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Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 32 • número 197 • Abril de 2015 • Belo Horizonte/MG


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Belo Horizonte, ABRIL de 2015

Cinema

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Grandes obras que resistem ao tempo O que são e onde encontrar os clássicos da sétima arte rodrigo oliveira

Rodrigo Oliveira Desde o surgimento do cinema, em 1895, milhares de produções vêm conquistando legiões de fãs mundo afora, independentemente de sexo, cor, idade ou religião. Vários são os estilos, e cada pessoa que tenha se rendido aos encantos da Sétima Arte certamente tem o seu predileto. Pode ser um filme antigo, de arte, de ficção, de ação, musical, romântico, sensual, ou tudo junto e misturado, como num coquetel de gêneros, que entorpecem a alma de sentimentos, que passam do amor ao ódio, em fração de segundos. Entre tantos filmes, apenas alguns se mostram dignos de serem chamados de “clássicos”. São obras que resistem ao tempo pelos mais diversos motivos: uma trilha sonora marcante; figurinos impecáveis, copiados por homens e mulheres ligados à moda; inovações na narrativa; ou mesmo uma honrosa premiação. Aficionada por filmes clássicos e contemporâneos, Danielle Piscitelli, formada em Letras, mantém em casa um acervo de quase 500 títulos, que vai de filmes dos anos 1930 a produções recentes vencedoras do Oscar. Desde a década de 1970, quando ainda era criança, assistia a filmes antigos na TV: “Uma das minhas memórias mais remotas me coloca deitada no colo da minha mãe vendo Guerra e Paz até altas horas da madrugada. Ela gostava muito desse

Indicado a 14 Oscars, o clássico A Malvada, de 1950, é um dos favoritos da cinéfila Danielle Piscitelli

tipo de filme, o que certamente me influenciou”. Danielle não esconde a preferência pelo mito da moda, Audrey Hepburn: ”Tenho um carinho todo especial pelas películas com Audrey, por sua beleza requintada e talento natural. Amo também os filmes de Hitchcock, seu dom de manter o suspense e a tensão, mesmo quando já vimos e revimos seus filmes inúmeras vezes”, afirma. Diante da difícil prova de escolher um só filme, a colecionadora é taxativa: “Um filme perfeito em todos os sentidos é A Malvada. Elenco impecável, bem dirigido, enredo envolvente e realista”, relata. Quando o assunto é o formato dos filmes de sua coleção, Piscitelli diz que sua paixão é o DVD: “Não me é suficiente baixar filmes pela internet. Gosto de tê-los nas mãos, admirar as capas, guardá-los na estante e contemplá-los de vez em quando. Os clássicos têm algo em comum que me toca profundamente: uma inocência e beleza

que parecem estar se perdendo com o passar do tempo”, conclui.

À moda antiga

Influência paterna História semelhante é a do jornalista e crítico Ricardo Morgan, criador do blog Cinetrix: ”Meu pai me influenciou diretamente. Ele comprava renomadas fitas lançadas pela Folha de S. Paulo e revista Caras. Acabei acompanhando o patriarca e o cinema foi entranhando em minhas veias, o que me fez buscar leituras em revistas, jornais e, posteriormente, na internet”, conta. Na hora de citar os filmes mais marcantes de sua vida, o crítico, que já escreveu mais de 600 resenhas, certamente se divide: “É difícil de dizer os melhores, pois cada filme mexe com a gente de maneira diferente. Talvez, as produções mais memoráveis sejam Cidadão Kane, Ben-Hur e 2001: Uma Odisséia no espaço. Mas não podemos deixar de fora outros ícones como Alfred Hitchcock, Charlie Chaplin, Assim Caminha a Humanidade, Os Dez Mandamentos, O Poderoso Chefão...”, arremata.

Se a intenção é se lambuzar de clássicos até as orelhas, uma boa opção em BH é dar um pulo na locadora e loja DVD Cine Show, na galeria do Othon Palace. Foi em 1986 que Antonio de Lemos, juntamente com um sócio, decidiu montar uma loja que atendesse aos amantes de filmes antigos. No início era apenas uma locadora, mas, a partir de 1998, o negócio expandiu-se, abrindo espaço para a venda de clássicos, inicialmente em VHS. Antonio diz que não sofreu tanto o impacto da pirataria e do streaming, por ter um público fiel, geralmente com mais de 30 anos, que loca filmes há 29, e compra há 17: “Vendemos quantidade de qualidade”, afirma. Lemos se orgulha de ter como clientes os maiores cinéfilos da cidade e diz que, vez por outra, a locadora vira cenário de encontro para discussões sobre os lançamentos no mercado de filmes antigos: “Eles vêm aqui para contar histórias, trocar experiências”.


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Caça ao tesouro: onde estão os clássicos? Como assistir, locar, comprar e importar filmes clássicos? Antes dos videoclubes e locadoras, que surgiram no Brasil nos anos 1980, só era possível assistir a filmes antigos pela televisão, em exibições raras, em festivais de fim de ano, ou apelando para a “Sessão Coruja”, que na época encerrava a programação da Globo e resiste aos dias atuais com o nome de “Corujão”. A TV evoluiu muito em termos tecnológicos, chegando ao “HD” (high-definition), e nesse meio tempo surgiram formatos como o DVD, que substituiu definitivamente o VHS, e que em boa parte está sendo substituído pelo Blu-Ray. Mas qual a vantagem do troca-troca de formatos? A resposta é simples: alta qualidade de imagem e som, e maior armazenamento de informações. No Brasil, empresas como Classic Line, Fox, Paramount, Sony Classics, Versátil, são as principais distribuidoras de filmes do passado, surpreendendo fãs e colecionadores com edições mega especiais, recheadas de extras e bônus, onde atores ainda viventes contam suas memórias e curiosidades das produções. Clássicos podem ser comprados em diversos locais de BH, desde as lojas de departamento Americanas, passando pelas livrarias Leitura e Fnac, as lojas de discos Diskoteca, ou pelos sebos do edifício Maletta, como o Sé-

tima Arte, que vende filmes, pôsteres e revistas das mais variadas décadas. Quem deseja importar o que não chega por aqui pode apelar para os sites Amazon e Ebay, que são confiáveis e rápidos. Outra opção é comprar direto da Warner Archive (empresa que fabrica filmes não lançados em DVD, exclusivamente por encomenda, apenas no território americano). Na rede Hoje o acesso aos filmes ficou tão fácil, que basta uma TV por assinatura ou acesso à internet, para encontrar um bom clássico, e colocar em dia as lembranças de outrora Serviços de streaming (transmissão online de filmes e séries) como Netflix e Hulu tornam possível assistir a alguns clássicos, porém, poucos, pois o acervo destes provedores é mais voltado aos

