Edição 195 - Caderno 1

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Ano 31 • número 195 • Julho de 2014 • Belo Horizonte/MG montaGem: HIaGo soares

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Eles estão sempre na sombra: políticos suplentes, porteiros e professores substitutos, alunos eternamente à espera da aprovação no vestibular, jogadores de futebol que nunca saem do banco, amantes que não podem andar de mãos dadas. Dossiê retrata a vida desses personagens que vivem na reserva. PÁGINAS 5 a 12

SER

VAS

Caderno do!s: pornochanchada, F1 e outros estranhos no ninho da cultura


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primeiras palavras

Belo HorIzonte, julHo de 2014

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Significados

eXpedIente

foto: reprodução

REITOR Prof. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Prof. Rodrigo Neiva (diretor) Profa. Cynthia Enoque (diretora adjunta) COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO Prof. João Carvalho

Hiago Soares Reserva: 1. O que toma lugar de; 2. Acúmulo; 3. Estoque para uso futuro; Sinônimo: suplente. De significados e usos, estamos abastecidos. O IMPRESSÃO dedica, nesta edição, um dossiê sobre os diferentes reservas que ocupam nossos cotidianos. De gente que não era e passa a ser. De gente que acumula para, à sua hora, distribuir. Quem são essas pessoas? O que fazem? Por que fazem? E o que esperam e sentem por viverem à sombra de algo ou alguém? Mas, o que acontece quando, numa mesa de redação, o dossiê, além de ir ganhando forma pelas mãos dos repórteres na rua, passa a se fazer presente na própria estratégia de sua feitura? Explico. Foram escalados para esse trabalho sete repórteres. Cada um deles recebeu, como brinde, um calouro do curso de Jornalismo do UniBH como parceiro, que o acompanharia para ver

de perto a construção da reportagem. O veterano teria que fazer todo o trabalho (apuração, contato com a fonte, entrevista e redação), mas poderia contar com a ajuda de produção do seu respectivo companheiro de pauta. Eis que aconteceu. Alguns repórteres pediram arrego de suas matérias. Uma até pediu arrego do curso. Os alunos escalados como reservas surgem, então, como oficiais. Se não estivessem lá todas as quartas-feiras, dia de nossas reuniões, ouvindo e interpretando os arranjos dos editores, provavelmente ficariam perdidos. As matérias deste dossiê Reservas deixam claro o trabalho dessa gente que, de alguma maneira, espreita um lugar, uma vaga, um momento, um prazer. Tem o reserva do futebol, o estudante de vestibular, a professora, o porteiro e o suplente de senador. O ator que decora o texto de todo mundo e a amante, a outra, a filial, num jogo de tapas e beijos que, normalmente, pede reserva. Discrição. Esta edição conta, também, com

uma matéria que relata as soluções financeiras dos clubes de futebol frente às vantagens oferecidas ao sócio-torcedor. Na sessão Conhecimento, uma divertida empreitada para entender o que fazem alunos de cursos universitários matarem aulas para namorar, beber e relaxar. E para pensar a Midia e as Tecnologias, relatos de como profissionais da imprensa lidaram com os último protestos pelo país. Na outra ponta, um dos destaques do caderno de Cultura mostra como se saíram dois leigos de música erudita em uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. E ainda: A Fórmula 1 retratada em diferentes campos da cultura e um fã de pornochanchada que acaba se tornando um estudioso do tema. Boa leitura! P.S.: Ao longo dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, nossos repórteres entraram em campo. Confira caderno especial com as impressões desse time.

LABORATÓRIO DE JORNALISMO IMPRESSO EDITORES Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. Dany Starling (editor convidado) Alex Moura (Caderno especial Copa) PRECEPTORA Profa. Ana Paula Abreu (Programação Visual) ESTAGIÁRIO Hiago Soares Alex Moura COLABORADORES Wilson Albino William Araújo (ilustração) LAB. DE JORNALISMO ONLINE EDITORA Profa. Lorena Tárcia Parcerias Lab. de Criação Publicitária (LACP) Laboratório de Jornalismo Online Laboratório de Fotografia Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA)

IMPRESSÃO / TIRAGEM Sempre Editora 2.000 exemplares

Ludmila Bernardes Desespero. Sentimento natural de uma estudante que cursa o primeiro período de jornalismo ao ver uma pauta cair em seu colo como uma bigorna junto a um deadline curtíssimo. Euforia. A vivência dessa aurora trouxe peculiaridades indizíveis. Pega de surpresa e às voltas com a expectativa de resposta das fontes. Expectativa que, cá pra nós, quase (palavra que dá margens ao que não foi) se tornou responsável por uma gastrite nervosa. Me rendi, ou fui rendida, pelo tema: suplentes políticos. Dei giros e piruetas, até a Constituição Federal se ver revirada de ponta a cabeça. “Enlouqueci” em busca de informação e levei muita gente comigo. Após algumas tentativas de entrevista e já no sexto telefonema, uma situação inusitada. Do outro lado da linha telefônica, a suplente Ada Mello disse estar internada, pois

havia se submetido a uma cirurgia de catarata. Ah, se eu pudesse me transformar em avestruz, tatu ou quem sabe até em caranguejo, eu o faria sem sombra de dúvidas. Mas o curso ainda não me proporcionou esse tipo de aprendizagem. Bom, para quem, assim como eu, ainda não sabe muito bem como reagir nesses casos, acredito que pode haver duas opções: rir (da própria inocência) com a pessoa ainda na linha telefônica ou se desculpar, meio sem graça. Escolhi a segunda opção. Aliás não aconselho ninguém a optar pela primeira. Ficar na cola e cercar algumas fontes chega a ser engraçado. Principalmente quando aceitam te responder pela insistência. Voltemo-nos para o ditado popular: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Sem muito esforço é possível, também, descobrir que as secretárias de alguns senadores podem ter até três horas de almoço. Embora pareça corriqueiro, fiquei surpresa. Me perguntei o que me caberia fazer durante essas – muitas – horas. É mais saudável que vocês não saibam o que concluí. São vários os descaminhos percorridos antes de se chegar ao fim de uma reportagem. Inclusive, ter que

mudar todo seu eixo exatamente quando você chegou a cogitar que ela estivesse pronta. Ilusão. Saborosos são os processos de descoberta. “Vai dar certo”, ouvi por vezes. Mas pensar que realmente vai não anula os sentimentos anteriores. Porém, nada de medo. Pode até faltar experiência, mas sobra coragem, mesmo que o texto tenha que ser refeito em rascunhos constantes e que a lixeira fique rechonchuda no fim. O desespero cede espaço a lugares que ultrapassam os muros do comum e cada superação surpreende, trazendo a possibilidade do novo.

eleito o melhor jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003

O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Jornalismo do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe: Rua Diamantina, 463 Lagoinha – BH/MG CEP: 31.110-320 Telefone: (31) 3207-2811 Email: impresso@unibh.br

pArA seGuIr o jornAl Facebook TudoUni – Centro de Experimentação Transmídia

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Visão crítica

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Belo Horizonte, julho de 2014

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Lar, doce poluição foto: reprodução

Isabelle Boaventura

Belo Horizonte não é a cidade onde nasci, porém é nesta capital que passei mais da metade das minhas duas décadas de vida. Cresci no interior de Minas Gerais, em uma pacata cidade ao oeste do Estado, Santo Antônio do Monte. Lá onde os fogos de artifício iluminam o céu durante todas as noites. Mesmo apaixonada pela calmaria e a luminosidade de onde nasci, aprendi a amar BH desde que me mudei, e hoje me considero belo-horizontina de coração. Apesar deste sentimento de amor pela capital, a vida agitada que levamos faz com que o desejo por um fim de semana de calmaria se acentue. Ao viajar para o interior com o intuito de escapar por alguns dias do caos, procuro respirar fundo e olhar as estrelas, coisas impossíveis de se fazer na cidade grande devido à grande nuvem de poluição que cerceia o céu. No caminho de volta da viagem, consigo, ao respirar, sentir prazeres distintos. Encher os pulmões de ar na região metropolitana de BH é como tragar de uma só vez um cigarro por inteiro. Se compararmos Belo Horizonte com as demais localidades do mundo, a qualidade do ar que circula na cidade é relativamente apropriada. Mas isso não faz com que os mineiros se sintam despreocupados com o que andam aspirando por aí. O relatório de análise da qualidade do ar, produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2011, revelou que a capital e sua região metropolitana está entre as áreas urbanas com o ar mais poluído do mundo, figurando em 467° lugar.

No Brasil, se mantém atrás de apenas três capitais: Rio de janeiro, 164°, São Paulo, 268º e Curitiba, 360° lugar. Com o intuito de diminuir estes índices e cumprir a rigor as determinações da Política Nacional de Mudanças Climáticas, que enumera parâmetros para a diminuição da poluição atmosférica, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) agiu. Sancionou uma lei que previa o prazo de quatro anos para a capital reduzir em 30% a emissão de gases causadores do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2). Uma das medidas a serem tomadas era a mudança no perfil de frota do transporte público, um dos maiores responsáveis pelo CO2 lançado na atmosfera. Mesmo com estas medidas, o ar que enche os pulmões dos mineirinhos ainda continua em condições inapropriadas. O relatório da OMS, divulgado no último mês de maio, com dados referentes a 2012, alarmou novamente a população. O estudo informou que Belo Horizonte aumentou em 40% a poluição do ar em apenas 12 meses e que estatisticamente quase 90% da população que vive em áreas urbanas respira um ar que não se enquadra nos padrões de seguros. Apenas em 2012, esta poluição matou cerca de 7 milhões de pessoas no mundo todo. Belo Horizonte já foi templo de cura para problemas respiratórios, justamente por ter um ar limpo em sua região montanhosa. Os conterrâneos e, assim como eu, os adotados de coração pela cidade, permanecem preocupados. A capital mineira necessita urgentemente de medidas que retomem seus status de “horizonte belo” e de ares puros e saudáveis.

