Edição 194 - Caderno 2

Page 1

DO!S

natanael vieira

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 31 • número 194 • Abril de 2014 • Belo Horizonte/MG

A poesia por trás das cortinas Reportagens vivenciam a arte dos bastidores. Dossiê nas páginas 2 a 9.


2

Belo Horizonte, abril de 2014

Dossiê Bastidores

Impressão

Prazer, Luna Lunera Inspirada em livro de Clarice Lispector, peça mostra como viver “apesar de” fotos: natanael vieira

anos, estudante de Geografia. “É interessante porque não é aquela coisa formal, como em outras peças. O espetáculo não é uma coisa distante, a acontecer. A gente chega e tudo já está acontecendo, então você fica atento”, observa. Tamara demonstra apreensão pelo início da peça. Dita a primeira palavra pelo primeiro ator em cena, a estudante se deixa envolver pelo texto. “A ideia do cenário sendo construído me remete ao próprio sujeito. Faz perceber que nós estamos sempre em construção: cenário e sujeito”, é a reação do professor Fernando Coimbra, de 28 anos, que segue seu processo de autoconstrução, fazendo, daquele momento, mais um tijolo. Fernando balança a cabeça em diversos momentos da peça. Concorda com os personagens, com o texto. Ri durante os momentos cômicos. “Aai!”, reage uma moça sentada na fileira de trás ao ver a personagem Isadora morder um limão. A mesma moça repete, de vez em quando, parte do texto. A aflição e a repetição de falas dos personagens são compartilhadas por outros presentes no espetáculo, embora seja apenas o 2º dia de apresentação. A Companhia de Teatro Luna Lunera já esteve em três estados com a montagem “Prazer”. A estreia – aclamada pela crítica – foi no Festival de Teatro de Curitiba, seguindo para o Rio de Janeiro e, depois, São Paulo. Desprazeres do prazer

Inquietante: personagens de Prazer aprendem a lidar com as adversidades da vida

Bruna Tavares Karla Lopes 6º Período

Natanael Vieira 8º Período

O público começa a entrar. O espetáculo já começou. Os atores, já imersos nos personagens, escrevem nas paredes do cenário. Este será o que, afinal, for escrito. Sua forma depende da letra de cada um. São trechos de Clarice Lispector, fragmentos do texto da peça – confissões, reflexões, gritos e desabafos – e, vez ou outra, são ocultadas ou sobrepostas por efeitos de iluminação. Mesmos efeitos que fazem das paredes telas para projeção de novos escritos e, até mes-

mo, pombos, nuvens e Ulisses, o cachorro de Marcos (Marcelo Souza e Silva). Nem todos que percorrem os corredores do teatro à procura do assento entendem que a atração já começou. Há quem pense que trata-se de ajustes que ficaram “por fazer”, outros que não é importante e desatinam a conversar e alguns até tropeçam, tamanho interesse no que se passa no palco. Mas, quando todos percebem que a construção do cenário é parte da peça – espécie de prólogo, de ambientação –, passam a assistir imóveis, quase sem respirar. O silêncio é quebrado apenas por um teclado de celular – sim, ainda existem pessoas assim –, um desembalar de balas e uma tosse nicotinizada com requintes de alcatrão. Entre os atenciosos, Tamara Macedo, de 22

Depois de levar prazer ao público com mais de 90 apresentações, Prazer vem à terra natal de seus atores e idealizadores com uma grande responsabilidade: inaugurar o teatro do também recém chegado, em BH, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A inspiração para a montagem do roteiro da peça foi um único fragmento do livro Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, de Clarice Lispector. “Uma das coisas que aprendi é que se deve viver ‘apesar de’. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive, muitas vezes, é o próprio ‘apesar de’ que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que, insatisfeita, foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso”, diz o trecho que reflete bem as inquietações da vida, as dúvidas com as quais as pessoas se deparam todos os dias e, utilizando-se da linguagem de Lispector, apesar de, buscam, de forma incansável, a felicidade e o prazer que dá nome à peça. Em Prazer, quatro amigos lidam com as suas questões pessoais e, ao mesmo tempo, compartilham suas inquietações, seus apesares. Inquietação é uma palavra bem adequada para descrever o novo espetáculo da Luna Lunera. Mais do que conviver com os problemas uns dos outros, os personagens aprendem como lidar com as adversidades da vida. Para compor esse roteiro, a companhia valeu-se de um cenário rico em presença que dialoga com os atores e, consequentemente, com o público. Fez-se uso da tecnologia das projeções e videografismos no trabalho impecável do videoartista Éder Santos, e, além disso, os próprios personagens de “Prazer” interagem com o cená-


Impressão

rio, mostrando que ele também dá vida e ritmo ao que o público vê no palco. Apresentando os desprazeres que se faz preciso conviver, Prazer mostra por que a companhia Luna Lunera se firma como uma das maiores de Minas Gerais e faz com que quem está na plateia se torne um quinto elemento na peça,

Dossiê Bastidores

compartilhando, silenciosamente, em duas horas de espetáculo, suas confissões e inquietações com Camilo, Isadora, Marcos e Ozorio. Começa o show

O público começa a entrar. O espetáculo já começou. Os atores, já imersos nos personagens,

Belo Horizonte, abril de 2014

escrevem nas paredes do cenário... e, ao final de toda a peça, os aplausos parecem ser o regresso à paz para os seres que estão no palco. Uma consagração pela atuação, pelo texto, pela montagem. Naquele momento, é como se coexistissem, no tablado, ator, personagem, codiretores e coescritores num mesmo corpo. Aplausos de pé.

