Ano 32 • número 198 • Junho de 2015 • Belo Horizonte/MG
swing
e outros prazeres Leia o Dossiê nas páginas 6 a 11
Humor: A relação professor/aluno no estilo das revistas teens
Caderno Do!s: Artes, vícios, tablets e um Batman oriental
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Belo HorIzonTe, JunHo De 2015
primeiras palavras
Altas temperaturas em pleno inverno Rodrigo Oliveira A infância do passado aqueceu o coração da garotada com músicas ternas, brincadeiras típicas e criatividade; já a de hoje, nem tão diferente da de ontem, provoca um turbilhão de sensações calorosas nos pequeninos, mediadas pela tecnologia top de linha dos computadores, tablets, smartphones videogames e demais engenhocas. O IMPRESSÃO 198 não deixa diminuir a temperatura. O jornal sai quentinho do forno, numa estação que promete o começo de baixas temperaturas. No primeiro caderno, um dossiê sobre o prazer apresenta assuntos pra lá de calientes, como a reportagem que relata os
prazeres do swing, prática cada vez mais comum nos dias atuais, com a abertura do comportamento sexual dos casais ditos “liberais”. O jornal também aborda outros assuntos que ainda são tabus, como a masturbação e o sadomasoquismo, que é uma prática à la “bateu, levou”, frase imortalizada pelos personagens Jô e Fábio, na trama da telenovela A gata comeu, de Ivani Ribeiro, 1985, Globo. No caderno DO!S, os temas explorados são mais delicados, diante da ótica do moralismo e da caretice que ronda o universo das drogas lícitas e ilícitas. Um belo ensaio fotográfico acerca do tema sugere um delirante olhar artístico, sem criticar nem fazer
apologia ao uso dos entorpecentes. Quem nunca teve um capricho? Nesta edição, outra novidade: com muito humor, você vai descobrir uma paródia caprichada das revistas teen, que, curiosamente, está deixando de existir no papel, para se “render ao universo do virtual. Crônicas, filmes, fotografias, reportagens interessantes... Tudo ao melhor estilo da nossa equipe. O IMPRESSÃO pretende envolver você dos pés à cabeça. E, caso o frio bata em sua porta, nossas páginas poderão aquecê-lo, caro leitor, com boa dose de humor e ousadia. Que venha o inverno. Já estamos preparados. Boa leitura!
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eXpeDIenTe
VICE-REITORA Profa Vânia Café INStItUto De CIÊNCIAS SoCIAIS APLICADAS Prof. Paulo emílio S. Vaz (diretor) Profa. Cynthia enoque (adjunta) CooRDeNAÇÃo Do CURSo De JoRNALISMo Prof. João Carvalho LABoRAtÓRIo De
JoRNALISMo IMPReSSo eDItoReS Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. PRECEPTORA Profa. Ana Paula Abreu (Prog. Visual / Diagramação) eStAGIÁRIoS Alex Moura Mariana Gualberto Wilson Albino ILUStRAÇÃo William Araújo Dandara Deolinda PARCERIAS Lab. de Criação Publicitária (LACP) Laboratório de Jornalismo online Laboratório de Fotografia Laboratório de experimentações Gráficas (LeGRA) IMPReSSÃo / tIRAGeM Sempre editora 2.000 exemplares eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003
o jornal IMPReSSÃo é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Jornalismo do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do IMPReSSÃo e faça contato com a nossa equipe: Rua Diamantina, 463 Lagoinha – BH/MG CeP: 31.110-320 telefone: (31) 3207-2811 email: impresso@unibh.br
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Visão Crítica
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Belo HorIzonTe, JunHo De 2015
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Manifesto político-musical rAFAEL CArDIAS
