Edição 196 - Caderno 1

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Ano 32 • número 196 • Outubro de 2014 • Belo Horizonte/MG

A direita se empolga Após anos ocupando espaço discreto na mídia brasileira, simpatizantes da direita dão as caras e partem para a briga. DOSSIÊ nas páginas 6 a 9


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Belo HorIzonTe, ouTuBro de 2014

primeiras palavras

Entre carrascos, baleiros e poetas Wilson Albino Neste IMPRESSÃO 196, nossos repórteres, com o auxílio de uma psicóloga, analisaram como pensa um estuprador. Eles descobriram que a repugnância, a dor e o medo sentidos pelas vítimas aterrorizadas são o que mais aguça os sádicos desejos desses criminosos. A prática do sexo, afinal, nem sempre é o que move o algoz. Também no Caderno Um, o “Dossiê Política”, de autoria de Alex Moura e Ludmila Bernardes, apresenta a visibilidade alcançada pela direita, nos últimos anos, em diversos jornais brasileiros – principalmente, por meio de colunistas que, sem constrangimentos, deixam transparecer seus gostos partidários. As reportagens ainda apresentam uma análise do atual cenário da extrema-direita na Europa. Nesta edição, destaque, também, para eles, que adocicam o dia a dia de muita gente. Contudo, antes de conseguir juntar algum dinheiro vendendo guloseimas, os baleiros amargam bons bocados nas ruas da Cidade

Jardim. Assim como aqueles para quem basta meia “espinhela caída”. Falo dos benzedeiros, profissionais abordados em outro texto do jornal. Aliás, se os destinos não se desamarrarem quando você bater na madeira ou fizer o sinal da cruz, eles podem entrar em cena. Trata-se, afinal, de pessoas que acreditam ter um dom acima de quaisquer provas. Nunca subestime uma nota de rodapé. Ela pode ser curta, mas, ao mesmo tempo, desconcertante. “Curta”, então, duas narrativas construídas com economia de palavras, estreando uma nova seção no IMPRESSÃO. Para fechar o Caderno 1, o ensaio fotográfico de Ariel Thêmes apresenta “o ócio na contramão da cidade”. Hoje, tirar um tempinho, com a finalidade de fazer absolutamente nada, é quase uma afronta ao ritmo frenético imposto pelos tempos modernos. Lembre-se, ainda, do lançamento, há meio século, do filme que revelou Mary Poppins, a babá mágica que ainda reina soberana. A história do longa e algumas curiosidades foram descritas pelo repórter Rodrigo Olliveira.

No DO!S, em “Coração de cronista, alma de passarinho”, uma dica para quem só vê dificuldades em tudo: mire-se no exemplo do jornalista Ricardo Albino, que, diariamente, luta por mais acessibilidade e faz das crônicas sua vida, assim como dá vida a suas crônicas. Já na seção “Você ouviu?”, a repórter Mariana Gualberto analisa a obra que tornou o movimento Manguebeat conhecido em todo o Brasil. Ela indica o CD Da Lama ao Caos, que, em 2014, completa 20 anos. As letras escritas por Chico Science e embaladas pelas distorções extraídas das guitarras e das batidas retumbantes dos tambores deram origem a um som dançante e igualmente pensante. “Eles estão entre nós” é o título do texto que apresenta o holograma como a tecnologia capaz de fortalecer o ditado popular “recordar é viver”. Se, por um lado, há pessoas que consideram a holografia uma homenagem à altura do ídolo, por outro, há quem veja morbidez e gosto duvidoso em shows com presença inusitada de artistas já falecidos. Boa leitura!

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eXpedIenTe

REITOR Prof. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Prof. Rodrigo Neiva (diretor) Profa. Cynthia Enoque (diretora adjunta) COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO Prof. João Carvalho

LABORATÓRIO DE JORNALISMO IMPRESSO EDITORES Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. PRECEPTORA Profa. Ana Paula Abreu (Prog. Visual / Diagramação) ESTAGIÁRIOs Alex Moura Mariana Gualberto Wilson Albino ILUSTRAÇÃO William Araújo LAB. DE JORNALISMO ONLINE EDITORA Profa. Lorena Tárcia Parcerias Lab. de Criação Publicitária (LACP) Laboratório de Jornalismo Online Laboratório de Fotografia Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA) IMPRESSÃO / TIRAGEM Sempre Editora 2.000 exemplares eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003 O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Jornalismo do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe: Rua Diamantina, 463 Lagoinha – BH/MG CEP: 31.110-320 Telefone: (31) 3207-2811 Email: impresso@unibh.br

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Visão Crítica

Belo HorIzonTe, ouTuBro de 2014

Treinar o olhar e a sensibilidade Fransciny Ferreira A coragem de Pedro Bial ao cobrir a guerra do Golfo, a perspicácia de Humberto Trezzi ao reportar durante três décadas histórias de guerras em todo mundo, a frieza e inteligência do jornalista Kester Cavalcanti ao ser torturado e preso durante a guerra na Síria e a ousadia do experiente Caco Barcellos ao contar a história da revolução de Nicarágua não foram suficientes para com a sensibilidade da repórter do Le Monde, Annick Cojean, ao retratar um lado sempre visto pela imprensa, mas pouco retratado das guerras: o estupro em massa de mulheres. Cojean escancarou nas páginas do livro “Les Proies - Dans le harem de Kadafi" (As presas - No harém de Khadafi) como as mulheres eram tratadas pelo regime militar Líbio, que durou 42 anos. Muammar Khadafi, ditador por herança, foi morto em 2011 pelos rebeldes do governo, e teve várias partes do seu corpo expostas em praça pública. Mas as marcas cravadas por ele atormentam crianças, adolescentes e várias mulheres neste exato momento. A jornalista francesa conseguiu o relato por meio de Soraya, à época com 15 anos, que após ter entregue flores ao ditador durante uma visita à sua escola,

recebeu o carinho dele em seus cabelos. Aquele era o “toque mágico”, o sinal que tornaria a adolescente numa escrava sexual. No dia seguinte, a menina que morava em Syrte, cidade natal do Kadafi, começou a integrar a equipe de segurança de Muammar. Esse era o disfarce que ele utilizava para manter adolescentes e mulheres que nem tinham formação militar sob seus olhos. Soraya, assim como inúmeras meninas (isso mesmo, inúmeras) tiveram que aprender a satisfazer o ditador. Assistindo a filmes algumas das moças moravam no subsolo de Bab al-Azizia, residência de Muammar, e deveriam estar sempre prontas para atendê-lo. Essas jovens eram escolhidas em festas, vídeos ou nas escolas, como Soraya, que ficou cinco anos presa. Alguns homens também eram sequestrados para cumprir as vontades de Kadafi. Em outros casos, celebridades eram contratadas para o “serviço”. Era dessa forma que o ditador também matinha as “coisas em ordem” em seu regime. Ele sodomizava seus ministros e militares para mantê-los sob seu domínio. E para humilhar alguém, ele abusava de sua esposa ou filha. Tudo era mantido em segredo. Tudo! Mas por quê? A Líbia é um país extremamente religioso e conservador,

com isso, ninguém queria morrer por espalhar “boatos” sobre Kadafi. Além disso, a honra desses homens estavam em jogo. E quando o regime acabou? Essas mulheres foram livres? Não! As mulheres que revelaram o segredo foram expulsas da família porque eram impuras. Outras nunca poderão falar. Pais, irmãos e maridos serão considerados sub-homens porque não cuidaram da honra com sangue. E é com remorsos, pesadelos e medo que viverão essas mulheres que viveram anos sob poder de Kadafi, outras um dia, e ainda existem as famílias daquelas que não se subterram aos caprichos do ditador e morreram. A volta da guerra agora ronda a Síria. Após a morte de Muammar, dois grupos tentam se consolidar no poder. Enquanto isso, assim como Kadafi fez, militares, rebeldes e diversos povos do mundo usam o estupro como arma para humilhar o inimigo e marcarem as famílias. É por esse motivo também que os veículos de imprensa enviam homens para cobrir as guerras. As jornalistas correm o risco de serem estupradas. Com isso, nós também perdemos a oportunidade de conhecermos outras tantas histórias, daquelas que são invisíveis para imprensa durante a guerra e que precisam ser vistas. Por isso jornalistas de guerra, treinem o olhar. wILLIAM ARAúJO