Um grito a favor da educação Beatriz Amaral

O ano de 2013 foi marcado pelas inúmeras manifestações surgidas a partir do aumento das tarifas de ônibus. A população, exausta pela ineficácia do sistema político do país, foi às ruas reivindicar seus direitos e denunciar tudo o que tem prejudicado nossa nação nos últimos anos. Falta de investimento em educação e saúde, precariedade de transporte público, fraudes e desvios de verbas... Esses e outros fatores motivaram a revolta do povo. O aumento das passagens foi a “gota d’água” e o estopim para uma onda de manifestos: uns pacíficos, outros violentos. Podemos nos questionar: por que só agora o povo se manifestou contra um sistema que sempre atuou de forma similar? “O gigante acordou” foi uma das hashtags mais utilizadas em posts nas redes sociais. Mas, antes disso, o

mesmo gigante estava adormecido, por conveniência ou não, frente às corrupções estampadas na “cara” do Congresso. Era uma população fria e impotente frente ao caos que o país enfrentava. Com isso, os governantes não lembravam mais como eram as revoltas nos tempos de Ditadura Militar: será que os movimentos subversivos tinham se esgotado de vez? Ledo engano. Obviamente, se equivocaram ao pensar que a patuleia seguiria engolindo tudo. As bandeiras do Brasil vinham aos montes em meio à multidão, que gritava cobrando do governo qualidade de vida. Aquelas bandeiras empoeiradas no armário, só retiradas de quatro em quatro anos, nos períodos de Copa do Mundo, tornaram-se úteis. Manifestações tomavam conta dos pontos mais importantes das cidades e até de rodovias. O povo, enfurecido, saía em multidões contra aquele sistema corrupto. Talvez o brasileiro que foi às ruas não tenha priorizado bem as coisas.

Talvez estejamos apenas colhendo o que plantamos em nossa sociedade. É possível dizer que as pessoas se calaram nas eleições e, agora, resolveram abrir a boca para tentar consertar o que poderia ter sido evitado. Talvez nada disso estaria acontecendo se não fosse a falta de interesse da grande maioria da população em procurar saber quem são os políticos em que votam. A população deve ser ativa não só na hora de fazer movimentos contra o governo, mas sim na hora de decidir em quem irá governar. A educação é única solução para mudar nosso país. É com educação de qualidade que se tem uma população ativa, reconhecedora de seus deveres e que não abre mão de seus direitos. É com educação que o cidadão adquire consciência do seu voto. Segundo Platão, o objetivo final da educação era a formação do homem moral, vivendo numa cidade virtuosa. A partir disso, infere-se que a sociedade brasileira pas-

sa por uma crise moral devastadora, proveniente da precariedade do sistema educacional. Em 2013, o Brasil ficou em penúltimo lugar em ranking que mede o desempenho educacional em 40 países, segundo o site da revista Exame. O que as campanhas eleitorais mostram é diferente: altos investimentos, melhoria da qualidade das escolas públicas, melhores condições nas salas de aula, distribuição de materiais didáticos e individuais para crianças de famílias de baixa renda etc. É muita propaganda para pouco resultado. Se isso realmente estivesse acontecendo, talvez não precisássemos protestar tanto. Se o país investir em educação de qualidade e a população souber priorizar o que é mais importante para a evolução de sua qualidade de vida, finalmente teremos orgulho de estender a nossa bandeira verde e amarela. Não somente em protestos, mas em todos os momentos.


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Dossiê Reservas

Belo Horizonte, julho de 2014

_UBSTITUTOS SUB_TITUTOS SUBSTITUTO_ Wilson Albino

Se for possível listar motivos para alguém exercer o papel de substituto, esperança certamente deve aparecer logo na primeira linha. No entanto, não é uma vida fácil. Expectativa e ansiedade estão sempre à porta, guiando passos, pensamentos e ações daqueles que optam por um caminho que, ao ser trilhado, acaba se mostrando, quase sempre, deveras tortuoso. Neste dossiê, o IMPRESSÃO foi à cata dessas pessoas. O que leva uma pessoa a escolher a obscuridade e a suplência como motes em sua vida? O que pensam, sentem e desejam as pessoas que vivenciam, diariamente, por anos a fio, a condição de reservas? Tiveram vez e voz jogadores de futebol que treinam exaustivamente, participam de concentrações e sofrem privações, mas, na maioria das vezes, acabam longe dos gramados. Estudantes que passam boa parte da vida debruçados em livros na busca pelo sonho de fazer Medicina, curso superior mais concorrido do país. As amantes, mulheres que, por causa de um relacionamento, sufocam as próprias vontades, suportam humilhações e só se sentem realizadas se estiverem o tempo todo ao lado da pessoa amada. Os porteiros reservas, que prestam serviços em dezenas de setores diferentes ao longo de um mês, e que esbarram em fatores que impedem uma boa prestação de serviços e facilitam a ocorrência de erros. Professores substitutos, que são responsáveis por cobrir a vaga dos companheiros por tempo indeterminado. Políticos que, mesmo sem um voto sequer, podem acabar chegando à principal Casa do parlamento brasileiro. E, por fim, atores que passam os textos de todos os colegas, mas quase nunca entram em cena. É complexo dimensionar o universo de emoções contraditórias existentes nesse emaranhado de relações humanas. As tristezas e as alegrias, queiram ou não, estão sempre aparentes na voz, na postura e no olhar. Se por um lado algumas pessoas se decepcionam e fracassam, há os que vencem e superam as longas esperas. Muitos pregam que se há um desejo, é porque também há um caminho. Mas, se o rumo ou a velocidade são amigos ou carrascos de quem persegue o sonho, é correto afirmar que esperança e teimosia são elementos da vida de quem é reserva, já que todas as possibilidades estão alicerçadas numa única certeza: independente de tudo, é preciso seguir seguindo. Ilustrações do dossiê: William Araújo

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Belo HorIzonte, julHo de 2014

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Ninguém assina contrato e joga com o nome Volante do Fluminense confia em seu potencial e sonha com a titularidade Alex Moura

O sonho de ser jogador de futebol, há décadas, habita o imaginário de muitas crianças. Seja nos grandes centros urbanos ou nos mais longínquos rincões do país, crianças, adolescentes, adultos ou até mesmo idosos vivem correndo atrás de um objeto redondo – que nem sempre pode ser definido como uma bola. Às vezes, a tampa do dedão não volta pra casa e a canela pode retornar com escoriações ou calombos provenientes da peleja. Muitas amizades são feitas graças ao esporte bretão. Em contrapartida, relações indissolúveis são desfeitas devido a ele também. No momento em que os coletes são distribuídos ou há a definição dos times que atuarão sem e com camisa, a intriga é esquecida, e a bola, consequentemente, terá que ser passada até para o inimigo. Ou não, aí não tem jeito. Não passar a bola é delito gravíssimo, não há amizade que se sustente. Aí a partida corre o risco de nem terminar... bem. E quantos daqueles garotos que correram atrás de uma bola e alimentaram o desejo de ser jogador de futebol o serão, de fato, um dia? Serão protagonistas? O volante Fábio Braga viu seu sonho se tornar realidade. Hoje, é jogador de um dos clubes mais importantes do Brasil, o Fluminense. Porém, se tornar um profissional remunerado neste ramo não é o fim da linha, mas o começo. Ele, que completará 22 anos em setembro, chegou às Laranjeiras em 2009 para fazer parte

do time juvenil do tricolor. Na base, se destacou na conquista do Campeonato Carioca Juvenil de 2009 e da Taça Guanabara de Juniores de 2010 e no Campeonato Brasileiro Sub-20 de 2011, quando chegou à final. Fazer parte da categoria de base de grandes clubes é algo importante para quem quer seguir na carreira, porém, nem todos que têm essa oportunidade conseguirão alcançar o objetivo. Em 2012, o volante chegou ao time de cima, mas teve poucas oportunidades para atuar. “Tenho muita vontade de jogar, mostrar minha qualidade, mas respeito sempre as decisões dos treinadores e sei que as chances vão aparecer. Torço que não demore, a concorrência na minha posição é muito grande, sei que preciso aguardar minha hora. O elenco tem 30 jogadores, não tem como todos jogarem sempre, quem é profissional precisa ter consciência disso”, explica o atleta Mesmo não atuando sempre, Fábio mantém uma rotina semelhante à dos demais atletas. Porém, para se destacar, tenta se dedicar até mais do que aqueles que sempre jogam. “Quando você não está sendo utilizado regularmente, precisa trabalhar no limite para corresponder bem quando tiver a oportunidade”. O psicológico também é importante, pois a ansiedade para entrar em campo, marcar um gol ou, no caso de Fábio, evitar um tento do adversário pode atrapalhar a preparação. O atleta tem ciência disso. “A cobrança, principalmente a interna, é sempre muito grande. Mas é o que nos faz crescer. Busco treinar forte

para suprir essa falta de minutos de jogo. Sei que o ritmo não é o mesmo, mas preciso saber lidar com isso e sempre me doar um pouco mais, me esforçar mais do que o pessoal que está jogando. Meu psicológico é forte, sei bem o que quero e confio que o meu momento vai chegar”, afirma. Em junho de 2011, o Fluminense não vivia um bom momento. Há quase três meses sem treinador, contratou Abel Braga, o “Abelão”, para comandar a equipe. O sobrenome não é coincidência: Fábio é filho de Abel, e uma das coisas que herdou de seu pai é o amor pelo futebol. No primeiro momento, os dois não trabalharam juntos, pois Fábio ainda integrava a base tricolor. Porém, no início do ano seguinte, o volante subiu para o profissional. Ele não foi promovido por seu pai, mas pela direção do clube. No período em que Abel ficou no Flu, Fábio sempre tentou desvincular sua carreira da do pai, sem negar a importância dele para a sua paixão pelo esporte. Esse fato ter ocorrido no momento em que fez a transição para o profissional, segundo Fábio, não o atrapalhou. “Não acho que tenha tido grande influência. Meu pai é um dos grandes responsáveis por eu ter decidido me tornar jogador de futebol, é uma paixão que vem de infância. Mas não vejo nenhuma interferência na condição dele para a minha presença entre os profissionais. Ninguém assina contrato e joga pelo nome, é necessário provar a qualidade. Independente do treinador, eu sempre vou demonstrar”, afirma.


