostas que só podem ser dadas na boemia, a capital mineira é um quadro triste, não por ser a mesma dos anos quarenta, pacata e modorrenta, mas violenta e provinciana. Sem o brilho das luzes dos cabarés, sem a música dos bares, sem o ruído da vida que pulsa nos dedos do tocador e na garganta do trovador. Cabem aqui, todos os discursos - existencialista, psicanalítico, político, ideológico e literário - que encontramos na obra de Fernando Sabino. Entre a gama de músicos que trabalham em Belo Horizonte, a opinião é quase unanime. Para eles, a lei que proíbe - ou regulamenta como queiram -, a música

em BH, chamada Lei do Silêncio, é um equívoco, uma imposição ditada pelos preconceitos. A moral burguesa. As convenções sociais. O lugar-comum. Uma castração poética e artística. Uma navalhada dos donos da vida na manifestação espontânea de uma geração espezinhada por uma vereadora fascista, tirana, e reacionária. A música assassinada em cada boca. Desde que a nova lei entrou em vigor na capital mineira, a partir das reivindicações da vereadora Elaine Matozinhos, o músico que depende do gênero “barzinho” para mostrar sua arte e garantir seu sustento, passou a vagar por um bosque tenebroso, sem esperança e sem apoio. As oportunidades de trabalho se afunilaram e, pra piorar, a concorrência triplicou. Dessa forma, a cidade dos botecos, que em outros tempos abrigava nas esquinas verdadeiros clubes e palcos a céu aberto, atualmente se caracteriza por ser uma capital intolerante, que se apoia em um regulamento extremamente parcial e arbitrário. Apropriou-se de um silêncio sepulcral, no qual almas penadas que carregam seus instrumentos além e aquém da Contorno, não encontram amparo e acolhimento. São forçados a disputar espaço em casas noturnas claustrofóbicas e na maioria das vezes inacessíveis, levando em consideração que elas preferem contratar bandas ao invés de um solista violonista. Esses

músicos vivem um hiato, uma angústia permanente que parece não ter solução aparente. Ao ser questionado sobre as mudanças que a “maléfica” lei trouxe para sua vida, o músico Bruno Pereira se mostra prudente, “a lei deve existir e deve ser cumprida, mas essa lei do silêncio precisa ser revista, pois ela só favorece um dos lados”. Segundo ele, quando a fiscalização aparece, não é só o músico que deixa de produzir, toda a firma que depende daquele momento de entretenimento também está sendo prejudicada. “Garçons, churrasqueiros, donos de bar, todos perdem”, diz ele. Para o conselheiro municipal de cultura e músico, Fernando Barbosa, ainda falta estrutura para a prefeitura lidar com a situação. “Esse é um conflito que existe em qualquer comunidade. Diante disso, o melhor a ser feito seria uma reunião entre a turma do ‘barulho’, os órgãos de fiscalização e a população em geral, para que dessa forma cheguem a um acordo,” esclarece. Barbosa é bastante categórico ao dizer que, “além de todos os prejudicados pela lei do silêncio, o mais castigado com certeza é o músico.” E acrescenta que, “mesmo sendo reconhecido profissionalmente, o músico é o menos favorecido em todos os setores trabalhistas, o músico não tem direito nenhum.” Mostrando uma luz no fim do

túnel, Fernando também comentou a respeito de uma futura solução, ou algo que ao menos amenize os problemas do cenário atual. De acordo com ele, uma nova tecnologia vinda da Alemanha promete revolucionar o sistema de isolamento acústico em espaços abertos, reduzindo a quantidade de ruídos em até 20%. “Esse tipo de tratamento acústico já esta sendo usado no município e o prefeito já tomou conhecimento dele. Acho que uma nova legislação atuando juntamente com essa nova descoberta pode ser a chave para solucionar o problema,” orienta Barbosa. Para que BH não venha se consumar, em um futuro breve, como a capital mundial do veto musical, as autoridades certamente devem agir de forma mais imparcial, considerando que a categoria é um mercado que movimenta a economia da cidade e do país. De acordo com o site do governo, o setor cultural está com uma média anual de 6,13% e representa 8,5% dos postos de trabalho, nos quais se inclui os espetáculos musicais. Não dá pra fechar os olhos e acomodar os ouvidos diante de dados como esses e de silêncio como este. Dezenas de pessoas não podem ser prejudicadas profissionalmente por consequência de um vizinho incomodado ou de mal com a vida. Sendo assim, em um condomínio, na maioria das vezes há apenas um delator.