Rayana Bartholo Tanto na Era Vargas como na Ditadura Militar e no momento atual do país, músicos foram às ruas e letras foram criadas como clamor aos direitos e à expressão de pensamento. Em todas essas passagens e em outras de menor repercussão, a produção musical é de grande valia e os tidos como boêmios musicistas fazem dessa boemia um mundo menos triste e mais sincero. Cresci ouvindo opiniões divergentes sobre os grandes nomes da MPB, que se relacionaram com os momentos políticos do país, mas as que mais me marcaram foram as que se referiam aos músicos como bêbados, preguiçosos e até interesseiros. É verdade que, em geral, eles eram grandes frequentadores da boemia e apreciadores de um bom uísque ou uma bela dose de cachaça. Porém, o valor deles foi inestimável e suas letras eternizaram momentos únicos vividos por nosso povo. O malandro era condenado na Era Vargas e a censura foi um objeto de dominação política. Getúlio criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão que exercia severa repressão sobre o teatro, os jornais, o cinema, a literatura, o rádio e as demais manifestações culturais. Sem critério algum, músicas poderiam ser mutiladas ou vetadas por motivos políticos, por proteção ao governo ou, simplesmente, por serem confusas. Para ilustrar a condenação, posso falar da letra original de Wilson Batista em que ele dizia: “O bonde de São Januá-
rio/ leva mais um sócio otário/ só eu não vou trabalhar”. Porém, o DIP determinou modificações que deixaram a canção da seguinte forma: “O Bonde de São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar”. O malandro continuou a ser condenado, mas, na Ditadura (1964 – 1985), quem muito incomodou o governo foram os estudantes que, em 1968, reprimidos, passaram a ter voz por meio da música. A MPB caiu no gosto das grandes massas com temas que não eram permitidos pelos militares. A música popular sofreu várias mutila-
O contador de spoilers Mariana Gualberto Se as pessoas vêm ao mundo com missões, a de João Paulo é estragar surpresas. Um dom dicotômico, que agrada alguns e enfurece outros. Em um corpo de apenas 1m64 – que deve ficar 10 cm maior com os chapéus que não abandona –, o rapaz carrega um acervo inenarrável de histórias. Sua paixão são as séries. Neste momento, JP acompanha 54 títulos e necessita do auxílio de um aplicativo para controlar em que episódio de cada um ele está. Conhecer o “João-das-Séries” – apelido que acabei de criar– é perigoso. Em conversas informais, dessas de corredor, é necessário astúcia e cuidado com as palavras usadas e os
assuntos abordados. Qualquer tema vira link para o que aconteceu no último episódio da série X. – Que camisa vermelha bonita! – Você disse vermelho? Nossa, sempre que ouço essa palavra, me lembro do casamento vermelho em Game of Thrones, e de todo aquele massacre. Você sabe, né, a Catelyn e o robb Stark morrem. – Porra, João, ainda não cheguei nesse episódio! Eis o contador de spoilers nato. Quando menos se espera, ele surge, como quem não quer nada, e conta o que não deveria. reza a lenda que faz, de seus chapéus, cartolas mágicas, onde guarda histórias, personagens, cenas e, principalmente, spoilers.
ções, isto quando não era completamente censurada. Para burlar tal procedimento, os letristas arriscavam metáforas, que se tornaram cada vez mais comuns. Com o avanço da tecnologia e a busca constante pelo apogeu da liberdade de expressão, vivemos em uma época em que propagar um manifesto e fazer um som ecoar está cada vez mais acessível. Os bisnetos da Era Vargas estão por aí criando e lutando por um mundo melhor. Em junho de 2013, manifestações eclodiram em todo país. Da rua, pôde-se escutar gritos desgovernados e melodias começaram a emergir. Presenciei ali jovens
completamente engajados com o meio, que sabiam argumentar e reivindicar os motivos de sua luta com canções quase que silenciadas pelos gritos desgovernados de alguns. A repressão é menor e isso pode nos colocar para pensar: se somos mais livres, onde estão nossos talentos musicistas? Será esta uma represália silenciosa? A liberdade nos inibe? Falta coragem para gritar mais alto? Eles serão reconhecidos pelas próximas gerações? Bem, essas respostas virão daqui a alguns anos, mas o que sei é que temos grandes talentos espalhados pelos cantos de nosso país e eles estão de novo nas ruas e na boemia.