Notas da construção de um espetáculo • Os próprios atores montam o palco e contribuem em aspectos mais técnicos, com os quais têm mais afinidade. Odilon, por exemplo, é responsável pelo alinhamento do som e do áudio. • Marcelo Souza e Silva estava limpando o palco quando chegamos. Na hora, não foi possível ver que estava cheio de escritos à giz. • No dia de reportagem, Cláudio Dias chegou pouco antes da apresentação porque um vizinho havia morrido. “A peça não pode parar. Essas coisas acontecem, tem que chorar as lágrimas, voltar ao teatro e atuar como se nada tivesse acontecido”, comenta Odilon. • Para os atores, o ato de tomar banho um pouco antes da peça representa a purificação do corpo. É um rito de passagem para que ocorra a limpeza do corpo para receber a alma do personagem. • Há um jogo de nomes entre os personagens. Isabela (Isadora), Odilon (Osório), Marcelo (Marcos), Cláudio (Camilo). A brincadeira deve-se ao fato de o roteiro ter sido escrito pelos atores e expressar características e subjetividades nos personagens. • Legumes de verdade são usados no preparo da sopa – não, não é cenografia. • A relação entre atores é tão íntima que Isabela, única mulher na peça, trocou de roupa na presença de todo mundo, inclusive na minha: “O ator tem isso de não se preocupar com o corpo, pois é um instrumento”, disse Odilon. “São anos de convivência, ha muito respeito entre nós e, para eles, são como mulheres” , completou Isabela. • Os rapazes se arrumam ao final. Já a Isabela tem maior tempo de preparo. Retocou as tintas vermelhas para o espetáculo, maquiou-se com a mesma naturalidade com que trocou de roupa. • No banho, Cláudio aquecia a voz, com sons de “vrum, shiu, shiu, shiu”, e ficou preso no banheiro. • Odilon balbuciava palavras em espanhol durante o banho.

3

• Enquanto os homens trocavam de roupa, discutiam que determinado ator apareceu na coluna social do Estado de Minas. • Em dado momento, os atores começam a lembrar de coisas que deveriam ter feito, mas não fizeram. • Os atores começaram o alongamento no camarim. • O coreógrafo Zé Walter Albinati repetiu algumas coreografias com Odilon, mostrando onde ele deveria dar mais ênfase no momento de pisar com força no chão. Despediu-se, falou que está a cada dia melhor. • Algumas frases a giz, nas paredes do cenário: Vou até onde? O maior desafio de um ser humano é tornar-se humano. Ser cotidiano é um vício. Liberdade é não ter medo. • Momento final, atrás do palco: discussões finais sobre as falas, momento de muitos abraços e união… um longo abraço coletivo e sussurros. Eles seguraram as mãos e jogaram o corpo para trás, bateram palmas e se beijaram.


4

Belo Horizonte, abril de 2014

Dossiê Bastidores

Impressão

Soy lo que soy Repórter do Impressão vai ao camarim dos atores do grupo Toda Deseo e registra os bastidores do espetáculo-festa No Soy Un Maricón fotos: Hiago Soares

Com festa, plumas e paetês, Toda Deseo convida espectadores a celebrar a cultura “trans”

Hiago Soares 6º Período

Rafael me abraçou como se já nos conhecêssemos. Disse que era bom que eu estivesse ali. Nossas conversas, até então, estavam sempre enlatadas em uma tela de computador. O prazer é meu, respondi, um pouco envergonhado, tentando estar à altura daquela entusiástica recepção. Rafael recolheu a sacola que havia depositado no chão e, ligeiro, caminhou em direção ao camarim. Igor, logo em seguida, me cumprimentou com um largo sorriso no rosto. Trocamos nomes e praxes. “Posso acompanhar vocês?”, pedi, desconcertado com a minha inabalável e imprópria timidez. Ao que ele respondeu, enfático, que sim, com certeza, me acompanhe. O dia ainda rompia escaldante fora do galpão do CentoeQuatro, o espaço multiuso com cinema alternativo, galeria, biblioteca e um charmoso café, localizado ao lado da Praça da Estação, no centro da capital. Passavam poucos minutos das cinco da tarde daquela sexta-feira de março quando descansei minha mochila sob uma cadeira de escritório, salpicada de confetes já envelhecidos de cor. “Você quer ficar com essa cadeira?”, perguntou Rafael. “Tem algum problema?”. E ele disse risonho que não, imagina, fique à vontade. Ali, explicou, cada ator tinha

sua cadeira como uma bancada para arranjar figurinos, acessórios e não misturar os objetos de cena. “Pode ficar com essa aí, ela é sua agora”. Armei minha câmera, apontei no olho o enquadramento, fui misturado entre os cinco atores e assistentes do grupo Toda Deseo e registrei: perucas acopladas nas pernas de cadeiras ao avesso. Brilhos de paetês, tecidos exuberantes, sandálias de salto, rendas, pincéis e esponjas de maquiagem. Cílios e unhas postiças, grampos, isqueiros, plumas e sutiãs. Garrafinhas de água

pelos cantos e incenso serpenteando o ar com sua fumaça perfumada. Will beijou meu rosto. “O prazer é meu”, ele disse. Apanhou uma peruca e, de frente para o espelho, já sem camisa, desembaraçava cuidadosamente os fios de cabelo. “Will, coloca uma música pra gente”, pediu Rafael, que exibia suas pernas cruzadas, despidas por um short curto, e mãos estendidas para Dominique, amiga e assistente do grupo, que pintava suas unhas de vermelho. Fábio – o único ator convidado do

Ficha Técnica Direção: Ju Abreu e Rafael Lucas Bacelar Dramaturgia & Elenco: Davidson Maurity, Igor Leal, Ju Abreu, Rafael Lucas Bacelar, Ronny Stevens e Will Soares. Coreografias: Ronny Stevens e Will Soares. Orientação teórica: Igor Leal Participação especial: Fábio Schimidt Workshop de make: André Silva [AnDrag] Fotografia: Déa Vieira Produção: Anderson Ferreira, Camila Félix e Dominique Macbét Comunicação & Idealização: TODA DESEO