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De volta aos anos 1990 Mariana Carvalho Há quem diga que tendência é apenas a troca do nome de um objeto repaginado. Hoje, o que está em alta já foi batizado por diversos nomes: de saia “rodada” a “midi”, de “alpargatas” a “espadrille”. Bom exemplo disso é o visual clubber, sensação dos anos 1990, que, atualmente, tem feito a cabeça dos fashionistas. As cores, sobreposições, acessórios de plástico e coturnos, que eram hit nas chamadas festas rave, estão simultaneamente bombando nas ruas, nas passarelas e, principalmente, no street style. Antes de o estilo emoji surgir, os smiles já enfeitavam bolsas transparentes, colares e roupas. Os looks passaram de monótonos e chatos a um universo colorido e com referências ao universo infantil. As combinações mais ousadas, na verdade, são um jogo de descombinar: jogar calças amplas e bem rasgadas com jaquetas coloridas, abusar do lado mais pop das franjas. O visual super colorido pode ser considerado um mix de personalidade e estilo. Na beleza, saem os cabelos em tons suaves e neutros para dar lugar às cores mais fortes, como o verde, usadas nas pontas dos fios. Já na passarela, a Marc by Marc Jacobs foi a primeira a trazer o tema nesta temporada. Seu desfile contou com lasers coloridos e batida eletrônica. A dupla de designers da marca, Katie Hillier e Luella Bartley, apresentou um clubber um pouco tímido, mas bem presente nas peças em plástico, látex e pinceladas de cores aqui e ali. Outro grande destaque do desfile diz respeito aos penteados. Os coquinhos que formam um moicano, desfilados na passarela, foram looks usados à época por celebridades como Madonna e Christina Aguilera. Depois foi a vez do estilista Jeremy Scott, que, como sempre, apresentou looks com uma pegada bem divertida, apostando em imagens psicodélicas, coturnos que misturam estampas e tons metalizados. O desfile ganhou força extra devido à união do estilista com a cantora Miley Cyrus, que assinou os acessórios: de plástico, muito coloridos, em estilo mais infantil. Hoje, os festivais, cuja atração principal são tintas coloridas arremessadas contra o público, ao som de eletrônico, relembram a tendência que marcou o final dos anos 1990, e início dos anos 2000, de popularização da paleta de cores mais vibrantes, não só das roupas mas, até mesmo, de esmaltes e maquiagens. O visual clubber, particularmente, não faz muito meu estilo, mas é esperar para ver se a tendência vai pegar.


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Tramas contemporâneas

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Vidas, crimes e castigos Alto número de casos de violência sexual gera medo e dúvidas Alex Moura Ludmila Bernardes Até 2009, o estupro era classificado, no Brasil, como crime contra os costumes, mediante ação privada. A partir de então, foi tipificado como “de ação pública”, o que, segundo o Código Penal Brasileiro, consiste no ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter a conjunção carnal ou a praticar ou permitir que que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Segundo estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “a violência de gênero é um reflexo da ideologia patriarcal, que demarca explicitamente os papéis e as relações de poder entre os homens e mulheres. Como subproduto do patriarcalismo, a cultura do machismo, disseminada muitas vezes de forma implícita ou sub-reptícia, coloca a mulher como objeto de desejo

e de propriedade do homem, o que termina legitimando e alimentando diversos tipos de violência, entre os quais, o estupro”. O documento do Ipea aponta ainda que, a cada ano, no Brasil, 0,26% da população passam por algum tipo de violência sexual. Ou seja: 527 mil pessoas sofrem tentativas ou são estupradas, e apenas 10% dos crimes acabam comunicados à polícia. O estudo aponta que a proporção de casos a envolver mais de um agressor é maior quando a vítima é adolescente. Além disso, 15% dos casos são cometidos por dois ou mais agressores. Os crimes são praticados, em sua grande maioria, por homens, independente da faixa etária da vítima. Cabeça de estuprador Nem sempre o sexo é o objetivo principal do estuprador. Segundo a psicóloga Vilene Eulálio de Maga-

lhães, antes do prazer sexual, ele está em busca de constranger, humilhar e violentar o alvo, submetendo-o a seus desejos e vontades. O poder gerado pela violência talvez seja algo que lhe apraze mais do que o sexo. Ainda segundo Magalhães, nem todo indivíduo que comete um crime sexual pode ser considerado doente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) conta com critérios para avaliar a sanidade mental de alguém. Há um conjunto de sintomas que precisam ser encontrados em um estuprador para declará-lo como doente ou portador de transtorno mental. “O estupro, por si só, não é considerado uma doença, mas um desvio de conduta”, afirma a psicóloga. Fatos pregressos podem, sim, ter relação com o comportamento de um estuprador. “Estudos mostram que a vivência de qualquer forma de violência na infância deixa marcas emocio-

Segundo a psicóloga Vilene Eulálio de Magalhães, nem todo estuprador é, necessariamente, um doente mental

nais, psíquicas, comportamentais e, até mesmo, físicas e cerebrais. Ou seja, o indivíduo fica mais vulnerável e propenso a apresentar comportamentos agressivos. Entretanto, vale lembrar que nem todo mundo que sofre algum tipo de violência irá se tornar, obrigatoriamente, um estuprador ou um criminoso”, explica. Hoje, existem tratamentos como a castração química e a Psicoterapia. “A castração química não é legalizada no Brasil, mas ocorre em alguns países do mundo. Pesquisas dizem que o estuprador, em certos casos, passa a se sentir mais adequado ao usar medicamentos que o ajudam a controlar seu impulso sexual. Tais tratamentos ainda precisam ser mais explorados e estudados”, explica. É possível, contudo, fazer algo preventivo para evitar que casos de violência sexual aconteçam? Segundo Vilene de Magalhães, sim. “Há um programa


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muito interessante de prevenção de abuso sexual e estupro na Inglaterra: eles propõem treinamentos de pais, professores e crianças no sentido de identificar possíveis abusos e estupros e, também, de coibi-los. Meninos e meninas são ensinados, por exemplo, a evitar situações que favoreçam a violência ou o abuso sexual”. Segundo a psicóloga, se se leva em conta que quem foi violentado tem maior probabilidade de se tornar um estuprador, também é possível pensar na prevenção por meio tratamento da pessoa violentada. “Ao ajudar a vítima a ressignificar a violência sofrida, ela pode não se tornar estuprador. Com o tratamento, também preveniremos outros crimes no futuro”, completa. Atrás das grades Para que se saiba o modo como são tratadas as pessoas que cometem crimes sexuais dentro de um presídio, a equipe do jornal IMPRESSÃO conversou com um ex-agente penitenciário, que não quis se identificar. Reticente e breve, ele nos deu informações a respeito do tratamento dispensado a estupradores nesses recintos. “O sistema prisional é norteado pela Lei de execução penal (LEP) e pelo Regulamento Disciplinar Prisional (Redipri). Os presos provisórios – sem condenação – e condenados por estupro são encaminhados para uma ala conhecida como ‘seguro’. Ou seja, assim, acredita-se preservar a integri-

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dade dos ’reeducandos’”, afirma A. M. Quanto à percepção de quem está dentro de uma penitenciária, no que diz respeito ao tratamento concedido pela justiça a esses criminosos e à morosidade do julgamento e da aplicação das penas, o agente afirma: “A Constituição é clara: todos são iguais perante a lei. Quanto à demora, o sistema prisional mineiro, atualmente, tem uma população carcerária superlotada. Por isso, é inevitável a morosidade nos processos de qualquer natureza”, destaca. Personas sombrias Pedro Meyer Olhos fundos, 56 anos e ações que ficaram impunes durante 22 anos. Mais conhecido como maníaco do Anchieta, o ex-bancário Pedro Meyer, estuprador que agia na região sul de BH, utilizava, segundo relato das vítimas, a mesma forma de agir, um mesmo modus operandi. Empunhava uma arma para dominá-las e as levava para garagens, escadarias, ao último andar dos prédios em que moravam ou nas imediações e cometia os abusos. Em 1996, ele atacou duas irmãs de 11 e 13 anos e uma prima delas, de 12, no Bairro Nova Floresta, na Região Nordeste da capital mineira. As adolescentes foram abordadas na entrada do prédio onde moravam e levadas para a garagem, sob a mira de um revólver.