reprodução

Marginal

Nova legislação restringe trabalho dos músicos na noite da capital mineira

Dentre todos os constrangimentos pelo qual o músico passa no momento de conflito com a vizinhança, para o cantor e compositor bastante respeitado no cenário cultural da cidade, André Luz, o pior de todos é ser denunciado e não ter conhecimento de quem efetuou a denuncia. “Isso é coisa do disque denúncia, coisa pra bandido, e definitivamente, músico não é bandido, trabalha de forma honesta e digna”. André mostra extrema revolta e descontentamento com essa procedência da fiscalização, sentindo-se marginalizado e desrespeitado como cidadão. Apesar da maioria dos músicos acharem que a questão deve ser amplamente debatida com a sociedade envolvendo a categoria e os comerciantes, ninguém na Câmara de vereadores se manifestou a respeito do assunto. Quem sabe, daqui a 20 ou 30 anos, teremos um encontro marcado com o silêncio dos ignorantes diante de outra realidade metropolitana.


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Outras prosas

Impressão

Histórias de qu

Em entrevista ao Impressão, Almir Sater relembra fatos importantes de sua André Zuliani 6º Período

Edição: Dany Starling

É impossível falar em moda de viola e música caipira no Brasil sem mencionar Almir Sater. Assim como Renato Teixeira, Inezita Barroso, Tião Carreiro e outros mestres, Sater é um dos ícones do instrumento no país e responsável por viva a chama da música sertaneja dita de raiz. Nascido em Campo Grande (MS), em 1956, Almir Sater tinha pouco mais de vinte anos quando desembarcou em São Paulo em 1979, logo após ter abandonado o curso de Direito. Seu primeiro disco, Estradeiro, de 1981, contou com a participação de amigos, como Tetê Espíndola, Paulo Simões e Alzira Espíndola e de seu mentor e ídolo, Tião Carreiro, e revelou a música “Luzeiro”, escolhida como tema de abertura do programa Globo Rural. De lá pra cá, foram mais dez discos solo, além de inúmeras participações como convidado. Dono de sucessos como “Chalana”, “Tocando em Frente” e “Um Violeiro toca”, Almir alcançou fama nacional em outra seara, a televisão. Em 1991, interpretou o peão Zé Trindade, na novela Pantanal, da extinta TV Manchete. Seu desempenho marcante lhe valeu um convite para protagonizar outra novela no canal, A História de Ana Raio e Zé Trovão. Em 1996, já na Globo, deu vida ao violeiro Pirilampo em O Rei do Gado, onde fez uma dupla inesquecível com Sérgio Reis, o Saracura. Almir Sater recebeu o IMPRESSÃO no último mês de abril, pouco antes de sua apresentação no Palácio das Artes. Na entrevista, ele falou sobre o atual momento da música brasileira, suas influências, a ligação que teve com Tião Carreiro e o que os jovens violeiros devem fazer para ter sucesso na música caipira.

IMPRESSÃO: Muitas pessoas pensam que a viola é um instrumento de senhores de cabeça branca e que está quase extinta. Como você vê o cenário atual da viola caipira? Almir: A viola é bandeira brasileira e deve ser estudada, aprendida e respeitada como tal. A escola de Tião Carreiro, o rei do pagode, é a mais bem representada e a mais popular. A meninada gosta de tocar os pagodes que ele compôs. Tião Carreiro era um homem sistemático, simples e que não pareava com seu parceiro Pardinho. Você teve a oportunidade de conhecê-lo e mais que isso, a honra de tocar com ele. Como era o Tião Carreiro?

O Tião era um homem sério. Mas, ao mesmo tempo, uma pessoa muito simpática, gentil, de poucas palavras, pouca prosa. Ele não ficava em um lugar no qual não gostasse. Se algo o desagradava, ele simplesmente se levantava e ia embora, sem conversa. Certa vez, vendo Tião sair de casa apenas com a roupa do corpo para viajar em uma semana de shows pelo Brasil, sua esposa lhe questionou por que não estava levando uma muda de roupas. E Tião respondeu: “Pra que roupa, mulher? O povo quer ver é a viola, não eu”.

(risos) Ele era assim mesmo. Me ajudou muito no início da minha carreira. Foi

o Tião que abriu as sertanejo pra mim, q reduto dos caipiras e acho até que ele gos mais comigo, com a que com o meu estilo questão mesmo de em

Por falar nisso, meçou, no princ de 1980, o cenár completamente d Como acha que se dias atuais, domin nejo universitário

Se fosse hoje, eu nem em tocar viola (risos). violeiro, a única cois car viola. É lógico qu biente era mais prop o dom e gosta não p um preconceito con considerado por mui Então eles substituíra

“A viola é ban brasileira e de estudada, apre e respeitada c Qual o caminho por quem deseja viola?