Memória do coração Rúbia Costa As lembranças mais antigas ainda visitam a cabeça e o coração de dona Maria Geralda Viana, 83 anos. Há seis anos, ela foi diagnosticada com Alzheimer, doença que assusta a família, mas que não conseguiu apagar sua alegria de viver. Agora, os nomes dos nove filhos, dos vinte netos e 14 bisnetos são apenas detalhes em sua mente. o que importa, mesmo, é que estejam a seu lado, aproveitando cada dia como se fosse o mais especial. Uma simples visita transforma-se no melhor presente para ela: “obrigada por ter vindo me visitar. Volta mais, que, da próxima vez, eu vou
fazer aquele almoço gostoso”. Há dias em que a doçura de suas conversas e carinhos transmuta-se em horas de aflição. Dona Maria Geralda é enganada pela doença e não reconhece mais a casa onde vive, seus filhos e sua própria imagem. Quer ir embora, voltar para a cidade natal, Lajinha, na região do Vale do rio Doce, em Minas Gerais. Sua vontade é reencontrar o grande amor, seu João Pinto, companheiro de 57 anos, falecido há três. Com a inocência de uma criança, e com saúde para dar e vender, a vovó adora comer doces, passear de carro e, quando o assunto é o time do coração, ela não esquece: “Torço para o Cruzeiro”!
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Tramas contemporâneas
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Vida (HIV) positiva Se o preconceito é uma doença, a informação é a cura mariana portela
De acordo com o último “Boletim epidemiológico” do Ministério da Saúde, 78% das pessoas que vivem com o HIV no Brasil, e fazem o tratamento com os coquetéis, apresentam esse perfil: carga viral indetectável. Segundo o órgão do governo, uma das conseqüências da adesão ao tratamento é que o risco de transmissão do HIV é reduzido em pelo menos 96%, mesmo em caso de falha no uso do preservativo.
Mariana Portela Numa manhã como outra qualquer, J.D.*, 21 anos, morador de Belo Horizonte (MG), toma sua xícara diária de café espresso e vai trabalhar. Ele é estagiário numa agência de Publicidade, ramo que escolheu ao entrar na faculdade de Comunicação Social no auge de seus 18 anos. “À época, fiquei em dúvida entre Jornalismo e Publicidade. Hoje, acredito ter feito a escolha certa”, conta. Assim como vários jovens de sua idade, J.D. se preocupa em manter uma boa forma física, e, por isso, diz passar sempre na academia após um longo dia de aprendizagem. Depois disso, ainda tem energia de sobra para assistir a seus quatro horários de aula à noite. Ao chegar em casa, já cansado, o alarme em seu iPhone toca, pontualmente, às 23h. Eis a hora de o jovem tomar a medicação que, segundo ele, geralmente o faz ter “pesadelos estranhos” e o deixa um pouco enjoado. Apesar dos efeitos colaterais indesejáveis, o remédio permite que ele siga a experimentar uma vida longa e saudável, com poucas restrições. É necessária apenas uma cápsula por noite. Sim: uma cápsula, todas as noites, pelo resto de sua vida. J.D. é portador do vírus HIV. Não, J.D. não tem Aids. Ele é, apenas, HIV positivo. Hoje, diferentemente das décadas de 1980 e 1990, quando a síndrome da imunodeficiência humana adquirida (Aids) era uma sentença de morte para aqueles
diagnosticados com o vírus, é possível viver saudavelmente, por meio do uso, aderente e contínuo, dos coquetéis anti-HIV, de modo a evitar a Aids, último estágio da doença. Tomando uma cápsula por dia, a depender da medicação, evita-se chegar àquela imagem que se tinha do soropositivo, quando as medicações estavam em fase de pesquisa: esquálidos, debilitados e à beira da morte, como nas tristes últimas imagens dos cantores Cazuza, ex-Barão Vermelho, e Freddie Mercury, da banda inglesa Queen, ambos vítimas da Aids. “É difícil combater o preconceito que sofrem os soropositivos, quando
Assim pega • Ao fazer sexo sem preservativo. • Ao compartilhar seringa com mais de uma pessoa. • Ao receber transfusão de sangue contaminado. • Ao machucar-se com instrumentos não esterilizados, que furam ou cortam. • No caso das mães infectadas, durante a gravidez, no parto e na amamentação. Fonte: www.aids.gov.br
se vê informação errada, até mesmo, na mídia”, relata J.D, ao destacar que a falta de informação “machuca um pouco”, ainda mais com notícias sobre pessoas que transmitem o HIV de propósito. “Posso afirmar que a maioria de nós jamais faria isso. Nosso maior medo é transmitir esse fardo a outra pessoa”, completa. Ele se refere a uma série de reportagens –uma delas, inclusive, transmitida pelo programa dominical da Globo, o Fantástico – sobre o suposto “Clube do Carimbo”,um grupo de soropositivos que busca espalhar o vírus a outras pessoas propositalmente, além de instruir outros sobre como fazê-lo, enganando os parceiros ao danificar ou retirar o preservativo durante a relação sexual. Não é possível saber ao certo o quanto há de verdade nisso tudo. Segundo o autor do blog “Diário de um Jovem Soropositivo” (jovemsoropositivo. com), jovem paulista nascido em 1984, que descobriu ser portador do HIV em 2010 e se identifica pelo pseudônimo “Jovem soropositivo”, tais notícias não fazem sentido. “Nenhum dos veículos de imprensa, até agora, preocupou-se em questionar: afinal, esses soropositivos que transmitem intencionalmente o HIV não cuidam da própria saúde? Quando feito de maneira constante, o tratamento é capaz de reduzir a quantidade de vírus no sangue, a carga viral, até um nível indetectável, mesmo nos exames mais precisos de laboratório”, escreve no seu blog, em março deste ano.