Um outro homem, o aposentado Paulo Antônio dos Santos, de 66 anos, foi condenado e cumpria pena pelos crimes que agora são atribuídos a Pedro Meyer. O acusado de ser o maníaco sempre negou os crimes. Ele e Meyer têm inúmeras características físicas em comum. “Ele sempre foi uma pessoa estranha. Não olhava nos olhos da gente e andava sempre de óculos escuros e de boné. Nunca comentava sobre assuntos pessoais ou sobre a família. Foi meu cliente por mais de 20 anos e nem sei onde ele mora. Mas fiquei assustada quando soube da prisão”, contou Maria do Carmo Gonçalves, de 42 anos, dona de uma banca de revistas próxima à casa do acusado em uma entrevista concedida ao jornal Correio Brasiliense. Ela disse que não imaginava que o antigo cliente fosse capaz dos atos denunciados. “Tive que ver a foto dele nos jornais para acreditar. Foi a primeira vez que o vi sem boné e óculos. Acho que esses acessórios eram inclusive usados para que não fosse reconhecido facilmente”, contou Maria. Meyer foi acusado por 16 estupros na década de 1990 e posto em liberdade em 10 de abril de 2013, após passar pouco mais de um ano preso, devido à falta de laudo médico de sanidade mental, o que levou à prescrição do prazo de prisão. Detido novamente, o “maníaco do Anchieta” foi transferido para a delegacia Nelson Hungria, em Contagem. Rei da cachaça Visto como um personagem excêntrico e folclórico, o proprietário das marcas “Seleta” e “Boazinha”, o empresário Antônio Rodrigues, considerado o maior produtor de cachaça artesanal do país, está preso pela denúncia de ter violentado um menino de 14 anos e uma garota de 15, moradores da periferia de Salinas. Uma ex-funcionária da Seleta contou, em entrevista ao jornal Estado de Minas, que o empresário costumava usar roupas iguais aos uniformes do Exército e da Marinha: “Quando vestia a roupa branca da Marinha,

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significava que ele estava em paz. No dia em que vestia a roupa do Exército, ninguém nem poderia encostar, porque ele estava atacado”. Outros moradores revelaram que o produtor de cachaça mantinha uma boate dentro da sede de sua empresa e criava animais silvestres, como gambás, urubus e cobras. Antônio, que também era conhecido por algumas ações sociais, como a distribuição de cestas básicas e remédios a famílias de baixa renda do município, além de ajudar na reforma de casas de seus funcionários, dizia ter autocontrole em tudo. Ele foi preso no dia 12 de agosto, no escritório de sua empresa, em Salinas e, recentemente, transferido para a penitenciaria de Teófilo Otoni. Marcos Antunes Trigueiro Preso desde o dia 24 de fevereiro de 2010 e conhecido como maníaco do Industrial, Marcos Antunes Trigueiro, nascido no dia 29 de maio de 1978, em Brasília de Minas, passou de pintor à serial killer de mulheres. Em Contagem e Belo Horizonte, regiões que atuava com frequência, em 2009, Marcos estuprou e assassinou cinco mulheres. No ano seguinte, em 24 de fevereiro, foi detido próximo ao bairro Industrial, em Contagem. Após análise e comparação dos casos, a polícia revelou que havia um modo padrão de comportamento em todos esses crimes e que a perícia concluíra que o sêmen encontrado em três das vítimas de 2009 era do Marcos. Frequentador de uma igreja de testemunhas de Jeová, o maníaco do industrial teve uma infância conturbada, era, frequentemente, espancado pelo pai. Casado por pelo menos duas vezes e pai de cinco filhos, foi indiciado em janeiro do mesmo ano pela morte da filha de três meses que foi espancada. Um latrocínio deu início ao seu histórico criminal, ainda em 2005. Chegou a fugir da cadeia, mas foi recapturado. Consta, nos autos, sete processos pelos quais Marcos foi condenado a 115 dias de prisão e responde em regime fechado.


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Dossiê Política

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Endireitando? Discurso de colunistas conservadores ganha espaço na mídia nacional


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Dossiê Política

Ludmila Bernardes Rayllan Oliveira

trabalho desenvolvido pelo Instituto ao longo dos últimos 30 anos.

Cara ou coroa? Direita ou esquerda? O brio em se declarar um idealista destro é um fenômeno incomum na sociedade brasileira. Dar a cara a tapa na mídia não costumava ser do feitio desses pensadores, que, por carregar consigo o estigma da ditadura, quando a direita se posicionava ao lado dos militares, não enxergavam no tempo o momento propício para expor qual lado da moeda gostariam que caísse primeiro. Os ideólogos de direita, que, segundo Simone de Beauvoir, tinham o medo como principal valor, estão saindo da toca em maior quantidade. Não são mais vozes isolados. Conhecidos pela capacidade de gerar polêmicas, nomes como Raquel Sheherazade, Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo, Lobão, Luiz Felipe Pondé e Olavo de Carvalho, considerado uma espécie de “mentor” de todos os citados anteriormente, estão em constante destaque na mídia brasileira. Costumam mirar sua metralhadora verbal contra minorias e têm como denominador comum atacar de todas as formas o governo federal. Esses expoentes vêm dando um viés conservador e reacionário aos meios de comunicação. “Os jornais, é claro, miram na polêmica fácil ao contratar energúmenos sem nenhuma formação cultural para escrever em suas páginas. Mas o principal motivo, a meu ver, é fazer oposição ao Partido dos Trabalhadores e atuar como braço midiático da oposição”, relata Cynara Menezes, jornalista e criadora do blog Socialista Morena, em possível referência a polemistas, digamos, festivos. Espalhados entre o Instituto Millenium (IMIL) e o Instituto Liberal (IL), bases de sustentação dos princípios que abraçam a meritocracia (premiação ao esforço individual, recompensa à dedicação) e a defesa da propriedade privada como garantia das diferenças, a lista conservadora brasileira se torna extremamente vasta. Só o Instituto Millenium conta, nos debates que promove, com cerca de 200 especialistas. Preenchem essa lista economistas, advogados, sociólogos, cientistas políticos, jornalistas e educadores. Porém, é peculiar ver que os contribuintes desses institutos não se considerem pertencentes à chamada “direita brasileira”, e prefiram se posicionar apenas como conservadores liberais. O que, no Brasil, fundamentalmente, tem o mesmo significado. “Não diria que todos os jornalistas carimbados de direita sejam conservadores. Eles, em primeiro lugar, exercem o direito de crítica. E isso é bom. Em segundo lugar, não me parecem conservadores, mas, sim, pessoas com uma visão mais aguda e imparcial, e, portanto, muito mais perplexas com as complexidades e desafios do mundo contemporâneo”, argumenta Marcelo Madureira, criador e redator do grupo Casseta & Planeta. Em possível explicação a esse novo “fenômeno”, Ligia Filgueiras, jornalista do Instituto Liberal, acredita que o público mais informado – que escreve para as seções de carta dos leitores da mídia – esteja cansado das ideias socialistas e, por isso, fazem pressão por mudança. Segundo ela, o que se tem visto é o surgimento de uma geração que abraçou, consciente, as ideias liberais, talvez fruto do