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outras prosas

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uem ama a viola

a carreira e confessa seu amor pela música caipira fotoS: BRUNA CRIS

A primeira lembrança que tenho do Almir Sater é de quando eu tinha entre quatro e cinco anos. Nessa época, ganhei do meu pai minha primeira vaca, batizada por ele de Chalana, igual ao nome de uma famosa música que Almir gravou, sete anos antes de eu nascer, no seu primeiro CD, Estradeiro, em 1981. Quando consegui entrevistar Almir, no intervalo entre a passagem de som e o show no Palácio das Artes, duas coisas me chamaram a atenção: primeiro, o carinho que ele tem com sua viola e segundo, a tremedeira que tive nas mãos, incontrolável, igual queixo de menino que sai da piscina.

s portas do universo quando me levou ao em São Paulo. Aliás, stou e se identificou a minha pessoa, do o de tocar viola. Uma mpatia pessoal.

quando você cocípio da década rio da música era diferente do atual. eria começar nos nados pelo sertao?

m iria me aventurar . Brincadeira, eu sou sa que sei fazer é toue antigamente o ampício, mas quem tem pode abandonar. Há ntra o termo caipira, itos como pejorativo. am pelo sertanejo.

ndeira eve ser endida como tal” a ser percorrido aprender a tocar

Pra se tornar um bom violeiro é preciso tomar nota em duas escolas. A de Tião Carreiro, famoso pelos pagodes, um estilo virtuosista tanto na letra quanto nos acordes, que tende para o gracioso e encerra com certa bravata, o que exige muita habilidade do violeiro, e a do Renato Andrade, que foi um violista e instrumentista que ponteava de forma única. O ideal é ouvir as duas correntes, pois eles se completam. Tião Carreiro levou a viola brasileira até mesmo para outros países. Você fez shows no exterior? Como os estrangeiros recebem nossa música caipira?

Até já fiz um show em Assunção, mas a época não era favorável por causa da ditadura [de Alfredo Stroessner entre 1954 e 1989]. Alguns paraguaios já gravaram músicas minhas, mas depois dessa curta experiência, de lá pra cá, nem arrisquei mais sair do Brasil pra fazer shows. Toco mais é aqui em Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Paraná e Mato Grosso. N.E. Almir Sater foi modesto ao falar de sua experiência internacional. Em 1989, ele foi convidado para cantar em Nashville, cidade berço da música country norte-americana. Até hoje, ele foi o único brasileiro a se apresentar por lá. Por falar em shows, há um site não oficial seu (www.almirsaterbrasil.com.br), que não possui a sua agenda. Como o público descobre sobre suas apresentações?

Pois é, tem esse site mesmo que você citou, que é uma mulher que administra, mas nem a conheço, não tem nenhum tipo de vínculo comigo. Não quero ser responsável pelo que escrevo. Já sou responsável por tanta gente e ainda ficar preocupado com o que escrevo, então prefiro deixar pra lá.

Após verificar, corrigir e deixar os instrumentos “na ponta dos cascos”, Almir colocou a viola no estojo, levou-a para o camarim e pousou-a em uma cadeira próxima Depois desse ritual, partiu uma maçã, deixou um pedaço cair no chão e, enfim, sentou-se para a entrevista. Meu nervosismo só diminuiu quando terminamos a conversa. Felizmente, ela fez valer a pena toda a papagaiada de um produtor do Palácio das Artes, que fez de tudo para dificultar a entrevista, mesmo depois do Almir confirmar pessoalmente que estava tudo combinado. É muito cacique pra pouco índio!

Tem alguma música te emociona?

Olha, música é de momento, depende do jeito que é tocada, cantada, do timbre de voz, da interpretação. Eu gosto muito das músicas do Geraldo Espíndola, meu conterrâneo. Até toco algumas composições dele nos meus shows.


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ensaio musical

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De mamando

Interesse pela viola caipira é resgatado por nova geração de músicos e instrumentistas. André Zuliani 6º PeríODO

edição: Dany Starling

A música caipira, primogênita entre os gêneros musicais brasileiros, surge em nosso país, assim como nossa população, de forma “miscigenômica”. O som da viola ecoa em terras tupiniquins, vindo do dedilhar dos portugueses, e perfura as matas, ressoando até alcançar a primorosa audição dos índios. Curiosos, eles se alegram com o som daquele instrumento e começam a dançar. É o que conta o caipirólogo Romildo Sant’anna, no livro A moda é viola. “Nascia algo de excepcional para a civilização: portugueses invasores e índios hospitaleiros davam as mãos para dançar, para cirandar, mais pela pureza latente dos índios do que pela predisposição lusa”. Diante dessa potencialidade da viola, os jesuítas resolvem utilizá-la para a catequização dos índios. E deu certo. Tanto que é possível encontrar cantigas que têm versos híbridos, como essa quadrilha citada no livro de Sant’Anna: “Te mandei um passarinho / Patuá miri pupê / Pintadinho de amarelo / Iporanga vê iauê”. Traduzindo: “Te mandei um passarinho / Dentro de uma caixinha / Pintadinho de amarelo / Bonitinho como ocê”. A música caipira começa com portugueses e índios. Os silvícolas daquela época, os mesmos que temos hoje nos grotões da região Norte, ainda se portam como nativos. Já os lusitanos, com exceção dos p a dres