Impressão

espetáculo, com um bigode característico, indispensável à sua performance como Freddie Mercury –, e Ju – a DJ – chegaram minutos depois. Igor estava estendido no chão, só de cuecas, alongando em etapas o corpo que entraria horas depois em cena. “Coloca Die Antwoord”. A caixinha de som em cima da mesa logo começou a vibrar as batidas de rap-rave da banda sulafricana. “Dança Fatty Boom Boom”, implorou Rafael. “Não sei”, Will respondeu, acanhado. “Sabe, sim, ‘viado’, dança logo!”. E Will coreografou o refrão com divertida habilidade. Ju acendeu um cigarro. Acomodou o notebook em cima de sua cadeira e conferia as músicas do espetáculo-festa no player de áudio. Entre uma e outra conferida na página do evento no Facebook, anunciou: “Tá bombando, tem muito nome na lista. Vamos abrir a bilheteria às 19h30”. Estariam em cena às 20h, logo após o término de um debate, organizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH) da UFMG, no café do CentoeQuatro, sobre como homens transexuais se utilizam do YouTube para compartilhar suas experiências, discutir invisibilidade e discriminação.Nada era mais propício: a Toda Deseo, com seu espetáculo-festa No Soy Un Maricón, versa efetivamente sobre isso. Quatro pocket-shows. Cinco atores-performers “montados” de travestis. Dublam, dançam, brincam em cena, são excêntric@s, melodramátic@s, “fechativ@s” e séri@s, ao mesmo tempo em que trafegam na investigação de um corpo enviesado pela questão dos gêneros. Nos intervalos entre um show e outro, hits de boates cortam o salão e convidam para dançar. Espectadores podem e devem sair de suas cadeiras confortáveis para participar do ato de celebração e manifestação da cultura Trans, ser contaminados pelos exageros, pelas caricaturas, pelas afetações, pelos gestos e vocabulários, que vão de Almodóvar (principal inspiração para o nome No Soy Un Maricón, dada através de uma apreciação descarada das obras do diretor espanhol e de sua produtora, a El Deseo) a cultura pop, como músicas e virais da internet, além de um regurgito saudoso do que foi um dos símbolos da contracultura brasileira dos anos 1970, o grupo de teatro Dzi Croquettes, no qual atores e bailarinos barbados cultivavam em cena saltos majestosos e roupas femininas. O espetáculo-festa é isso. Um compartilhar de histórias breves dessa gente que potencializa um corpo contrário ao imposto no social e que brinda as possibilidades do ser e de querer estar. Reconhecer e ser reconhecid@. Já passavam das seis da tarde quando Ronny e Davidson chegaram. Esbaforido, Davidson tragava um cigarro enquanto se esforçava com uma meia-calça marrom. Ronny atentava-se para o esboço de maquiagem no rosto de Rafael, que lhe pedia opiniões a respeito. Os três reuniram-se em frente ao espelho pregado na parede e, lado a lado, pintavam-se com as cores disponíveis nas paletas do estojo de maquiagem. As músicas de Beyoncé serviam como trilha para cada máscara delineada, ao passo que, entre uma e outra pincelada, dançavam como se fizessem parte de um clipe. “Alguém colou a foto do Luiz Estrela no estandarte?”, gritou um, referindo-se à imagem do poeta, amigo de artistas, habitante das ruas do centro de BH, participante ativo de mobilizações artísticas e culturais, e morto por espancamento numa noite de 26 de junho de 2013. “Eu já recortei a foto”, “Tem que colar”, “Cadê meu cílio postiço?”. “De quem é essa garrafinha d’água?”. “Cadê a cola?”. “Quantas horas, gente?”. “Achei”. “Essa calcinha aperta”. “Vai dar tudo certo”. “Vamos juntos”. Ouve-se o estrondo de um leque sendo aberto. Igor, com flores na cabeça, pulseiras nos braços, já vestido, maquiado e com as unhas preparadas, sai do camarim se abanando com graça. Cumprimenta o público que aguarda.

Dossiê Bastidores

Belo Horizonte, abril de 2014

5

Bafão: camarim de No Soy Un Maricón

Distribui sorrisos e conversas. Dominique vende os ingressos e cola pulseirinhas verdes de identificação no braço da plateia. No café do CentoeQuatro, onde o espetáculo-festa será apresentado, ecoa a canção Soy Infeliz, de Lola Beltran, trilha de Mulheres à beira de um ataque de nervos, película de Almodóvar. O espetáculo se estendeu até às onze da noite. Entre um pocket-show e outro, correria no camarim para a troca de roupa e para apaziguar a

sede. “Gente, agora é o momento bafão”. Por fim, o espetáculo se estendeu até às onze da noite. Foram aplaudidos de pé. Abraçados e beijados. Enquanto cruzava avenidas na noite, batia na memória uma frase que Rafael havia me dito antes de ter seu peito tomado pelo suor que produz o tablado: “Não vou me cansar enquanto a Europa não conhecer a Toda Deseo”. Afinal, como disse Almodóvar, “o essencial é isto: sobreviver e manter a paixão”.