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Os eventuais Prós e contras na vida de um professor substituto

Maria Beatriz de Castro

Dentre os tantos estereótipos criados em salas de aulas, o professor protagoniza um bocado deles. Há sempre o carrasco, a amiga da turma ou o brincalhão e cada um, em certo ponto, acaba criando laços com os alunos. Porém, quando o professor é substituto, muitos o enxergam sob uma viseira que não deixa que as relações se estreitem para além do acadêmico. Depois de alguns meses, ele se vai. E quem era aquela pessoa? “Eu não sabia de absolutamente nada. De repente, eu era a professora substituta”. Tereza Alves dos Santos, 25 anos, já era professora quando foi lecionar no Colégio Palomar, na rede Pitágoras de ensino. O pai da estudante de Letras havia acabado de falecer e Tereza precisava de um emprego. “Estávamos na pior e, por isso, eu aceitava tudo o que viesse. Os alunos eram muito apegados ao antigo professor e no início foi complicado, mas depois nos demos muito bem”, conta. Tão bem que não aceitavam, de jeito nenhum, sua saída após sete meses. “Eles ficaram muito tristes, choraram, fizeram abaixo assinado. Fiquei arrasada! ” Porém, a pior parte da demissão seria o motivo: ela não sabia, mas havia sido contratada apenas para ser substituta. “Quando a escola me contratou, me disseram que o intuito deles era investir em mim, mas em momento nenhum disseram que aquele era um cargo de substituição, argumento com o qual foi assinada minha demissão. Fiquei chateada porque o mínimo que se pode fazer é ser honesto”, relembra ela. Apesar de gostar dos alunos, o baque da demissão somou-se a outras características negativas da instituição. “A escola sempre me passou uma imagem de autoritarismo. Os coordenadores eram mais tranquilos, mas a direção muito rígida, pouco maleável, intransponível”, conta. Tereza, que continua exercendo a docência, leva na memória a importância de uma abordagem mais humanista na educação das crianças e, com certeza, uma curiosa história para contar. E de histórias para contar Silvia Amélia de Araújo, 33 anos, está cheia. A jornalista não sabia quantas mudanças viriam em sua vida quando resolveu se candidatar ao cargo de substituta no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Silvia, que já trabalhava no Centro de Pesquisas de Leitura e Escrita (Ceale) da UFMG, resolveu tentar a vaga por acaso. “Meu namorado fazia mestrado e decidiu

concorrer para ser substituto de uma disciplina teórica. Comecei a pensar como seria se eu tentasse também”, relembra ela, que se inscreveu numa sexta-feira e foi fazer a entrevista na segunda. “Apareci com os planos de aulas prontos e passei, mesmo disputando com pessoas que tinham mestrado”. Caindo de paraquedas na nova realidade, a jornalista conta que se desdobrava para conseguir pagar as contas. “O salário era uma miséria. Eu quase pagava para trabalhar. Complementava a renda sendo freelancer para bancar o luxo de ser professora substituta”. E haja trabalho! Durante este período, Silvia atuou como assessora de imprensa, fazia frilas para a Editora Abril e especializou-se em História e Culturas Políticas na UFMG. O que leva na bagagem

Foi pelo amor ao trabalho que, mesmo com a correria, a jornalista conseguia conciliar as tarefas. E talvez tenha sido nesta brecha que a relação com os alunos começou a se estreitar. “Às vezes, eu chegava para uma aula à tarde sem almoçar, e enquanto fazia a chamada, um aluno ia pra mim na cantina e comprava um salgado e um refri”, recorda. “Eles me respeitavam muito, apesar de sermos quase da mesma idade. Acabei sendo uma

conselheira para seus momentos de crises e virava madrugadas com os orientandos de projeto experimental”. Silvia conta que já foi a homenageada de uma turma de formandos e paraninfa de outra, além de ter trazido muitos amigos daquela época. Lívia Neto Machado, 27 anos, assessora de imprensa, foi orientanda de Silvia e mantém uma amizade próxima até hoje. “Ela ficava reunida com o grupo de projeto até as 3h da manhã, fazia reuniões até altas horas na própria casa com direito a comidinhas para todos! Aliás, receber em casa é com ela mesmo, vide as festas juninas que acontecem anualmente na casa dela em BH”, diz. Após um ano de exercício, o contrato acabou e Silvia deixou o cargo. Na bagagem, leva, porém, apenas o saldo positivo. “Nada foi tão bom pra mim. Fazer parte da história de vida de pessoas tão legais quanto os meus alunos eram. Mesmo que não quisesse dar continuidade à vida acadêmica, acabei trazendo resquícios dessa experiência para outros trabalhos'', conclui. Hoje em dia, morando com o mesmo namorado de antigamente em São Paulo e de malas prontas para Goiás, a jornalista dá oficinas de escrita, e quando aterrissa na capital mineira, é certo: sabe que

vai rever os velhos alunos. “Encontramos sempre para tomar uma cervejinha. São amigos para a vida inteira”. Nem tudo são flores

A experiência de ser professor substituto nem sempre é tão agradável assim. A bióloga e gestora ambiental Ana Paula Soares, 25 anos, lecionou Ciências e Biologia para o Ensino Fundamental e Médio, respectivamente. Por motivos financeiros, Ana Paula resolveu ser substituta durante seu último ano de faculdade, além de conciliar as tarefas com um estágio no período noturno. Porém, o que mais lhe desmotivou durante o período foi a péssima relação com os alunos. “Um grande problema é a falta de estrutura educacional. Mas, acima de tudo, foi a falta de respeito, interesse e comprometimento dos estudantes”, conta. “Eram agressões verbais constantes, ao ponto de eu não conseguir falar, dar aula. Não havia um mínimo de respeito e eu me sentia mal em sala de aula”. Sem pretensão de voltar a dar aulas, Ana Paula é categórica: “Ser professor substituto me incentivou a buscar outras áreas de atuação dentro da minha formação”.

(Colaborou Raian Pinheiro)


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Amores ilegais

Do mel ao fel: três amantes revelam doçuras e amarguras do relacionamento a três Wilson Albino

Depois que a labareda se alastra não tem mais solução. Nesse aspecto, paixão e fogo se assemelham. Talvez seja por isso que, arrebatados pelo desejo, homem e mulher se entreguem, frenética e insaciavelmente, às vontades da carne. Nessas loucas relações só uma regra prevalece: não há regras. Porem, tudo que é celebrado nas alcovas pode nascer e findar pelos mesmos motivos – interesses, mentiras e omissões. Tornar-se eternamente a “outra” pode ser a sina de quem assume o complexo papel de amante. Sob pseudônimos, algumas mulheres revelaram ao IMPRESSÃO pedaços felizes e cacos “perfuro-cortantes” de suas histórias. Os sorrisos, as vozes embargadas e as lágrimas durante as entrevistas são provas de que recordar é mesmo viver. “Vou tirar você desse lugar”

Glaura, 30 anos. Ocupação: garota de programa. Ela acreditava que profissionais do sexo só pres-

tavam serviços, até se apaixonar por um cliente. “Ele era diferente. Tão gentil e cheiroso!” Vestidos no quarto, falavam de tudo. Glaura disse que ele pagou algumas vezes só para conversar. “Um dia, me deu flores e chocolate, ficamos abraçados e mudos durante um tempão. Nesse mesmo dia que ele me chamou para ir a Ouro Preto. Aceitei, pois eu já estava a fim dele”. Mesmo fazendo de 30 a 35 programas por dia, nos fins de semana, ela era exclusiva de seu bem. “Eu topava fazer o que ele pedisse. A seu lado eu me sentia amada, cuidada, protegida...” O relacionamento chegou ao fim depois de dois anos. “Ele me falou que morava com uma pessoa, que estávamos errados, e, por fim, que iria se casar em breve. Me senti trocada e traída. Propus que ficasse com ela e comigo, mas ele rejeitou. Implorei, chorei, ameacei contar sobre a gente, mas não adiantou... Depois disso, me desiludi”, relata, com olhos lacrimejados. Três é demais