e funcionários da Coroa, não se encontravam muito à vontade nessa terra desconhecida. Muitos vieram obrigados. No livro Música Caipira, José Hamilton Ribeiro relata que “era, de qualquer modo, gente desgarrada, sem família, que vinha aqui para roer sua saudade, sua memória, sua melancolia. Já de origem humilde em sua terra, aqui eles perdiam de vez o pequeno contato que eventualmente tivessem com o livro, a palavra escrita, a forma erudita de se expressar.” Como o índio também não escrevia, a expressão oral se torna uma das características principais da música caipira, que se apoia no inconsciente coletivo apenas verbalizado. Os índios acrescentam à viola portuguesa sua alegria, seu gosto pela dança, o jeito de bater os pés e as mãos, resultando no surgimento da catira, o primeiro gênero de música caipira a possuir letra. Influência negra

Outra cultura importante na origem da música caipira é a africana. Os escravos adicionaram à mistura

ingredientes de sua rica e espontânea musicalidade, mas sem alterar conteúdo, melodia e ritmo. Nessas três raças formadoras do gênero, é importante ressaltar um elemento comum entre elas: a tristeza, a solidão. Sant’Anna conta que “nossa moda de raízes é branca nas formas e rimas, e africana, indígena e portuguesa no pensamento e afeto. Com uma alegria que não esconde tristeza, o cantar caipira possui um fundo nostálgico, como se alguma coisa tivesse se perdido ao longo do tempo. São as marcas do exílio: o português degredado e saudoso; o indígena humilhado e desterrado em sua terra; o africano de pele escura amargurado pela escravidão”. Isso explica o preconceito de um grupo de pessoas que deram à música caipira a alcunha de “música de corno”. E que, infelizmente, perdura até hoje. O sanfoneiro e compositor paulista Roberto Stanganelli disse, certa vez, que um país só é livre e verdadeiramente independente quando defende sua música. No livro de José Hamilton Ribeiro, há um depoimento de Stanganelli reiterando a importância da militância de nossa música. “Um povo conquista o outro pela música, pelas artes. Pode, para isso, usar exército, tanques e canhões, poder econômico e pressão política e psicológica, mas isso tudo como ferramenta. Seu objetivo último é conquistar corações e mentes, e isso se dá quando o povo colonizado despreza seus próprios valores culturais por ter assumido o padrão do colonizador.” Detratores

Sant’Anna enumera motivos pelos quais a música caipira é vista com tanta má vontade pela

maioria das pessoas. Há o complexo de inferioridade: as pessoas se sentem inseguras quanto aos seus valores e, na dúvida, encontram respaldo naquilo que é carimbado pelos outros como tal. Em segundo lugar, a mentalidade provinciana: as pessoas passam a compreender e a introjetar como ideal aquilo que vem da “corte” para a plebe. Por fim, destaca-se a visão patronal, ponto de vista de um grupo elitista, que se julga entendedor e juiz do gosto e dos valores alheios. Tendo em vista que os formadores de opiniões são, em sua maioria, pessoas urbanas e com ideologia provinciana, não é de se assustar tamanho receio e preconceito contra aquilo que vem do meio rural e de origem humilde. Para eles, o poeta e violeiro Zé Mulato, da dupla Zé Mulato e Cassiano, compôs a moda Não Fale Mal da Viola, em que ressalta: “A música estrangeira toca em qualquer radiola / Nossa moda tem apoio, mas é dado como esmola.” O menosprezo pela música caipira tem como principal algoz os programas radiofônicos, a maioria voltada a gêneros estrangeiros. Quando há espaço reservado para as modas de viola, elas acabam relegadas aos horários matutinos das emissoras. Romildo Sant’Anna descreve a música caipira como sendo poesia musicada e a inclui entre as mais singelas expressões da literatura oral e popular brasileira, sobretudo nas regiões Sudeste e Centro-Sul. O caipirólogo acrescenta que o poeta caipira é aquele que, “personificando os anseios grupais, fica assuntando causos e aspirações coletivas, para transformar em moda”. Quem não gosta da música caipira pode até pensar que a viola é peça de museu, assim como seus intérpretes, que devem ser uma ou outra dupla de senhores setentões “quixoteando” contra o sertanejo universitário. Ledo