6

Dossiê Bastidores

Belo HorIzonte, ABrIl De 2014

Impressão

Sons da Irlanda em

Por meio do facebook, grupo se reúne para forma

Paixão em comum pela sonoridade celta deu origem ao grupo

Gabriel Freitas Gabriel Medeiros 7º PeríoDo

É uma noite fria de outubro e seis amigos estão sentados em círculo, em um espaço pequeno. O grupo, formado por pessoas com histórias bem diferentes, começa a entoar canções tradicionais de uma terra distante. As montanhas que os cercam escutam as histórias de um povo que já sofreu muito, mas que também conseguiu encontrar a felicidade nas músicas que retratam boas colheitas, festas de casamentos e feitos memoráveis de personagens marcantes de uma cultura instigante, cheia de mistérios. Os seis amigos cantam e tocam os sons característicos da Irlanda, pequena ilha que faz parte do Reino Unido. Porém, eles não estão no berço da famosa lenda A Calçada dos Gigantes. O som ecoa na Lagoinha, em Belo Horizonte. Formada por Luís Biavati (violões e mandolin), Kelly Naves (voz), Hugo Wanner (whistle e violino), Nilton Haribol (flautas e violão), Emanuel Isaac (violino) e Rafael Salobreña (bodhrán e percussão), a Doolin é uma banda de música irlandesa que surgiu em 2013, mas é um desejo antigo de todos os in-

tegrantes. O grupo que foi batizado com o nome de uma cidade irlandesa. “Doolin é uma cidade muito musical na Irlanda. A gente escolheu porque achou o nome muito sonoro, dentro de outros nomes que a gente estava pesquisando. Olhamos outras opções, mas já existiam outras bandas com aqueles nomes. Então, a gente optou por Doolin. E fica legal também porque o “D” da banda é uma lira, que é o símbolo irlandês. É o único país do mundo que tem um símbolo musical como brasão”, diz a vocalista Kelly Naves. Na música desde muito cedo

A experiência dos integrantes na música começou muito cedo. Na infância ou adolescência, todos eles já tinham o contato com aulas de instrumentos ou canto. As formações são das mais variadas, indo do rock clássico aos mestres da música erudita, além de heavy metal, pop e reggae. Mas eles sempre nutriram a paixão pelo som irlandês. O violinista Emanuel Isaac, por exemplo, lembra que os filmes que via quando crianças o ajudaram a gostar do estilo. “Eu sempre assisti a filmes como Coração Valente, filmes medievais. Sempre tem as cenas da galera tocando música popular. Eu sempre gostava dessa parte. Quando eu comecei a tocar, foi umas das primei-

música irlandesa para irlandês ver Os integrantes da Doolin pensam em atravessar as fronteiras do país com o projeto. A banda sonha em mostrar o trabalho para o povo irlandês e, assim, interagir com os criadores. “A vontade é de mostrar para o mundo a música irlandesa, inclusive para os irlandeses. Gostaríamos que esse trabalho nos desse a oportunidade de aprender com eles”, disseram.

ras coisas que eu procurei”. A reunião dos “irlandeses”

“Todo mundo tem um pouco de história e de paixão com música da Irlanda, e quando foi lançada a ideia de tentar fazer uma banda tradicional irlandesa todo mundo topou a ideia na hora. Estamos felizes com isso. Mas o fomentador de tudo isso foi o Luís (Biavati)”, diz Nilton Haribol. Os contatos e “encontros” aconteceram por meio de uma rede social. Como todos estão conectados, nada melhor que facebook para encontrar as pessoas que gostam e sabem tocar música irlandesa. Não foi um processo rápido, mas o resultado desejado foi alcançado. Inclusive em momentos inusitados. Hugo Wanner conta que estava trabalhando em um casamento quando viu que músicos de Belo Horizonte procuravam por pessoas interessadas em fazer um som irlandês tradicional. Para passar o tempo enquanto o pastor falava, Hugo entrou em contato com o embrião da Doolin. “Eu falo que foi um achado, porque eu estava tocando em um casamento e aí, para passar o tempo, porque o pastor falava muito, decidi que ia vasculhar o facebook. Já estava em um grupo de música de Belo Hori-

zonte e achei música irlandesa. Aí, já comecei a teclar ali mesmo, do meio do casamento”. O publicitário Luan Ribeiro, que trabalha com divulgação de bandas na internet, acredita que o facebook também será importante para a Doolin no futuro. Para ele, a rede social permite que o grupo tenha um feedback instantâneo do público. “É interessante usar o facebook para reunir o grupo. Mas eles não podem esquecer que se trata de uma excelente plataforma de divulgação e diálogo. É um espaço em que eles irão alimentar os fãs e terão uma resposta imediata sobre o trabalho deles”, disse Luan. No café, almoço e jantar

Enquanto não estão ensaiando, os momentos são dedicados quase que exclusivamente à música irlandesa. Além do estudo do repertório que aumenta a cada reunião do grupo, eles procuram ouvir e pesquisar o máximo de material possível. “Atualmente, para mim, é quase meu café da manhã, almoço e jantar. O período que eu não estou com o instrumento e que não estou dando aula pesquiso material para trazer para a aprovação ou não do pessoal. O que eu escuto de olhos fechados de tradicional na musica irlandesa é uma banda chamada Lú-


Impressão

Dossiê Bastidores

Belo HorIzonte, ABrIl De 2014

m Belo Horizonte

ar a Doolin, banda de música irlandesa tradicional

fotos: gaBriel MeDeiros

Celta ou irlandesa? Os celtas não viveram somente na Irlanda. Quando se fala de música celta, podemos englobar várias origens: galega, escocesa, entre outras. A música irlandesa é mais comum em encontro de amigos, parentes, ambientes de festa e dança. A celta é voltada para o lado espiritual, não são tão rápidas, agitadas, dançantes quanto a música irlandesa.

nasa e The Corrs. Aprendi a conhecer a Cara Dillon e outros artistas mais atuais, como The Chieftains. No lado mais pop, comecei a escutar Glen Hansard, que eu acho também um compositor, músico e instrumentista fantástico”, disse Luís Biavati. Até mesmo em atividades físicas eles escutam músicas da Irlanda. “Eu acho que eu sou o único ‘maromba’ que malha ouvindo irlandesa”, disse Hugo Wanner, arrancando risos de todos da Doolin. Produção própria

E engana-se quem pensa que a Doolin tem pretensões de se dedicar apenas ao trabalho de artistas conhecidos da música irlandesa. Existe, sim, uma perspectiva autoral dos músicos. De acordo com Kelly Naves, o grupo deseja, em futuro próximo, escrever sobre lendas celtas e irlandesas e depois transformá-las em música. “Uma vontade antiga nossa é colocar música nos antigos contos de fada celtas e, principalmente, nas lendas e mitos irlandeses. Eu já comecei a escrever uma sobre a Calçada do Gigante e depois a gente vai colocar música nisso”. Não existe nenhum grupo em Belo Horizonte que toque música Irlandesa. Justamente por isso, a expectativa é a melhor possível.

