Ano 32 • número 197 • Abril de 2015 • Belo Horizonte/MG
E AÍ, DESENROLA?
Para os cabelos cacheados, nada de chapinha PÁGINAS 6 e 7
Para o empreendedor, é importante encontrar o fio da meada PÁGINAS 8 a 11
Caderno DO!S – Praças, cabines eróticas, árvores vestidas de tricô e filmes eternos
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Primeiras Palavras
Mil fios, um jornal Mariana Gualberto O IMPRESSÃO 197 foi tecido com os mais diversos fios, para levar a você, leitor, a essência da diversidade que permeia a edição. Abrindo o Caderno Um, os fios crespos e cacheados que fazem a cabeça das mulheres e questionam a ditadura dos alisamentos. Na sequência, os jovens e seus vícios, agora, não em alisadores capilares, mas em tecnologia, estudos, religião e na busca pelo corpo perfeito. Ainda no Caderno Um, a edição busca desvendar qual o fio da meada para os negócios, no Dossiê Empreendedorismo. Nossos repórteres levantam a importância das instituições na formação de um empreendedor, trazem perfis de idealizadores de projetos de diversas áreas que deram certo, além da entrevista ping-pong com Bel Pesce. Um dos destaques dessa edição é a conversa que nossos repórteres tiveram, por
horas a fio, com o professor e pesquisador Nilson Lage. Na ocasião, Lage, que é referência no âmbito do jornalismo, teceu suas impressões sobre os rumos da profissão, nos tempos de hoje. Escondidos nos campos, os gandulas ganham espaço nas páginas do IMPRESSÃO, numa matéria que destaca o trabalho não tão glamoroso quanto dos jogadores de futebol, mas essencial para o andamento do jogo. Dividindo espaço com os gandulas, uma vovó viajada e um vendedor de paçocas estrelam nosso Rodapé. O Caderno Um é encerrado com um ensaio fotográfico de dar frio na barriga, o tema: altura! A brincadeira com a diagramação da página enche os olhos dos cinéfilos ao fazer referência ao filme Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock. O DO!S já começa irreverente pela capa: uma cabine erótica e nenhuma chamada verbalizada. Contrapondo tamanha con-
temporaneidade, o caderno é aberto pelos grandes clássicos da sétima arte, numa matéria que te leva a entender sobre essa esfera, bem como onde ter acesso aos longas que resistem ao tempo. Em seguida, nosso Dossiê Espaços Urbanos te convida para dar uma volta em pontos da capital mineira, passando por cabines eróticas, praças abandonadas e árvores vestidas de tricô e crochê. Já nossas dicas culturais ficam por conta do longa metragem Marighella, documentário que retrata a vida do líder comunista, e de uma outra face de Clarice Lispector, com o livro Correio Feminino. Nossa edição é encerrada com duas crônicas: um trauma de infância que perpetua na vida adulta e os desafios de alunos de jornalismo para fazerem uma matéria sobre solidariedade na região da Lagoinha. O IMPRESSÃO é seu. Não perca o fio, e boa leitura!
ImPRESSãO
EXPEDIENtE
VICE-REITORA Profa Vânia Café INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Prof. Paulo Emílio S. Vaz (diretor) Profa. Cynthia Enoque (adjunta) COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO Prof. João Carvalho LABORATÓRIO DE
JORNALISMO IMPRESSO EDITORES Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. PRECEPTORA Profa. Ana Paula Abreu (Prog. Visual / Diagramação) ESTAGIÁRIOS Alex Moura Mariana Gualberto Wilson Albino ILUSTRAÇÃO William Araújo Dandara Deolinda PARCERIAS Lab. de Criação Publicitária (LACP) Laboratório de Jornalismo Online Laboratório de Fotografia Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA) IMPRESSÃO / TIRAGEM Sempre Editora 2.000 exemplares Eleito o melhor Jornal-laboratório do país na Expocom 2009 e o 2º melhor na Expocom 2003
O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Jornalismo do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe: Rua Diamantina, 463 Lagoinha – BH/MG CEP: 31.110-320 Telefone: (31) 3207-2811 Email: impresso@unibh.br
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Visão Crítica
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Narciso no fundo da tela Isabelle Boaventura Não é de hoje que as redes sociais passaram a ser parte importante do nosso ciclo de relações. Nos dias atuais, pedir o endereço de um amigo para que a comunicação se estabeleça por mensagens é querer em troca algo como @alguém ou um nome com o final de ponto com ponto br. É inegável que o advento tecnológico proporcionou maior interação entre pessoas que, em outras épocas, seriam apenas passageiros em nossas vidas. Mas não podemos deixar de perceber o enorme crescimento da necessidade de autoafirmação que esses ambientes cibernéticos acarretaram nos usuários. Algumas pessoas passaram a usar as redes sociais, que foram criadas para favorecer a comunicação humana, como espaço de autoafirmação daquilo que elas gostam e fazem em seus dias. Realizações positivas passaram a ser sinônimo de “likes”. Popularidade passou a ser os números
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Nas entranhas Beatriz Amaral
diários de solicitações de amizades. Cresce a necessidade de compartilhamentos que são expositivos. O amar para ser amado passou a ser “troco likes”. O Computers in Human Behavior divulgou, no ano de 2013, uma pesquisa revelando que o uso excessivo das redes sociais aflora o narcisismo pessoal. A pesquisa conclui que aqueles que utilizam o meio para postar tudo aquilo que vivenciam no dia a dia, no fundo, querem aprovação dos seguidores e afirmação da sua imagem, mesmo que esta não seja real. Uma foto sorrindo no instagram não qualifica felicidade. O problema é que tiro acaba saindo pela culatra, esse comportamento acaba causando repulsa em outros usuários, classificando esses como carentes ou desesperados do mundo virtual. Além disso, algumas pesquisas apontam casos de depressão em usuários de algumas redes. O instagram é o mais citado, visto que algumas pessoas podem não
conseguir passar a imagem desejada e se frustrar com tal situação. Comparações de qualidades entre perfis e status demonstrados também podem afetar autoestima. A popularização do “selfie” também passou a ser mais que tirar uma foto de si mesmo. A cada dia são milhões de compartilhamentos que geraram demanda, inclusive, financeira, já que o “dentista, orçamento sem compromisso” passou a dividir espaço de grito com o “olha o pau de selfie”. A necessidade de exposição é tanta que até nossos momentos íntimos precisam ser compartilhados para que se tornem verdade para alguns. No ano passado, os usuários chegaram a criar uma corrente para que casais postassem suas fotos tiradas após o ato sexual, a chamada “after-sex”. O bizarro caiu no gosto dos internautas e rendeu milhares de fotos nas redes. Uma coisa interessante: já repararam que o “selfie” é o novo “euzinha” tão criticado na época do Orkut?
Política: palavra que causa repulsa a muitos. A maioria acha que ela está apenas ligada aos poderes dos governantes, deputados etc. A política nada mais é que as relações que exercemos uns com os outros na sociedade. Portanto, a utilizamos o tempo todo em nosso dia a dia. Quando reclamamos da corrupção nos partidos não percebemos causa nem origem. Será que o povo brasileiro também não é corrupto? Atravessar fora da faixa de pedestre, jogar lixo nas ruas, deteriorar patrimônio público. Todas essas atitudes – e outras mais – são exemplos de corrupções praticadas pelo cidadão. Como podemos, então, exigir dos que estão “lá em cima” quando nós mesmos não podemos dar bom exemplo? O caso do motorista que dirigia embriagado e arrancou o braço de um ciclista na Avenida Paulista, em São Paulo, há dois anos, chocou muitos brasileiros. Mas esse foi apenas um entre tantos casos não noticiados que acontecem, a todo o momento, no país. O fato de as pessoas não se preocuparem umas com as outras, nem se esforçarem para praticar as leis, é determinante para que a sociedade caminhe para o caos. Se os brasileiros fossem mais dedicados ao cumprimento das leis e à valorização do próximo, talvez nossa realidade fosse diferente. Os níveis de violência despencariam e a confiança no outro poderia existir, a corrupção seria extinta e não haveria motivos para culpar um governo idôneo. Quando estamos doentes, analisamos os sintomas, mas tentamos descobrir a causa, para, então, tomarmos o medicamento correto. Assim também é a política. Qual a causa de tanta corrupção e abuso de poder? O Brasil sofre tremenda crise moral. Do sujeito mais simples ao mais culto, todos suscetíveis à contaminação. O problema é que às vezes culpamos os poderosos e nos esquecemos de nós mesmos. Ora, é muito fácil culpar o governo de tudo que acontece no país. Mas difícil mesmo é cada um correr atrás do seu objetivo. Mudar depende não só da administração da sociedade, mas da comunicação entre ela e dos valores estabelecidos. E é através da comunicação entre nós que acontece o que chamamos de “passar de geração a geração”. Sendo assim, juntamos valores e conhecimento que serão passados e repassados entre pessoas, o que trará amadurecimento para o povo brasileiro. Que possamos lutar cada vez mais por um Brasil recheado de valores, que preserve sua cultura diversificada e valorize sua autonomia. Sejamos verdadeiros cidadãos, não só na hora de cumprir as leis, mas, também, quando exercermos a política, praticando uma melhor convivência em sociedade.