Poltrona, tapete ou cama?

filmes atuais, que são os mais procurados pelo público em geral. Mas quem deseja ver filmes cheirando a mofo, remasterizados, poderá encontrá-los em canais da TV a cabo como Telecine Cult, e, principalmente, o TCM Classic, voltado às produções mais antigas, cujo público é bem específico: amantes declarados de filmes com mais de 30 anos de produção. Não se pode deixar de citar o Youtube, onde também é possível encontrar algumas pérolas cinematográficas, ainda que por pouco tempo, pois as produtoras, que não recebem direitos autorais das películas publicadas pelo público no site, acabam exigindo a remoção das obras. Todos estes sites e serviços, além de outros, como Itunes, Amazon, Google Play e Crackle, são uma verdadeira inovação no quesito “cinema em casa”. fotos: reprodução

Assistir a um bom filme no cinema, ou mesmo em casa, é sempre boa pedida. E, sem dúvida alguma, a primeira coisa que vem à cabeça das pessoas é uma tigela de pipocas, acompanhada por uma bebida de sua preferência, e uma boa companhia, que pode ser o amor de sua vida, um amigo, o animal de estimação, ou ninguém, pois há quem prefira ver filmes sozinho. Quando o assunto é onde assistir a filmes, Mariana Mól, professora do curso de cinema do Centro Universitário UNA, revela que só faz restrições quanto ao tipo de tela: “Procuro ver os clássicos da mesma forma que os outros tipos de filme: nos cinemas, nas salas não comerciais (Cine Humberto Mauro, por exemplo), festivais, DVDs, televisão. As únicas formas que ainda não incluí no meu repertório são a tela do computador e o streaming, mais por questões de formato de tela do que por qualquer outra”, relata. Já para Marcelo Seabra, jornalista e redator dos blogs “O Pipoqueiro” e “Cinema de Buteco”, o que mais interessa é um bom nível de imagem e som: “Vou sempre buscar a melhor qualidade de áudio e vídeo. Para isso, relançamentos no cinema são a melhor oportunidade, a exenplo de festivais e celebrações de cópias restauradas”.

O clássico e o cult Certos filmes são chamados de cult e clássico. Outros merecem apenas um destes adjetivos. Qual a diferença? Veja o que dizem dois especialistas:

Clássico

Cult

Geralmente tem idade avançada, pois deve ser visto em perspectiva e manter seu valor ao longo dos anos. Costuma ter artistas hoje consagrados, referência de trabalhos interessantes. (Marcelo Seabra, dos blogs O Pipoqueiro e Cinema de Buteco)

Um cult pode ter menos tempo de idade e, normalmente, é aquele filme que passa a ter valor, pelo motivo que seja, bem após seu lançamento. Um filme que reflita sua época, por exemplo, pode ser tido como comum e desinteressante a princípio, mas ganha força depois – como Sexo, Rock e Confusão (1995). Ou pode ser apenas incompreendido em seus dias e adorado depois, como The Rocky Horror Picture Show (1975). (Marcelo Seabra).

Não há uma regra que determina que um filme será um clássico. Podem ser as indicações e referências feitas por críticos e especialistas; a sua aceitação pelo público (inclusive pela bilheteria); mas o que considero mais importante é a ideia de um filme clássico trazer na sua forma, linguagem, conteúdo e até mesmo na abordagem características únicas ou inovadoras para a história cinematográfica. Todo clássico inventa, renova, reinventa ou reestrutura as bases do próprio gênero e do cinema como um todo. É um termo especializado, dado somente por aqueles que entendem de cinema. (Mariana Mól, professora do curso de cinema da UNA)

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Pra mim “cult” é uma forma de diferenciação do clássico, mesmo contendo (em maior ou menor medida) algo da ideia de renovação da linguagem, mas com a adição de ser um filme fora do grande mercado, às vezes não compreendido pelo grande público, mas que apresenta uma parcela de fãs que assim o cultuam. Cult seria um termo dado pelos fãs, mesmo sem o “aval” de críticos e especialistas. (Mariana Mól).


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No coração da cidade, prazer e adrenalina Cabines exibem filmes eróticos e prezam pela privacidade de clientes e funcionários Danilo Silveira Igor Lucas Guilherme Mirianne Torres Lá dentro a música é tão alta que, cá fora, na recepção da Kratos Sauna Cine, o som não respeita o limite das portas, que o hall e o salão principal impõem. É sábado, a manhã fria é uma contradição com a semana que passou, onde o excesso de calor e a baixa umidade tomaram conta de Belo Horizonte. Daqui, é possível ver poucos feixes de luz solar que, por entre as árvores das ruas e avenidas do centro da cidade, aqueciam os transeuntes. A previsão é de 20°C. Os ventos e a massa de ar fria não são animadores. Por toda a recepção, cartazes anunciavam a atração da noite. Manteremos o nome do artista em sigilo, mas, ao que tudo indica, será uma apresentação de funk, pois o folder o divulga como MC. “Pois não, gostaríamos de falar com o Paulo!”. Atrás da proteção de vidro, o porteiro pediu que entrássemos. A música, que antes era insuportável, agora é ensurdecedora, o que torna a entrevista um pouco confusa. “Ô, dá ‘pra’ diminuir aí não?”, aos berros, o dono da casa solicita, em vão, que o som seja abaixado. Paulo Roberto, empresário, postura séria, aparenta pouco mais que quarenta anos. Ele nos convida a sentar a primeira mesa do estabelecimento. Ali estavam o dono, em sua pose colossal, tomando conta de toda a cadeira, e nós, com alguns aparatos jornalísticos – papel, caneta, gravador, câmera, a cara e a coragem. Ali dentro, luz baixa; no teto, alguns poucos globos de luzes coloridas; no salão, pessoas de traje pós-banho – cueca e toalha na cabeça -; nos clientes, gritos desvairados, palmas sem cadência e a animação de um final de semana sem pudor. Confrontando o gravador que está a poucos centímetros de seus dentes, a fim de buscar um som nítido de suas cordas vocais, Paulo responde às perguntas. O proprietário nos explicou como funciona o estabelecimento, o horário de funcionamento – 24 horas -, o preço cobrado dos clientes, que pagam a bagatela de R$ 20 e podem usufruir de todos os serviços da casa por um dia (sauna, cinema, cabines, quartos etc.) – exceto o bar, onde cada