Emanuel Isaac e Rafael Salobreña acreditam que público da capital mineira vai gostar do som festivo. “A gente acha que a galera vai gostar, por ser uma coisa nova, de dança, de festa”, disseram. Para o estudante de direito Wladimir Rodrigues, de 20 anos, que começou a gostar do estilo depois de passar um período na Europa, a Doolin fará que com a música irlandesa ganhe novos adeptos em Belo Horizonte e no estado: “Conheci esse estilo musical quando fiquei um período na Europa. Gosto muito e escuto com frequência através da internet. A falta desse estilo em bares e boates de Belo Horizonte não favorece para que outras pessoas possam conhecer também. Com a criação da banda, a música irlandesa ganhará novos adeptos em Minas Gerais”. O professor, compositor, cantor, músico e instrumentista Gabriel Urso acredita que a sonoridade apresentada pela banda tem espaço em Belo Horizonte. “É uma música poderosa. Tanto a tradicional quanto a mais moderna, feita nos séculos XX e XXI. Música irlandesa voa no mais alto patamar da qualidade. Quem não conhece, deve urgentemente escutar e se antenar. Há espaço em BH para essa música, que é vital”.

7


8

Belo Horizonte, abril de 2014

Dossiê Bastidores

Impressão

fotos: divulgação

Segredos de uma peça infantil O espetáculo A menina e o vento, do grupo Quatro Folhas, e suas nuances Letícia Faria Shara Rodrigues 7º Período

Quando se abrem as cortinas do teatro viajamos junto com os atores pelo mundo da imaginação. Mas, até chegar nesse ponto, sempre há muito trabalho envolvido. Pensando nisso, fomos até o Teatro Dom Silvério, região Sul de Belo Horizonte, para acompanhar o musical A Menina e o Vento, da Quatro Folhas Produções, com texto de Maria Clara Machado e direção de Diego Benicá. O espetáculo conta a aventura vivida por Maria, que se esconde na Cova do Vento para fugir das aulas de Educação Cívica de domingo, dadas por sua tia Adelaide. Acompanhada do irmão Pedro, Maria conhece o Vento em carne e osso. Depois de soprar o menino para longe, Maria, com sua inocência de criança, o enfrenta e desafia, até ser surpreendida com um irrecusável convite: passear em sua garupa e conhecer o Brasil. Segundo ele, muito mais

bonito visto de cima. A produção de A Menina e o Vento começou quatro meses antes da estreia. Trinta dias dedicados à pré-produção, na escolha dos atores, e o restante para montagem do cenário, iluminação, ornamentação, trilha sonora e estudo do texto. A cenografia é parte importante do espetáculo, pois ambienta e ilustra espaço e tempo, de modo a materializar o imaginário e aproximar o público, criando e transformando o espaço cênico. A iluminação dá ênfase a certos aspectos do cenário: estabelece relações entre o ator e os objetos, enfatiza as expressões das personagens, limita a representação a um círculo de luz e cria outros efeitos. O papel da sonoplastia também é essencial, pois enfatiza as tensões da trama e as emoções dos atores. O sonoplasta trabalha os elementos de áudio, ajudando a envolver o público na construção de imagens e sensações. O figurino, elemento fundamental da linguagem visual, é formado pelo conjunto devestimentas e acessórios. O figurinista auxilia

na compreensão do personagem e toda a sua simbologia. Preparação

Segundo Osmar Ferreira, produtor da peça, os atores chegam, aproximadamente, duas horas antes do abrir das cortinas. Neste período, o grupo faz uma preparação específica de corpo e voz. A atriz Gabriela de Paula explica que é necessário fazer alongamentos musculares e exercícios vocais, uma vez que corpo e voz devem estar ligados. O objetivo é dar condições para a voz se lançar na direção desejada, com a intensidade adequada ao tamanho do espaço, sem prejuízo da sua movimentação. A maquiagem, rica em detalhes, também ocupa boa parte do tempo de preparação. Trata-se de instrumento fundamental no auxílio à criação dos personagens e na transformação estética dos atores. Como a peça conta com oito atores para 11 personagens, é compreensível a correria nos bastidores ao longo da apresentação. O espaço e o tempo para as trocas de roupa são mui-


Impressão

Dossiê Bastidores

Belo Horizonte, abril de 2014

9

to pequenos, exigindo agilidade e perícia dos atores. Essa agitação só diminui no final. “É a hora em que nós respiramos” brinca o ator Bernard Bravo. Durante uma troca e outra, os produtores ajudam a desvirar as roupas e a organizar os outros elementos cênicos. Para contar essa história, os atores se revezam para cantar, ao longo do musical, nove músicas, motivo pelo qual deparamos com várias garrafas de água espalhadas pela coxia - lugar situado dentro da caixa teatral, em que o elenco aguarda sua deixa para entrar em cena. O clima ali, surpreendentemente, é de descontração do começo ao fim. Nem o zíper estragado na hora de entrar em cena atrapalha o ambiente. Quando cai o pano, o que se vê são abraços de comemoração por mais uma etapa cumprida. Acompanhando os bastidores, é possível perceber que a peça é apenas uma parcela dentro de um árduo trabalho. Cada um tem seu papel a desempenhar no mesmo grau de importância, contribuindo para que o espetáculo aconteça. Teatro acessível