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ensaio musical

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a caducando

Velhas modas inspiram e mantém vivo o pioneirismo das primeiras duplas sertanejas fotoS: REPRodUção

Zé Mulato e Cassiano: tradição e estilo que contagiam violeiros contemporâneos

engano. De novo ele, o poeta e violeiro Zé Mulato compôs uma moda chama “Sangue novo”, que exalta as novas duplas caipiras. “Sem a benção da viola / nenhuma moda prospera / Nasce fraca no inverno e morre na primavera (...) Juventude esclarecida de

mente aberta e sã / Abraçou nossa bandeira nova classe violeira / Tá seguro o amanhã!” Vertentes caipiras

José Hamilton Ribeiro acredita que existem, atualmente, três correntes de música caipira:

Correntes musicais suburbana – representada pelos “jovens sertanejos”, como Fernando e Sorocaba, Jorge e Mateus, Humberto e Ronaldo e inúmeras outras duplas que fazem parte de um segmento lucrativo da indústria fonográfica, o “sertanejo universitário”. Cantam músicas com temática suburbana, disfarçadas de caipiras somente como tentativa de dar mais charme a seus trabalhos.

suburbana, urbana e rural (ver box). Acrescento uma quarta, que batizei de Corrente Êxodo-Rural. Corresponde a um grupo que mescla a rural e a suburbana. Apesar de adeptos da primeira, os músicos dessa vertente precisam da segunda para conseguir visibilidade na grande mídia. Gravam músicas românticas de apelo comercial, com “reforços musicais” como sanfona, guitarra, piano, percussão, bateria e contrabaixo. As canções seguem a temática dos relacionamentos, bem sucedidos ou não, conotações sexuais e o cotidiano de estudantes universitários (república, bar, festas). Em contrapartida, também emplacam músicas de que eles não abrem mão, como as modas cai-

piras, com temática rústica. Que o digam João Carreiro e Capataz, Brenno Reis e Marco Viola, Mayck e Lyan. “Paraproseando” Zé Mulato, “tem sangue novo na praça”. Mais do que isso: “tá seguro o amanhã”, pois temos representantes, “de mamando a caducando”, nas quatro correntes citadas. Por exemplo, João Carreiro e Capataz, que não são considerados “os brutos do sertanejo” à toa. Contra o jabá e outras formas condenáveis de alcançar o sucesso, a dupla sempre foi convicta e honesta com relação a seu trabalho e suas músicas. Nunca deixaram de respeitar a viola e a música caipira, mesmo no ambiente de sertanejo universitário. João Carreiro sempre compôs músicas caipiras, sonhando em gravá-las quando fosse possível. Nas letras, consegue captar o comportamento das pessoas, mantendo a linguagem simples e espontânea do caipira. A crítica publicada na página 10 do IMPRESSÃO, sobre o mais recente CD da dupla – Lado A/ Lado B –, reforça a qualidade de seu trabalho, capaz de agradar à militante caipira Inezita Barroso e ao caipirólogo Romildo Sant’Anna. Ao contrário da maioria, João Carreiro e Capataz fazem com que a indústria fonográfica atue em função deles, de seus gostos e preferências. Já deixaram boquiabertos funcionários da Som Livre, que não acreditaram quando viram o povo cantando músicas da dupla que sequer tinham chegado às rádios. Afinal, não é porque a mata está silenciosa que nada esteja acontecendo em seus rincões.

urbana – são os violeiros eruditos, que fazem da viola instrumento de solo, com composições melódicas, muitas até sem letra. O grande expoente dessa corrente foi Renato Andrade, mineiro de Abaeté, que desquitou do violino quando conheceu e se apaixonou pela viola caipira. Renato tirou a viola do ranchinho de sapé e a levou para as salas de concertos. Atualmente, temos vários violistas e instrumentistas, como Almir Sater, Miltinho Edilberto, Neymar Dias e Bruna Viola, jovem de apenas 20 anos. rural – fazem parte desse grupo os que apreciam a moda caipira tradicional, cantada e amparada no “casal” viola e violão. Podem aparecer alguns acompanhamentos, como sanfona, percussão e outros, mas desde que não descambe a essência original. As letras possuem a temática da vida na roça, bichos, natureza, rios, coisas singelas. Apesar de ser considerada por alguns como a mais fragilizada das vertentes, também possui representantes, como Zé Mulato e Cassiano, Zé Antônio e Divaney, João Mulato e Douradinho, João Lucas e Brunno, Junior Carvalho e Cristiano. Bruna Viola traz a paixão pelo instrumento no próprio nome


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Você já ouviu?