qual paga por aquilo que consumir. Apesar de grande parte de o seu público ser gay, a Kratos tem uma clientela mista. “Pessoas e casais héteros também vêm aqui, temos as cabines eróticas, cinema pornô, caso alguém tenha algum fetiche. Temos quartos, para o pessoal ficar a vontade”, disse o proprietário. No entanto, a sauna é exclusiva para os homens. Paulo se diz seguro quanto ao exercício da atividade. Garante que a família o apoia, principalmente a mulher, que sempre soube se tratar de um negócio. Entretanto, quando perguntado por um sobrenome para ilustrar a reportagem, em meio a um sorriso amarelo que mescla timidez e desconfiança, ele respondeu: “Roberto, Paulo Roberto”. Sete minutos, R$ 2,50 Não muito longe dali, outro estabelecimento 24 horas. Três porteiros se revezam na segurança do local cada um trabalha oito horas por dia. O vigilante, que não vamos identificar por motivos de segurança, no momento em que foi entrevistado, olhava desconfiado para os acontecimentos da rua. Embora houvesse dificuldade de argumentação com o vigia, foi fácil saber como funciona o estabelecimento. “O cliente compra a ficha que custa R$ 2,50 e vale por sete minutos. Depois desse tempo, a televisão é programada para desligar”, disse. Perguntado se muitas pessoas frequentam o local ou se o ganho é consideravelmente bom, ele respondeu: “muito pouco”. Atrás de um compensado que protege a entrada, dez cabines – cinco para cada lado. Algumas poucas luzes fluorescentes fazem a iluminação do lugar. Cada cabine não ocupa mais que 1m de largura por 1,5 de compri-

mento. Cadeiras de plástico ancoram as portas dos cubículos disponíveis. A primeira está vazia: ficha comprada, cadeira para dentro e fecha-se a porta. No alto, a televisão é presa a uma corrente e um fio de aço a um suporte chumbado na parede de fundo do cômodo. Um pouco abaixo, uma caixa de aço, onde deverá ser inserida a moeda. A ficha cai. As imagens demoram a aparecer. No restante do ambiente: um cesto de lixo e um papel higiênico em cima da caixa-controle-remoto. Repara-se que, no aparelho que controla a TV, quatro botões estão à disposição do usuário. Um vermelho indica a opção liga-desliga. Dois aumentam e diminuem o volume. Um quarto tem a função de troca de canais. Botão acionado, os filmes começam a mudar. Os três primeiros são estrelados por casais héteros, o quarto e o quinto canal estão fora do ar, entretanto, um casal transexual figura o sexto e duas mulheres e um cão da raça boxer o último. Tempo esgotado, a TV desliga.

Entre sem bater Décimo terceiro andar. Em uma sala no final do corredor silencioso funciona, há 18 anos, a Vídeo Boy Clube, considerada a maior locadora de filmes gays de Belo Horizonte. Quantos homens, universitários, pessoas saindo do trabalho ou de qualquer lugar; devem chegar ali com o coração disparado, tímidos, apreensivos. A porta fechada aumenta ainda mais a tensão. Na entrada, um aviso sinaliza que é proibida a entrada de menores. Quem nos recebe, sentado atrás de seu balcão, é Antônio Carlos, 42, dono do estabelecimento. À sua volta, centenas de DVDs e cartazes. Durante a conversa, nos conta que a ideia de abrir o comércio surgiu quando ele folheava uma revista erótica. A partir de então, e com o incentivo de um amigo, viu que era um grande negócio abrir uma locadora de filmes com esse gênero, ainda em VHS. No início, trabalhava com produções de temática hétero e homossexual. Mas ilustraçõeS: DANDARA DEOLINDA


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os gays o procuravam com maior frequência. “Não sei por que falam que é minoria”, diz. Isso fez com que aos poucos o estabelecimento fosse mudando seu público alvo. Hoje, a casa é referência por oferecer tanto filmes nacionais, quanto internacionais. Um total de 7.000. Ao fundo da loja, quatro cabines estão à disposição dos clientes. Meia hora de filme custa cinco reais. Já, uma hora, passa a ser oito. É uma opção para quem não quer ou não pode levar os filmes para casa. Todas possuem glory holes, um buraco do tamanho de uma bola de tênis que fica na divisória das cabines. Ali, a pessoa pode colocar o pênis para que o amigo do lado possa usá-lo como quiser. Isso atende aos que curtem uma aventura. Somos convidados para entrar em uma cabine, a única vazia do momento. No pequeno espaço com pouca luz, há uma televisão acoplada na parede e uma cadeira. Para identificar o glory hole, há o desenho sugestivo de uma banana. Ao lado, um rolo de papel higiênico pela metade. “Certa vez um cara saiu pelado da cabine e veio até o balcão, mas ele viu que eu não gostei disso e ficou sem graça”, contou o proprietário, ao ser questionado sobre um fato curioso que já presenciou. Antônio conta que inaugurou as cabines há cinco meses, como uma forma de burlar a pirataria. E seu desejo é abrir outra. Para atrair os jovens, que hoje procuram os filmes na internet, a estratégia foi fazer propaganda em um site de relacionamento. “Temos um público

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variado e fiel”, conclui. A curiosidade é um dos fatores que leva as pessoas a procurar esses locais. Como disse um jovem que não quis se identificar. Ele foi conhecer o estabelecimento depois de ver o anúncio na internet e gostou do que encontrou. “Você não sabe quem está na cabine ao lado, a adrenalina sobe”, conta. Antigos Cinemas de BH O cartaz já avisava: “cenas de sexo explícito do começo ao fim”, mas, antes disso, as sessões de western, karatê ou filmes de ação eram o barato da época, até mesmo porque serviam de desculpas para pais rígidos e mães beatas. O auge do cinema pornográfico na capital mineira se deu no fim da década de 1970 e início dos anos 1980. Fatores apontam que o declínio dos cinemas tradicionais se deve à popularização da televisão e dos homevideos. Consequentemente, houve uma decadência das bilheterias, causando impactos nos lucros do, até então, bom negócio que durou por duas décadas em Belo Horizonte. Muito destes cinemas, para não terem um déficit maior, foram vendidos e passaram a ser igrejas evangélicas, casas de comércio ou salas de filmes eróticos. Em 1985 foram contabilizados 18 cinemas em BH; doze exibiam filmes adultos. É o caso do Cine Regina que, no início da década de 1970, era um dos mais respeitados cinemas da capital. Com exibições de filmes de arte e superproduções, o cinema passou a exibir nos anos 1990, filmes pornográficos. O mesmo aconteceu

com os cines Santa Rita, Boa Vista, Texas Montanhês, Pio XII e o Saci. O Cine México foi um marco no quesito filme pornográfico nos anos 1980. Segundo a lenda, frequentadores tinham livre acesso para assistir a qualquer sessão, desde que pagassem. Hoje, atrás da guarita da portaria do Edifício Salerno, um de seus frequentadores, Maurício Seles Costa, abre o sorriso para falar da época em que aproveitava o entretenimento do baixo Centro. “Meus amigos e eu íamos lá no Cine México, a gente era piolho de lá. Na época, era costume passar no cinema para depois ir para a zona. Lá era para quem gostava de karatê e pornô, o pessoal era fascinado com esses filmes, era só falar em Stallone, Bruce Lee”, conta.