Marília tem 26 anos. Formada

em Letras, trabalha hoje como assistente administrativa. Certo dia, ao tomar um táxi para casa, o motorista puxou conversa, mas ela não rendeu assunto. Notou que, durante o trajeto, ele a espionava pelo retrovisor. Marília achou estranho quando passou a vê-lo frequentemente. Mais tarde descobriu que ele era casado e morava a cinco quarteirões de sua casa. “Numa sexta-feira, enquanto eu esperava o ônibus, ele estacionou o táxi e perguntou se eu estava indo para casa. Disse que sim. ‘Então entra aqui’, falou. Entrei receosa, e, um minuto depois começou o interrogatório. Ele perguntou meu nome, idade, se eu tinha namorado, se bebia. ‘Que chatice’, pensei. De repente, parou o carro e me tacou um beijo na boca. Fiquei sem fôlego”, conta, de olhos fechados. “Naquela mesma noite, ele quis sair comigo. Pensei na mulher dele, imaginei que podia dar rolo. Eu disse não, mas, querendo dizer sim”. Marília se considerava inexperiente na cama. E cheia de pudores. “Tive medo de não corresponder

às expectativas”, confessa. Dias depois, recebeu novo convite e, dessa vez, não apenas aceitou como não se arrependeu. “Senti prazer como nunca! Ele fazia umas coisas comigo... Bom demais, viu?!”, comenta, saudosa. Depois de um ano, tudo chegou ao fim. “Descobri que ele tinha se envolvido com uma terceira mulher. Quando o questionei, ele deu de ombros, disse que nunca havia me prometido nada. Sofri calada, mas aprendi a lição”. Duplamente enganada

Aos 40, e no auge. Assim se sente Rosa. Ela procura se manter ocupada, malha, trabalha e estuda de segunda a sábado. E está a um passo de realizar um de seus maiores sonhos, tornar-se advogada. Rosa conta sobre um relacionamento conturbado, em que foi amante sem saber. “Nós nos conhecemos numa festa, apresentados por um amigo em comum. Varamos a madrugada conversando. Se eu dizia que gostava de uma música, comida ou filme, ele dizia que nossos gostos eram idênticos... Falsidade pura!”, admira-se. “Hoje, tenho consciência de que ele atuava todo tempo. Mas, quando a gente se apaixona, enlouquece”, garante. “Depois de uns meses, o amante começou a me pedir dinheiro emprestado. Como imaginava ter encontrado minha alma gêmea, nunca fiz objeções. Eu sempre ouvia dele promessas de que nos casaríamos, teríamos filhos e seríamos felizes”. Contudo, o tempo foi passando e nada de casório. “Um dia, vi uma foto em sua carteira, pressionei e ele confessou. Fiquei furiosa quando descobri que já era casado e tinha filhos,” exalta-se. “Ele sempre dizia que estava mobiliando um apartamento para gente. Dizia que seria nosso cantinho de amor. Perdi a conta de quantos empréstimos eu fiz e entreguei em suas mãos. Depressiva, fiquei meses sem sair de casa, sequer contei para minha família. Se a sociedade vê a ‘outra’ como vadia, vagabunda e destruidora de lares, imagina o que meus pais pensariam?”, indaga. Ao contrário de Glaura e Marília, Rosa foi reserva sem saber. Não escolheu a condição. Talvez por isso, a dor tenha sido mais avassaladora quando a relação chegou ao fim. “As poucas coisas boas que vivenciei foram apagadas, por pouco não perco o juízo”, relata. Hoje, as marcas não dissiparam, mas ela busca inúmeras atividades para impedir os maus pensamentos. “Mantenho corpo, mente e espírito ocupados. É o que me dá esperanças”, completa. (Colaborou Barbara Germano)


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Belo HorIzonte, julHo de 2014

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A postos Atriz revela o que faz um stand in

Alex Moura

O que faz um stand in? Com certeza, você nunca deve ter parado para pensar sobre isso? Ou parou? E, afinal, o que ele faz, descobriu? Amanda Oliveira, atriz com mais de vinte anos de estrada e que já fez vários cursos de teatro em sua cidade, o Rio de Janeiro, explica: “stand in é o ator contratado para substituir alguém do elenco principal quando necessário, nos ensaios ou em apresentações. No caso do Vai que Cola, (sitcom exibido pelo canal pago Multishow, no qual trabalha atualmente) apenas para os ensaios”. Até o início dos anos 2000 não era tão comum a figura do stand in, mesmo em grandes espetáculos, aqui no Brasil. Quando um ator ficava impossibilitado de ir à apresentação, não restavam grandes opções, a peça tinha que ser cancelada ou remarcada. Porém, com a chegada de grandes espetáculos da Broadway, o cenário foi alterado. Obras com investimentos robustos exigiam uma postura diferente. Arte e business andam de mãos dadas. Ainda hoje, companhias teatrais menores trabalham com um elenco mais enxuto, sem ter esse profissional para a substituição imediata. Quando há um contratempo, têm que ir atrás de um profissional que esteja disponível e que possa fazer todo o processo, desde o início. Frustração e esperança

Participar dos ensaios, saber quase todas as falas e, depois, não ser parte do momento considerado mais importante, a exibição do espetáculo para o público, pode ser algo frustrante. Porém, conforme diz Amanda, o ator tem que saber separar as coisas e enxergar aquilo como

uma oportunidade de aprendizado e de crescimento, pois aquele trabalho pode ser a porta de entrada para outros projetos. “Ver grandes profissionais trabalhando, atuando, dirigindo e produzindo. Sem querer, boa parte da graça do programa é criada nos ensaios, muitas piadas surgem durante as marcações.” Com o tempo, Amanda passou a participar cada vez mais do processo de construção do espetáculo e sofreu pela falta de reconhecimento. “É triste não receber os aplausos que o elenco principal todo tem. Mas a experiência nos mostra que o mais importante é que eu sei o que faço, os atores e a direção, também. É uma grande aula, sim, e uma oportunidade ímpar de trabalho”, afirma a atriz . Porém, para Amanda, o trabalho de stand in não pode ser visto apenas como um trampolim para projetos maiores, pois, independentemente das portas que irão se abrir por meio dele, há também um aprendizado constante, e a dedicação tem que ser a mesma dos atores principais. “Todos os trabalhos são importantes. Se eles vão me levar ao elenco principal, ao elenco de apoio ou simplesmente vão me acrescentar alguma coisa, só Deus sabe. Minha dedicação em ser stand in do elenco todo (no Vai que cola) é a mesma que teria em fazer a “árvore número cinco” de qualquer espetáculo. Se topei fazer, vou fazer da melhor forma. Estou plantando, um dia começo a colher”, diz Amanda. Há diferença entre ser stand in em uma peça de teatro e em um sitcom, pequena, mas existe. No caso do Vai que cola, como se trata de um programa cuja estrutura é mista, entre teatro e televisão, a principal diferença fica por conta das substituições, que são sempre sem público. Amanda é chamada quando um dos atores precisa faltar a um ensaio, sair ou chegar mais cedo, e também para ensaiar as participações

especiais. “Jamais vou gravar como um dos personagens. É sempre um trabalho de bastidores”, explica. Se em seu trabalho atual no Multishow não há a perspectiva de efetivação no elenco principal, a atriz conta que já teve, em outros trabalhos, essa oportunidade. “Fui stand in da Thalita Lippi (atuou na novela Caminho das Índias, em 2009, e é neta de Nelson Pereira dos Santos) na peça “Amor na Fotografia”. Ela é uma excelente atriz e, felizmente, foi chamada para uma participação na Globo. Fui às pressas substituí-la, deu tudo certo”, comemora. Oportunidades

Mesmo tendo um currículo vasto, com vários cursos e atuações em peças teatrais, Amanda pretende voltar à faculdade para concluir o curso de cinema e dar prosseguimento em sua carreira. A atriz já participou de produções de pequeno e grande porte, projetos teatrais em escolas, teatro de rua, e, de 2008 pra cá, fez algumas participações na Globo, Record e no Multishow. Atualmente, é assistente de direção na Academia Vita de Atores, roterista freelancer e stand in no Vai que Cola. Ela conta que nem as pessoas envolvidas nesse programa imaginam a quantidade de portas que já se abriram. “É claro que quero ser do elenco principal, ter um contrato, ser reconhecida, mas tenho certeza de que o tempo vai cuidar disso. É uma consequência, não um objetivo”, afirma. No momento, seu foco é seguir estudando e trabalhando o máximo possível. Escolhemos uma profissão sem meio termo. Somos, para a sociedade em geral, vagabundos ou estrelas. Eu decidi não me importar com isso e minhas expectativas se resumem a concluir o trabalho atual da melhor forma possível. E que venham os próximos”, enfatiza.