Imprensa situacionista Em 2002, o povo elegia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto isso, em oposição ferrenha, a mídia virava ainda mais à direita. No entanto, o professor de comunicação e atual chefe de imprensa da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Marcelo Freitas, afirma que “é preciso deixar claro, antes de mais nada, que a imprensa, por natureza, sempre foi mais de oposição do que de situação. É sua função denunciar o que está errado, apontar os serviços públicos que não funcionam, propor mudanças naquilo que não está adequado. É de sua natureza. O problema ocorre quando esse viés oposicionista fica forte demais e os acertos e aspectos positivos desse ou daquele governo deixam de ser mostrados”. Ainda no primeiro mandato do ex-presidente Lula, o adjetivo “Mensalão” foi adotado para cunhar o esquema de compra de votos de parlamentares. O PT foi alfinetado de maneira contundente, o que não impediu que o presidente fosse reeleito com quase a mesma quantidade de votos da eleição anterior. “Na imprensa brasileira, ninguém vai saber o que aconteceu no Brasil com o meu governo. O futuro leitor tem que ler as revistas inglesas, francesas, os jornais alemães e, acima de tudo, vocês, da internet”, declarou o ex-presidente em sua primeira entrevista concedida a “blogueiros” no Palácio do Planalto, em 24 de novembro de 2010. Segundo análise feita por Miguel do Rosário, que mantém o blog “O cafezinho”, mesmo em meio a ataques proferidos pelo Partido da Imprensa Golpista (termo popularizado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim), os gastos do governo federal com publicidade veiculada nos meios de comunicações conservadores são altos. Apenas no período entre 2011 e 2012 o total de gastos com a Rede Globo foi de mais de R$ 67 milhões. Diante deste cenário, Marcelo Freitas afirma que os jornais têm certa má vontade com o governo do PT, mais do que tiveram, por exemplo, com o de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Segundo ele, é uma opção política dos donos dos jornais. A não ser por fatos isolados, como a denúncia feita pela Folha de S.Paulo sobre a compra de votos realizada pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, para a reeleição de FHC, o tucano sempre foi superprotegido pela linha editorial dos jornais brasileiros. Foram oito anos de governo voltados à classe favorecida e protegido por ela, mas que chegaram ao fim. Cynara Menezes acredita que os colunistas mais reacionários são contratados especificamente para bater no governo. E considera temeroso o fato de os jornais não se preocuparem se, desta forma, disseminam a ignorância e a intolerância em vez do conhecimento, que deveria ser a sua obrigação com a sociedade. “Uma hora esta fórmula irá se voltar contra os jornais, porque esta gente, embora se arvore defensora da liberdade de expressão, age no sentido contrário. Acho que, embora este movimento de direita esteja presente nas redações, hoje, na verdade, a própria imprensa não tem certeza de sua sobrevivência”, conclui a blogueira.

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“Ser jovem e liberal é péssimo para pegar mulher.” Luiz Felipe Pondé, em coluna na Folha de S.Paulo (21/04/2014)

“Não toleram as ‘patricinhas’ e os ‘mauricinhos’, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade e morrem de inveja da civilização.” Rodrigo Constantino, em artigo publicado na Veja (14/01/2014)

“E tem mais, seu bosta. Minha família não foi perseguida pela ditadura porque não estava fazendo merda.” Roger Moreira (Roger do Ultraje), no Twitter, dirigindo-se a Marcelo Rubens Paiva (12/08/2014)

“Eu não tenho o menor interesse na opinião do povo. Quase sempre ele está errado. Aliás, a opinião de muito pouca gente me interessa.” Reinaldo Azevedo, em coluna na Veja (29/10/2006)

“E aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho do poste, lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido.” Raquel Sheherazade, ao vivo no Jornal do SBT (11/03/2014)

“Há um excesso de vitimização na cultura Brasileira... Essas tendências esquerdistas vêm da época da ditadura. Hoje, dão indenização para quem sequestrou embaixadores e crucificam torturadores que arrancaram umas unhazinhas.” Lobão, no Festival da Mantiqueira, (29/05/2011)


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Dossiê Política

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fotos: reprodução

O País dos Petralhas 2 Autor: Reinaldo Azevedo Editora: Record Ano: 2012 Páginas: 338 Esquerda Caviar Autor: Rodrigo Constantino Editora: Record Ano: 2013 Páginas: 434 O manifesto do nada na terra do nunca Autor: Lobão Editora: Nova Fronteira Ano: 2013 Páginas: 248

Os best-sellers da direita brasileira

O mínimo que você precisa saber pra não ser um idiota Autor: Olavo de Carvalho Editora: Record Ano: 2013 Páginas: 616 Porque virei à direita Autor: Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho e Denis Rosenfield Editora: Três Estrelas Ano: 2012 Páginas: 112


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O futuro a repetir o passado Crescimento vertiginoso da extrema-direita na Europa gera expectativas e receios reprodução

Alex Moura Após a Segunda Guerra Mundial, quase todos partidos europeus de extrema-direita permaneceram no limbo por longo inverno. Porém, com a forte crise econômica a assolar o continente no fim da década passada, eles reapareceram. Quando a zona do euro foi criada, eles tentaram voltar, mas foram empurrados para debaixo do tapete. Lá, ganharam força e adquiriram lastro para aproveitar o momento que viria. E ele chegou. Com um discurso mais “soft”, na maioria dos casos, partidos até então inexpressivos conseguiram aumentar sua representatividade no Parlamento Europeu –instituição responsável por elaborar leis, propostas e orçamento da União Europeia – na última eleição, em maio deste ano. O ressurgimento da extrema-direita não ocorre somente nos países com maior destaque no cenário mundial, aqueles com Produto Interno Bruto (PIB) e economia robustos, como França, Itália e Alemanha. Os maiores exemplos do fenômeno acontecem na Finlândia, na Grécia e na Áustria, que viram, nos últimos anos, um crescimento expressivo desses partidos. Para a cientista social Aline Burni, graduada pela UFMG, o cenário atual é fruto de um anseio da população, que sempre enxergou a União Europeia como instituição voltada apenas aos interesses de uma camada pequena da população: os mais abastados. A crise econômica e suas consequências – principalmente, o alto índice de desemprego entre os jovens europeus – foram os catalizadores dessa tendência. “Acredito que a maior preferência por partidos de extrema-direita nas últimas eleições europeias pode ser, sobretudo, explicada pela desconfiança e pela desafeição que os cidadãos sentem diante da integração europeia e do funcionamento da democracia representativa de uma maneira mais geral. O projeto de integração europeia é, em grande medida, visto como extremamente burocrático, sem participação popular e como algo puramente à serviço das elites políticas, distanciadas do povo e que atuam em benefício próprio”, explica Burni. O sentimento de nacionalismo

– esquecido com a criação da zona do euro, segundo os eurocéticos – também é uma bandeira encampada pelos partidos. “Os cidadãos nacionais têm sentido que os políticos e os partidos tradicionais não oferecem mais respostas concretas e eficazes a seus problemas cotidianos: a decadência da qualidade de vida e as rápidas mudanças sociais e econômicas enfrentadas, nos últimos anos, pelas democracias avançadas, como o crescente fluxo migratório, a diminuição da autoridade Estatal diante da crise econômica e do avanço da União Europeia”, explica Aline. Ou seja: esses partidos estão sendo votados porque as ideias que defendem vão ao encontro das demandas das pessoas. Outro fator importante é a distinção a ser feita entre a geração atual

da extrema-direita e a anterior, caracterizada, principalmente, por regimes autoritários e sanguinolentos. Os partidos da velha extrema-direita, segundo a cientista social, eram anticomunistas e anticapitalistas, além de marcados pela violência, pela ideologia corporativista e pelo racismo clássico. Por fim, olhavam para o futuro, ao contrário da nova geração, que olha em direção o passado, em busca de reconstruí-lo. Os partidos de extrema-direita, hoje, ocupam 40 das 751 cadeiras do Parlamento Europeu. Porém, nas eleições do início de 2014, a direita – formada por partidos conservadores, geralmente, de origens cristãs, muitos também eurocéticos conseguiu importante vitória. Hoje, ocupa a maioria dos assentos, apesar de ainda não ter força para interferir em decisões

importantes. Segundo Aline Burni, a representatividade desses partidos no Parlamento Europeu é reduzida, pois não conseguem ser maioria e nem se unir em comissões ou grupos supranacionais que representem suas demandas comuns, contrariamente aos grupos de partidos socialistas ou conservadores, por exemplo. Além disso, o próprio Parlamento conta com poderes decisórios reduzidos, sem grande capacidade de implementar políticas públicas mais amplas. No entanto, Burni salienta que, em determinados países, esses partidos têm obtido significativa votação e têm sido recompensados pelo apoio eleitoral. Os casos da Áustria e da Itália são emblemáticos, FPÖ e a Alleanza Nazionale, respectivamente, participaram de coalizões que formam os dois governos.