O porteiro revela, ainda, as facilidades que encontrava para se divertir diante das telonas. “O cinema era mais para o público humilde, já que nos cinemas grandes, só íam pessoas sofisticadas. Maurício fala da esperteza dos empresários que se coligavam para obter um lucro maior. “O pessoal era esperto naquela época. Colocavam um cinema pornô ao lado dos puteiros, aí o cara já saía excitado da sessão e, de lá, ia para a zona”, finaliza. Neste meio tempo, passaram a existir também cabines eróticas, que são pequenas salas que exibem filmes pornôs como: Miami, Beta, O Marabá, Los Angeles e Las Vegas. Muitos destes cubículos já vinham com a cama ou com uma cadeira confortável, para que os casais ficassem à vontade. danilo silveira


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Tempo de reclusão Crime, sexo e droga levam pessoas das praças públicas para as praças de alimentação fotos: wilson albino

Insegurança afasta pessoas de espaços públicos

Christian Sima Rúbia Costa Warley Carvalho Wilson Albino A capital mineira tem cerca de 871 praças, de acordo com levantamento das nove secretárias regionais. Que critérios definem um espaço como uma “praça”? Será que estamos olhando para elas? O crescimento da violência tem distanciado as pessoas desses locais? Estamos de passagem com um pé nas praças públicas e outro nas “Praças de Alimentação” dos centros comerciais? Acomodado em um dos vários bancos espelhados pelas praças de Belo Horizonte, a qualquer hora ou dia, era normal ler, namorar ou, simplesmente, curtir o ócio. Tudo sob as asas da liberdade. Atualmente, transitar em algumas praças e sair ileso só é possível na imaginação. Há tempos

que o convívio amigável só existe nas recordações oscilantes dos mineiros mais antigos. “Em épocas passadas, as praças eram o lugar de reunião da comunidade. Naqueles locais se liam as resoluções dos governantes e os moradores tomavam conhecimento das novidades”, disse Luis Góes, jornalista. Atualmente, a população tem usufruído desses locais por meio de festas promovidas pela Prefeitura de Belo Horizonte. Para a socióloga Ana Marcela Ardila, é importante refletirmos sobre o uso das praças analisando seu contexto histórico. “Um espaço de discussão que remonta à Grécia, com o uso da ágora para debater assuntos ligados à vida das cidades (polis), até as praças medievais, usadas para as atividades religiosas”, declara. A partir da construção das cidades modernas, o conceito acerca desse

local e de seu uso passou por várias mudanças. “Os aspectos materiais e imateriais se relacionam para que um determinado lugar possa ser valorizado e reconhecido pelo seu povo. A praça precisa ser apropriada e incorporada por sua população”, diz Sergio Myssior, arquiteto e urbanista. Com o objetivo de atrair cada vez mais público, os 22 shoppings da capital usam o conceito como local de encontro, na sustentação de suas praças de alimentação. “São lugares onde as pessoas podem se sentar, passar um tempo, mas intramuros. Locais privados que se tornaram públicos como um refúgio da população que busca por segurança”, afirma Ana Marcela Ardila. Passado sempre presente Segundo o pensador Andre Saut, “na praça da cidade sempre tem um banco que traz saudade”. O que

confere requinte a esses locais são os velhos bancos feitos com ripas de paraju afixadas numa armação de ferro fundido. Em função do conforto, deveria existir esse modelo de banco em todas as praças. No cruzamento das ruas Mármore, Estrela do Sul e Tenente Vitorino, está a Praça Duque de Caxias, que, entre 1937 e 1993, chamava-se Praça de Santa Tereza. Os imóveis que margeiam o lugar conservam o charme interiorano. Quem vê as fachadas antigas tem a sensação de que ali o tempo parou. O jornalista Luiz Góes ressalta que, em sua juventude, nas décadas de 1960 a 1980, o prazer da sua diversão morava naquele local. “Atualmente, o lazer não existe e vadiar por esse espaço, em certos horários, é risco de vida”, afirma. A Praça Duque de Caxias é ponto de encontro de carnavalescos, seresteiros e amantes de MPB. No dia a


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dia, os políticos, os religiosos e os moradores de rua dividem o direito à liberdade. Todos são partes dessa atmosfera. “Amo esse lugar. Aqui tem shows, quermesses e quitandas. Aqui tem de tudo. Às vezes, até sossego.” afirma Juscelino Rocha, aposentado de 68 anos e frequentador há 41 anos do espaço. Já o morador de rua Fernando Pereira Mariano, de 33 anos, reclama da truculência com a qual a Guarda Municipal trata os mendigos. “Não tenho o que reclamar daqui. Mas tem dia que sofro humilhações quando peço dinheiro. Às vezes, também passo frio, fome e sede. O povo prefere jogar comida no lixo a dar os restos pra gente,” declara. De acordo com Sergio Myssior, a violência urbana tratou de isolar as pessoas em suas casas, condomínios, retirando os “olhos das ruas” e a vitalidade de diversas áreas. A praça ainda é nossa? Os desavisados que passam por ali têm, subitamente, as narinas invadidas pelo fedor proveniente da urina e das fezes de quem vive no local. À luz do dia, prostitutas e travestis em “fim de carreira”, mendigos e alcoólatras transitam no centro e no entorno da praça. Alguns marcham e batem continência, outros bailam, mas a grande maioria vive de forma catatônica e com olhares absortos contemplando o nada. Essa é a realidade que ocorre a cada amanhecer entre os cruzamentos das Avenidas Santos Dumont e Paraná e das Ruas Curitiba e Caetés. Essas coordenadas correspondem à localização da Praça Barão do Rio Branco, popularmente conhecida como a Praça da Rodoviária. O que era para ser belo se apresenta como grotesco. Tal fato inverte a lógica em alguns espaços públicos na capital das alterosas. Talvez nada destoe mais que o nome Liberdade em Equilíbrio, título do monumento feito de concreto armado, que mede 21m e ocupa a área central dessa praça. Em seu interior, na parte coberta da escultura, viciados em drogas disputam um espaço a socos e ponta pés. É fácil perceber que as praças perderam muitos frequentadores. “Os tóxicos tornaram este lugar uma desgraça”. São palavras de Antônio Fernandes, aposentado de 66 anos de idade. “Quem reside na capital, se vier à praça para arejar os pensamentos, corre até o risco ser assassinado. Acho que não tem como piorar”, lamenta. Ao longo da semana, pastores, vendedores e mágicos dividem o ambiente. A baderna ocorre frequentemente, mesmo com o policiamento ostensivo. Fato que aumenta a sensação de insegurança vivenciada pelas pessoas que transitam por ali. Ilza Maria, vendedora de 54 anos, afirma que “cidadão honesto mes-