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Nadar, nadar... A vida de estudantes que não têm tempo a perder Izabella Borges

Aos 19 anos de idade, a belo-horizontina Mariana Andrade, pelo terceiro ano seguido enfrenta vestibulares, cursinhos, horas de estudo e o cansativo Exame Nacional de Ensino Médio. A jovem, que já estudou Biomedicina na Faminas e hoje faz Enfermagem na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sempre teve como objetivo o curso de Medicina, meta até hoje não alcançada. Mariana calcula um valor aproximado de R$ 6.300 de investimento em cursos pré-vestibular e material de estudo. Além disso, se hoje ela se vale do bacharelado em Enfermagem como ferramenta de aprofundamento para o alcance de seu objetivo, os gastos com transporte, alimentação e material didático aumentam ainda mais a conta. O investimento também foi alto durante toda a vida estudantil. A jovem cursou os ensinos Fundamental e Médio em escolas particulares e hoje paga o preço de não poder participar do ProUni, programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal, que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de ensino superior. Para ela, sequer o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), usado com frequência por jovens ávidos por entrar na faculdade, pode ser considerado viável. Mariana entende que é uma aposta muito arriscada, já que teria de pagar dois meses de mensalidade às cegas até que tivesse o financiamento aprovado. A jovem conta, com pouco entusiasmo, que chegava a estudar 12 horas por dia. “Hoje, além da faculdade, estudo seis horas nos fins de semana e feriados. Perdi muita coisa da minha vida e todas as metades dos meus dias não me levaram ao meu objetivo. Hoje sei que tudo é equilíbrio e tento conciliar minha vida social com os estudos”, confessa. Tentativas

Outro empecilho é a cobrança da família para que o curso de Enfermagem seja concluído, o que, segundo Mariana, a impede de aprofundar nos estudos gerais. No entanto, ela garante que hoje está bem mais calma. Ou seria resignada? “Se não passei até hoje, acredito que é porque não foi da vontade de Deus, mas foi Ele quem colocou esse sonho na minha vida”, diz. Se Mariana elegeu a UFMG como universidade federal de seus sonhos, até pela proximidade de casa, para o valadarense Frederico Rabelo, de 23 anos, que também almeja o curso de Medicina, a decisão foi mais criteriosa, desde o local até a avaliação do

MEC. O estudante diz já ter presenciado amigos e conhecidos que estudaram pouquíssimo e chegaram lá. Frederico, por sua vez, acredita que ainda não passou no penoso vestibular por vir de uma escola pública e ter tido pouca base. Apesar disto, já teve a sensação de estar próximo da vaga: em 2013, ficou somente seis pontos abaixo da linha de corte. Em seu quinto ano seguido no cursinho, Frederico gasta cerca de R$ 1.000 apenas com mensalidades. O valor sobe consideravelmente quando ele soma a quantia que dispõe para pagar o aluguel da república onde mora e as despesas do dia a dia. O valor total que investiu nesses últimos seis anos? Frederico não se aventura em calcular; prefere não saber. A família sabe das dificuldades vividas pelo jovem, o que acaba se tornando motivo de orgulho, principalmente devido ao esforço nos estudos, que se estendem por 14 horas diárias. Frederico conta que, muitas vezes, se sente desamparado, não apenas por lidar com muitas responsabilidades, mas por abrir mão de hábitos e costumes, já que mora em uma república. Aliás, os próprios afazeres e compromissos domésticos o impedem de estudar mais. A procura pelo curso de Medicina foi es-

tável nos últimos três anos, com uma média de 50 alunos para cada vaga. No primeiro semestre de 2014, contudo, a concorrência aumentou. Uma vez adotado o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), a relação subiu para 76,75 alunos/ vaga. No segundo semestre, aumentou ainda mais, chegando a 163,8 por vaga. Frederico e Mariana não se sentem intimidados diante das estatísticas. Para eles, nada é mais importante que a realização do sonho e da almejada conquista. Se não der certo dessa vez? Bom, o jeito é continuar tentando.


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Abeirando o Senado Suplentes políticos aguardam chance de ocupar uma cadeira principal no poder legislativo

Ludmila Bernardes

“Quem?” É isso que você ouvirá se ligar para a maioria dos gabinetes dos senadores brasileiros e perguntar à atendente quem é o segundo suplente na chapa do parlamentar. Foi o que ocorreu nesta reportagem na segunda-feira, 19 de maio, quando foram feitos os telefonemas. “Senhora, nós não temos ciência de ninguém que se chame José de Macedo Ferreira. Segundo suplente? Bom, mas ainda assim não sei lhe informar qualquer meio de contato e também não sei quem poderia lhe dar essa informação” disse a secretária de Comunicação do gabinete de Renan Calheiros, presidente da Casa. Cada candidato ao Senado escolhe dois suplentes para sua vaga. A decisão é feita por interesses pessoais e políticos, muitas vezes para agradar a coligação partidária. O substituto, entretanto, só alcança o Parlamento em caso de renúncia, licença médica ou falecimento do efetivo. Ficam ali, a postos, na lista de espera. Raramente os suplentes têm seus nomes divulgados no período de campanha eleitoral e fazem parte de uma chapa dissociada de critérios rígidos de escolha. Portanto, podem ser financiadores das campanhas políticas, primos (como no caso de Fernando Collor, que escolheu os parentes Euclydes da Cunha e Ada Mello para

suplência), filhos (o senador reeleito Edison Lobão tem como primeiro-suplente Edison Lobão Filho) ou qualquer outra pessoa. Os efetivos têm um mandato de 8 anos a cumprir. Dentro desse período, podem se candidatar e assumir outros cargos, deixando o comando nas mãos de seu primeiro suplente. Expectativa quase nula

Tânia Cristina Magalhães Bastos e Silva, formada em pedagogia e atual vereadora no Rio de Janeiro, foi escolhida à suplência pela executiva do Partido Republicano Brasileiro (PRB), que queria uma mulher ocupando o cargo. No entanto, ela sabe que dificilmente chegará a Brasília. “É quase impossível o segundo suplente vir a assumir como titular, ele acaba tendo esse cargo como um complemento ”, afirma. “Não há valorização do suplente”, confessa. A vereadora garante que a promoção não passa por sua cabeça e que seu foco é a Câmara Municipal, trabalhando para o povo carioca na elaboração de leis e na fiscalização dos atos do prefeito Eduardo Paes. Porém, mesmo com a improbabilidade, ela não descarta a hipótese de todo. “Se acontecer, estou pronta para seguir as diretrizes do plano político do meu partido”, disse. No caso de Tânia, o senador titular é Mar-

celo Crivella, reeleito ao cargo em 2010 para cumprir a saga de mais oito anos. Candidato ao governo do Rio de Janeiro em 2014, mesmo que Crivella vença, a vereadora seguirá no banco de reservas. Quem assumirá a vaga é o primeiro suplente, Eduardo Lopes. Tilden Santiago, segundo suplente de Aécio Neves, também não abre mão da esperança mesmo que ínfima. “Como no futebol, estar no banco já é uma possibilidade que se coloca. E a gente sente de perto a responsabilidade e a grandeza de representar nosso Estado de Minas Gerais no Senado Federal”, garante o político. Que não pode reclamar da sorte. Além de suplente, Tilden é assessor especial na Cemig e diretor de Meio Ambiente da Copasa. Porém, desejo não gera visibilidade e muitos deles passariam pelos eleitores sem que fossem reconhecidos, como possivelmente aconteceria com Antônio Aureliano Sanches de Mendonça (PSDB), suplente do senador Clésio Andrade. Portanto, os reservas seguem com suas profissões: médicos, fazendeiros, advogados, marqueteiros. Mas, lá no fundo, cultivam o sonho de, um dia, chegarem ao Senado. PS: Pouco antes do fechamento desta edição, o senador Clésio Andrade renunciou ao mandato alegando problemas de saúde. Quem assume? O próprio Antônio Aureliano.


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Apesar dos pesares À espera de um chamado: as dificuldades da rotina dos porteiros que não têm rotina

Wilson Albino Pereira

Itinerante. Assim é a vida de quem é porteiro reserva. O suplício desse tipo de profissional começa antes mesmo de sua chegada ao local onde irá trabalhar. Dentro de uma empresa que terceiriza serviços, o porteiro reserva é o contratado que fica à disposição da firma, a fim de cobrir as vagas de companheiros faltantes. Renato Silva Rodrigues, 35 anos, trabalha como porteiro há dez. “Já fui “ferista” e folguista, mas, na reserva, estou apenas há um ano”, explica. Renato já substituiu porteiros em unidades de pronto atendimento, centros de referência em saúde mental e postos de saúde. “Já ouvi dizer que, com o tempo, acostumamos a tudo nessa vida. Doze meses já se passaram e ainda estou tentando me adaptar”, confessa. Já Mauro dos Santos, 40 anos, não esconde a insatisfação. “Acho péssimo! Só aumenta a ansiedade. Não possuir um lugar certo para trabalhar é complicado demais. Há lugares onde estamos escalados que não têm vestiário nem bebedouro. Vê se pode uma coisa dessas?”, reclama. Numa importante empresa de Belo Horizonte, antes de saber para onde serão destinados, os porteiros reservas ficam confinados. Em um es-

paço onde mal cabem 15 pessoas, amontoam-se 50, sentados em longarinas, cadeiras unificadas. Dispostos de modo transversal, à medida que os assentos são ocupados e colocadas em linha reta, formam compactas fileiras, tão apertadas que roubam o direito de ir e vir dos cidadãos. Placas afixadas nas paredes advertem que naquele local é proibido lanchar, se levantar, conversar entre si ou ao celular. As salas são apertadas, abafadas e mal iluminadas. Impossível não se sentir aprisionado. Tão logo é solicitada uma substituição, começa a odisseia vivenciada pelo porteiro suplente. Já no início, é necessário encarar três filas: uma para pegar a ordem de serviço, outra para o vale-transporte e a última para o vale-refeição. Os setores a serem cobertos quase sempre são muito distantes do centro da cidade. Há lugar, inclusive, em que comércio só existe em um raio de cinco quilômetros. Nesse caso, o ticket alimentação serve só para enfeitar a carteira. Fora isso, em determinados departamentos, cadeira e água são artigos de luxo. Para piorar, é praticamente vedado o direito à recusa. Quem comete a “sandice” de dizer que não irá a determinado lugar corre sérios riscos de ser advertido, suspenso, perseguido ou até demitido. Em certos locais, o funcionário fica expos-

to a inúmeros perigos. Quem substitui colegas em portarias de parques florestais ou cemitérios pode ser picado por cobras ou escorpiões. Em hospitais ou em locais que atendem portadores de doenças mentais, os reservas correm o risco de infecções ou agressões físicas. Há casos de porteiros que tiveram o maxilar e o braço fraturados. Enfrentar tais mazelas já faz da rotina desses trabalhadores. Feliz aquele que, independentemente das circunstâncias, consegue expandir seu ciclo de amizades. Aliás, conhecer mares de gentes e histórias talvez seja o que de fato vale na vida cigana de porteiro sobressalente. É por meio desses contatos que outras oportunidades de trabalho podem surgir. Só de encontrar um lugar onde a vida profissional siga um curso mais tranquilo já seria de bom tamanho. Com tantas idas e vindas, palavras como confiança, autoestima e desempenho profissional fatalmente caem em desuso. “Provar que a gente tem compromisso e sabe trabalhar demora um tempo. Não é com um ou dois plantões que se mostra isso”, lamenta Renato. Mais resignado, Mauro desabafa. “Apesar dos pesares, ainda tenho que agradecer a Deus por tudo. Tenho família para cuidar, contas para pagar. Sabe como é”. Não sabemos, mas, de alguma forma, dá para imaginar.