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Tramas contemporâneas
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Em terra de chapinha, cacheada é rainha Mulheres abandonam a ditadura do liso e resolvem assumir os cabelos naturais fotos: Marina Gualberto
Mulheres afirmam que a principal mudança é interior
Mariana Gualberto “Cabelo, cabeleira/ cabeluda, descabela/ cabelo, cabeleira/ cabeluda, descabelada/ quem disse que o cabelo/ não sente [...] cabelo vem lá de dentro/ cabelo é como pensamento”, Jorge Ben Jor usou a voz para cantar a força dos cabelos em seus mais diversos tipos e formas. E, em meio a tantas técnicas de alisamento capilar, um número crescente de mulheres vai de encontro à ditadura da beleza eurocêntrica e resolvem assumir os cabelos crespos e cacheados. Movimentos em prol dos fios naturais ganharam as redes sociais, as ruas e, principalmente, a cabeça das mulheres. Esse é o caso do Encrespa Geral, que já contou com três edições em Belo Horizonte e tem abrangência tanto nacional, quanto internacional. O evento, que tem o objetivo de incentivar e inspirar a busca do autoconhecimento e a valorização da autoestima, já passou pelas cinco regiões do Brasil, além de ter ganho as cabeças gringas na Irlanda, Inglaterra e Austrália.
O Encrespa Geral não atrai apenas as mulheres com os cabelos naturais, mas aquelas que estão na fase de transição, tentado eliminar a química alisadora dos fios. Dandara Elias, uma das organizadoras da última edição do evento, que aconteceu em outubro de 2014, já foi adepta dos alisadores, mas decidiu assumir os cachos. “Eu sempre quis ter o cabelo cacheado, eu achava lindo, mas nos outros, pra mim não combinava. No início, eu queria ter mas não sabia como. Conheci o grupo, descobri o processo de transição e resolvi tentar. Percebi que eu também poderia ter o cabelo natural. Foi libertador”, confidencia, já com os cabelos naturais. Uma questão de raízes A aceitação das origens e da beleza natural é um dos fatores que dá forças às mulheres, para passarem pela fase de libertação. Dandara explica que a mudança parte de dentro. “Você começa a se questionar: por que eu acho feio o cabelo natural? E quando você
entende que isso é um preconceito, que não é natural o cabelo bonito ser o cabelo liso, você supera mesmo. E eu costumo falar: o cabelo é só a mudança que as pessoas veem, é só o que não coube aqui dentro. A maior mudança é dentro da gente”, comenta. Sob um turbante cheio de cores, que acomodava seus cabelos já natu-
“Como a maioria, eu também passei pelo momento de seguir a sociedade e o mercado. Tem quatro anos que uso o meu cabelo natural. A melhor coisa que a gente faz na vida é se aceitar” Karen Porfiro
rais, e um rosto expressivo, Vitória de Paula também levou para o evento todas as suas raízes e a paixão pela moda afro, que, ela garante, vem de berço. “Minha mãe fez questão de me mostrar a africanidade que eu tinha, através dos meus traços. No momento em que eu assumi os meus cachos, eu falei: vou assumir toda a minha africanidade! Então o turbante, hoje, é como uma peça de roupa, quase não saio sem ele, tenho um monte”, relata. Vitória comenta ainda que, hoje, é mais fácil encontrar acessórios e peças de roupa afro que vêm direto da Nigéria e do Senegal, na capital mineira, o que, há três anos atrás, era quase impossível. Miss black power Corpo esguio, pele morena, olhos verdes, traços finos, lábios bem desenhados e um cabelo cheio de cachos, vida e liberdade. Karen Porfiro, miss Minas Gerais 2014, representa bem as crespas e cacheadas e garante que o melhor é se assumir. “Como a maio-
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ria, eu também passei pelo momento de seguir a sociedade e o mercado. tem quatro anos que uso o meu cabelo natural. A melhor coisa que a gente faz na vida é se aceitar”, pontua. A miss, que também participou da terceira edição do Encrespa Geral, conta que ficou muito feliz por vencer o concurso e receber a aceitação das pessoas. Karen se identifica como uma mistura tipicamente brasileira, “Meu pai tem a pele e os olhos claros, já a minha mãe é negra, com descendência de índios. É a mistura que deixa o país nessa beleza toda”, ressalta. Sobre preconceito e discriminação, Karen comenta ser algo enraizado na história, que, infelizmente, ainda existe, mas, aos pouco, é superado. “Infelizmente ainda tem certos padrões. Quando eu passei no concurso, as pessoas viravam e falavam: ela é bonita, mas o cabelo não é padrão de miss. As pessoas ainda têm esse preconceito, mas, de degrau em degrau, estamos chegando à fase da aceitação”, finaliza. Tratamento especial Os fios crespos e cacheados precisam de cuidados que nem todos os salões de beleza estão aptos a dar.
Ludmila Bernardes Cresci estrangeira em minha própria casa. Meu corpo. Casa com paredes negras, traços fortes e teto encaracolado. A palavra pertencer, até os 16 anos, não coube no meu léxico, limitado por falta de representatividade autêntica. Nascida de uma mistura tipicamente brasileira-mãe branca e pai negro-, virei café com leite, morena, cor de burro fugido e indefinida, mas nunca negra. Anulei-me com a consciência de que a ditadura dos cabelos lisos e traços finos me excluía. Comprei uma identidade imposta pela sociedade e escondi, atrás de horas de escovas e pranchas, minha raiz. Embora houvesse feito a travessia para dentro do que sou há dois anos, permitindo que aquilo que me era natural ditasse as regras. Externando minhas origens e criando uma linguagem particular por assumir o meu cabelo. rota inconscientemente traçada em busca de uma identidade própria. A incompletude do que eu era, falta de outras semelhantes a mim, ainda me consumia. Assumir-se negra é buscar-se constantemente nas revistas, novelas e etc. É desejar ver a sua própria imagem refletida em um moderno espelho eletrônico e por ele multiplicada com tal intensidade na
tramas contemporâneas Em Belo Horizonte, existem alguns espaços especializados nesse tipo de cabelo. É o caso do Beleza Negra, um dos pioneiros na capital mineira, fundado em 1986, por Betina Borges. A cabeleireira conta que, depois de trabalhar como manicure em um salão também focado nesse tipo de cabelo, criou interesse no segmento e decidiu fazer cursos para aprender sobre os fios. Em 1995, foi para a Carolina do Norte, nos Estados unidos para se especializar em cabelo afro. Segundo Betina, cada vez mais as mulheres vêm desistindo das químicas fortes. “Elas se cansaram de produtos pesados; descobriram que o natural é mais bonito. A internet e a tV têm ajudado bastante, é uma febre que está pegando. Esse momento do cabelo crespo é maravilhoso! Mas é necessário cuidar, hidratar e usar os produtos de acordo”, explica. Hoje, a maior parte da clientela do Beleza Negra está na transição para retirar a química pesada do cabelo. “Atendo de dez a quinze pessoas por dia, com um tratamento personalizado. A cada quinze mulheres, oito estão na transição para retirar a química”, conclui.