Feito eu e você... Assim como J.D., L.C.* é portador do vírus. Ele mora no interior de São Paulo e descobriu sua sorologia ao realizar o teste rápido de HIV em um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) da rede pública de saúde. Esses exames, diferentemente daqueles feitos em laboratório, por meio da coleta de sangue, permitem que o paciente tenha um resultado totalmente confiável em apenas 30 minutos, desde que seja respeitada a janela imunológica para que os anticorpos contra o HIV comecem a ser produzidos pelo organismo. Essa janela, de acordo com o Ministério da Saúde, é, atualmente, de 30 dias. “Tive uma relação de risco no ano passado. Esperei cerca de um mês e fui me testar. Infelizmente, deu positivo”, conta.
Assim não pega • Ao fazer sexo com preservativo. • Ao beijar o rosto ou a boca. • Ao ter contato com o suor e a lágrima. • Ao receber picada de inseto. • Ao apertar a mão ou dar um abraço. • Ao usar os mesmos sabonetes, toalhas ou lençóis. • Ao compartilhar talheres ou copos. • Ao assentar no mesmo lugar no ônibus. • Ao usar a mesma piscina. • Ao usar o mesmo banheiro. • Ao doar sangue. • Ao compartilhar o ar. Fonte: www.aids.gov.br
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L.C* diz continuar a fazer quase tudo que costumava realizar antes do diagnostico: “Nos primeiros meses, bate o medo e a depressão. Precisei de ajuda profissional para poder voltar a ter minha estabilidade emocional, o que me ajudou bastante. Hoje, continuo o mesmo L.C. de sempre. Adoro balada, sair com amigos e tomar uma cerveja de vez em quando.Brinco que o HIV até me fez acordar para certas coisas e dar a volta por cima: eu me alimento de forma saudável, cuido mais da saúde, do corpo e pratico exercícios físicos semanalmente. Sou uma pessoa muito feliz. Ainda assim, apenas meus familiares sabem da minha condição”, diz. De acordo com o site Aids.gov, estima-se que cerca de 35 milhões de pessoas no mundo sejam soropositivas. Destes, 1,6 milhão está na América Latina, sendo cerca de 700 mil o número de infectados no Brasil. Trata-se de pessoas comuns, como eu e você, que têm todo o direito de viver uma vida sem preconceitos. Perspectivas diferente Em Phoenix, capital do estado norte-americano do Arizona, vive C.C., de 28 anos, diagnosticado como soropositivo desde os 24, quando precisou ser internado em um hospital por causa de uma “gripe que já durava quase um mês”. “Foi, certamente, o dia mais triste para mim. Imaginava tudo, menos o HIV. Logo eu, que só tive duas namoradas. Por achar que aconteceria com qualquer outro, menos comigo, acabei com uma doença com a qual terei de conviver pelo resto da vida, ou até que se descubra a cura”, conta. Segundo C.C., ser um homem heterossexual soropositivo nos Estados Unidos não é fácil. Quando revela, a uma possível parceira que é soropositivo, a pretendente sempre foge ou o questiona se é homossexual. “Sou um cara saudável e adoro viajar e praticar esportes radicais. Ter HIV não me impede de fazer as coisas que as pessoas da minha idade gostam de fazer. Meu maior desafio, atualmente, é encontrar alguém que me aceite pelo que sou”, destaca. Para ele, é difícil ver os