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Belo Horizonte, julho de 2014

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Atenção para a chamada! “Matar aula” pode ser um momento para o universitário relaxar, socializar, namorar e até trocar informações. Mas onde fica o compromisso com a formação? FOTO: ARQUIVO IMPRESSÃO

Marcos Gonçalves, Marta Quintino e Amarilda Alves, alunos da Facisa: debates acadêmicos na mesa de bar

Cleiton Augusto Soares Diego Rodrigues Marconi Turci de Lima Tainá Tavares

Em Belo Horizonte, durante a semana, milhares de universitários dos três turnos dedicam-se aos estudos dentro da sala de aula. Eles buscam conhecimento e qualificação pessoal e profissional. Para alguns, o objetivo é um lugar no mercado de trabalho, enquanto outros, sem muita perspectiva, desejam apenas a graduação. São 20h de uma quarta-feira, horário em que muitos alunos de uma universidade da região Noroeste de BH correm ao encontro de conhecimento. Outros, ao contrário, seguem ansiosos em direção a corredores e bares ou aos braços de quem se ama. Há quem nem saia do lugar: de corpo presente na sala de aula, sentados (ou dormindo) diante do professor, desviam o olhar para o celular, mantêm ouvidos na narração futebolística e destinam a voz ao colega ao lado. O que leva uma pessoa no ensino superior a matar aula? O que faz com que alguns estejam em tantos outros lugares, mas não naquele capaz de fazê-los alcançar seus objetivos? Cansaço e estresse após um dia de trabalho são apontados por Rafael Augusto e Rivas Jerry, estudantes de Administração do UniBH, como motivos para incitá-los a matar aula. “Há dias em que, se não viermos ao bar, para trocar ideia, tomar “uma” e relaxar, ainda que no período de aula, não aguentamos o ritmo”, afirma Rafael. “Já dei uma pausa nos estudos para ir ao Mineirão. Fui assistir ao jogo do Galo. Precisava fazer algo diferente”, completa Rivas. O papo entre os dois continua. Na mesa ao

lado, Marta Quintino, Amarilda Alves e Marcos Gonçalves, estudantes de Contabilidade da Facisa, degustam um tira-gosto e discutem questões sobre um trabalho a ser feito. Dizem não estar matando aula. Aquele, na verdade, seria um horário livre para discussões. Além disso, confessam que, por vezes, deixam a sala de aula por não se adaptar aos métodos de certos professores. “O assunto era muito complexo e a didática dele não cativou nossa atenção. Preferimos sair da sala. Para não ficarmos prejudicados, tiramos nossas dúvidas com ele depois, em particular”, conta Marta Quintino. Viagens em sala

Ser aberto ao diálogo com os alunos é fundamental. O contrário acabará por afastá-lo da sala. Segundo a psicóloga Nathália Passos, “o professor precisa inovar sua metodologia, por meio de estratégias que façam com que o estudante interaja mais com o conteúdo ministrado”. A falta de interesse a determinados temas estimula a ausência de muitos universitários. Na visão da especialista, os motivos que levam estudantes a matar aulas são bem diversos. “Existem alunos que podem estar com problemas familiares, enquanto outros, de fato, são influenciados pelos colegas”, garante. Tais influências de amigos realmente ocorrem. Estudantes de Odontologia da PUC Minas, Bárbara Couto e Bruna Raquel já foram estimuladas a não assistir às aulas. “Isso, no ensino médio. Agora, na universidade, não dou espaço para este tipo de atitude, pois sei o quanto me custa caro estar aqui”, comenta Bárbara. “As influências existem, mas cabe a nós decidirmos o que é mais importante”, destaca Raquel. Professora de edição de áudio e vídeo do UniBH, Lili Batista ressalta que aproveitar o

tempo em sala de aula é muito importante. “Quando você assume um compromisso de formação superior, presume uma opção espontânea. Dedicar-se aos estudos é corresponder a esta escolha”. Para ela, os alunos que faltam por motivos torpes são os maiores prejudicados. “Depois, vêm questionar nota, prova e aprendizado. Reclamam sem argumentação justa”, afirma, ao ressaltar o que faz com quem fica, em sala de aula, a viajar na internet: “Peço para que acessem a web e pesquisem sobre assuntos que estejamos discutindo. É uma forma de chamar a atenção para o conteúdo ministrado”, esclarece. Victor Lamarca conta que, certa vez, por preguiça, deixou de assistir a uma aula e foi embora.“No meio do caminho, fui vítima de uma tentativa de assalto”. O estudante de Publicidade e Propaganda da PUC Minas lembra que ficou muito assustado, mas não teve prejuízos. O ambiente acadêmico é propício aos faltosos. Existem pessoas que, certamente, não matam aula e acabam chamados de “Caxias”. Outros arriscariam dizer: “Quem nunca matou aula que atire a primeira pedra”. Além disso, quando há pessoas envolvidas em relacionamentos amorosos, as possibilidades de os casais matarem aulas para ficar juntos são grandes. Contudo, engana-se quem pensa que os solteiros não dão um jeitinho. É o caso de Fernando Moura, estudante de Publicidade e Propaganda do UniBH. Aos 17 anos, chegou a matar aula para namorar. Ele estudava no Sesi Gameleira; já sua namorada, no Promove Buritis. “Certo dia, estava chuvoso. Fui assim mesmo. Cheguei molhado e aguardei ela sair. Foram poucos os minutos, mas valeu o esforço para vê-la”, lembra.


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Mortos que contam histórias Anderson Alves Henrique César Júnio Santos Matheus Ferraz

“Moritvri Mortvis”. “Os que vão morrer saúdam os mortos”. Eis a saudação à entradando no Cemitério do Bonfim, que, mais do que saudar àqueles lá enterrados, pode nos contar e ensinar muitas histórias de Belo Horizonte – muitas das quaispermanecem escondidas em meio aos sepulcros. Inaugurado, em fevereiro de 1897, antes mesmo da inauguração da capital mineira, estão enterradas pessoas que ajudaram a construir a cidade. Trata-se de políticos, músicos, artesãos e muitos outros que fazem parte da trajetória da metrópole. O Cemitério do Bonfim é a mais antiga necrópole da capital mineira. Foi planejada pela Comissão Construtora da Nova Capital e abriga rico acervo histórico, cultural e patrimonial, composto por 54 quadras ocupadas por sepulturas e bens artísticos integrados, além do ossuário. O local é testemunha de parte significativa da história de BH e de seus moradores. Sua memória se expressa por meio dos jazigos das famílias e de pessoas homenageadas, dos conjuntos escultóricos executados por artistas e marmorarias, dos materiais característicos de cada época, dos símbolos a representar ofícios e crenças. Dentre as histórias do Cemitério, estão tramas políticas não apenas de BH, como de todo o Brasil. Os corpos de grandes líderes e seus familiares estão lá enterrados. O nome Raul Soares, por exemplo, não é nada estranho para os habitantes de Belo Horizonte, já que há cidade, hospital e praçaque ostentam seu nome. Mineiro de Ubá, Raul Soares de Moura está sepultado na quadra 18 do Bomfim. Em 1922, foi empossado como presidente do Estado de Minas Gerais nome dado ao cargohoje ocupadopelo governador. Seu túmulo, a priori, construído modestamente, acabou reformado, mais tarde, por um artista italiano. Atualmente, é o maior jazigo do local. Outro que fez história na cidade foi Otacílio Negrão de Lima. Mineiro de Lavras, atuou como prefeito de Belo Horizonte por duas vezes. O patrocínio da exposição de artistas mineiros, a inauguração do viaduto da Floresta e a criação do Horto Municipal foram algumas das obras realizadas durante sua gestão. No Bon-

fim, como homenagem do governo do Estado, ergueu-se um túmulo cívico ao político, numa praça no meio do Cemitério. Em cima de seu jazigo, há um hiper Sagrado Coração de Jesus. Outro “tesouro” foi construído no final da década de 1930, com estilo Art Décor e linhas retas. Trata-se do túmulo de Olegário Dias Maciel. O monumento tem três lados. No primeiro, uma escultura representa a lei (Lex), no segundo, está a justiça (Justitia), euquanto, no último, fica o trabalho (Labor). Em setembro de 1930, Maciel tomava posse no governo de Minas, cargo que exerceria até setembro de 1933, ano de sua morte. Na verdade, ainda outras tantas histórias podem ser revividas por meio de parentes de políticos e pessoas públicas que jazem no Bonfim. Quem o digam a mãe de Juscelino Kubitscheck, Júlia, a família Savassi, os familiares de Augusto de lima, José Cândido da Silveira, Milton Soares Campos e o pai da presidenta Dilma Rousseff, dentre outros. Milagres e futebol