A acessibilidade é uma oportunidade para que se faça a devida a inclusão social de pessoas com deficiências ou que portadoras de necessidades especiais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,5% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Em Minas Gerais, esse índice é de 14,9%. Em Belo Horizonte, as pessoas com deficiência chegam a 12,4% dos moradores. Foi-se o tempo em que pessoas com deficiência não tinham acesso à cultura. Hoje em dia, os teatros estão se adaptando para recebê-los. No teatro Dom Silvério, onde está em cartaz A Menina e o Vento, há uma rampa com a inclinação adequada para a locomoção de cadeira de rodas, bem como um corrimão em sua entrada. Nas dependências do teatro, um elevador especial possibilita fácil acesso. Dentro da sala de espetáculo, existe um espaço reservado apenas para cadeirantes. E, se o espectador solicitar, o teatro disponibiliza guias para o

Trupe teatral recebe o público após cada apresentação

acompanhamento dos deficientes visuais até os assentos, possibilitando a inclusão ao meio cultural. Instrumento de inclusão social

A sessão acompanhada pela reportagem contou, na plateia, com a presença de alunos de escolas públicas. Muitas das crianças, aliás,

tiveram a oportunidade de acompanhar uma peça pela primeira vez. O acesso dos estudantes ao teatro é fruto de uma parceria entre a produção e as escolas. Essa iniciativa possibilita um abatimento considerável no preço dos ingressos, pois, quando a instituição não tem condição de pagar o valor do ingresso, a prefeitura arca com o custo total.


10

Belo Horizonte, abril de 2014

Você já viu?

Impressão

Dilemas na coxia Com baixo orçamento, para os padrões hollywoodianos, Cisne Negro obteve grande sucesso de público, ao relatar as tensões durante a montagem de um espetáculo de dança divulgação

No filme, uma bailarina entra em confronto com seus próprios dilemas. A delicadeza e a pureza de Nina são atributos semelhantes aos da personagem Odette, princesa que, na história do Lago dos cisnes, é transformada pelo mago Rothbert na ave que dá título ao balé. Nina, no entanto, encontra um obstáculo ao interpretar a sombria Odile, personagem carregada de fúria, obscuridade, de valores extremamente invertidos aos de Odette. A pressão do professor, o cuidado excessivo de sua mãe (interpretada por Barbara Hershey, papel quase entregue à atriz Meryl Streep) e a estranha amizade com a colega Lily sobrecarregam-na e a fazem tomar novos rumos para tentar se superar e chegar ao que ela busca em todo o filme: a “perfeição”. O prestigiado diretor do longa, Darren Aronofsky – elogiado por outros trabalhos, como O lutador e Réquiem para um sonho –, não desperdiçou sua criatividade e despejou na obra boa dose de suspense e drama que resultaram em cenas tensas que ainda repercutem . O filme trouxe a pauta aos estudiosos do ramo da psicologia que discutem a questão das alucinações de Nina, mas, principalmente, os bastidores dos grandes espetáculos de ballet clássico: bailarinas que lidam o tempo todo com a pressão, o rigor, abalo emocional, a disputa e a desilusão. Além disso, chamou a atenção o papel do professor Leroy, que a desperta para a transformação ao tocá-la e incitá-la sexualmente, assim como a amizade com sua colega Lily, uma garota desinibida que desperta em Nina um sentimento de inveja e desejo de superá-la. Cisne Negro traz à tona a realidade nunca vista por trás das coxias de outros filmes de espetáculos de dança. Mesmo com poucas cenas referentes à arte da dança, a produção surpreendeu e emocionou profundamente ao mostrar a trajetória de Nina e não de uma simples bailarina interpretando o lado do bem e do mal de um espetáculo de dança. Os bastidores do filme também renderam histórias, algumas não tão boas assim. Primeiro, o orçamento do filme foi bastante reduzido. Tanto que quando Portman deslocou uma costela, na filmagem de uma cena , não havia médicos para atendê-la.

Ficha Técnica

Giselle Silva 4º Período

Inusitado, psicótico, surpreendente. O filme Cisne Negro, dirigido pelo prestigiado diretor Darren Aronofsky, foi um dos filmes mais rentáveis no ano de 2011, com cem milhões de dólares a mais que o investido. O longa apresenta tema de pouco apelo ao público em geral, mas que cativou muitos espectadores. Os elogios não foram desperdiçados para a atriz Natalie Portman. A encenação surpreendente de uma bailarina exigente consigo mesma premiou Portman com o Oscar de Melhor Atriz de 2011. Mas não foi nada fácil para Nata-

lie perder dez quilos com o objetivo de interpretar Nina, além de se dedicar ao árduo trabalho de muitas aulas de balé clássico. Nina é uma bailarina no auge da carreira, que busca a “perfeição” a todo custo. Após ser escolhida para interpretar o papel principal no prestigiado e clássico espetáculo O lago dos cisnes, a artista passa por vários momentos de tensão e aflição – fruto dos embates de interpretação entre Odete e Odille, nomes, respectivamente, dos cisnes branco e negro. No entanto, quem esperava cenas repletas de movimentos sincronizados, com bailarinas de tutu e o famoso momento da transformação do cisne bom em mau, encontrou trama completamente diferente, repleta de puro suspense.

Título no Brasil: Cisne Negro Título Original: Black Swan Ano de Lançamento: 2010 Gênero: Drama País de Origem: EUA Duração:108 minutos Direção: Darren Aronofsky Estúdio/Distrib.: Fox Filmes Elenco: Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Winona Ryder, Barbara Hershey, Sebastian Stan, Toby Hemingway, Abraham Aronofsky, Marty Krzywonos, Charlotte Aronofsky


Você já leu?