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Baleiros: o dom de adoçar a vida

fotos: Camila Freitas

Camila Freitas Sarah Lima Stéphanie Lisboa Santana Sou responsável por tentar adoçar os seus dias. Levanto-me cedo para preparar o necessário para mais um dia de trabalho. Não carrego uma pasta cheia de documentos, não ando engravatado, não passo o dia sob o ar condicionado. Meu trabalho é duro, mas recompensador. Graças ao meu emprego, já andei em diversas linhas de ônibus da minha cidade. Mas nem tudo são maravilhas em minha profissão. Existe certo preconceito com o profissional da minha área, e olha que estamos espalhados por todo canto. Muitos na rua chegam a me olhar com medo, como se da minha bolsa fosse sair um arma. Tento entrar de ônibus em ônibus a procura de clientes que queiram saborear guloseimas. Não é nada fácil, admito! O primeiro desafio do meu dia é conseguir entrar no coletivo pela porta traseira (claro, sem pagar nada por isso). Ao longo de minha trajetória, aprendi a importância dos contatos e já conheço trocadores e motoristas que são meus parceiros e me dão aquela moral. Em anos de profissão, já levei literalmente muitas portas fechadas na cara, ainda levo. Assim que consigo entrar no ônibus, meu próximo desafio é cativar os passageiros. Eu me garanto, tenho meu diferencial. Aposto na variedade do meu produto. Para conquistar os clientes, ponho meu melhor sorriso no rosto e saúdo aos viajantes. Minha tarefa não é fácil, muitas vezes, apesar do meu entusiasmo, as pessoas sequer me olham. Mas já me acostumei, isso não me abala mais. Sigo viagem com muito bom humor, em meio a brincadeiras, músicas, piadas, até notícias do dia. Com muito orgulho, crio minha família e ensino meus filhos a serem honestos. Acordo todos os dias bem cedo, me preparo e vou para minha batalha diária. Ao meu redor, vários concorrentes querem meus clientes. Todos já me conhecem como o carinha dos doces. Sei que sou mais que isso, sou capaz de levar alegria e adoçar o dia de muitos passageiros que estão no ônibus. E se você me perguntar qual é a minha profissão, te responderei com o peito estufado, os olhos brilhando e com o sorriso no rosto: SOU BALEIRO!

Vendedores se orgulham do ofício, que, em muitos casos, é mais rentável que profissões que exigem diplomas

Uma parceria que deu certo O negócio das balas é um sistema oscilante. Para ter lucro é preciso ter o fornecedor ideal, aquele que una bons preços a parceria comercial. A SLAP – Mercado das balas e chocolates – fundada em 1990, na região de Contagem é, atualmente, o maior fornecedor e distribuidor de balas e chocolates para esses profissionais, com 500 baleiros cadastrados em seu banco de dados. A loja tem três filiais, sendo duas na região central de Belo horizonte – uma na Avenida Olegário Maciel e outra na Rua dos Guaranis, esta última a principal fornecedora dos baleiros. A terceira, no Ceasa, está focada no mercado atacadista. A parceria entre a SLAP e os baleiros começou quando a loja pôs em seu estabelecimento balcões externos, para facilitar a organização das mercadorias compradas. Outra novidade foi a possibilidade de fracionar mercadorias, dando aos baleiros a opção de comprarem produtos sortidos. Ainda para fidelizar este consumidor, a empresa criou um sistema de bônus: quanto mais o baleiro compra, mais arrecada bônus, que, a cada ciclo de 30/45 dias, é trocado por mercadorias. Segundo o Diretor das lojas SLAP,

Sidney Fernandes, “tem muito baleiro que sustenta sua família vendendo bala. E existem aqueles que ganham mais que um jornalista”. Para ele, a principal dificuldade que os baleiros encontram no dia a dia é a fiscalização. “Eles já tentaram se legalizar, políticos já prometeram mundos e fundos, mas eles estão em uma categoria muito complicada”, destaca o Diretor da SLAP. Existem três tipos de baleiros: os que vendem nos ônibus, nos semáforos e nos pontos de ônibus do centro de BH. Não existem muitas diferenças de um para outro. O baleiro do ônibus costuma cumprimentar os passageiros e fazer um discurso descrevendo o motivo de vender as balas. O baleiro do semáforo não tem tempo de fazer discurso apenas coloca saquinhos de balas nos retrovisores dos carros e depois passa recolhendo. Os vendedores nos pontos de ônibus costumam gritar para chamar a atenção dos usuários que estão aguardando o coletivo. Baleira por um dia Ser uma baleira por um dia me proporcionou uma visão diferente dos profissionais que trabalham nesta área. Não é nada fácil! Para começar, apesar do meu ar descontraído e “sem

vergonha”, a situação me deixou bem acanhada. Não que eu estivesse com vergonha da profissão, jamais. Tive muito medo da atitude das pessoas, não sabia como iriam me olhar, se iriam responder meus cumprimentos, se conseguiria vender ao menos uma balinha. Pode parecer muito fácil, mas na hora é bem diferente. De início tive que me libertar da “vergonha” e do medo do que viria. Era preciso tomar coragem para tentar entrar no ônibus pela porta traseira. Era cerca de 14h, de um domingo ensolarado, típico para um passeio em família, e lá estava eu, na Avenida Presidente Antônio Carlos, bolsa pendurada ao pescoço e caixinha de balas nos braços. Acenava para vários ônibus como se pedisse permissão para vender minhas balas. Passaram-se cinco, dez, quinze minutos e não tinha conseguido entrar em nenhum. Parti então para um plano B: dei sinal para o primeiro ônibus que passou, ele parou, eu entrei, conversei com a trocadora e falei que queria vender minhas balas no ônibus, mas afirmei a ela que eu pagaria minha passagem. Enfim, ela deixou! Ao passar a roleta, em minha cabeça vinham simultaneamente várias imagens, pensei nos baleiros


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que conheci, nas histórias que ouvi, na alegria e descontração que usam para vender suas balas. Respirei fundo e apesar de ter treinado muito, não sabia ao certo o que falar. Tomei coragem, cumprimentei os passageiros ainda meio sem jeito, me apresentei. Falei que estava ali devido ao desemprego dos meus pais, mostrei o que vendia e agradeci a atenção de todos e desejei uma boa viagem. Nunca havia vivido uma situação como aquela, entrar em um ônibus onde eu não conhecia ninguém, me “expor” e criar a expectativa, uma esperança de que alguém pudesse comprar minhas balas. Muitas pessoas sequer me olharam, algumas responderam a meu cumprimento e outras me olharam dos pés à cabeça, como se me julgassem pelo que estava fazendo. Quanto às vendas, consegui uma cliente que comprou três balas de goma por R$ 1. Nem sei como explicar minha alegria: meu sorriso se abriu e, com os olhos de uma criança que ganha uma pratinha, agradeci àquela senhora. A experiência foi capaz de me tirar da zona de conforto. Pude perceber na pele o quanto é difícil a profissão de baleiro. Compreendi o modo como uma resposta ao cumprimento revela-se fundamental para encorajá-los a prosseguir de ônibus em ônibus, acreditando que tudo pode ser melhor. O baleiros não carregam em seus ombros apenas o peso da caixa de guloseimas, mas a responsabilidade e o compromisso de levar mais sabor à vida das pessoas.