“Saúde e paz”. Era assim que Humberto van Lieshout, o Padre Eustáquio, cumprimentava as pessoas. Nascido na Holanda, o pároco viveu os últimos anos de sua vida no bairro Celeste Império, em Belo Horizonte. Em 1943, morreu sentado em um banco dentro da sacristia da igreja. Em certo momento de sua trajetória, intercedera pelo então presidente JK, que recebeu um milagre, sua esposa Sarah não conseguia engravidar, após Juscelino pedir auxilio ao Padre, sua esposa conseguiu engravidar e teve uma gestação t r a n quila. Apesar de enterrado no Cemitério, em 2009, ano de sua beatificação, o clérigo teve os restos mortais levados à igreja Pe. Eustáquio, no bairro que também leva o seu nome. Pode-se comprovar a força religiosa dos belo-horizontinos por meio dos túmulos mais visitados do Bonfim: Pe. Eustáquio, Menina Marlene e Irmã

Benigna são campeãs de audiência. Mesmo que os restos mortais não estejam mais no cemitério, os fiéis, em peregrinação, permanecem a visitar seus túmulo e a deixar pedidos de bênçãos e agradecimentos de graças recebidas. A quadra 24 do Bonfim mais parece um campo de futebol. De um lado, a cor que dá tom ao local é o azul celeste, que ostenta, como “principal” estrela do time, Roberto Batata. O “plantel” de seu time é decorado com nove faixas de Campeão Brasileiro de 2013 e uma condecoração que parece reluzir mais do que as outras: trata-se da referência à Copa Libertadores da América de 1976, último torneio que Batata ajudou o Cruzeiro a conquistar em vida. Bilhetes e mensagens de agradecimentos e pedidos são encontrados aos montes em seu “campo”. Os torcedores afirmam que o jogador está sempre a ajudar sua equipe a conquistar mais títulos. Separado de Batata por duas sepulturas – que, aqui, podemos chamar de “meio de campo” –, está o túmulo de Roberto Drummond. É do cronista a responsabilidade de representar o Alvinegro das Alterosas. A equipe não poderia estar mais bem capitaneada. O preto e o branco colorem o sepulcro. O túmulo do criador de frases marcantes exibe inúmeras faixas da conquista da Libertadores da Améria de 2013, além de mensagens, pôsteres e fotografias. Drummond amava futebol e quis o destino que ele viesse a jogar na equipe dos mortos, em 2002, no dia em que a Seleção Brasileira bateu a Inglaterra na Copa do Mundo. No jogo da Arena do Bonfim, o resultado do clássico dos Robertos foi empate. A paixão dos torcedores pelos times venceu as barreiras da morte e imortalizou os jogadores da quadra 24. Arte e técnica Vozes que se calaram, legados que permanecem vivos por toda a cidade. Ao andar por entre os túmulos, passamos por pessoas marcantes para a história da Comunicação na capital mineira. Na quadra 16, por exemplo, encontramos a voz que a morte não calou: lá está Januário Carneiro (1928-1994), fundador da Rádio Itatiaia, uma das mais tradicionais e importantes emissoras do cenário radiofônico do Estado. Januário é considerado por muitos como o maior radialista de MG de todos os tempos. O legado deixado por ele inspira muitos radialistas. Em sua sepultura, inúmeras homenagens lhe são prestadas. Na quadra 44, está enterrado Domingos Xavier de Andrade, o Monsã, artista plástico nascido na mineira São João Del Rey, em 1903, e que faleceu, em 1940, por conta de uma pneumonia. Monsã foi um dos percursores da modernização dos trabalhos gráficos na cidade. O designer trabalhou na extinta revista Belo Horizonte, principal publicação da cidade nas décadas de 1930 e 40. Fotografia é algo que vemos em vários túmulos por todo o Cemitério do Bonfim. Os culpados disso estão na quadra 9: os Irmãos Passig foram os pioneiros da atividade em Belo Horizonte.


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mídia e tecnologia

Belo HorIzonte, julHo de 2014

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Alvos da vez Agressões durante protestos tornam-se rotina para profissionais da imprensa Fransciny Alves Wesley Abreu

Noite de 18 de junho de 2013, sede da Prefeitura de Belo Horizonte, avenida Afonso Pena, n° 400, Centro. Manifestantes com rostos cobertos quebram vidraças e soltam bombas contra a sede da administração municipal. Devido à violência, boa parte da imprensa se afasta do local, menos Vinicius Segalla, repórter esportivo do portal de notícias UOL, que transmite, por meio de um rádio, informações de momento à redação em São Paulo. Instantes depois, a cobertura é interrompida. Um manifestante toma o rádio das mãos do repórter, que acabara de ser confundido como informante da polícia. Vinicius argumenta: “Sou jornalista! Estava transmitindo informações à redação”. A explicação de nada adianta. Segalla começa a ser agredido com socos e pontapés por cerca de dez manifestantes. Inesperadamente, chega a salvação do jornalista: um rapaz por ele entrevistado no dia anterior reconhece-o e grita aos policiais: “Ei, gente! Para, para, para! Ele é gente boa! E está do nosso lado”. Vinicius confirma. Um dos agressores grita: “Corre!”. O repórter não pensa duas vezes. Sai correndo dali para um local mais seguro. Não se engane, porém, quem pensa que Segalla continuaria em paz durante as manifestações. Esse foi apenas um dos casos de agressões contra jornalistas registrados em Belo Horizonte. Após tal data, mais seis profissionais da imprensa sofreram violações, sendo que quatro delas foram cometidas pela Polícia Militar – enquanto o restante ficou por conta dos manifestantes, nos dias 26 de junho e 7 de setembro de 2013. Os dados são do relatório da Associação Brasileira de Jornalis-

mo Investigativo (Abraji), reveladores de que, entre maio de 2013 e 8 de abril deste ano, 166 jornalistas brasileiros tiveram seus direitos violados durante manifestações. Dos ataques, 107 foram intencionais. Ou seja, o agressor – polícia, guarda civil, segurança privado ou manifestante – sabia que a vítima era profissional da imprensa. Das 59 ocorrências de violação, 27 não foram intencionais. Em 30 dos casos, a Abraji não conseguiu resposta dos agredidos, e, nos dois episódios restantes, a vítima não conseguiu identificar se a agressão fora intencional ou não. As agressões

Uma das violações não relatada pela Abraji ocorreu, mais uma vez, com o jornalista Vinicius Segalla, que, no dia 26 de junho, passou por outra situação delicada, ao transformar-se pegar carona com a rádio Itatiaia. “Fazendo cobertura próximo ao Mineirão, e para conseguir sair do tumulto, aceitei uma carona da rádio Itatiaia, que levava três profissionais de outros veículos de imprensa. Quando chegamos à avenida Afonso Pena, no Centro, manifestantes avistaram o carro da rádio e começaram a jogar pedras. Uma delas até quebrou o para-brisa do veículo. Sorte que o motorista era muito hábil e entrou de ré, pela contramão, da rua Tupinambás, conseguindo nos tirar dali. Naquela hora, confesso que pensei: pronto, acabou!”, descreve Segalla. As agressões físicas, alternavam com as

agressões verbais. A situação foi vivenciada em São Paulo pelo renomado jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo. Em Belo Horizonte, a repórter Shirley Barroso, da Record Minas, também fora xingada, no dia 26 de junho. Para a jornalista, a violação ocorreu porque os manifestantes mais radicais desejam que a imprensa mostre apenas o lado deles. “Fazem de tudo para que a polícia agrida e reaja. Vi pessoas tirando as calças e mostrando as nádegas para que fossem agredidos. E o policial não fez nada. Por vezes, querem que a gente divulgue fatos da maneira deles, ou que não aconteceram”, analisa a jornalista. Por outro lado, as denominadas “forças de segurança” – polícia, guarda civil e segurança privado – foram responsáveis por 85 das 107 agressões intencionais. No dia 7 de setembro, Lucas Simões, repórter do jornal O Tempo, um dos agredidos pela Polícia Militar de Minas Gerais, estava perto da 3ª Área Integrada de Segurança Pública (AISP), no Barro Preto, região central de Belo Horizonte, a colher imagens, quando foi acertado na mão por um cassetete. “Estava virando e o policial chegou me batendo. Não consegui identificá-lo porque todos os PMs usavam capacete. Tomei uma pancada no dedo e minha unha caiu”, conta o repórter. Procurada para responder sobre as ocorrências em que jornalistas afirmaram ser agredidos por militares, a Polícia Militar não quis se pronunciar sobre o assunto. Questionada se poderia atuar durante as manifestações, a Polícia Civil de Minas Gerais esclarece que, com base na Constituição, cabe à PM realizar o policiamento ostensivo – ou seja, agir preventivamente, evitando que o crime ocorra. Quando o crime já ocorreu, cabe aos policiais civis investigar a autoria. Motivo das violações

Um dos clichês do jornalismo garante “quem sabe, muitas vezes não diz. E quem diz, muitas vezes, não sabe.” De acordo com Luis Flávio Sapori, sociólogo