Dossiê espaços urbanos mo não frequenta aquele antro.” De segunda a sábado, a vendedora atravessa a Praça Barão do Rio Branco só para ‘encurtar’ caminho. “Para servir o “senhor deus crack”, um ser humano é capaz de tudo, até de matar,” reclama. Talvez por isso a população belo-horizontina busque diversão em lugares mais seguros. Mesmo depois de passada a onda dos ‘rolezinhos’, uma opção tem sido os shoppings.

fonte ou coreto. O Pirulito da Praça Sete representa uma das suas faces, e é um dos símbolos da cidade. “A definição de um lugar não se dá simplesmente por um decreto, ou porque um arquiteto o define, e, sim, pela construção social desse espaço. O importante é que as pessoas utilizem

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esse local e nomeiem como praça”, afirma Ana Marcela Ardila. Mesmo com um intenso fluxo de carros que rodeiam esses locais, a população usa, bem ou mal, este espaço público, como disse Castro Alves, “A praça [...] é do Povo! Como o céu é do Condor!”.

O preço da liberdade Em contrapartida à Praça da Rodoviária, a Praça da Liberdade, localizada na região da Savassi, possui um cuidado e uma paisagem diferenciados. “Infelizmente, a nossa geografia urbana reflete o processo agudo da desigualdade social. A desigualdade sócioespacial se reflete em nossa região metropolitana, canalizando os maiores investimentos de infraestrutura para as áreas mais ricas, na maioria das vezes”, diz Sergio Myssior. Nas manhãs belo-horizontinas é comum ver jovens conversando nos bancos da Praça da Liberdade, bombeiros aprimorando o condicionamento físico e pessoas caminhando. Crianças atrás de pássaros, os mesmos que são alimentados pelo aposentado José Ferreira Melo. “Eu preencho a parte da manhã vindo aqui, um local muito agradável e que me dá uma paz imensa o tratamento dessas aves”, relata Melo, enquanto sua mão serve de suporte para uma rolinha destemida. Quem chega à praça pela Avenida João Pinheiro, percebe que as palmeiras reais, que ultrapassam os dez metros de altura, fazem uma espécie de corredor que aponta para o Palácio. As Secretarias do Estado também se localizavam no local (Secretaria da Aviação, Educação, Fazenda etc.), porém, hoje, com a construção da Cidade Administrativa, esses prédios são museus e compõem o Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Quase praças Um espaço para liberdade, celebração ou convívio. Há praças em Belo Horizonte que não correspondem ao significado do dicionário: “Lugar largo e espaçoso, ordinariamente rodeado de edifícios”. Ou possuem um formato diferente, como as praças Sete de Setembro e da Savassi (Diogo Vasconcelos) que estão localizadas no Centro e na região Centro-Sul respectivamente da capital. Entre as Avenidas Amazonas e Afonso Pena, a Praça Sete se ajeita pelas beiradas entre um prédio e outro. Por ali, pode-se observar vendedores ambulantes, oferta de fotos 3x4, corte de cabelo, medo e violência. O seu espaço físico se resume a alguns bancos de concreto, onde uma turma de idosos aproveita para jogar xadrez, outras pessoas comentam a vida alheia. Não há arvores, flores,

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Praça da Rodoviária: liberdade em equilíbrio?


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Emaranhado Grupo Vestíveis Urbanos cobre árvores e pontos de ônibus com tricô e crochê FOTOS: DANiEL PRADO

Integrantes do coletivo em plena intervenção nas ruas de Belo Horizonte

Amanda Costa Daniel Prado Melina Capila O emaranhado urbano parece dançar aos ventos com auxílio do par perfeito, duas agulhas. Mãos firmes e experientes dão o devido suporte. Ao mesmo tempo em que regem, coreografam fios multicores. Entre os dedos da mão esquerda a linha é transpassada de baixo para cima. Tal manobra resulta em um nó. A mesma linha é desdobrada em uma volta completa e ao repassar por dentro da amarração, é como se a linha se fizesse bailarina em pleno ato. Os movimentos são simples, porém repletos de sábios saberes. Quem bem entende a arte de trançar, vai além da técnica. importante esclarecer que paciência e capricho são princípio básicos para se desenvolver um bom trabalho. As pessoas que, persistirem, ao final terão contribuído com um presente particular

ofertado ao público. Os pontos de tricô arrematam o espetáculo quando adicionam mais tramas e cores às tramas já existentes. Tal qual no balé, a fim de alcançar a perfeição, repetir incontáveis vezes os movimentos faz-se necessário. O efeito da repetição em busca do requinte transforma as linhas em colchas, enfeites para mesas ou agasalhos que, já serviu inclusive, para enfeitar um dos monumentos mais importantes de Belo Horizonte, o Pirulito da Praça Sete. Esse evento e vários outros foram promovidos pelo grupo Vestíveis Urbanos, cujas intervenções tem a proposta de, literalmente, vestir os mobiliários de Beagá. Até o momento, árvores, bancos e postes de onze praças já receberam a visita e as entrelaças dos Vestíveis Urbanos. Belo Horizonte, também conhecida como Cidade Jardim e Capital das alterosas, agora coleciona mais uma característica marcante – a paixão pelos fios multicores.