Vida dura, doce e digna Em meio ao balanço da caixa de doces, e a cumprimentos de conhecidos, Sérgio Moura atravessa a avenida e parte para mais uma das muitas viagens que faz para ganhar a vida com seu dom: vendas. Formado até a sexta série do ensino fundamental, o baleiro começou a vender doces há onze anos e não parou, depois que viu que levava jeito pra coisa. Além da doceira ambulante, ele também trabalha com excursões e vendas de roupas, mas nesses casos, a maioria dos clientes compra fiado. O que garante um retorno imediato e o sustento de cada dia são os doces. O roteiro das viagens começa pelo bairro Lagoinha, indo para o São Francisco, Pampulha e Vespasiano. Em cada uma delas, o discurso sempre é breve e dividido em três atos: cumprimentos, o produto a ser oferecido e um “Deus abençoe”. Quando as vendas estão fluindo bem, Sérgio chega a repor de duas a três vezes sua bandeja de doces. Segundo o baleiro em um dia bom chega a faturar R$ 270,00 em suas vendas. E o horário de trabalho começa às seis da matina e vai até as quatro da tarde. A jornada normalmente termina em um bar, com uma cerveja bem gelada. A profissão de baleiro já rendeu até um lote pertinho da cidade do Galo, time do coração. Além de pagar o aluguel, até a casa própria ficar pronta, a grana das vendas dos doces também auxilia nas necessidades do filho Eric, de quatro anos. Sérgio reconhece que com trabalho e esforço, as conquistas surgem. Para ele, não existe concor-

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rência: sempre vai ter um ônibus pra todo mundo ganhar a vida. Enquanto adoça a vida dos trabalhadores, o baleiro sonha em trabalhar na praia. Seu desejo é se mudar para o Rio e viver das vendas de óculos escuros, ou, então, em quiosques. O clima praiano é o que atrai Sérgio, que já

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planeja alugar sua casa em Minas para se manter na Cidade Maravilhosa. Já é tarde e ele segue para o ponto de ônibus para embarcar. A vida pode ser até dura, mas as balas ajudam a adoçar o longo percurso rumo às vitórias, de quem sabe fazer das oportunidades a chance de vencer.

Vendedor de doces e de boas histórias

Bom de papo, bem humorado e com uma risada contagiante, o baleiro Cleber Dias da Silva gosta mesmo é de ter contato com o público. O começo da carreira, há treze anos, foi vendendo balas e jornais nos coletivos. Hoje, se dedica exclusivamente aos doces. Como bordão, gosta de utilizar o clássico “Eu não estou aqui pra matar,

nem pra roubar”, o qual garante ser de sua autoria. Como discurso para anunciar seus produtos, ele aposta no bom humor e no marketing. O dinheiro que ganha com as vendas garante as “saídas” nos finais de semana com namorada-esposa, o sustento dos três filhos e a casa própria. O batente do vendedor ambulante é de

domingo a sexta, o sábado é o dia do Senhor. Pela manhã, Cleber trabalha em sua Lan House, fruto de suas vendas nos coletivos e, à tarde, embarca nas viagens com seus doces. Assim segue o baleiro e empresário que sempre tem um doce e uma história hilária pra fazer das longas viagens uma verdadeira diversão. REPRODUçÃO


FOTOS: REPRODUçÃO

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Estica e encolhe Uma maneira diferente de perceber a história e o futuro dos benzedeiros

Vitor Colares Nelson dos Reis, 70 anos, estava internado em um hospital depois de sofrer um acidente com um certo boi bravo que quebrou seu pescoço, há sete anos. O médico pegou sua mão, mexeu pra todo lado, e ele nada sentiu. Foi então que começou a derradeira conversa com Deus: “Vai me deixar paralisado em uma cama?”, perguntou Seu Nelson de forma desafiadora. A mão que estava morta se mexeu de maneira involuntária, vindo parar no peito. Quando ele percebeu o milagre, segurava uma fita que até hoje jura ter sido um presente de Deus e a usa para benzer quem vem à sua procura na cidade de Igarapé, Região Metropolitana de BH. Em geral, os benzedeiros não são encontrados pelo Google, como minha geração se acostumou a procurar. “O que me faz vir aqui na casa do Seu Nelson são as histórias que o povo conta, ele já fez muita gente sarar com a fita milagrosa. Ele é um “benzedor” dos bons”, afirma Simone Castro de 42 anos, que desde os 30 é fiel às benzeduras. E foi procurando justamente um dos bons, que conhecemos a história do Seu Nelson.

Em um passado recente, havia muito mais benzedeiros e benzedeiras que hoje. Mas por outro lado, a procura por essas pessoas, ao mesmo tempo sagradas e populares, também diminuiu com a maior possibilidade de acesso ao serviço médico. Para o Seu Nelson, a evolução científica de maneira geral vem atrapalhando os negócios de Deus na terra. ”Quando não tinha computador e televisão, o povo acreditava mais em Deus. Hoje, depois que tem isso de ciência, o povo não acredita mais”, lamenta. Mesmo com o movimento mais fraco que o de tempos atrás, é difícil conversar com ele sem ser interrompido por um pedido de reza aqui e outro acolá. Afinal de contas, como nos disse o velho benzedeiro: “ser benzido não é uma coisa do passado, mas sim coisa pra quem tem fé em Deus”. E antes mesmo de começar a conversa de fato, houve uma consulta à tal fita: “A minha comunicação com Deus acontece através da fita. O que Deus tiver que responder, ele me responde pela fita, ou ela encolhe ou fica normal. Até pra eu sair na rua pergunto a Deus se posso ir. Se ele falar que eu não posso, não vou.” Graças a Deus, e (ou) à fita, pudemos prosseguir nossa prosa. Resolvemos, então, começar pelo começo. Segundo o Seu Nelson, o dom de benzer pessoas e

coisas não apareceu junto com a fita. Antes disso, ele já colocava a mão no rosto de alguém e os dentes paravam de doer. Até aí, não achei nada demais. Meu dentista também possui esse mesmo dom, e nem precisou incomodar Deus para conseguir isso, uns bons professores e um pouco de prática já bastaram. Mas ele fazia isso aos sete anos de idade, sem ter aprendido com ninguém e sem auxílio de qualquer Dorflex ou anestésico que o valha. As benzeduras, ao contrário do

que eu pensava e minha avó dizia, não serviam apenas para curar doenças estranhas como cobreiro e espinhela caída. Serviam também para realizar curas e desejos dos mais improváveis. Três anos depois de começar a benzer com as mãos, num campinho de futebol na fazenda onde morava, Seu Nelson abriu os braços do goleiro no meio de uma partida e disse: “Jesus, não deixa passar nenhuma bola ali não, porque ele é uma cruz.” Estava feito, podia chamar o Éder