Beleza que quebra padrões
esperança de que algo possa mudar uma auto-imagem negativa. No dia 19 de outubro de 2014, após ficar, por alguns segundos, estática, em uma escada rolante que me subia, encontrei, o que narcisicamente, buscava. O meu reflexo. Impensável, outrora, que uma escada rolante seria o meio de locomoção mais adequado para uma interiorização. recebi o bônus da luta que, até ali, havia enfrentado só. Pude ver, enfim, a mulher que me constituí às cegas e na marra. A mulher negra. Mas não era só uma. Eram várias mulheres negras com cabelos crespos, cacheados, ondulados e todas as suas variações. Mulheres reunidas em um encontro que discutia a nossa beleza, mas também os nossos desafios diários. Além das palestras e do depoimento da Miss Minas Gerais, Karen Porfiro, que mesmo com traços eurocêntricos, padrão televisivo. É negra. Stands nos ensinavam mais sobre nós mesmas. Cuidados com o cabelo, turbantes, roupas e cultura. Percebi, então, o quanto preciso do outro para a construção de mim mesma. De minha auto definição. Não precisava mais de outra identidade que não a minha. A que construí. “uma batalha contra a escravidão continua quando o opressor me obriga a fazer o que
ele quer que eu faça. A ser quem ele quer que eu seja. Me assumir negra, de matriz africana é uma construção diária e se eu precisar pisar no chão para buscar energias eu vou pisar. O negro tem que ser guerreiro o tempo todo”, declarou, meio a uma conversa, Katammci uiburé, dona da marca de roupas africanas DJuMBO. Katammci, reforça, porém, que apesar de nossa resistência, o preconceito tem de ser continuamente combatido, pois está em todos os lugares. “Dentro do açougue, um lugar no qual eu nunca esperava, um homem gritou: “cabelo duro”, e repetiu- enfaticamente. Ele tem que me respeitar. Nos respeitar. Chamei a polícia!”, exemplificou. Ser negro é maravilhoso mas, devido às marcas históricas cravadas em nosso corpo, nunca para de doer. A dor mais latente em nós, que seguimos aprendendo a lidar com o preconceito, no entanto, é a dor que sentem as nossas crianças. Criança esta que quando está aprendendo o que é identidade ouve dos outros que você tem que ser outro indivíduo, aquele que a sociedade aceita. Ainda não temos, para esses seres menores- não em grandeza, mas em estatura-, uma grande cartilha de desenhos animados ou filmes nos
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quais elas se reconheçam. Mas o caminho a essa realidade possível vem sendo construído na força e na luta das mulheres que encontram, em um encontro como o Encrespa a força para seguirem resistindo.
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Jovens sacrifícios A vida nos surpreende e percebemos que somos diferentes por nossas escolhas alex moura
Força, foco e fé: fórmulas fáceis de felicidade?
Charles Machado Jonatas Fernandes Maristela Chaves Paloma Daniele Quando se fala em juventude, logo vem à cabeça a seguinte ideia: curtir a vida em qualquer circunstância, indo a baladas, alimentando-se das maiores gostosuras, dentre outras diversões. Contudo, cuidar do corpo, do conhecimento e da alma, muitas vezes, é ação deixada em segundo plano. Isso não se aplica a quatro jovens que sacrificam esse estilo de vida em prol de seus objetivos. Márcio Gomes de Oliveira, de 29 anos, e Rafael Matineis Vieira, de 26 anos, estão, há sete anos, em busca do corpo perfeito. Depois de sofrerem bullying por causa da aparência física, decidiram buscar uma academia. Tiveram a rotina drasticamente mudada, malhando, no mínimo, duas horas por dia, de segunda a sábado, inclusive nos feriados. O principal sacrifício é na alimentação, pois eles deixaram de lado refrigerantes, sorvetes, sanduíches e frituras para seguir a uma nova dieta. “Acordo às sete horas da manhã, me alimento rigorosamente de três em três horas e tenho alimentação completamente balanceada, rica em proteínas e carboidratos”, relata Márcio. Batata doce, mandioca e ovos sempre entram na
lista do supermercado. Sobre a possibilidade de enjoarem desses alimentos, Rafael é enfático: “Isso acontece, mas a gente busca alternativas, como tomar batata doce e peito de frango batidos no liquidificador”. As estranhezas não param. Ele conta como seu relacionamento chegou ao fim: “Ela reclamava de tudo, não gostava quando não comia as gostosuras, e, ainda, do fato de nossas noites terminarem muito cedo. Eu acordava às seis da manhã e ia treinar. Ela não suportou. Por isso, hoje, busco uma companheira que tenha o mesmo gosto que eu”. Uma vez por mês, foi decretado por eles o chamado dia do lixo. Nele, tudo está permitido. Livros e mais livros A jovem Sara Fernandes, de 21 anos, trabalha de 15h às 01h30 há quase dois anos na PM e cursa o quinto período de Direito na PUC Minas. É completamente dedicada aos estudos, mantendo pesada rotina. Ela sai de casa às 6h30 para estudar e retorna no início da tarde. Em dias de prova e serviço, chega em casa pela madrugada, descansa por um tempo e estuda até o horário da avaliação. Ao chegar da faculdade, repousa por uma hora e, posteriormente, se dedica aos estudos até o fim da noite, com intervalos de trinta minutos. Sara descreve os fins de semana de
descanso de maneira curiosa. “É um paraíso, pois tenho tempo de colocar a matéria em dia e tentar não deixar acumular. O que é inevitável, já que meu curso exige muita leitura”, conta. Em meio a tanta dedicação, ela separa um tempo para o lazer. Namorando há três anos, há sempre um dia no fim de semana separado para esse relaxamento. Mas baladas, curtições e uma vida agitada não fazem parte do roteiro. Dedicada e decidida, mantém firme o seu propósito. E não acha que esse estilo de vida seja um sacrifício. “Eu sou uma jovem feliz. A felicidade é um estado de espírito constante, uma construção diária. Escolhi um caminho árduo e que exige abdicações, mas, no futuro, colherei os frutos”, conta. Sara também sonha em se casar. Samuel Alves Ferreira completou 30 anos recentemente. Apesar de ter nascido em um lar cristão, viveu um período fora da igreja, voltando quando tinha 16 anos de idade e permanecendo até os dias de hoje. Construiu uma família muito cedo, se casando com 18 anos, tem dois filhos. Não bastasse sua dedicação sendo um jovem membro do templo religioso, ele colabora de forma voluntária há sete anos e oficialmente há um ano e meio. Hoje, é ministro do Tabernáculo Belo Horizonte, onde fala sobre essa função de “trabalhar”
para Deus. “O verdadeiro ministro não surge por escolas teológicas, não como uma profissão no natural. Um exemplo: para ser jornalista, você tem que cursar a faculdade por alguns anos. Após isso, você está apto a exercer a profissão. No ministério, não é bem assim, você nasce com esse chamado desde a fundação do mundo”, comenta. Sacrificando um estilo considerado jovial para se dedicar à leitura da Bíblia, oração e, acima de tudo, buscando viver o que é pregado, com essa rotina de dedicação às questões espirituais, inclusive fazendo visitas aos que necessitam, ele não vê sua família prejudicada em relação à atenção paterna. Pelo contrário, vê um ganho, pois sua família também é cristã. Os momentos nem sempre são bons. Esses sacrifícios são muitas vezes dolorosos. No momento em que sua avó faleceu, há um ano, Samuel estava subindo ao púlpito para pregar. Foi quando ele sentiu que ela estava partindo e disse: “Não é fácil a vida de um homem que se dedica a Deus. Minha avó está partindo nesse momento e eu estou aqui cumprindo uma vontade Dele”. “Quem poderia sentir falta de uma vida vazia, de angústias na alma, solidão. A vida no mundo é vazia e as pessoas precisam de álcool, drogas e músicas indecentes. Mas, em Cristo, é só a liberdade. E tudo posso naquele que me fortalece”, vibra. Esses são quatro de não muitos jovens que diferem do normal. Vivem uma rotina considerada por muitos de sacrifício, mas mostram que não existe nenhum esforço grande ou acima do normal quando se quer alcançar o diferenciado. arquivo lab. jornalismo impresso
Ciência e Tecnologia
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Vida versus tecnologia Superando, por alguns dias, o vício tecnológico arquivo lab. jornalismo impresso
Até onde podemos ir, em nome do virtual?