O projeto nasceu em 2012 pelas mãos das Dsigners de Moda Marcela melo e Júlia Assis. É uma das ramificações do Movement to yam boimbing, Bombardeio de fios que, colore cidades ao redor do mundo por meio dos pontos do crochê e do tricô. importante ressaltar que, embora as técnicas empregadas sejam artesanais semelhantes, os resultados após a confecção de cada peça ficam bem diferentes. Enquanto o crochê que é feito com linha apresenta peças mais delicadas, o tricô que, é tecido com lã resulta em peças mais elásticas. A semelhança está no fabrico já que, ambas são compostas por pontos. De acordo com Marcela Melo, uma das criadoras do projeto, o propósito de tramar o mobiliário urbano é criar uma nova percepção do espaço para quem transita pela cidade. As pessoas vivem atarefadas, portanto ora apressadas, ora distraídas. A finalidade do projeto é provocar tais pessoas, convida-las a refletir sobre

os espaços que elas ocupam, afirma Marcela. Júlia Assis, a outra fundadora do Vestíveis Urbanos, ressalta que, as intervenções tanto podem ser individuais quanto coletivas. O mesmo vale para confeccionar as peças. A arte efêmera, o ato de tramar sobre o mobiliário é uma ação grupal que, quando atrai a atenção dos passantes, significa que o objetivo de fazer pensar foi amplamente alcançado, reforça Julia Assis que completa: “As malhas causam uma mistura de estranhamento e admiração pois, quem presencia as intervenções desconhece a razão pela qual as pessoa tricotam tanto para depois deixar tudo em espaço público. Mas depois do primeiro contato com o trabalho finalizado, não quem não se encante.” Marcela informa que as pessoas sempre a questionam se as tramas permanecerão no local, ou se ela não tem receio de que roubem tudo, ou se vândalos não destruirão as obras. Já


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tivemos respostas positivas e negativas. Contudo, na maioria das vezes o resultado é positivo afirma marcela, que completa. A proposta é de que as malhas não só provoquem a reflexão mas, que também façam parte dos cenários urbanos, se vão durar ou não, se serão só admirados ou removidos e levadas é impossível saber. De acordo com Marcela, o que é recompensador é o carinho e a curiosidade de quem passa no momento exato da intervenção. Ao perceber que os grupos trançam ao mesmo tempo os bancos, postes e arvores dispostos nas praças, todo mundo é pego de surpresa. Automaticamente voltam seus olhares primeiro para as cores em tons chamativos, em seguida para o grupo dedicado que contorna de malhas os espaços públicos. A psicóloga e professora Maria Inês Etrusco Maciel, declara que “manifestações artísticas e estéticas como as do Vestíveis Urbanos causam nas pessoas uma súbita curiosidade, ainda que no primeiro momento não haja compreensão imediata, fica o questionamento. Inês ainda aponta que “além de promover uma interrupção no cotidiano, as tramas tecidas em cores chamativas também ajudam na missão de atrair mais adeptos dispostos a ingressar no projeto”. Amanda Viegas, historiadora e professora de história, que está no grupo desde julho de 2014, fala sobre sua participação no Vestíveis Urbanos. “Conheci o pessoal por meio da Julia que, ministrou uma oficina de tricô. Mais tarde fizemos contatos pelo Facebook. Pouco tempo depois fui convidada a participar de intervenções urbanas em praças” Amanda revela que aprendeu bordado aos onze anos, o que facilitou o aprendizado nas ofi-

Dossiê espaços urbanos cinas ministradas pelas fundadoras dos Vestíveis Urbanos. Fico muito feliz quando flagro as pessoas desacelerando gradativamente os passos até ficarem imóveis para admirar as obras. É sinal de que a cidade está sendo vista por outros ângulos. Ainda que aquele mobiliário sempre estivesse no mesmo lugar, quando passam pela ação dos Vestíveis, algo mágico acontece. A beleza é revelada aos olhares até então distraídos, reforça Amanda. Júlia, amante do tricô é designer e consultora em projetos de designer, além de sócia no Restaurante Popular Espaço criativo localizado no Edifício Maleta. No lugar são ministradas oficinas de tricô, palestras e encontros nos quais os temas tratados tem relação com costura, artesanato, fotografia e outros. Marcela, que é designer de moda, foi contagiada pela arte ainda criança, enquanto assistia a dança nas mãos de sua tia que, vivia a tricotar. Atualmente, Marcela é oficineira. Ela ensina as técnicas primeiras do crochê e do tricô aos iniciantes no grupo que, ao se sentirem seguros partem para ação, tramar em grupo os mobiliários diversos. Reunião de entusiastas reforça as tramas e encorpa os nós. Já a presença das malhas coloridas é um indicativo de que, algo inusitado transpassa o tradicional. A ação é independe, colaborativa e inovadora. Não fossem os fios que unem Marcela e Júlia, o projeto Vestíveis Urbanos não existiria. As designers, que se conheceram em agosto de 2012, acreditam que, além da sintonia, ambas atribuem o sucesso do projeto à aliança, às parcerias e ao comprometimento de cada participante.

Belo Horizonte, ABRIL de 2015

A malharia estampada adorna a árvore e enche os olhos de quem passa

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Há 200 anos, no Himalaia, o Marajá de Jodhpur ordenou o corte de inúmeras árvores. Toda madeira seria usada na edificação de seu palácio. As derrubadas causaram comoção, e, desde então, muita gente uniu forças contra os desmatamento pelo planeta afora. Em Londres, a partir de 1983, a ONG Common Ground começou a promover o The Dressing Day, evento que visa a celebrar o dia da árvore, mas com muita criatividade. A atividade consiste em adornar as galhas com pedaços de fitas coloridas, recitar poemas, dançar e cantar, enfim celebrar a natureza à sombra das árvores.

REPRODUÇÃO

A campanha Kilts for Kids arrecada dinheiro para a compra de agasalhos que serão doados às crianças pobres na Escócia. No evento, dezenas de estátuas são cobertas com blusões, cachecóis e xales. Os monumentos, feitos por artistas renomados, são enfeitados com roupas de grife criadas sob medida, para dar um charme a mais às obras.