amigos se casando, tendo filhos e perceber que está ficando para trás, por ter uma doença que, atualmente, é considerada crônica. C.C. concedeu esta entrevista via Facebook, rede social onde ele faz parte de um grupo internacional de suporte e apoio às pessoas afetadas, diretamente ou indiretamente, pelo HIV. Nesse mesmo grupo, está o ativista e blogueiro, também norte-americano, Joshua Middleton, fundador do blog PozitiveHope (www.pozitivehope.com). Trata-se de um rapaz simpático, que mora em Murietta, na Califórnia. Diagnosticado positivo em 2012, resolveu que ele – e não o
Tramas contemporâneas HIV– tomaria conta de sua própria vida. “Não convivo com o HIV. Ele é que convive comigo. De todo modo, ainda há muito preconceito e quem é soropositivo sempre sofre com o estigma. Há muita falta de informação e ainda tem gente que acha que se pode contrair HIV em contatos casuais, por meio de apertos de mão, de abraço ou ao beber do mesmo copo”, esclarece. É realmente impossível contrair
a doença dos modos descritos por Middleton. Mesmo assim, em seu trabalho como ativista, ele conheceu pessoas discriminadas pela própria família, que separavam copos, talheres e toalhas com medo de se infectar. “Isso aqui, nos EUA, considerado um país de ‘primeiro mundo’. Levo uma vida normal e tenho relações sociais maravilhosas. Namoro uma mulher que não tem HIV e sempre soube de
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minha sorologia. Atualmente, com todos os recursos da medicina, estamos tentando ter um bebê. Sim, casais soropositivos ou sorodiscordantes – quando apenas um é HIV positivo – podem ter bebês completamente saudáveis e soronegativos, desde que um médico seja consultado”, conclui. *Algumas fontes preferiram não ser identificadas reprodução
Informação cura o preconceito Recentemente, certas campanhas obtiveram destaque nas redes sociais ao promover ações de combate ao preconceito e ao estigma relacionados aos portadores do HIV, como o “Cartaz HIV Positivo”, criado pela ONG “Grupo de Incentivo à Vida” (GIV). Trata-se de um cartaz como outro qualquer, desses que se encontram espalhados pelas ruas da cidade e raramente paramos para ler. A diferença é que este, certamente, não passará despercebido: ele traz uma gota com sangue soropositivo. A idéia é combater a ignorância e o preconceito por meio da informação, uma vez que, para grande parte das pessoas, o fato de o vírus HIV não sobreviver fora do corpo humano por mais de uma hora é desconhecido. Sendo assim, o cartaz inofensivo, e incapaz de transmitir algo a alguém, foi espalhado pelo centro de São Paulo, com a idéia de que qualquer pessoa pode conviver, normalmente, com alguém de sorologia positiva. Com o mesmo objetivo, a revista masculina alemã Vangardist imprimiu 3 mil cópias da publicação, usando tinta misturada com o sangue de portadores do HIV em suas páginas, o que gerou intenso debate nas redes sociais. Há quem diga que a iniciativa é, de certa forma, agressiva. Afinal, não é todo dia que se vê uma revista impressa com sangue, ainda mais sangue infectado. O importante é ressaltar que, assim como o “Cartaz HIV Positivo”, a revista é incapaz de contaminar alguém.