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mídia e tecnologia

Belo HorIzonte, julHo de 2014

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foto: reprodução

especialista em segurança pública, é dessa forma que parte dos manifestantes e policiais têm enxergado a imprensa. “Apenas um segmento deles tem a premissa de que a mídia está a favor do capital. Por isso, veem o jornalista como a serviço do poder. Nesse sentido, terão postura de antagonismo. Em contrapartida, o policial vê os repórteres como pessoas que podem denunciar seu comportamento indevido naquela situação”, disse Sapori. Para Guilherme Alpendre, secretário-executivo da Abraji, a impunidade é um dos fatores que estimula crimes contra jornalistas. E que a desvalorização de direitos, como o direito à liberdade de expressão, contribui ainda mais com essas violações. Para o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio Souza, professor da PUC Minas, existem dois motivos para a existência de agressões contra a imprensa. A primeira delas seria a falta de preparação dos agentes do Estado para lidar com as manifestações de massa, já que, na maioria das vezes, agem em momentos de concentração de população e de muita repressão. A outra possível causa é a busca desenfreada pela melhor informação, o que faz com que os repórteres e cinegrafistas fiquem em situação de vulnerabilidade. Ao buscar uma justificativa para a visão deturbada que parte dos manifestantes tem em relação ao papel do jornalista, Sávio destaca que os manifestantes não se revelam contra os re-

pórteres: “Eles são contra a cobertura realizada pelos veículos de mídias tradicionais, que, geralmente, usam como única fonte órgãos de estado, além de emitir, nas coberturas, uma visão muito negativa dos movimentos sociais. O problema não se dá em relação aos profissionais, mas aos veículos”, destaca. Em relação às agressões cometidas por manifestantes, Segalla considera difícil mudar a ideia de que a imprensa seja uma entidade fascista, comprada e a serviço do capital. Isso por se tratar de questão sociológica. Por mais que o exercício do bom jornalismo tenda a mudar essa visão com o tempo, ações tópicas e imediatistas não reverterão o quadro atual. As agressões – tanto de manifestantes quanto de policiais – contra os jornalistas voltarão a acontecer. Precauções A solução para acabar com as agressões é outro ponto a gerar debates. Guilherme Alpendre avalia que, para que haja proteção dos jornalistas, o ideal é que todas as empresas forneçam o que existe de melhor no mercado, para seus funcionários, em termos de equipamentos de segurança. Além disso, os veículos de imprensa devem adotar protocolos simples de segurança, como não usar imagens obtidas por cinegrafistas que se arriscaram para filmar algo. Ainda segundo Alpendre, para que as agressões não voltem a acontecer, é necessário que a polícia

investigue os casos de agressões e responsabilize os culpados. Em 6 de abril deste ano, Santiago Ilídio Andrade, cinegrafista da TV Band, morreu na cidade de São Paulo, após ser atingido por um rojão, lançado por manifestantes. Estudiosos apontam que a busca desenfreada pela melhor imagem, pelo melhor ângulo e por um furo de reportagem, fazem com que o próprio jornalista se coloque em situação de risco, não levando em conta o ambiente onde trabalham. Por isso, segundo Sávio, é primordial que o repórter entenda que, se ele quiser preservar sua vida e sua dignidade, terá de tomar certos cuidados. Nessa mesma linha de raciocínio, para o sociólogo Luis Flávio Sapori, é fundamental que os jornalistas tomem precauções. “O profissional de imprensa precisa fazer uso de equipamentos de segurança e de identificação nos eventos. Ser anônimo, durante as manifestações, é ser anônimo para a população e, também, para a polícia. Desse modo, o risco de se envolver em situação de perigo também aumenta”, assegura. Por outro lado, Vinicius Segalla argumenta que a identificação pode prejudicar o flagrante da notícia. “Tanto os manifestantes quanto os policiais podem maquiar suas atitudes devido à presença da mídia. Essa identificação atrapalha o fazer jornalístico. Com segurança, claro que ajuda, mas, se você quer realmente ficar seguro, permaneça em casa”, afirma o repórter.


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Belo Horizonte, julho de 2014

Tramas esportivas

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Da geral ao camarote Programas de sócio torcedor tornam-se solução financeira para os clubes de futebol, mas não associados tendem a ficar à margem do espetáculo esportivo foto: Junia ramos

têm modalidades que garantem aos sócios ingressos garantidos em todos os jogos em que o time seja o mandante. A maioria dos programas, porém, prioriza a venda de ingressos, dando aos associados a preferência na compra dos bilhetes, antes da nas bilheterias. O Cruzeiro, que tem hoje cerca de 56 mil sócios, tem mensalidades a partir de R$ 30,00, com prioridade e desconto na compra de ingressos. Em outras, há garantia de ingresso nos jogos em que o time seja mandante, com preços variam, conforme o setor do estádio, de R$ 105,00 a R$ 220,00. Além disso, os sócios torcedores de clubes vinculados ao movimento “Futebol Melhor” têm desconto em vasta gama de produtos e serviços, além dos descontos em produtos de seu clube, segundo os programas de cada um deles. Lei de mercado

Gleisson Flávio Júnia Ramos Vilmara Paula

Fidelização, comodidade, valorização do torcedor. Este é o discurso dos grandes clubes do futebol brasileiro para alavancar os programas de sócio torcedor, realidade cada vez mais sólida. Mas, fica a pergunta ao leitor: trata-se de uma real valorização do torcedor, ou mera solução financeira dos clubes para fazer frente às suas despesas, cada vez mais vultosas? E você, torcedor de décadas de geral, que tanto ajudou a construir a his-

tória de seu clube, qual é agora seu papel e seu espaço nos estádios? Os programas de sócio torcedor surgiram no Brasil no final dos anos 1990. Apesar do grande sucesso do Internacional de Porto Alegre, criado em 2002 e hoje 1º colocado, com mais de 116 mil sócios -, o São Paulo, em 1999, foi o pioneiro na tentativa de atrair seus torcedores a consumirem os produtos do clube. De lá pra cá, muitos outros grandes clubes investiram pesado, com diferentes atrativos e preços. Alguns deles, como os do Inter-RS, Grêmio e Santos, dão direito de voto a seus associados. Cruzeiro e Palmeiras

O cenário financeiro do futebol atual é a principal justificativa dos clubes para associar seus torcedores. A matemática é simples: para fazer frente à realidade europeia, o custo dos plantéis aumentou. O futebol está inflacionado. Para mais despesas, é preciso mais renda. A saída? Estimular o torcedor, através de benefícios e comodidades, a garantir a bilheteria dos jogos. O vice-diretor de Comunicação Social do Inter-RS, Norberto Guimarães, ratifica essa tese, afirmando que o sócio torcedor, hoje, é vital para o crescimento financeiro dos clubes, para se ajustarem às novas realidades. Marcone Barbosa, diretor de marketing do Cruzeiro, enfatiza essa necessidade de fazer frente aos patrocínios de outros clubes, especialmente do eixo Rio-São Paulo, bem mais expressivos que os demais. Está posta a acirrada competição de mercado, que chegou à seara futebolística, transformando-o em produto, e o torcedor em cliente. “O futebol está cada vez mais caro. É preciso ser criativo para competir com os adversários”, justifica Barbosa. No Inter, aqueles torcedores menos frequentes têm mensalidades diferenciadas, segundo a distância e frequência aos jogos, numa mostra de criatividade para ganhar essa queda de braço. E quanto àqueles torcedores eventuais, não associados? Terão ainda espaço nos estádios? Especialistas na área e dirigentes, apesar de às vezes se mostrarem resistentes, admitem essa exclusão. “Existe a exclusão, mas não deliberada, é um resultado natural da nova realidade dos clubes”, explica o colunista da Folha de

São Paulo, Juca Kfouri. Na mesma linha, Norberto Guimarães concorda que o crescente número de sócios torcedores criará essa “zona de exclusão”. De fato, não cabe todo mundo, os estádios não são elásticos, segundo Kfouri. Alguém tem que ficar de fora. Dentro do propósito dos clubes, essa é a nova lei: associa-se enquanto há tempo! Já Ivan Drumond, jornalista esportivo do jornal Estado de Minas, vê a exclusão do torcedor por outro prisma. “Entregaram o Mineirão para a Minas Arena, e tiraram o torcedor do estádio. A tradição do tropeiro, da cerveja, acabou. Sofisticou”, conclui. E quem não quer se sofisticar? Bom, este fica com a sobra, segundo Marcone Barbosa. Até que ela não mais exista. A astronômica alta no preço dos ingressos, em grande medida pela modernização dos estádios brasileiros, quase que obriga o torcedor a ser sócio, e continuar exercendo sua paixão pelo time. Eles, porém, parecem ter assimilado essa ideia, dados os números de adesões. Diego Adriel, 23 anos, torcedor do Cruzeiro, associou-se há um ano, para fugir das filas e pagar menos pelo ingresso, além de se sentir parte do time. Apesar disso, Diego também admite que, principalmente em grandes jogos, o torcedor “comum” está fadado a ficar de fora. É tudo ou nada. Para os “comuns”, como Cristiane Faraco, 44 anos, o acesso está restrito. Ela conta que, em sua última ida ao Independência, com marido e dois filhos, pagaram R$ 140,00 pelos ingressos, e ficaram espremidas, de onde viam lugares vazios, reservados aos sócios torcedores. Tem-se agora o público fictício. Sócios que pagam, mas nem sempre vão a campo. “Vejo-me um tanto excluída. A publicidade, o esquema de estacionamento no local e a própria segurança giram em torno dos sócios torcedores”, constata Cristiane. Ela ainda conta que já pensou em se associar, mas isso ainda não cabe no orçamento da família. Apesar disso, Cristiane vê, como lado positivo, o aumento na renda dos clubes, e maior presença de famílias nos estádios. Mas tudo restrito aos sócios. Para se inverter o quadro atual, e redemocratizar o futebol, talvez seja preciso retornar-se ao status quo do futebol, como esporte do povo. Talvez pensar-se numa forma de desinflacionar o futebol. Assim, os clubes não dependeriam de empresários alheios ao futebol, com interesses econômicos, e indiferentes à paixão dos torcedores. Seria termos de volta apenas o futebol e seus apaixonados torcedores.


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