Seu Nelson utiliza-se de sua fita para nortear suas ações


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Aleixo, o Nelinho ou mesmo o Ronaldinho Gaúcho, que não passava bola nenhuma ali. Acho que Seu Nelson deve ter feito o mesmo com o Victor, goleiro do Atlético Mineiro na fase final da Libertadores, mas essa é outra história. Além dos pedidos durante as pelejas, animal nenhum dava coice em Seu Nelson, cachorro não o mordia e marimbondo não o picava. Ainda criança, o pequeno Nelson benzia até picada de cobra. “Cobra?”, disse eu quase caindo da cadeira. ”É, quando uma cobra mordia alguém era muito difícil, porque morávamos longe do hospital, que ficava a 95 quilômetros de estrada de terra. Então iam atrás de mim, com dez anos de idade, e eu nem sabia rezar direito ainda. Eu só passava a mão e o veneno escorria.” Agora, com mais experiência, e com a fita, picada de cobra é fichinha. Segundo Seu Nelson, não existe nenhum tipo de doença que não se descubra com a tira. O processo é simples, o problema é conseguir contato com Deus em um lugar onde nenhuma operadora de telefonia pega. “Eu coloco a tira na pessoa e peço para Jesus: envie um médico para ver como está a saúde dessa pessoa. Se a pessoa tem problema de saúde, a tira encolhe. Aí eu vou puxando a peça do corpo até onde está a doença, Deus responde e até hoje não falhou nenhuma vez.” A vida de benzedeiro, no entanto, não é só de cura. Não se pode resolver tudo. Seu Nelson se sente triste quando pede a Jesus para ajudar alguém e Ele responde negativamente. Chorando, ele contou que naquela

semana mesmo, a irmã de alguma Madalena chegou e lhe pediu ajuda. Prontamente ele perguntou, e a tira não estendeu, dizendo que não poderia ajudar. Ela morreu em seguida. Depois de ouvir esse caso, desisti de pedir a ele para curar uma tosse que cismava em continuar, apesar dos antibióticos. Definitivamente, não queria ter a possibilidade de a fita não esticar. Para além das curas improváveis e pequenos milagres, percebemos que

Estigma Wilson Albino Diariamente, ele rasga o solo, e no pó deposita inférteis sementes. Tão mortas que, se mil vezes plantadas, mil vezes não germinariam. Acha natural que, em certas noites, uns maus sonhos lhe torturem o juízo. Afinal, tem na cabeça uma coletânea de lavouras vãs. De segunda a sábado, ainda que chova sem trégua, ou pareça o sol ainda mais ardente que o habitual, o especialista no cultivo de sementes nulas oferece, de si, o máximo, mesmo sabendo que receberá os mínimos: salário e reconhecimento. É consciente de que ser só agricultor é pouco; carece de ter não só conhecimento e

coragem, mas, antes de tudo, vocação. Sempre afirma que só vai haver justiça no mundo quando as leis e a morte forem similares. Na hora do vamos ver, o certo seria ignorar cor, credo, sexo, religião ou posição social. -Era para ser assim: simples como pingar um “i” ou cortar um “t” e pronto. Em sua profissão, as materializações do preconceito ocorrem por meio de um olhar enviesado, do silêncio capaz de machucar os ouvidos, ou mesmo da ausência total de gestos. Um sem número de vezes, na intenção de cumprimentar a outrem, sua mão ficou estendida, no “vácuo”. - Parece que pratica o pior dos crimes quando se apresenta: “ - Prazer, sou Cláudio, o coveiro”.

ali tem muito mais que uma simples prática em extinção. A fita parecia insistir em não esticar para um pedaço da história da nossa gente que se perde quando morre um benzedeiro ou benzedeira. Era nítido que a decadência dessa nobre ocupação simbolizava também uma perda cultural e histórica irreparável. Eu havia entrado nesta reportagem como um internauta convicto e saí daquela entrevista disposto a buscar no Google uma solução para a preservação da

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benzeção. Achei o que fizeram pelas bandas do Paraná uma boa ideia. Recentemente reconheceram os benzedeiros como agentes de Saúde Pública. Mas dar umas carteirinhas para eles é, de fato, muito pouco para o tanto que representam. Além de descobrir essa iniciativa paranaense, percebi também que o Google não benze picada de cobra, não estica nem encolhe fita. Me desculpem Larry Page e Sergey Brinos, fundadores do Google, meu novo ídolo é o Seu Nelson.

Consertador de fliperamas William Araújo Há 32 anos, um jovem, natural de Teófilo Otoni (MG), abandonou os estudos e, em busca de emprego, migrou para BH. Ao apear na cidade, mal sabia o que lhe caberia. Lourivaldo Jerônimo da Silva, hoje com 57 anos, trabalha autonomamente, mas já integrou a equipe de técnicos em manutenção de máquinas eletromecânicas de pinball. Em 1982, antes de trabalhar como técnico, apenas participava da limpeza. Contudo, se via maravilhado pelas luzes e sons, o que o levou a fazer um curso especializado em São Paulo, tornando-se “consertador de fliperama”. “A Futurama tinha apenas máquinas pinball e tiro ao alvo, mas comprou os direitos sobre a produção das

máquinas Taito e começou a fomentar o uso de jogos videoeletrônicos. A máquina Cavaleiro Negro tinha tanta sofisticação que a banda Sepultura gravou seus sons para uma música”, conta Lourivaldo. O “consertador de fliperamas” encharcava-se do orgulho de trabalhar com máquinas avançadas. Não sabia ainda, porém, que a tecnologia, desbravadora e voraz, acabaria por fazer de seu ofício um artefato de museu. Há 20 anos, a técnica perdeu popularidade e Lourivaldo se desligou da empresa, passando a trabalhar como autônomo para colecionadores. E quando indagado sobre motivos para que um consertador de fliperamas permaneça a atuar, Lourivaldo é enfático: “Não é apenas por dinheiro. Mais vale a livre e antiga paixão”.


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Um feriado pra lá de confuso Fugindo do óbvio, repórteres narram histórias na rodoviária de BH crédito

Arthur Feital Flaviano Júnior Roger Luiz Washington Santana 12h – 15h Presenciar o início do feriado de Semana Santa na rodoviária de Belo Horizonte foi tarefa das mais complicadas. Muito diferente daquilo que é transmitido pelos veículos de comunicação, em especial pela TV. As dificuldades eram inúmeras e o conforto era quase nulo para as pessoas que desejavam chegar a seus destinos com um mínimo de

dignidade. Um senhor de aproximadamente 65 anos rumava ao interior do Estado, mas, por ter se atrasado em cerca de 15 minutos, perdera o ônibus. Por isso, sentou no chão e, consternado, chorou feito criança. O número de pessoas entre 12h e 15h crescia vertiginosamente, devido, em grande parte, ao término de alguns expedientes, o que causava superlotação nos corredores. A bagunça não poupou ninguém, mulheres e crianças eram praticamente esmagadas na hora em que a multidão se subdividia, apos a chegada dos ônibus. Os homens, logicamente

mais fortes do ponto de vista físico, não queriam saber de dar a vez ou de fazer qualquer tipo de gentileza para quem quer que fosse. Assim, os ônibus enchiam em pouco tempo, de maneira tão assustadora, que, em certos momentos, me questionei se caberiam todas as pessoas ali dentro. No local de embarque, vi de tudo um pouco, desde idosos a enfrentar todos os tipos de dificuldades até gritos de uma mãe desesperada pelo sumiço do filho. Não foi fácil. Não bastassem duas malas grandes, uma senhora de aparentes 70 anos carregava uma criança de não mais do que sete anos. Atônita e desesperada, a mulher procurava qualquer tipo de informação referente ao veículo no qual iria para o interior de São Paulo. Demonstrava, assim, total desconhecimento quanto à viagem pretendida. Enquanto isso, os responsáveis pela segurança da rodoviária apenas observavam a intensa movimentação dos transeuntes. A culpa da superlotação, obviamente, não é deles, que pouco podem fazer para contornar o problema. De toda forma, eles se mostravam atentos. Conversavam entre si e trocavam sinais próprios em linguagem cifrada. Por fim, faziam um sinal de positivo com a cabeça. Estavam, de certo, à procura de alguém. Menos de dez minutos mais tarde, voltaram com o suspeito de furtar o celular e a bolsa de uma mulher. O homem resistiu, tentou não ser conduzido, mas o cenário em que foi pego o entregava: três aparelhos telefônicos no bolso, mais um dentro do sapato. A tal senhora, obviamente, não fora sua primeira vítima – mas, pelo que tudo indicava, seria a última, ao menos naquele dia. No único espaço onde era possível se movimentar nesse incrível começo de feriado, uma senhora dava passos largos e rápidos, mas totalmente sem sentido. Ela estava em busca de al-