Impressão

Belo Horizonte, abril de 2014

11

Leia Filme

Livro-reportagem dos anos 1950 conta os bastidores de uma grande produção da MGM Alex Moura 6º Período

Filme, livro lançado pela repórter Lilian Ross em 1952, desnuda o mundo hollywoodiano da época e ajuda a entender o de hoje. Após uma reportagem para a revista The New Yorker sobre o diretor John Huston, ela recebe de Huston um convite para acompanhar todo o processo de um filme - do roteiro ao lançamento. Lilian, tal qual uma mulher invisível, assiste a praticamente todos os diálogos, discussões, problemas, embates em torno da produção de A glória de um grande covarde, uma adaptação de O grande emblema rubro, de Stephen Crane. Ross, com seu texto “silencioso”, dá prioridade aos fatos, evita se colocar como uma perso-

nagem da história. Seu objetivo inicial é apenas fazer uma reportagem para a New Yorker sobre a Produção n° 1512 da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), porém, em meio a tantas histórias e fatos, ela decide ampliar seu campo de trabalho, e, com isso, se torna uma das precursoras deste tipo de texto – romances jornalísticos. “Se a história vier a ser o que penso que ela é, teremos quase um livro, um tipo de romance pela maneira como os personagens se desenvolvem e pela variedade de relações que existe entre eles. Não sei se esse tipo de coisa já foi realizada antes, mas não vejo por que não eu não deveria tentar uma história factual em forma de romance, ou talvez um romance factual”, escreveu Lilian em uma carta enviada para seu editor ao deparar-se com o mundo de Hollywood. Essa carta revela o faro jornalístico da escritora. Mais

tarde, nos cincos capítulos publicados na New Yorker (que depois seriam compilados e se transformariam em Picture – ou Filme, em português), o talento para romancear fatos seria apresentado também. Muitos títulos foram dados a seu trabalho, mas todos, peremptoriamente, foram descartados. Lilian, em seu livro, mostra uma Hollywood que, até então, era somente fantasiada. A partir de Filme, não mais. Ela participa de festas, encontros, reuniões de família e o principal, mostra todas as dificuldades de Huston para produzir seu filme. Primeiro, ele tem que convencer a cúpula da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) que A glória de um covarde seria um filme comercial – e não conseguiu. Mesmo assim, consegue o aval de L. B. Mayer para a produção, porém com um custo mais modesto. Tudo isso é descrito minuciosamente no livro. A partir daí, feito uma “mosca na parede”, apelido dado por suas descrições e pelo seu olhar diferente, acompanha e descreve não só o filme em questão, mas também características dos personagens reais que ela cria para seu romance factual. O estilo adotado por Ross gerou críticas, a aproximação dela com os personagens de Filme e de entrevistas, de modo geral, incomodava algumas pessoas. Mas Lilian sempre se defendia. “Evite a interpretação, a análise, passar os seus julgamentos dizendo ao leitor o que ele deveria pensar. [...] Chegue o mais perto possível da verdade e deixe o leitor fazer a cabeça por si mesmo. Se tiver um incontrolável impulso para tornar suas opiniões explicitas, escreva um artigo polêmico ou um ensaio ou um panfleto ou um editorial, mas não tente fazer reportagem”. Ou seja, para ela a intimidade adquirida com os entrevistados não interferia em sua matéria, pois ela buscava demonstrar, da forma mais fidedigna possível, aquilo que estava à sua frente. Seus editores, Harold Ross e William Shawn, não se importavam com isso, confiavam na repórter. Os elogios foram muitos, porém, a cada capítulo publicado na New Yorker, o que mais lhe agradava era receber o beneplácito de seus pares: Truman Capote, A. J Liebling e Norman Mailer. Capote sempre disse que Lilian e seu livro sobre Hollywood foram referências para as suas obras. A escritora, certa vez, foi arguida longamente por ele sobre o processo de se fazer reportagens factuais com recursos literários. O “New Jornalism”, feito por nomes como Truman Capote e Gay Talese, se tornou conhecido mais tarde, na década de 60. Porém, Ross, com seu olhar apurado, em 1952, ao lançar Picture, contribuiu de forma impar na criação da base deste estilo tão elogiado de reportagem.

Ficha Técnica Título: Filme Título original: Picture Tradução: Pedro Maia Soares Capa: João Baptista da Costa Aguiar Páginas: 312 Acabamento: Brochura Coleção: Jornalismo Literário Editora: Companhia das Letras Preço: R$ 52,00


12

Belo HorIzonte, ABrIl De 2014

Crônicas

Impressão

Pesos e medidas Matheus de oliveira 6º PeríoDo

É fácil ser criminoso. Não me refiro aqui a homicídio, assalto e outros hediondos, mas aos crimes intrínsecos culturalmente em nós. Aquele pecadinho que sequer lembramos ser um ato contra a Corte Divina. Um palavrão – porque ninguém é de ferro – por exemplo. Mas saiba que xingar a mãe alheia ou mesmo proferir uma palavra pouco simpática ao próximo pode configurar injúria, que é “ofender a dignidade ou decoro de alguém”, segundo o Índice Fundamental do Direito. A pena pode chegar a um ano e seis meses de detenção ou multa. A condenação, geralmente, é aplicada contra o bolso do infrator. Dia desses, a Justiça Mineira decidiu que uma mulher terá de indenizar o ex-marido em R$ 30 mil por ela esconder que o filho do casal era, na realidade, de outro homem. Danos morais, afirmou a corte, composta por três desembargadores, majoritariamente homens. No primeiro julgamento, uma juíza foi quem deu a sentença: mulher inocente. É apenas uma preconceituosa conclusão que tenho, mas muito me estranha o fato de as decisões serem dadas favoravelmente à parte cujo sexo é o mesmo do julgador. Corporativismo de gênero? Talvez. Mas logo me lembrei de algo que ouvi numa aula de Sociologia, de que carregamos conosco tudo o que vivemos e tomamos decisões baseadas nessas experiências. A professora explicou melhor, mas é por aí. Seria natural, então, que a meritíssima que deu ganho de causa à mulher se pusesse no lugar da ré. Não que a magistrada já tenha tido casos extraconjugais, não me entendam mal, mas, por ser