Alessandra Pereira Ana Flávia Miranda Elis Regina Captein Letícia Simões Que a maioria das pessoas não consegue mais viver sem celular, ou sem acesso à internet, todos já sabem. Mas até onde vai essa compulsão por tecnologia, capaz de fazer com que deixemos de vivenciar situações reais em nome do mundo virtual? Para Erika Nahass, especialista em novas tecnologias, o aumento da dependência acontece por causa da facilidade proporcionada pelas novas mídias, por meio do smartphone, das redes sociais e dos jogos eletrônicos. “Do ponto de vista da razão, poderíamos dizer que essas ferramentas nos aproximam e favorecem aos mais tímidos, que têm fácil acesso a relacionamentos interpessoais. Sem contar a variedade de recursos a serem explorados na internet”, destaca.
O site Dependência de Tecnologia (www.dependenciadetecnologia.org) definiu os dois tipos de recursos virtuais mais usados na atualidade: jogos eletrônicos e redes sociais. Se os games são predominantemente usados por adolescentes, as mídias de relacionamento atingem pessoas de todas as idades. No ver de Erika, há fatores positivos e negativos no uso excessivo das tecnologias. “O lado bom diz respeito à agilidade, à eficácia do tempo-espaço e à facilidade de comunicação no ambiente coorporativo. O fator negativo está ligado ao fato de que, em função de tamanha agilidade, as pessoas reduzem o contato face a face”, pontua, ao ressaltar que velocidade e praticidade, atualmente, garantem o tom da sociedade moderna. Hiperconectados O drama Ela (Her), dirigido por Spike Jonze e estrelado por Joaquin
Phoenix, Scarlett Johansson e Amy Adams, é uma crítica às relações pessoais que valorizam muito mais a tela de um computador do que a presença física das pessoas. O filme retrata a vida de um escritor que tenta se recompor após o divórcio. O sistema chamado Samantha dá vida a tudo que Theodore buscava em um relacionamento: paz, leveza, respeito e – por que não dizer? – amor. A voz sexy e dominadora de Samantha põe à prova o que o protagonista busca em alguém, deixando de lado o convívio com colegas de trabalho, amigos e vizinhos. A produção, de 2013, aborda o modo como o ser humano se relaciona cada vez mais com a tecnologia, em detrimento de seu semelhante. Segundo a psicóloga Júlia Ramalho, hoje vivemos conectados a aparelhos que funcionam como extensão de nós mesmos. “O homem tem fascínio pela tecnologia e pelo controle por ela oferecido. Com telefones, smartphones, tablets e computadores, podemos ampliar nossa forma de comunicar”, ressalta. A promotora de vendas Marisa Dias se enquadra neste perfil. Conforme ela aumentava seu ciclo de amizades, a dependência também se estendia. “Ficava o dia inteirinho ligada nas redes sociais. Parecia um vício de cigarro e aquilo só se agravava. As pessoas foram me deixando e eu não percebia a gravidade”, conta. Para Júlia, compulsões como essa refletem nosso modo de ser e estar no mundo. “É preciso ter hábitos saudáveis, para não ficar refém do que a vida no mundo virtual pode propiciar”, conclui.
Eu e a natureza Laura Lana Dias antes da experiência, a ideia de ficar sem o celular me aterrorizava. O tempo todo escuto xingamentos, dos meus amigos e familiares, por não largar o celular. Briguei com meu pai no réveillon de 2013 porque fomos a um lugar onde não havia sinal de celular. Chegando ao acampamento, comecei a pensar em maneiras de me distrair sem usar o dito cujo. Li, conversei, comi. Levei pouco dinheiro, e o banho era pago. Resultado: fiquei devendo. Não é a toa que minha avó sempre diz que “o povo da roça confia nas pessoas”. O dono do camping, que nunca me viu na vida, deixou-me ficar devendo quase R$ 50! Isso é uma situação inimaginável nas metrópoles. Sempre fui apaixonada por natureza, apesar de, paradoxalmente, odiar bichos. Aproveitei ambos os extremos nessa experiência. Fiquei conversando e lendo à luz da lua; vi o sol nascer nas colinas, senti o ar puro, nadei no rio, gritei a cada vez que um inseto voava perto de mim. Para quem imaginou que seria torturante, a experiência foi incrível. Senti-me em plena sincronia com a natureza– talvez, pela primeira vez em minha vida.
“Que faço eu da vida sem você?” Bruna Garcia No feriado de Semana Santa, fomos acampar em São José da Serra, distrito de Jaboticatubas (MG). Ficamos em um sítio local, que também é área de camping. Proprietário do estabelecimento, Mauro da Serra revela-se o típico morador do interior. Fez de tudo para que nos sentíssemos bem durante o tempo em que ficamos lá. O objetivo era viver sem internet, celular, televisão, em pleno século XXI. E conseguimos, mesmo que a duras penas. Nunca imaginei ficar sem tecnologia. Ao sair de casa, sempre confiro se
estou levando meu smartphone, e, nas vezes em que o esqueço, a sensação é de que estou nua. Foi difícil viver a experiência da desconexão, apesar do lugar aconchegante. A única ocupação que tínhamos era conversar, comer e dormir. E o tempo parecia não fluir. A hora passou a ser minha maior inimiga naqueles quatro dias. Em casa, com a tecnologia ao alcance, não vejo a hora passar; fico a madrugada acordada, conectada em várias redes sociais. No sítio, tínhamos sono em horas inimagináveis. No dia seguinte, acordávamos cedo, mas ficávamos deitados, esperando a hora passar.
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Dossiê Empreendedorismo
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Pé no chão e s
Inovar com consciência: a importância das institui
Alex Moura Emelyn Dias Mariana Gualberto Criar um novo projeto, uma atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um negócio já existente. Isto é o “empreendedorismo”, segundo o último relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2013, que teve como objetivo analisar esta atividade no Brasil. O estudo mostra que pessoas entre 25 e 34 anos, com 21,9%, são as que mais criam empreendimentos. Outros fatores a serem observados são: a maior parte (50,9%) das pessoas que decidem iniciar algo não concluíram o ensino médio e a faixa de renda predominante, com 61,6%, é de menos de três salários mínimos. Para Valeria Ayres, consultora do Sebrae, o empreendedor não é apenas aquele que decide abrir uma empresa. Existem pessoas com características inovadoras em qualquer local de trabalho, mesmo que não sejam os proprietários da empresa. “Pense em uma pessoa que pode levar um novo negócio ou perspectiva para um projeto já existente. Nesse sentido, a escola pode atuar fomentando não só o empreendedorismo, mas o perfil também, porque, assim, vai formar pessoas diferenciadas”, explica. Ayres diz ainda que ser empreendedor, hoje, já não é tão complicado, afinal,
existem órgãos que apoiam o processo, o que faz a burocracia diminuir. “Uma consultoria pode ajudar muito, pois existem alguns detalhes importantes sobre o tipo de empresa, formas jurídicas, classificação dos serviços e da atividade da empresa. Também para conhecer a dinâmica contábil e financeira, iniciando, assim, com os controles e documentações corretos”, afirma.