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Dossiê Prazer
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De Sócrates a MC Brinquedo A busca pelo prazer é inerente à vida reprodução
Alex Moura Para alguns, prazer se resume a uma boa taça de vinho. Para outros, um prato feito basta, o famoso “pf”, com arroz, feijão, batata frita e um belo bife. Ás vezes, é encontrado no ritmar de dois corpos. E, por incrível que pareça, há pessoas que o encontram em seu labor. “O Prazer é vário e múltiplo”, disse Sócrates, no Filebo, diálogo escrito pelo filósofo Platão, por volta de 400 anos antes de Cristo. Pós-doutor em filosofia e professor da UFMG, Marcelo Marques explica que o tema é estudado “desde os poetas e filósofos gregos antigos. Geralmente, no contexto das reflexões éticas e políticas, buscando, assim, o valor maior que deve orientar nossas ações e nossos modos de vida”, explica. O diálogo se inicia com Filebo, personagem que dá nome ao diálogo, explanando sua concepção. Para ele, o prazer era o bem maior que poderia existir, sendo superior à sabedoria e a qualquer outro tipo de conhecimento existente. Porém, logo Sócrates entra na discussão e descontrói esse ponto de vista, pois, para ele, a razão prece-
de o prazer. Em certo momento, ele indaga Filebo sobre a possibilidade de alguém abrir mão totalmente da razão e dimensionar o que é prazer ou não, e, ainda, definir o motivo do contentamento. Ele fica sem resposta. Para Marques, é indiscutível que o prazer é uma das coisas boas da vida, porém nada o garante como o “bem maior”, e isso é o cerne dos questionamentos filosóficos. “É aí que começamos a perguntar: O que é o prazer? Quais são os outros valores que competem com ele? E quais são os tipos de prazeres possíveis?, questiona”. No Filebo, Platão, por meio de Sócrates, diz que o prazer sem razão é vão: “Quem escolhe viver segundo a razão e a sabedoria não sentirá prazer, nem muito nem pouco”. Marques conta que essa busca, em todas as épocas, sempre foi uma prioridade, e ainda explica que tendemos, sim, a considerá-lo a coisa mais importante na vida. “No caso das nossas expectativas de consumo, por exemplo, é claro que os meios de comunicação, as propagandas sempre prometem prazer a quem comprar este ou aquele produ-
to. Os telefones celulares são típicos objetos dessa abordagem: compre tal plano de telefone, com “ligações ilimitadas”; adquira tal produto e tenha “satisfação garantida”; você terá um prazer sem limites ou seu dinheiro de volta etc”, pontua. A ética de Epicuro (341 a. C), outro importante pensador grego que produziu sobre o tema, tinha como objetivo buscar uma vida sem dor, sem medo, com ausência de sofrimento. Para ele, à medida que o ser humano vive, ele vai se prostituindo, perdendo a capacidade de sentir prazer nas coisas simples, ficando, assim, distante da vida boa. Beber água, por exemplo, pode ser algo prazeroso para quem precisa se reidratar, tem sede. Porém, há pessoas que preferem ingerir Coca-Cola ou outro tipo de isotônico. A ética epicurista diz que esses estão mais distantes da vida boa, porque precisam de coisas mais elaboradas (em detrimento à água, que é o que há de mais simples para reidratação). O conceito de hedonismo (deriva-se da palavra grega hedone, o mesmo que prazer) de Epicuro não se assemelha
àquele presente no nosso senso comum hoje em dia, do prazer a qualquer custo. Para ele, a essência da vida era buscar a felicidade nas coisas que já nos pertenceram em outros momentos, sem prostituir o corpo, abrindo mão das coisas supérfluas. Marcelo Marques alerta para o fato de o prazer ser algo determinante em nossas vidas, o que nos torna privilegiados e vulneráveis ao mesmo tempo. “Penso que devemos valorizar um tipo de educação que nos ensine tanto a nos protegermos das manipulações quanto a tomarmos consciência do que queremos, para, dessa maneira, podermos minimizar a dor e maximizar os valores autênticos e realmente bons”, conclui. Freud, dois mil anos depois, também pôs em questão os fins e os rumos que devemos seguir em nossas vidas. “O prazer é um dos valores mais considerados como aquilo que nos incita, nos move ou nos leva a fazer o que fazemos”, conclui Marques. Resta saber o que o pai da psicanálise pensaria dos funkeiros mirins que, a exemplo de MC Brinquedo, pregam a busca desenfreada pelo prazer.