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Retomada caipira

reprodução

André Zuliani 8º Período

Edição: Dany Starling

O CD Lado A/Lado B, de João Carreiro e Capataz, é um projeto autoral que a dupla conseguiu realizar após muito tempo, influenciada pelos “modão” de raiz e pagodes criado por Tião Carreiro. O saudoso rei do pagode sempre foi a grande inspiração dos jovens cantores sertanejos, a ponto de João usar Carreiro em seu nome como forma de homenagear o velho mestre. O CD lembra os discos de vinil das antigas duplas caipiras, que de um lado continham modas feitas apenas com o casal viola e violão, e, do outro, músicas românticas, mais comerciais, com outros instrumentos para a roupagem, como bateria, sanfona, guitarra e baixo. O CD foi gravado e produzido exatamente para honrar e manter vida a tradicional música caipira. Lado A O Lado A tem 21 faixas de música caipira, em diferentes gêneros, como toada histórica, modas de viola, tragédia, moda com declamação, toada e dramalhão. Ao todo, 15 canções são composições de João Carreiro, sendo 14 delas inéditas. Quando li o livro Música Caipira, de José Hamilton Ribeiro, me deparei com um trecho no qual o autor perguntou ao saudoso Renato Andrade o que seria uma moda bem tocada. E o violeiro de Abaeté respondeu: “Moda bem tocada é aquele que desperta em nós uma saudade que a gente nem sabe do que”. O Lado A desperta em quem o escuta exatamente esse sentimento, pois é possível perceber, faixa após faixa, uma saudade que não sabemos explicar. A primeira música, “Não toca em minha vitrola”, é uma chicotada nas duplas de sertanejo universitário (como cantava Tião Carreiro, “o réio dói mais é aonde ele pega a tala”). É uma moda que encanta não só pelo pontilhar da viola e da letra que critica severamente as duplas de “sertanojo”, mas por possuir versos cadenciados em redondilha maior. “Esquecendo da cultura Tão mudando a postura Só pra fugir do lugar É o sertanejo moderno Brinco de argola e terno Só canta comercial Modinha sem fundamento Deixando no esquecimento Toda nossa tradição Não se fala em boiada É só moda bagunçada E o assunto é traição Pode até fazer sucesso Mas se tem brinco de argola E se dança e rebola Não toca em minha vitrola (...)” A faixa dois traz uma declaração de amor de João Carreiro à viola caipira, intitulada “A Tradição não morre jamais”. Descreve a admiração e a fidelidade do cantor/compositor com o instrumento. A terceira música, “Caipira de Fato”, pela singeleza da letra e da interpretação marcante, me emociona cada vez que ouço essas palavras: “Brinco com os meus filhos E vejo aquilo, no olhar um brilho de um filho meu Riqueza de um pobre quando descobre Família unida é coisa nobre Muito contente, agradeço a Deus”

Para responder aos que têm preconceito e não conhecem a música caipira e sua riqueza, utilizo um trecho declamado por João Carreiro, antes de iniciar uma música no DVD da dupla. “Com a nossa voz duetada com o som deste divino instrumento casados com a melodia do nosso desejo e do nosso sentimento Ecoe dentro de cada coração levando o sabor da verdadeira, doce e pura poesia de uma sonoridade singela mas que emociona e contagia. Som esse que nasceu lá do interior veio lá do campo, lá da roça veio pra falar e pra defender mas só das coisas que é nossa “Nóis” num tem nada contra as modas lá dos exteriô mas nóis num troca o som da nossa viola caipira por um som de guitarra de rock n roll Prefiro mil vezes nossos causos, nossas prosa As nossas moda de caçador, O nosso jeito simples e bonito Que só a gente tem de falar de amor” É esse jeito simples e bonito que João Carreiro possui pra falar das coisas do cotidiano e das pessoas que tornam o Lado A um CD memorável e inesquecível para a música caipira, mantendo a mesma toada dos discos de Tião Carreiro. Lado B O Lado B tem 18 músicas, também de João Carreiro, com proposta de um CD sertanejo, mas com uma roupagem mais comercial. Sem perder qualidade, entram em cena sanfona, bateria percussão violão e teclado, enquanto a viola – entoada apenas na quarta faixa – é substituída pela guitarra. Se houve mudança extrema