O papel da universidade Muitos acreditam que empreender é um dom, mas as instituições de ensino também são muito importantes no processo de formação. Entender o mercado de trabalho, analisar todas as possibilidades, conhecer as próprias deficiências e procurar métodos para saná-las. Enfim, tudo isso pode ser facilitado pela troca de ideias e de conhe-
cimentos, que podem ser gerados tanto por escolas focadas nesse tema ou por disciplinas ofertadas em alguns cursos universitários. Sobre isso, Ayres diz que o papel das instituições é de apresentar ao aluno não só conteúdo em sua área, mas, também, como é o mercado e as possibilidades de ingresso e sucesso. “A instituição deve investir em aproximar o aluno
rodrigo oliveira
Para Tânia Alves, experiência de vida e ensinamentos de sala de aula são essenciais para empreender
Dossiê Empreendedorismo
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sonho na mão
ições de ensino na formação de um empreendedor do mercado e das empresas, provocar uma visão crítica e gerar condições de análise de quais caminhos podem ser buscados pelo aluno após o curso. É importante apostar em laboratórios práticos, empresas júniores, incubadoras e disciplinas que estimulem o aluno a não simplesmente se encaixar em formatos empresariais já existentes”, explica. A importância das escolas, conforme
explica Ayres, é grande. Porém, algumas características pessoais são fundamentais no processo: dedicação, persistência e, até mesmo, um pouco de sorte, porque, às vezes, situações inesperadas podem encurtar alguns caminhos. Em relação a isso, a consultora conta uma passagem que reforça os preceitos citados acima: “Lembro-me de uma vez em que encontrei com o Alexandre Costa,
criador da Cacau Show, há muitos anos, em um aeroporto. Ele estava iniciando sua expansão. Ele comentou como começou vendendo chocolate de porta em porta e como o negócio foi crescendo. Ele criou a empresa e, naquela época, tinha uma meta de conseguir 500 lojas. Hoje, são mais de 1.000 lojas no Brasil”, relata. Breno Lagares Borges, professor
da disciplina de empreendedorismo e coordenador do curso de Eventos do UniBH, explica que é fundamental que as instituições de ensino, principalmente as universidades, ofereçam cursos e disciplinas sobre o tema, pois muitas pessoas começam projetos sem uma capacitação adequada, e isso pode ser trabalhado. “O intuito dessa disciplina é mostrar para o estudante a capacidade que ele pode vir a desenvolver, para ele, assim, empreender com organização, cautela e planejamento. Hoje em dia, nessa disciplina, desenvolvemos temas como criatividade e inovação, que são aspectos importantes pra que esse novo empreendimento tenha sucesso no futuro. Isso tudo não é somente para montar uma empresa, essas características podem ser utilizadas dentro de uma organização, explica Borges. A oferta da disciplina Empreendedorismo é uma indicação Ministério da Educação. O professor do UniBH afirma que isso é importante, porque o aprendizado com a disciplina é perene, o que faz uma grande diferença no currículo e pode ajudar muito no mercado de trabalho. Muitos descobrem no curso a capacidade para empreender, outros, que não têm expertise para tal. Porém, destaca Borges, há, hoje, várias escolas e cursos desenvolvidos exclusivamente pensando no tema, o que também é muito importante.
Sempre é tempo de empreender Ainda na faculdade, Tânia Alves decidiu empreender. É enfática ao dizer que sem a formação no curso de eventos, realizado no UniBH – onde também trabalha há 10 anos – não teria condições para criar a Eventos da Gerais. “A graduação influenciou muito, fiz parte da primeira turma do curso. Tivemos muitas palestras, workshops e outros ensinamentos. Com essa orientação, quando faltavam seis meses para me formar, por eu e minha parceira termos uma maturidade, montamos a empresa”, explica. Tânia, ao comentar sua formação, o início da trajetória e o empreendimento, cita, constantemente, a palavra maturidade. Para ela, é um fator fundamental em toda sua jornada. A experiência de vida, somada aos ensinamentos de sala de aula, foi fundamental para saber a hora certa de
empreender ou de mudar de foco. Ainda incipiente, a empresa focava em batizados, aniversários e festas. Com o tempo, Tânia e sua parceira enveredaram-se por outros caminhos. Segundo ela, o perfil dos eventos, que sempre terminavam tarde, lá pelas 06h , não condizia muito com o seu e de sua sócia. “Chegamos à conclusão que o ideal seria fazer lançamentos de livros, congressos e seminários na área médica”, afirma, explicando a importância de se ter um foco: “fomos muito especificas, não ficamos com cinco temas, pois há um leque grande de eventos: batizados, velórios, aniversários, enfim. E é um seguimento que, pra gente, deu muito certo, talvez por termos maturidade”. A função do curso em sua empreitada também é outro ponto que a gestora de eventos destaca sempre. Ela
diz que muitos entram para essa área sem a parte técnica. Graças à graduação, afirma, pôde ter acesso a noções de ética e de postura, aprendidas nas disciplinas de ética e etiqueta, respectivamente. “Se não tivesse um curso, estaria, até hoje, fazendo festinhas de aniversário, não desmerecendo quem faz, claro, porque tem gente que faz e se dá superbem, mas é uma coisa que não requer tanto conhecimento quanto um seminário, congresso ou lançamento de livro”, destaca. Para abrir a Eventos das Gerais, Tânia não encontrou nenhum empecilho. Por já ter contato com um contador, o processo foi tranquilo: “Pagamos todos os impostos e temos nota fiscal, tudo direitinho. As pessoas, quando contratam a gente, nem sonham que temos formação, pensam que existe apenas a prática. Se tudo
já está bom, de vento em popa, ainda pode melhorar. Tânia concilia o empreendimento com seu trabalho regular, no UniBH. Contudo, relata, os horários não se chocam, pois trabalha seis horas por dia, na parte da manhã, tendo, assim, tempo suficiente para gerenciar a Evento das Gerais. “Trabalho de 07h às 13h. Por isso, se for um congresso, que dura três ou quatro dias, vou pra lá depois do meu expediente. Sem contar que temos uma pessoa também que nos ajuda com esses eventos”, explica. A empreendedora, juntamente com sua sócia, planeja, ainda este ano, expandir o negócio. “Temos parceria com empresas terceirizadas, mas estamos pensando em contratar mais uma pessoa. Minha parceira montou, em casa, um escritório. Agora temos uma sede!”, exalta.
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Dossiê Empreendedorismo
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Vocação que constrói arquivo pessoal
Thiago Apolônio, 32, é empresário do ramo da construção civil e garante que empreender é um dom. “O empreendedor tem isso no sangue, é uma vocação. A gente simplesmente, num determinando momento da vida, percebe isso. A partir daí, é só correr atrás das ferramentas necessárias para ver em qual esfera está sua afinidade para empreender. No meu caso, é na área de engenharia”, pontua. A vida profissional do empreendedor começou a ser traçada cedo. Thiago conta que sua formação vem de jovem. Em uma época em que era comum cursar o segundo grau juntamente com estudos técnicos, o empresário realizou os cursos de engenharia eletrônica, eletroeletrônica e engenharia de telecomunicações. Segundo Thiago, conhecer a área de atuação da sua empresa é de extrema importância. “Sem o ensinamento técnico eu não teria condições de empreender”, relata. Aos 20 anos, o empresário ingressou no curso superior de engenharia elétrica. Em 2004, quando ainda era aluno da graduação, abriu sua primeira empresa, a Ello Engenharia Elétrica. Ainda no mesmo ano, Apolônio se viu diante de uma escolha: a empresa ou a faculdade. “Eu tive que abdicar do curso por, naquela época, não existir educação a distância; a carga horária do curso era muito pesada e
integralmente presencial. A minha permanência em sala de aula se tornou impossível, pelas atividades que eu prestava. Dos sete dias da semana, cinco eu trabalhava fora da região, já que minha empresa fornecia serviços do Rio Grande do Sul até o Pará”, esclarece. Apesar do medo de o negócio não dar certo e ainda se ver sem um diploma, Thiago decidiu arriscar. “Eu determinei que eu tinha bagagem técnica o suficiente para não ter que estar mais na sala de aula para o meu negócio dar certo. Foi uma escolha, como todas que fazemos na vida”, comenta. Já no ano de 2008, com sua bagagem de estrada, o empreendedor fundou uma empresa na área da construção civil, a Conquest Construtora. E, em 2010, decidiu vender sua parte da Ello Engenharia Elétrica. Thiago acredita que o empreendedor por vocação deve, em determinado momento, permitir que a empresa caminhe com suas próprias pernas. Hoje ele ainda está no comando da Conquest Construtora, e considera que existem algumas características essenciais àqueles que desejam empreender. O desprendimento é a primeira delas. “Um líder nato, que realmente é um empreendedor por vocação, é naturalmente desprendido das coisas de um modo geral, inclusive do próprio dinheiro. Se sua meta é abrir uma
Thiago Apolônio acredita que empreender é um dom
empresa para ganhar dinheiro, você vai se frustrar”, explica. Apolônio pontua, ainda, a vontade de vencer, seguida do conhecimento técnico da área de atuação da empresa. Como quarto tópico, mas não menos importante, o empreendedor fala da espiritualidade.