mulher, é coerente pensar que ela veria o lado feminino com mais facilidade do que o lado masculino. O contrário, penso, também ocorreu quando o pobre marido foi declarado vencedor pelos homens do judiciário. Mas, e se for isso mesmo? Ah, temos um problema. Se cada um julgar conforme o subconsciente, de acordo com o grau de proximidade com o réu ou com a parte acusadora, haverá di-

vergências sobre uma mesma decisão. Se houver discussão fundamentada, ótimo. O problema é o ser humano, descrito por Freud como parte racional e parte emocional, usar daquilo que lhe toca a alma para decidir o futuro de alguém – não necessariamente criminoso. Cito o exemplo do Roberto, um jovem carteiro, que na semana passada fez uma festinha em seu AP e ficou até as 22h15 rebolando com a galera ao som do

Lepo Lepo. O vizinho do 22, Ademir, conservador, chato à beça e que pensa ser o sujeito mais puritano do universo (foi Roberto quem me disse) certamente não gostou de ouvir a festança do outro lado da parede, já que, conforme as regras do condomínio, não devem ser ultrapassados os 48 decibéis depois das dez da noite. Sim, Seu Ademir chamou a polícia. Não, ele não tem bom humor. É, o Roberto se lascou. A primeira advertência de sua casta vivência. Nem na escola, quando esqueceu o dever de casa, ele recebera bilhete do professor. Afinal, foi apenas aquele dia e Roberto sempre se comportou muito bem. Passou a infância com a avó em grupos de oração, visitou velhinhos em asilos e tornou-se coroinha da paróquia local. Agora, um policial à sua frente escreve o quão errado foi sua atitude ao passar 15 minutos do tempo permitido no tal regulamento dos condôminos. Que constrangimento para o nobre carteiro! Roberto não aguenta: - Vá se ferrar, velho idiota! – dispara contra Ademir - O que você disse, rapaz? - Apá merda! Xiiii, era melhor Roberto ter ficado calado. Agora, a inofensiva advertência virou seu primeiro boletim de ocorrência. Injúria. Se o Seu Ademir quiser, pode até entrar na Justiça. Resta ao ex-coroinha torcer para que sua primeira conduta rebelde só fique mesmo registrada na delegacia. Que não passe de lá para as mãos de um meritíssimo. Senão, corre o risco de o tal mediador se identificar com a personalidade e com o caso do velho Ademir. Aí, meu jovem, a chapa esquenta. Vai que o juiz é um senhor pouco amigável com vizinhos que andam de tamanco no andar de cima?

Dias de luta, dias de glória Henrique Menezes 6º PeríoDo

Já alterou nome, sobrenome e endereço. Multiplicou-se. A essência nunca mudou: ensinar. Ensina de matemática a português, de medicina a comunicação, de moda a culinária, e assim vai, ensinando. São mais de 18 mil dias educando, ensinando, aprendendo e transformando jovens, adultos, idosos em seres humanos melhores. Melhores do que entram e capazes de melhorar o mundo, ou o país, ou o estado, ou a cidade, ou a rua, ou sua vida. Garante que serão os melhores dias de suas vidas. Há quem diga que não, mas, são tão poucos que acabam prevalecendo como minoria, pois inúmeros comprovariam que sim. Dia, tarde e noite são divididos não por horas, mas por metros quadrados e em um desses, há alguns anos, alguns sonhadores adentraram, com distintos destinos e sonhos, para com-

provarem se seriam os melhores anos de suas vidas. Entre eles estavam: o sonhador, o inteligente, o sábio, o bem-humorado, o revolucionário, a sinceridade, a sensatez, a risadinha, a humildade, a irreverência, a carismática, o engraçado e os olhos que tudo veem. Eles aprenderam o que seria lide, o que seria “tashi delek”, estados despóticos, mitos, ética. O que seria a sociedade, o que seria “pera lá, vamos lá” seminários, o que é cantarolar no rádio ou a cores, ou que signo não existe apenas no horóscopo... O que seria organizar uma organização, o que seria interdisciplinar pensamentos distintos, cruzar vidas em prol de algo que você entra sem saber e só vai dar valor depois de tantas “brigas”. Muitos deles entram adolescentes jovens e saem jovens adultos. Aprendem que existem a vida e a comunicação, mas não rendem ao máximo sendo outro e se complementam, assim como feijão com arroz. Houve aqueles que desistiram. Não

(!): eles apenas desceram do ônibus, pois havia outras paradas a seguir. Existem também aqueles que simplesmente entram fissurados e aficionados, que descobrem que o mundo não é simplesmente uma bola, ou aqueles que entram querendo salvar o mundo e descobrem que o mundo não quer salvação; ou aquelas que simplesmente amam dizer aos quatros cantos o que pensam. Alguns apenas querem gritar: “é tetra! é tetra! é tetra!”, outros querem apenas dizer: “boa noite!”. Há ,também, aqueles que esqueceram a ordem da pirâmide, ou separaram o verbo do sujeito. Descobrem que o mundo não é como eles pensavam, e passam a pensar em como ajudar o mundo. Um em especial descobriu a poesia, descobriu que, se sua cabeça for grande demais para tantos pensamentos, invente novas cabeças e converse com elas, descobriu que distraído ele vence-

ria, só não sabia quando. Onde você realiza sonhos, cria expectativas, vence desafios, tropeça, levanta, anda, cai, aprende valores e a dar valor, descobre que ficar acordado não é tão ruim assim, esse lugar existe, e garante que serão os melhores dias de sua vida.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.