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Marighella: além das lutas políticas Documentário apresenta nova imagem do líder comunista Aidan Rocha Anderson Pena Político, poeta, líder comunista e considerado o “inimigo número um” da ditadura militar no Brasil, Carlos Marighella aderiu à luta armada, convicto de ser a única forma que lhe restava. Sua vida é contada no documentário Marighella, tendo como pano de fundo o cenário político brasileiro. O filme apresenta a luta do protagonista em vários momentos históricos, bem como seu lado humano, particular e íntimo. Talvez por ter direção e roteiro de Isa Grinspum Ferraz, sobrinha de Marighella, tais aspectos são contados com riqueza de detalhes, apresentando aspectos ainda pouco conhecidos da personalidade deste homem. Seguindo a trajetória do personagem, o filme tem início na Bahia, mostrando sua família e seus primeiros passos no engajamento político e social. O período de maior envolvimento na luta política se passa em São Paulo, onde Marighella morreu, em 1969. O Partido Comunista do Brasil (PCB) e a Ação Libertadora Nacional (ALN), grupos que Marighella liderou, são frequentemente retratados, assim como outros grupos que combatiam a ditadura e órgãos de repressão aos mesmos. De forma diferente de outros materiais biográficos, o filme concilia momentos afetivos e políticos do personagem, com relatos de pessoas próximas, em diversos momentos de sua vida. E apesar do contexto histórico ser fundamental no desenrolar dos fatos, o cotidiano do personagem também tem seu espaço. Conhecemos assim um sujeito bem-humorado, bom pai e marido. O desafio de mostrar uma biografia tão densa como a de Carlos Marighella em um filme é superada na forma sutil como alguns detalhes ganham importância. Assim, temos uma ideia das motivações, ideais e formas de ação do personagem. Mais do que uma conclusão, é apresentado um convite para conhecermos mais sobre este homem e a razão pela qual dedicou sua vida à luta pelo bem social. Apesar de narrar a vida do “inimigo número um” da ditadura, o filme não se posiciona diretamente quanto ao regime militar, deixando isto a cargo de seus personagens, que apresentam seus pontos de vista ligados aos diversos momentos da vida de Marighella. Não foi priorizada a criação de contrapontos, mas sim a proximidade e relevância dos relatos e opiniões. Por narrar histórias de grande relevância, ocorridas há décadas, a documentarista parece presumir que determinados fatos já sejam de conhecimento dos espectadores. São trazidos novos aspectos ao filme, através de memórias dos entrevistados e da própria documentarista, documentos da época e algumas poucas cenas ficcionais de outros filmes, para ilustrar. Além da própria obra de Marighella: poemas, documentos, trechos de livros e declarações, que são usadas.

O modo participativo é predominante no documentário, ou seja, o filme se apoia fortemente em entrevistas e na interação com personagens. A locução, muitas vezes em tom afetivo, é feita pela própria cineasta, com detalhes que o parentesco lhe permite, abrindo mão de qualquer tentativa de distanciamento. Tal aspecto é reforçado ainda pelo uso de imagens antigas para ilustrar o relacionamento da cineasta com o tio.

Ficha Técnica Roteiro e direção: Isa Grinspum Ferraz Data: 2012 Duração: 1h36m Origem: Brasil

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A outra face de Clarice Lispector Sob a capa cor-de-rosa, Correio Feminino traz lado desconhecido da autora REPRODUÇÃO

Maíra Duarte Silva Maria Beatriz de Castro Rafaela Matias Quando nos vem à mente o nome de Clarice Lispector, um conjunto de ideias predeterminadas surge involuntariamente e uma certeza prevalece: a dona de Coração Selvagem jamais escreveria uma coluna feminina. A autora que nos apresentou Macabéa não perderia seu tempo escrevendo dicas de cama, mesa e banho. E não é que, num esbarrão literário, abrem-se à nossa frente as páginas amareladas de um livro cor-de-rosa que revelou um outro lado de Clarice? Correio Feminino é uma coletânea de crônicas, organizadas pela doutora em literatura brasileira Aparecida Maria Nunes. Os textos foram escritos por Lispector, em colunas femininas, para os jornais Correio da Manhã e Diários da Noite, entre as décadas de 1950 e 1960. Na ocasião, a autora assinava sob os pseudônimos de Tereza Quadros, Helen Palmer e como ghost-writer da atriz e modelo Ilka Soares. A compilação está dividida em cinco blocos: Um retrato de mulher, Saber viver nos dias que correm, Retoques do destino, Aulas de sedução e Entre mulheres. Com estrutura intimista e linguagem coloquial, as crônicas são escritas para enquadrar o status quo e a representação que a mulher tinha na imprensa feminina. Helen Palmer dá dicas de beleza, fala sobre amor próprio e mostra como manter acesa a chama do casamento. Embora tenha um ar de guru, ela age como uma amiga que apoia a mão em nosso ombro e diz: “você errou feio, hein?” É também a apresentadora de TV que dialoga com intimidade e distanciamento ao receitar uma colherzinha de azeite para clarear a mancha no paletó do marido. E ainda sobra fôlego para agir como a vizinha fofoqueira que dá “pitacos” na recepção da casa da frente. Tantas imposições feitas por uma só Clarice. Ou Helen Palmer, como preferir. Dentro dos diálogos do universo feminino, a colunista deixa claro que a mulher precisa ser mais que uma simples mulher. Ela deve ser a companheira dedicada e encantadora, obstinada por compromissos, sem nunca perder a formosura. São várias

as obrigações, que vão de fumar bem, a colocar o quarto na direção certa do feng shui. Clarice dissertava sobre tudo. Por meio de seus pseudônimos, a autora aconselha a não desistir de tentar, em breves relatos sobre “uma amiga minha que…”. Como quem se demora na manicure para fofocar mais um pouco, ela comenta sobre a forma certa de tratar a empregada – ah, sim: Clarice dialogava com madames – e como compreender o marido. Também não poderia passar batida a forma de arranjar um esposo e as dicas de beleza para sempre estar bonita quando este voltasse para casa depois do trabalho. “A preferência masculina deve ser levada em consideração sempre que nos vestirmos e enfeitarmos”. Lispector aglutinou todas as mulheres em uma só: ela mesma. São multifacetas que ela deixou transparecer enquanto elucidava questões que, ora, ela também tinha! Clarice não vivia em uma bolha, sabia os conceitos que estavam interiorizados na mulher da década de 1960. Não eram mulheres autossuficientes e se aceitavam em condição inferiorizada, embora isso possa fazer tremer uma executiva bem sucedida do século XXI. Não eram independentes e precisavam de uma conselheira fiel, como Helen Palmer ou Tereza Quadros. Viviam a dicotomia da ditadura: haviam conquistado o direito ao voto, mas ainda eram subestimadas como cidadãs; o direito ao aborto em decorrência de estupro fora permitido, mas os hospitais e médicos ainda não tinha se convencido de que essa era uma escolha legítima; o desquite – veja só! – era uma burocracia sem fim. Mas, ao contrário do que faz crer à primeira impressão, o livro não mostra a fragilidade de Clarice, mas exacerba sua ironia sobre tudo isso. As lições de vida que beiram a “breguice” e colocam a mulher em papel subserviente não poderiam ter saído das mãos de Lispector sem um pano de fundo irônico. Embora escreva com tanta segurança e espontaneidade, a ponto de as leitoras da época se renderem facilmente às suas dicas, a cronista faz jus à crítica da mulher moderna e ridiculamente padronizada. Saber viver nos dias que correm, por

exemplo, mostra uma mulher madura, mãe, racional, boa esposa e feliz, que limpa a casa muito bem e sabe como tratar os funcionários. Porém, em suas diretrizes femininas, ela deixa transparecer um lado mais forte e bem resolvido do que aquele que prevalece na maior parte das páginas, citando até mesmo a filósofa e feminista francesa Simone de Beavouir. Essa Clarice Lispector, muito longe daquela que conhecemos, divaga pelo universo feminino e doméstico, criando um espectro de mulher perfeita aos olhos da sociedade e fomenta uma discussão válida ainda nos dias de hoje, já que as revistas femininas ainda determinam, embora com mais sutileza, um padrão a ser seguido para alcançar o sucesso. Para os leitores habituados a uma Clarice complexa, com escrita pro-

funda e inovadora, Correio Feminino será uma surpresa superficialmente decepcionante. Mas a leitura é válida para analisar o viés alternativo utilizado por uma das mais geniais escritoras da literatura mundial.