“A direção da empresa deve estar sempre atenta a essa questão da espiritualidade. Ser um empreendedor é uma vocação e, a partir do momento em que o empresário tem o dom vindo de Deus, ele deve manter a espiritualidade em sua esfera profissional”, finaliza.
wilson albino
Ideia limpa
Vencedor do Prêmio Santander Empreendedorismo, em 2014
“Entendo como empreendedorismo a transformação de uma ideia em um negócio (produto, serviço, processo) com viabilidade técnica, econômica e mercadológica.” Essas são as palavras de Magno André Oliveira, ganhador do Prêmio Santander Empreendedorismo, em 2014. O aluno do UNIBH desenvolveu, juntamente com seu orientador, Alan Rodrigues Teixeira Machado, o projeto de Preparo de Catalisadores a Base de Óxidos de Ferro e Titânio Impregnados em Matrizes Carbonáceas para Tratamento de Efluentes Têxteis. Magno, ao desenvolver seu projeto, levou em consideração a atual crise hídrica do país. Para ele, o Brasil é rico em água doce, porém o recurso natural vem perdendo suas características de potabilidade. Após a definição do tema, foram criados métodos e materiais que visavam a diminuir os impactos causados pelas indústrias têxteis. O projeto tem suas raízes nos três pilares da sustentabilidade: ser ambientalmente correto, economicamente viável e socialmente justo.
Magno explica: “desenvolvemos um catalisador contendo óxidos de ferro e titânio impregnados em matrizes carbonáceas para a remoção da cor dos efluentes têxteis. Esse produto possibilita a associação das propriedades de absorção das matrizes carbonáceas com as atividades fotocatalíticas dos óxidos de ferro e titânio. O produto em questão apresenta vantagens significativas quando comparados aos concorrentes, destacando-se a fácil remoção, pois apresenta óxidos de ferro que são substâncias magnéticas, podendo, assim, serem separadas do efluente por magnetismo. Essa propriedade permite que o produto seja reutilizado no processo. Esse material possui, ainda, atividade fotocatalítica”. O vencedor do prêmio contou qual o embasamento fundamental para o fomento de um projeto. “Aprendi, recentemente, que inventar não é inovar. A inovação é a invenção transformada em um sucesso comercial.” Para Magno, essas informações lhe proporcionaram expertise e maturidade para ganhar o prêmio Santander.
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Sem medo de errar divulgação
Bel adora desafios, principalmente aqueles capazes de tirar o ser humano da zona de conforto Após sete anos dedicados a estudo, trabalhos e vários projetos nos Estados Unidos, Bel Pesce viu que voltar para o Brasil era o que devia ser feito. Era a hora de colocar em prática e dividir tudo que aprendeu no período em que esteve fora do país, era o momento certo para compartilhar os ensinamentos adquiridos nos cursos de Engenharia Elétrica, Ciências da Computação, Administração, Economia e Matemática, todos feitos no Massachusetts Institute of Technology (MIT), sem contar, claro, as experiências que teve estagiando em empresas como Microsoft, Google e do período em que morou do Vale do Silício, na Califórnia. Persistência e coragem pra inovar sempre foram características de Bel. Contudo, todos os seus passos sempre foram bem calculados, o que fica evidente quando se olha para os seus projetos, sempre exitosos. Abaixo, ela fala sobre o medo e suas experiências.
Antes de ir pra os EUA pra estudar no MIT, em algum momento, você sentiu medo? E quando chegou lá?
Eu tento fugir da palavra medo, porque acho que ela trava as pessoas, faz a gente ver as coisas um pouco piores do que são. Claro que a total ausência – ser totalmente audacioso – às vezes, faz enxergar as coisas melhores do que, de fato, são e pode gerar outros problemas. Nunca tive esse temor, nem na hora de partir e nem depois. Tive um friozinho na barriga, pois sabia que iria ser desafiador, que passaria por coisas pelas quais não teria resposta, e que eu teria que lutar muito e ser responsável, porque era o primeiro passo de muitos, não poderia dar passos falsos, então. Mas, por outro lado, eu amava isso. Eu adoro quan-
do tem uma coisa que te faz querer mais. Quando fui pra lá, não tinha dinheiro pra pagar o curso no MIT, por isso, trabalhei bastante antes, tinha o dinheiro contado para o primeiro semestre. Se não trabalhasse quando chegasse lá, não conseguiria pagar o semestre seguinte. Era um mundo completamente novo, eu ia ter que me bancar 100%, num lugar muito mais caro, diferente, com um idioma novo, e lá também eu ia ter, cada vez mais, novos desafios, como: fazer um estágio, visitar o Vale (do Silício), fazer mestrado. Em um momento estava tudo certo comigo lá nos EUA, mas eu quis voltar pra criar a FAZINOVA. Como você lidou com medo? Pensou em desistir? Pediu ajuda para alguém?
Eu sempre tive pessoas – algumas mais próximas e outras que nunca encontrei pessoalmente – que sempre me motivaram a tentar ser muito boa naquilo que eu faço. E tem pessoas que eu nunca conheci e nem vou conhecer, como o Ayrton Senna e o Walt Disney, até pessoas muito próximas, que se tornaram mentoras para mim. Então, não era bem ajuda que eu pedia, apenas abria o coração, compartilhava as dificuldades. Por outro lado, eu nunca pensei em desistir, pois gosto muito desafios, principalmente aqueles que me tiram da zona de conforto. O ser humano tem uma mania de fugir daquilo que não é certo, do que é mudança. Mas sempre amei isso. Você acha importante levar em consideração a possibilidade de um projeto não dar certo e se preparar para isso?
Sem dúvida. Às vezes, mesmo você dando o seu melhor, isso não é suficiente. E nem sempre depende só de você. Eu tenho uma filosofia: se eu tentei o meu melhor e não deu certo, eu não fico chateada. Claro que gostaria que tivesse dado tudo certo, mas não sinto culpa. Então, você tem que sempre ter em consideração os riscos, não pode simplesmente jogar tudo para o alto. Eu estava fazendo mestrado no
Google, mas vi que aquele não era o momento certo da minha vida pra fazer aquilo, que queria trabalhar em uma empresa menor. Eu tranquei o curso, mas não abandonei, pois podia, em seis meses, voltar pra concluí-lo. Você precisa tomar riscos calculados. Por muito tempo eu empreendi enquanto trabalhava em algo que me dava o salário pra sobreviver, porque, no começo, eu não tinha como apenas viver daquilo. Nem todos os negócios geram lucro que dá pra você sobreviver. No início, é mais intensivo no investimento do que no retorno. Você tem que ter uma visão real da situação e se preparar, e sempre ter um plano B, também. E qual a melhor forma, a seu ver, de lidar com o erro?
Erro é um assunto mistificado no Brasil. Aqui, a gente tem a mística de que se a pessoa erra ela é uma perdedora pra vida toda. Ninguém gosta de errar. Mas, de qualquer maneira, se o erro for com o risco calculado e pra se ter uma informação nova de algo, é pra se tirar o chapéu. Pois se você sempre esperar ter 100% da informação pra fazer algo, você nunca vai inovar na vida. Pra criar, você tem que arriscar, porque só assim você vai alcançar aquilo que ninguém conseguiu ainda.
Fotos: Reprodução
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Outros papos
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“A informação superficial é uma fraude!” Repórteres do IMPRESSÃO conversam com professor e pesquisador Nilson Lage fotos: wilson albino
Muito se fala sobre os rumos do jornalismo e seus profissionais. Dentre as questões mais abordadas estão a saturação do mercado de trabalho, o tempo necessário para formação de um bom profissional, a violência, os baixos salários e a necessidade de se manter incorruptível. Por fim, a hierarquia existente nas redações. Estes e outros assuntos são discutidos pelo professor Nilson Lage em entrevista exclusiva ao IMPRESSÃO. Professor titular das universidades federais de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, Doutor em Linguística, Mestre em Comunicação e Bacharel em Letras, Lage possui meio século de experiência no jornalismo. É conhecido nacionalmente no meio acadêmico por seus estudos, apresentados, por exemplo, no livro A Estrutura da Notícia, considerado indispensável aos iniciantes do curso de jornalismo. Na conversa, Nilson Lage falou das novas exigências do mercado e da necessidade de uma formação contínua por meio da leitura. O professor discutiu também a superexposição do corrupto e a proteção exagerada ao corruptor, na sociedade brasileira.
Alex Moura Mariana Gualberto Wilson Albino
experiências. É com base nessas experiências que o acadêmico seleciona as informações que recebe.