nos instrumentos, o mesmo não aconteceu com a linguagem. É uma característica do compositor a fala singela, simples e bonita e que sabe metaforizar e descrever com primor aquilo que ele observa e quer contar. Um exemplo é a música “Saci”, uma metáfora ao usuário de maconha: “Saci puxando um cachimbo, produto venenoso E diz que é natural, que é pra não ficar nervoso Deixa sujeito poeta e muito habilidoso E o saci recomenda, diz que o bagulho é gostoso”. Ainda sobre a linguagem, podemos destacar nas letras o emprego de palavras comuns ao ambiente rural. “Semo” (somos), “demoremo, mas cheguemo” (demoramos, mas chegamos), “ni nóis” (em nós), “brabo, muié, mió, quarqué, docê, peia” e outras mais. Três músicas – “Saudade Docê”, “Mangueira” e “Roqueirinha” – fogem ao ritmo sertanejo. Mas o cantor esclarece o que está acontecendo. “Num assusta não, meu povo. Nóis num é ruim da cachola, nem mastiga gardenal, bobeou nóis mete o pau e canta até carnaval”. O CD conta com a participação de: Matogrosso e Mathias, Rionegro e Solimões, Scort Som, Juliano Cezar e Gino e Geno. O destaque é a quinta faixa, “Cadê”, uma música romântica composta por João Carreiro e que lembra os tempos áureos dos convidados Matogrosso e Mathias. Não apenas pela letra, mas principalmente pela vivacidade com que Matogrosso canta, no alto de seus 73 anos. Que voz! A última faixa, “Sarafa”, é um presente de Carreiro ao companheiro Capataz, que tem tatuada no antebraço direito a frase “meu pai, meu herói”. A música é uma homenagem ao modo carinhoso que Capataz – na verdade Hilton César Serafim da Silva – se refere ao pai, José Alfredo Serafim, o Sarafa.


Você já viu?

Impressão

Belo Horizonte, juLho de 2013

11

Documentário vegano é osso duro de roer fotos: reprodução

Matheus Ferraz 4º Período

Edição: André Zuliani

Earthlings é um documentário feito para chamar a atenção do público quanto aos abusos e maus tratos cometidos contra os animais para a indústria de carne, moda, entretenimento, ciência e animais de estimação. Construído a partir de imagens clandestinas dentro de matadouros, laboratórios e outros lugares onde o abuso contra animais é praticado, o filme tenta mostrar que os seres humanos não estão acima dos animais: somos todos terráqueos (earthlings, em inglês). O filme tem o ponto de vista bem definido, ou seja, de defesa dos animais. Seu principal objetivo é convencer o espectador a parar de compactuar com o abuso e se tornar um vegano. O seu maior impacto está na forma de mostrar como a violência contra os animais está relacionada a coisas corriqueiras, como o bife na nossa mesa, ou o cinto de couro que segura nossas calças. O diretor falha, no entanto, ao privilegiar apenas um ponto de vista, e não mostrar suas fontes. Entrevistas com engenheiros de alimentos, por exemplo, dariam maior credibilidade. Do jeito como está, Earthlings funciona como um vídeo educativo, como aqueles que vemos no site da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals http://www.peta.org/index_landing.asp), apenas com a duração esticada. A narração de Joaquin Phoenix (ele mesmo um vegano convicto) é seca e pragmática, ou seja, ele não atua em momento algum, exceto no breve epílogo. Apesar da fama como ator (em filmes como Gladiador e Johnny e June), seu rosto não aparece e sua identidade só é revelada nos créditos finais.

Isso não quer dizer que o filme não seja dramático, uma vez que a música apela para a emoção do espectador, e mesmo a contraposição da narrativa fria com as imagens chocantes cria uma sensação de desconforto. O diretor Shaun Monson dedicou seis anos à criação de Earthlings, período necessário devido à dificuldade de conseguir as gravações, muitas delas não autorizadas, e a partir delas montá-lo como uma colagem.

Ficha Técnica Terráqueos (Earthlings) Ano: 2005 País: EUA Roteiro e Direção: Shaun Monson


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Belo Horizonte, juLho de 2013

Crônicas

A reportagem que não fiz Natanael Vieira

JÉSSICA AMARAL

6º Período

Thomaz Rocha 6º Período

Muita gente estressada aí vem dizendo que está cansada de ouvir notícias do reino. Vais dizer que não ouviste o último flash no rádio? Pinguins lavam várias garoupas e oncinhas do povo. Pensa comigo. Poucos comem garoupa, pois desaparece quando chega à mão da maioria. Gente honesta e trabalhadora vive de dinheiro pouco, comendo metade do almoço, e o resto guarda para a janta. Meu país tem palmeiras onde cantam sem pensar. Os urubus que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Assinam um contrato: daqui mais ou menos 25 anos, a simples obra estará