Ficha Técnica

Título: Correio Feminino Autor: Clarice Lispector Editora: Rocco Ano: 2006 Páginas: 160


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Crônicas

Belo Horizonte, ABRIL de 2015

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Muito não obrigada Mariana Gualberto Sempre fui do tipo que agradece demais. Deve ter sido criação. Minha mãe frisava muito a importância das palavras mágicas, principalmente do obrigado. Cresci com isso. Hoje, já grande, ainda me pego pecando pelo excesso de obrigados. Sabe, às vezes estou distraída, alguém fala alguma coisa aleatória, e lá vou eu, desembestada soltando um: obrigada! Às vezes a pessoa só está me pedindo um favor e eu me mantenho inerte, após soltar minha palavrinha mágica. Não é maldade, é distração e força do hábito. Acho que parte da culpa também pode ser atribuída à Rosana, minha professora de português da terceira série. Um dos flashes que me lembro com mais precisão das aulas de ensino fundamental era a Rosana ensinando que obrigado variava de acordo com o gênero. Achei aquilo um máximo. Comecei a distribuir “obrigada”, com um sonoro A no final, para todos. Sempre fui meio bocó pomposa, queria que as pessoas soubessem que eu sabia falar certo. O episódio foi o mesmo quando a Rosana ensinou que deveríamos pedir trezentos gramas de presunto na padaria, e não trezentas. Aí foi uma festa, todo dia eu queria sair para comprar trezentos gramas de fatiados, pegar o embrulho, e soltar um magnífico obrigada. E olha que eu nem gosto de presunto. Ah, Rosana... Você poderia ter sido minha professora favorita por toda uma vida. Mas não, na quarta série, quando eu venci o seu concurso de leitura e produção de textos, que perdurou por todo o ano, e nunca recebi meu prêmio, você perdeu o seu posto. Aquele momento doeu. Porra, Rosana, eu me empenhei o ano inteiro. E aposto que agora, aqueles que estudaram comigo nem se lembram disso, nem se lembram que fui a vencedora; quiçá se lembram que o concurso existiu. Mas se eu tivesse ganhado meu prêmio, e não um parabéns sem graça – que qualquer pessoa fala certo, que não varia com o gênero-, eles lembrariam, porque criança é competitiva, guarda as coisas. E eu guardo isso desde 1999. Muito não obrigada.

Profissão quase repórter Lilia Santos Para nós, alunos de jornalismo, fazer uma reportagem sobre solidariedade nas ruas da Lagoinha, foi um desafio e uma oportunidade. Primeiro o desafio. Fizemos tudo como manda o figurino: falamos com os coordenadores do Projeto Pão Nosso, reservamos os materiais de filmagem, um representante do projeto iria nos atender no local onde faziam a primeira entrega de alimentos para a população de rua. Mas não contei com um imprevisto: nossa equipe não conseguiu fazer as imagens, porque nos sentimos inseguros no local e, pra piorar, o pessoal projeto ainda não tinha chegado. Vamos combinar que para quem chega a uma rua escura, na entrada de uma das maiores favelas de Belo Horizonte, Pedreira Prado Lopes, cheia de moradores de rua e viciados em drogas, com um equipamento de aproximadamente oito mil reais em mãos, é difícil se sentir tão confiante assim. O resultado? O chefe cancelou as filmagens da noite. Ficamos decepcionados. Parecia que a reportagem não iria rolar. Mas como falei antes, foi também uma oportunidade. Na semana seguinte, ao invés de começar pelo fim, segui-

mos a ordem dos fatores. Primeiro fomos acompanhar a preparação do cardápio da noite, e foi aí que começou a aventura. Ao olhar pelas grades da igreja Santa Catarina Labouré, no bairro Santa Clara, vi nas janelas um grupo de senhoras de toucas brancas na cabeça, descascando cenouras em volta de uma mesa. Elas nos receberam muito bem e prometeram um cafezinho, se ficássemos até mais tarde. O sr. Jurandir, o coordenador, nos apresentou todos e logo já estávamos bem à vontade. Junto com Jurandir e seu fiel escudeiro, fizemos um tour pelas ruas do bairro, em uma Kombi comprada com doações, e conhecemos as duas padarias que há dois anos doam os pães para o projeto. Quando voltamos, o cafezinho já estava servido, acompanhado de bolo e biscoitos. Humm!!! Nas conversas, alguns nos confidenciaram que se sentem horados e têm muito prazer em ajudar pessoas que talvez nunca vão conhecer. Eu daria tudo pra ter essa sensação, pensei, enquanto ouvia suas histórias. Depois dessa tarde incrível, fomos para o primeiro ponto de entrega dos alimentos, na Rua Araribá, onde a reportagem tinha dado errado, na semana anterior. O

cenário continuava o mesmo, a rua escura, usuários de drogas, pessoas mal vestidas por todo lado, misturados com os moradores do prédio em frente e da comunidade ao redor, mas o clima agora (ou sempre) era de solidariedade e respeito. No chão, as pessoas saboreavam a sopa com muito prazer. Alguns pareciam até intimidados com nossa presença, mas estavam ali para garantir a refeição do dia, tão à vontade como se estivessem na mesa de jantar no aconchego de sua casa, com sua família. E a verdade era que estavam em família. Vi no rosto dos voluntários o amor e o cuidado para que cada andarilho que passasse por eles garantisse o jantar, um cobertor, ou só mesmo uma garrafinha de água e que só iriam embora quando não sobrasse mais nada para doar. Essa era a principal preocupação da equipe. A noite foi bem mais fácil e agradável que imaginei. Uma lição que aprendi nessa reportagem? Eles são moradores de rua, sim. Muitos por falta de opção, presos pelas correntes do vício e ignorados pela sociedade, porém a dignidade e a coragem de sobreviver todos os dias sem estrutura financeiras, familiar e social os torna vitoriosos e essa vitória fica mais fácil se lutarmos juntos.


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