Impressão: O senhor acha que o jornalismo ensinado na academia hoje está atualizado?
O que impede que os jovens adquiram experiência?
É uma resposta difícil, pois há uma grande incerteza sobre a profissão do jornalista. Vivemos num momento de transições tecnológicas e políticas. É complicado imaginar uma formação tão abrangente. O profissional formado atende às necessidades da profissão?
Formar para que tipo de mercado? Comercial? Definido? Ou a formação será para atender as necessidades de uma empresa? Olha o jornalismo de nicho, por exemplo, imagina um jornalista que aborde skate. Conseguir fazer a vida em cima disso. Será que o jornalista “imaginário” é possível existir nesse contexto? A formação não é homogênea?
Tenho uma visão sobre o assunto que não é da maioria, por isso, muito combatida. Acredito que a função básica da universidade é transmitir ao sujeito as técnicas e os princípios éticos da profissão. Acredito também que a formação politica e cultural tem de ser vivida. O sujeito que sai da faculdade depois de quatro anos não se torna uma pessoa sábia. Ele dominará palavras, não conceitos.
A superproteção da infância e juventude; o sujeito cresce sem vivência nenhuma. É terrível pegar alguém que está certinho e “jogar” um bando de informação na cabeça dele. O estudante não tem como dimensionar. Talvez tente resolver tudo de imediato, ou torna-se radical, ou será conformista. Que atitude seria mais certa em relação ao jovem que ingressa no curso de jornalismo?
Deixar claro que o sujeito terá de aprender com a vida, ensinar os caminhos, mas, sem tentar limitar. Há um esforço para fazer a “cabeça dos meninos”, e isso é muito ruim. O jornalista, ao lidar com a internet, precisa produzir tudo muito rápido. O senhor considera que isso prejudica a formação crítica do profissional pelo fato de a informação ser superficial?
Penso que a informação superficial seja uma fraude. Pois, por mais rápida que ela seja, existem níveis de informação. Por exemplo, na informação primária é preciso cuidado, já que informação é o estabelecimento de relação entre dados.
Qual seria então a forma ideal de aprendizagem?
Por que certas informações são aceitas e outras não?
Não basta saber as coisas, é preciso vivenciá-las. Aprender por meio de
São muito variadas. O que as pessoas buscam é a articulação da infor-
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mação. Ocorre que existe uma articulação oficial que se constrói segundo os dados. Por isso, muitas vezes, umas são aceitas e outras rejeitadas. É uma deformação. É necessário consultar a lógica, e não o mercado modelo. Quando um jornal aceita uma determinada versão, acabou. Quando na verdade não é bem assim. Ano passado entrevistamos o Mino Carta, que disse: “cada vez mais o caminho do jornalismo vai ser apresentação do fato, porém com uma análise como sendo parte maior da notícia”, o senhor concorda?
Bom, primeiro que o fato é indiscutível. Por exemplo, o avião do Campos caiu. Esse é um fato. As razões ninguém sabe. Nesse caso, não temos o fato, temos os vazios. Em suma o fato em si não diz nada, pois se esgota rapidamente. O que geralmente se prolonga é a relação dos fatos entre si. Antes da Copa do Mundo a imprensa noticiou que o Brasil iria enfrentar o caos aéreo, problemas na infraestrutura, e que nada iria funcionar. Porém, o que se viu foi uma situação contrária: tudo funcionou, o que surpreendeu a todos. O senhor acha que a imprensa errou?
Não. Ela não errou. Ela queria é derrubar o governo mesmo. E vai querer sempre derrubar. A imprensa é um departamento publicitário que
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representa determinados interesses, e que está mobilizada para alcançar determinados resultados. Isso também vale para o texto de opinião?
Não. Quem o faz ou são pessoas que possuem um histórico constituído, ou pessoas que apresentam determinados grupos, por exemplo, um Veríssimo... Se a pessoa for brilhante, talvez até arrume um espaço, vai até publicar umas matérias, mas o texto de opinião é diferente. O senhor acredita que quando os manifestantes partiram para cima dos órgãos de Imprensa foi um choque de realidade? Será que houve uma visão da mídia como um partido opositor?
Olha aqui, primeiro falar em “os manifestantes” é muito diversificado. Tem muita gente com ideologias diferentes, que em um determinado momento se manifestaram simultaneamente. Há um grupo carreirista que ficou rico. Há grupos contra metrô, contra ciclovias, contra o barulho. Existem movimentos de todos os tipos. O que houve em junho foi uma articulação de vários movimentos. Eles tentaram e não se deram bem, não foi por causa do governo, não. É porque se trata de uma questão ideológica mesmo. As entrevistas dos presidenciáveis para o Jornal Nacional
têm uma postura mais firme e até agressiva por parte dos apresentadores. O senhor vê alguma relação com as manifestações?
Sim. Mas na medida em que a mídia é altamente conformista, ela precisa mostrar que não é. Precisa se exibir. É um tipo de jornalismo que considero abominável, por causa da agressão. Agredir, quando se está numa posição de força, é fácil. O Senhor considera que a corrupção seja o maior problema atualmente?
O problema mesmo é o corruptor. Os lobistas pegam o sujeito pelo ponto fraco. Se a pessoa que assumir cargos gostar de dinheiro, ou bebida ou for mulherengo, os corruptores têm muito e de tudo. Interessante ninguém ouvir falar de nenhum corruptor, só do corrupto. Eles estão sempre acima de qualquer suspeita. O senhor acredita que a mídia colaborou para que a Marina tivesse ascensão nas pesquisas eleitorais?
Sim. A Marina é uma fábula muito próxima da Gata Borralheira. Ela é um estereótipo cultural. Até aos 16 anos ela era analfabeta. Concluiu um curso de história, que eu duvido, tenha sido grande coisa... Ela saiu do borralho para o palácio. É uma pessoa fanatizada. Quanto ao ex-presidente Lula,
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o senhor considera o mesmo caso?
Não. Ele teve uma vivência diferente. Possui uma consistência muito grande, além de saber negociar. O Lula se construiu. O que o senhor tem a dizer a respeito da relação do jornalista com a fonte?
Até o momento que o jornalista e a fonte apenas trocam informação por informação, tudo bem. A partir do momento que se troca informação por outras coisas, tudo se complica. Não existe fonte isenta. As pessoas dizem aquilo que interessa a elas dizerem, e o que importa realmente é se é verdade ou não. O senhor acredita que as mídias como Twitter e Facebook contribuíram para maior politização das pessoas?
Claro que sim. Tenho uma contribuição diária em rede social. Posto comentários todos os dias, estou há 50 anos na profissão, e tenho na rede uns três mil seguidores. É possível ser um jornalista honesto?
Sim. Eu sempre digo aos alunos que não pretendam ficar ricos. Pretenda viver descentemente. Tenho 78 anos, duas aposentadorias, pois lecionei por mais de 50 anos. Tenho uma vida confortabilíssima, porque vivi a vida inteira decentemente. Não tento ser o bacana.
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Um dia com...