Impressão

Como todos os dias, peguei carona com dois amigos e seguimos – eu para a faculdade e eles para o trabalho. Como todos os dias, passamos pela região da Lagoinha. Seguindo a rotina, fiquei na rua Itapecerica, conhecida pela quantidade de antiquários. O bairro – outrora conhecido pela boemia e pelos bons botecos –, hoje se destaca pela degradação dos imóveis e pela compra e venda de drogas. A céu aberto, claro, nublado, limpo ou chuvoso, esse é um mercado que não para. Mas o encontro que presenciei nesse dia, que seria comum, não foi dos habituais, embora tenha muito a ver com o panorama enegrecido do lugar. Uma cena emocionante e triste entre as várias possíveis daquele ambiente. Uma mulher, que atravessava a Av. Antônio Carlos pelo Viaduto Senegal, parou no início e olhou para um grupo de pessoas que estava próximo, abrigadas em meio a cobertas velhas e com cachimbos de crack em punho. Com olhos compridos, reconheceu alguém. Uma garota, de não mais que 13 anos, saiu do meio daquele grupo. De short roxo, camiseta listrada e blusa esfarrapada, a menina correu ao encontro da mulher. Não entendi se eram mãe e filha, amigas ou vizinhas. Mas ficou claro que a menina não ia pra casa há tempos. Ambas se encontraram num abraço daqueles que param o tempo. E se olharam. Voltaram para o abraço, choraram. Os 13 anos que atribuo à menina não refletem nada do que essa idade costuma revelar. Estava magra e abatida. Anestesiado, olhei a cena por alguns segundos e passei por elas. Parei novamente para olhá-las. Esqueci-me de tudo naquela hora. Um senhor, logo ao meu lado no Viaduto, comentou: “Não é fácil, né rapaz?”. Não. Não é fácil. Um problema de saúde pública que salta aos olhos. Tem endereço, idade e frequenta os mesmos locais. Mas que vai vivendo... enquanto pessoas vão morrendo. As duas se despediram e cada uma seguiu seu rumo. O senhor, o dele e eu, o meu. Muitas questões surgiram depois. Deparei-me com perguntas – minhas e de colegas do jornalismo – que aquele instante de anestesia não suscitou. Eu deveria ter feito uma foto do encontro ou ido conversar com elas? Deveria ter buscado informações sobre a menina, a mulher, a situação como um todo? Há muitas outras perguntas, para boa parte eu ainda não tenho respostas. Fui tomado por um misto de culpa, impotência e anestesia, inércia. É necessário entender que há momentos em que é preciso abaixar a câmera ou o gravador e se entender como ser humano falho. Se o ser humano falha, que dizer do profissional? Lições que o processo de “formar-se jornalista” ensina quando menos esperamos. Reportagens que não fazemos, mas que nos mostram mais do jornalismo.

O circo dos horrores pronta. Vais roubar uma galinha pra tu veres. Tu serás preso no ato. Quem dera se fossem apenas ladrões de galinha, pelo menos estes vão presos, pois, em terra de ladrão, quem vive de arroz e feijão sabe o quanto é suado ganhar nada no final do mês. Já olhaste para cima? As peruas estão usando as pérolas das ostras das melhores águas, enquanto tu procuras caranguejo em mangue. Tu, que vives de salário, sabes bem o que digo. Mais vale uma rolinha na mão que duas águias voando. Quem sabe não ganhas no jogo do bicho? Já apostei em cachorro, gato e borboleta, mas descobri que dá mais

jacaré, leão, tigre e burro. Se bem que o burro é muito simpático. Aliás, acho que burro mesmo és tu. Daqui a quatro anos farás tudo de novo. Apertarás as teclas do foda-se e confirmarás. Tem bicho mais burro que o próprio burro? Não tem problema. Domingo é dia de relaxar. Tu abres tua cerveja e tomas uma golada. O futebol começou e é hora da diversão. E depois de certo tempo... Opa! Juiz, ladrão, porrada é a solução. Tudo bem. Vamos fazer um pacto: apenas o juiz rouba. Ok? Tu andas pelas ruas à noite, inebriado pelas luzes da cidade. Tu sentes calor e basta uma palavra para o frio chegar de uma hora para outra: “perdeste”.

Perdeste o quê? Perdeste a carteira, o iphone, a dignidade, a vida. Saúde! É o que tu desejas no brinde. A saúde deveria ser mesmo um desejo de todos para todos. Tu esperas na fila para entrares no circo médico. Afinal de contas, brasileiro adora uma fila. Ao entrares no recinto, pessoas com tinta vermelha sobre o corpo estão deitadas nos corredores. Parece mais um ritual satânico, pois os indivíduos gritam impacientes querendo a cura. Basta ter dinheiro para entrar no circo dos horrores. Afinal de contas,, quem tem dinheiro tem tudo e traz uma felicidade danada. Só não se lembra das consequências no futuro.


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