gum tipo de ajuda. Questionava um e outro que passava, até que resolvera se direcionar a um guarda, quem a explicaria a situação: em um breve vacilo, soltou a mão do filho de sete anos, que teria entrado no meio da multidão e não fora mais encontrado, pelo menos até as 15h. 15h – 18h Antes mesmo de chegar na rodoviária de Belo horizonte, era possível acompanhar e ver que era intenso o moviment. Nas principais ruas e avenidas em torno do terminal, já se fazia nítida a presença de várias pessoas, todas com bolsas e mochilas de viagem. Ao chegar próximo da Praça Sete, pessoas que se deslocavam à rodoviária enfrentaram grande engarrafamento, correndo risco de perder o ônibus, que sai, invariavelmente, no horário estabelecido no bilhete. Muitos preferiram descer dos veículos, e, com enormes bagagens, optavam por seguir a pé até o local de destino. Tudo para não perder o recesso. Ao chegar à Praça Rio Branco, onde se localiza a rodoviária, muitos viajantes já se encontravam prontos para a partida. O barulho no local, formado pela multidão não parava de conversar, tornava-se ensurdecedor, ainda mais com o acréscimo de choros e brincadeiras de criança. As companhias eram distintas: enquanto muitos estavam junto de seus familiares, outros, solitários, encontravam alento na tecnologia, munidos de smartphones e notebooks. Interessante observar as ações da Polícia Militar e da Guarda Municipal, cujos efetivos tiveram que trabalhar muito na véspera do feriado. Foram várias as abordagens de malandros aos viajantes, sempre com a mesma “historinha”. Depois de muito lenga-lenga, vinha sempre um pedido de dinheiro. Naqueles momentos, os policiais entravam em ação, expulsando os meliantes, alguns dos quais com william araújo


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Eu estava lá

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william araújo

direito à sarjeta mais próxima. Quase ao fim da tarde, as partidas e chegadas de ônibus começavam a atrasar – algumas, por até duas horas. Reclamações nos guichês eram constantes, principalmente no da empresa Nacional, recordista de impontualidade. Nas plataformas, os motoristas tentavam se justificar. “Está tudo ‘garrado’ nas rodovias, não depende de mim”, explicavam aos passageiros. A noite chegava, mas o panorama em nada mudava. A costumeira rotina na rodoviária da capital mineira, em véspera de feriado, não iria mudar logo neste, quando foram “emendados” os festejos da Páscoa aos comes e bebes em homenagem a Tiradentes. Atrasos, confusão e muita, mas muita lotação! 18h – 21h O relógio marca 18h13: eu mesmo cheguei atrasado para meu turno na rodoviária de Belo Horizonte. O tráfego, claro!, era intenso nas principais avenidas de Contagem, a caminho do metrô. Pessoas, em seus uniformes de escritório, descem a passarela, sentido terminal rodoviário, puxando malas de rodinha. É época de Copa e a polícia já maquia a praça Rio Branco, mas os perueiros continuam por lá. Às 18h30, o ônibus para Ubá, com saída marcada para 18h na plataforma C2, ainda não chegou. Um velho e um moço, que se conheceram ali, conversam fiado. O idoso ouvia a ladainha do rapaz, que, apesar de ter uns 50 anos a menos, listava um sem-fim de proezas e experiências de vida. Uma senhora amarga comeu seis mexericas em um espaço de 20 minutos. Enfim, o ônibus encostou às 18h40. A última passageira a entrar foi uma menininha gorda, a comer Cheetos bola. A chuva, que antes castigava, já se apresentava mais branda – apesar de se fazer notar pelas goteiras no teto do saguão. Do lado de fora, onde passageiros chegavam de táxi ou de carona, muita gente tentava vender passagens de terceiros, que, por um motivo ou outro, não iriam chegar a tempo do embarque. Notado por todos, um grupo de hipsters e branquelos de dreadlocks enfrentava a fila quilométrica do guichê da Gontijo. O destino, provavelmente, era São Paulo. Pelo visto, os aviões ainda são muito mainstream

para essa turma. Lojas “arcaicas”, como livrarias e tabacarias, estavam abarrotadas, como em nenhuma outra circunstância. Tudo ali tinha fila (e das grandes). Fila pra comer, fila para ir ao banheiro, fila pra pagar, fila pra isso, fila pra aquilo etc. Subo a famigerada esteira – que tinha tudo para ser rolante, mas não é – e vejo mais filas: para guardar bagagens, no restaurante e no caixa da lanchonete. O noticiário local ecoa na TV do boteco, a loja mais escura e vazia do complexo: “Trânsito intenso nas avenidas Antônio Carlos e Teresa Cristina, no sentido centro. Alagamento...”. Pena, não deu para ouvir. Fiquei sem saber onde seria a confusão da vez em Belo Horizonte. A “muvuca” se arrastava por horas. Tudo é abarrotado, e há gente de todo tipo. Nenhuma “desculpa” depois de um esbarrão, mais caras feias que bonitas. Pessoas conversando no celular, mas raramente entre si, headphones para todo lado. Um e outro guardinha privilegiado, zanzando pra lá e pra lá, sem posição, naqueles pseudo-patinetes que custam uma fortuna. Faltam dez minutos para as 21h. Em meio a chegadas e partidas, larguei o terminal bem do jeito que o encontrei: uma confusão tremenda. 21h – 24h Muitas pessoas preferem viajar em um horário mais avançado, para ficar a madrugada toda na estrada. Dormir pode ser a melhor maneira para que a viagem passe rapidamente. A pessoa descansa e não vê o que ocorre durante o trajeto. À noite, cobertas e travesseiros são alguns dos objetos mais vistos na rodoviária. O frio não se faz presente apenas nos ônibus, mas também no terminal, pois o piso “batido” ajuda a jogar para baixo a temperatura do local. Para chegar bem cedo ao destino desejado, as passagens de ônibus do fim de noite e começo da madrugada são as mais procuradas. Nessas horas, o cafezinho é fundamental e, portanto, avidamente procurado. A cafeteria estava lotada de mineiros e de turistas. Os de fora, junto ao café, perguntavam logo pelo pão de queijo, sabedores de que o sabor da guloseima é diferente nas Minas Gerais. Em feriados prolongados, não dá para saber se chegam ou partem mais pessoas na rodoviária. Se no

crédito

Passageiros tiveram que ter paciência para driblar os problemas do feriado

piso superior bancos e cadeiras estão abarrotados, lá embaixo, no setor de desembarque, o movimento também é enorme. As luzes intermitentes dos faróis indicavam o ir e vir incessante dos ônibus, tanto para sair quanto para desembarcar passageiros em solo mineiro. Rostos e sotaques de todos os tipos são vistos na rodoviária de Belo Horizonte. Uns em busca de trabalho, outros a passeio. Nordestinos são os migrantes mais vistos. Desembarcavam em grande número, não conhecendo nada da cidade, sem rumo, mas com a esperança de encontrar um povo acolhedor – eta, fama dos mineiros! –, mas, principalmente, para melhorar a vida. Quem ia viajar, por outro lado, tinha o litoral como destino mais procurado. Guarapari (ES), Cabo Frio (RJ) e Porto Seguro (BA) eram

as cidades campeãs nas plataformas de embarque, tomadas pela mineirada, ansiosa para se divertir à beira do mar. Em meio à espera, as famílias conversavam sobre a viagem. Enquanto as crianças pensavam em como seriam seus castelos de areia e os jovens imaginavam as baladas locais, os homens sonhavam com a cervejinha e as mulheres só se preocupavam em voltar para casa com ótimos bronzeados. Claro está que a viagem de avião é mais rápida. Os preços ainda altos e o tradicional medo de altura, contudo, fazem com que muitas pessoas optem pelos ônibus. Mas o que eles oferecem de bom? As paisagens ao longo da estrada, que dificilmente podem ser apreciadas por quem está lá em cima. Rápida ou longa a viagem, fica a mais interessante das certezas: o “voo rasteiro” nunca será esquecido. william araújo


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O ócio na contramão da cidade Ariel Thêmis


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