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Vida de gandula Paixão nacional, o futebol vai muito além de jogadores, juízes e bandeirinhas hamilton flôres
hamilton flôres
hamilton flôres
arquivo pessoal
Ninguém vai para vê-los, mas eles entram em campo sempre
Arthur Möller Edu Oliveira Emerson Araújo Luan Gonçalves Matheus Abreu Vinícius Silveira Ah, o futebol! Desde que Charles Miller teve a brilhante ideia de trazer uma pelota na mala, da Inglaterra pra cá, o esporte mais popular do Brasil consagrou e destruiu ídolos. Em meio a tanto brilho de jogadores, treinadores, torcedores e troféus, contudo, também existem personagens que passam batido e, com certeza, não serão reconhecidos nas ruas: os gandulas. O nome do referido ofício surgiu no Brasil. Um jogador argentino, Bernardo Gandulla, fora contratado pelo Vasco em 1939. Por não ter grande talento com a criança (ou por ser realmente muito gentil), o atleta voluntariava-se a buscar a bola no fos-
so do estádio, ou onde fosse necessário, para ajudar no prosseguimento da partida. A primeira “ocorrência” desses profissionais em um grande evento se deu na Copa do Mundo de 1950, também no País. Para aqueles que se interessam pela profissão, aliás, uma boa notícia. O deputado José Otávio Germano (PP-RS) propôs, em 2012, um projeto de lei que regulamenta a atividade de gandula. A iniciativa foi aprovada pela Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados no dia 18 de setembro do ano passado e, para entrar em vigor, depende apenas de aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O Projeto de Lei 4011/12 determina que a contração de gandulas para atividades esportivas seja feita pelas respectivas federações de cada modalidade, a quem caberá, ainda, a remuneração do profissional. O principal intuito da regulamentação é hamilton flôres
O serviço bem feito é fundamental para o bom andamento do jogo
garantir maior isonomia no esporte. Jovens e voluntários “Quero ser gandula!” não deve ser uma das respostas mais populares quando se pergunta aos pequenos sobre suas pretensões profissionais. Com tantos craques a fazer fama e fortuna, além de ganhar o mundo por meio da “arte com os pés”, trabalhar fora da cancha não parece o sonho de ninguém. De modo geral, os gandulas dos grandes clubes brasileiros são jovens atletas de suas categorias de base, que recebem módica quantia por evento em que comparecem – e não têm vínculo empregatício para a função. Em certos estádios, os adolescentes acabam contratados pelas federações estaduais e trabalham no mesmo regime eventual. Na Copa do Mundo do Brasil, a equipe de gandulas foi formada por voluntários, que se inscreveram no
programa da Fifa para tal finalidade. Ao contrário dos demais adeptos do voluntariado no Mundial, esses profissionais contam com idades entre 14 e 16 anos. Como “pagamento”, receberam apenas as vestimentas usadas nos jogos e o direito de estar próximos a seus ídolos na maior competição de futebol do planeta. Alex Xavier trabalhou como gandula no Mineirão, entre 2004 e 2005. “Na minha época, não tinha nenhum treinamento especializado. Lembro-me, apenas, dos maqueiros do estádio, Natal e Salvador, que nos ensinavam como proceder e davam uma noção geral”, lembra. Durante o jogo, tudo era bem tranquilo e o ex-apanhador de bolas gostava muito de receber para ver meu time jogar. “Certa vez, o Danrlei, então goleiro do Atlético, me xingou porque eu demorei a entregar a bola. Afora isso, nunca houve nada demais”, comenta, ao ressaltar que apenas na parte interna hamilton flôres
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rODNEY COStA
do estádio, fora do horário dos jogos, era permitido tietar os jogadores. Gravado na história Hoje aos 80 anos, Elmo Cordeiro passa em branco pelas ruas de Belo Horizonte. Vendo o simpático senhor, capaz de dar uma aula de futebol em muitos “especialistas” da atualidade, impossível saber o quanto de história carrega. Afinal, aos 16 anos, Elmo foi voluntário e trabalhou como gandula durante a Copa do Mundo de 1950. Para ele, sua contratação para o ofício teve o mesmo gosto de ganhar na loteria. “Meu chefe me chamou para trabalhar quando faltavam dois dias para o primeiro jogo entre Iugoslávia e Suíça. Ele me convidou para saber se eu queria. Fiquei deslumbrado com a oportunidade”, garante. Além de trabalhar em partidas em Belo Horizonte, Elmo esteve presente na decisão contra o uruguai, no Maracanã. “Acabei dando sorte de conseguir ir ao estádio por ter viajado ao rio com um amigo. Queríamos muito ver a final. Não tínhamos dinheiro para entrar, mas, como muita gente do lado de fora fazia pressão, um portão acabou se abrindo. Entramos na confusão e conseguimos assistir àquele jogo. O resultado, porém, não foi o esperado”, arremata. Xô, preconceito! As mulheres também têm ganhado destaque como gandulas, função
antes exercida apenas por homens. No estádio Independência, três moças falaram de seus desafios no ofício. Cristiane Alves e Ingrid Danielle, ambas com 24 anos, e Jéssica rodrigues, 21, ingressaram na profissão há cerca de sete anos. Apesar de episódios desconfortáveis, asseguram que não se abalam pela reação das arquibancadas. “Às vezes, quando o time da casa está perdendo, os torcedores nos chamam de tudo quanto é nome. ‘Maria Chuteira’ e ‘Maria-Homem’ são alguns dos títulos com que me chamaram. O torcedor precisa entender que gandula não ganha, nem perde jogo”, ressalta Cristiane. Por conta deste preconceito em diversos momentos da partida, as moças buscam mostrar sua competência em todos os jogos de que participam. Sentem orgulho do trabalho realizado e garantem que são melhores que diversos meninos que exercem a mesma atividade. Assistir a um jogo de futebol ali pertinho do gramado e buscar as bolas que craques e bagres mandam para longe das quatro linhas não parece tarefa assim tão ruim. Muita gente sonha em ter a chance de estar perto de seus ídolos. Apesar dessa aparente proximidade, o “buscador de bolas” está, paradoxalmente, muito distante das grandes estrelas do espetáculo. E os holofotes, definitivamente, não estarão voltados aos ilustres proletários da bola.
Diz que fui por aí... Alex Moura Do esposo falecido não sente nenhuma saudade. Nem reclama do fato de não ter, há mais de vinte anos, um companheiro. É que a vida ficou melhor. Hoje, septuagenária, ainda tem saúde pra dar e vender. Por isso, não dispensa um bom passeio ou boa uma viagem. A situação só fica melhor se for tudo “na faixa”, “0800”. Enquanto esse texto é escrito, Constância Gomes está em Itumbiara, Goiás. E a passagem? Foi de graça. O dia de embarque sempre é definido pela disponibilidade da poltrona do ônibus que é reservada – graças a uma lei - para idosos. No fim do ano passado, Constância deitou e rolou. Viajou, de graça, para vários lugares do país. Porém, dessa vez, com um grande diferencial: as viagens sempre eram reservadas
à comitiva do senador e presidenciável Aécio Neves, do PSDB. todos os custos com passagem, estadia e alimentação foram custeados pela equipe de Aécio. Durante o período de eleição, muitos domingos em família da vovó foram trocados por regabofes em outras cidades. Porém, há outro fato muito curioso nisto tudo: ela, em nenhum momento, pensou em votar no senador mineiro ou em algum candidato tucano. Seu voto sempre foi de Dilma rousseff. Quando um filho viaja e não a convida para ir ao passeio, renega, sem pensar duas vezes, a prole. A reconciliação só vem quando surge uma nova oportunidade, acompanhada do convite, claro. É sempre assim, geniosa que só, não abre mão, nem que a vaca tussa, de curtir sua melhor idade. De graça, de preferência.
Adoçando os “nego véio” Matheus de Oliveira O suor de Deomiro Coelho de Andrade adoça a boca de quem passa pelos bairros Planalto, Campo Alegre e Itapuã, em Belo Horizonte. Basta desembolsar r$ 1,50. Aos 78 anos – e sete dias, destaca ele - sai às 16h do barraco onde mora com a mulher. leva consigo uma caixa de isopor com pelo menos 70 paçocas. Só volta após vender todas: “Chego meia noite, uma hora”, conta. A iguaria é feita pela esposa todas as manhãs. O preço pode parecer salgado, mas é compensado pela qualidade dos ingredientes, justifica Deomiro. O amendoim é moído na hora do preparo e, em vez de açúcar, rapadura. tudo natural, o que, comprovo, deixa a paçoca com cor e sabor mais acentuados do que as encontradas no mercado. “Esses nego
véio aí, essas nega véia gosta. As loira. todo esse povão. Pago o aluguel com isso aqui”, relata, com seu jeito interiorano. Nasceu em Guanhães, rodou Minas afora e parou em BH. Com o dinheiro das cerca de oito horas de caminhada diária, ele realizou um sonho: “Formei uma filha em faculdade fazendo doce.” A moça, atualmente com 35 anos, é formada em letras. A fala e o olhar tranquilo do esbelto Deomiro só desaparecem quando o assunto é política. reclama aposentadoria e dos rumos do país, especialmente da segurança. “tem que cortar os dedos e as munheca dos bandido”, comenta, indignado com quem quer vida mansa. Afinal, para degustar a formatura da filha, o “caquinho de velho” - como se autodefine - de cabelos brancos teve de satisfazer paladares de muitos ‘nego véio’ quilômetros afora.
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Uma foto que cai Jean Brito Lucas Figueredo William Araújo