Dossiê Prazer
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Fugaz como um click A realidade das pessoas que encontram prazer no mundo virtual Warley Carvalho Imagine um quarto iluminado apenas pela tela do computador. A cama por fazer, pratos e copos espalhados pelo chão. Basta um clique e está tudo ali, na tela. Para que perder tempo saindo de casa e se sujeitar às intempéries das relações face a face? Eis o argumento usado por quem troca as relações pessoais pelas virtuais, como Fabrício Soares. Nesse cenário, aparentemente inóspito, esconde-se um jovem de 22 anos, que faz das conexões em rede um ponto de fuga da timidez. O meio virtual foi descoberto ao fim da adolescência, quando passou por depressão. Para não ficar só de maneira alguma, Fabrício faz uso de três dispositivos – ao mesmo tempo. O notebook, para vídeos, séries e Skype; o tablet, para jogos on-line; o celular, para o whatsapp. Haja dedo para tanto teclar. Nesse mundo virtual, o que manda, mesmo, é a imaginação. É de se questionar a razão de tudo isso. Há quem se apresse em responder: trata-se da busca individual e egocêntrica pelo prazer – termo que, no dicionário, é definido assim: “sensação que, normalmente está relacionada à satisfação de um desejo, vontade e/ou necessidade, que pode causar contentamento ou alegria; júbilo. Sensação de satisfação sexual”. A psicóloga Delcimara Manini prefere relacionar o prazer à procura de sentido. O homem, afinal, vive em busca de uma essência. Por isso, e para satisfazer suas necessidades, busca no outro a construção de significado, de nexo. Não necessariamente o sexual. Cada um cria códigos pessoais
próprios e estabelece suas relações particulares com a rede, seja para jogos, conversas e exibições, ou pelo simples fato de querer saber sobre a vida do outro. Prova disso é o hábito de stalkear, que significa vigiar, de forma exagerada, a vida de outra pessoa. A virtualidade se torna mediadora, uma espécie de condutora do prazer. No caso de Fabrício, o mistério e o anonimato são as maiores motivações para as longas horas frente ao computador. Ele acredita que a internet surgiu como um meio de suprir necessidades físicas e emocionais, além de ser uma ocupação. “Ao estar conectado, evito possíveis frustrações e conflitos de convívio”, destaca. Fabrício até fantasia a possibilidade de conhecer pessoas diferentes, mesmo sabendo que nunca iria en-
contrá-las de verdade. Na sociedade de consumo, tudo pode ser descartável, inclusive as relações! Alívio Para Jonathan Moura, 20 anos, estudante de Relações Públicas, a virtualidade funciona para o alívio de tensões, se é que você me entende. O anonimato e o fetiche por ouvir sussurros sem ter um rosto para ligar à voz são o que mais aguça sua curiosidade. A mistura de sensações, medo e adrenalina é uma tentação para se colocar on-line. “Só não acesso mais vezes por causa do trabalho e da faculdade”, lamenta o jovem. Para a estudante de teatro Tatiana Silva, 25, o prazer se relaciona ao instante. Se está na presença de alguém, aproveita o momento; se está sozinha
em casa, faz disso uma festa. “Contatos pela internet, só com conhecidos. Isso me dá certa tranquilidade na hora de me expor”, conta. A internet, neste caso, é uma solução segura. “Você ‘tá’ lá, na sua cama, tentando dormir, aí bate aquela vontade, vem o estalo: tenho internet! Vou me virar aqui”, revela. Tomar certos cuidados, porém, é importante, como não mostrar o rosto e não deixar em evidência marcas que facilitam a identificação. Tatiana, Jonathan e Fabrício buscam prazer virtual. Ainda que por um instante, satisfazem carências, suprem ausências ou, simplesmente, gastam o tempo. Parafraseando o sociólogo Zygmunt Bauman, a internet individualiza as pessoas na busca por satisfação, seja ela qual for. isabelle boaventura
A arte (e o prazer) de cuidar dos mortos Wilson Albino Às 19h, ele veste o jaleco e separa pinças, bisturi, tesoura, dissecadores, aspirador, agulha em ‘S’ e linha. Antes de iniciar seu trabalho, Cássius Ferreira dos Santos, 43, tanatopraxista, empurra a maca até o necrotério. Ao sacar do gavetão um cadáver, confere etiqueta, laudo e corpo. Sua função é retardar os fenômenos cadavéricos. Trocando em miúdos, impedir que vazamentos de líquidos escuros e fétidos, bem como vermes necrófagos, “estraguem” o velório. “Amo o que faço! O trabalho é simples, basta ser vocacionado”,
afirma. “É lógico que é preciso ter bons pulmões para suportar o mau cheiro e não ser medroso. Não cair nas armadilhas da mente ajuda”, analisa. Ao ser retirado do necrotério, se os olhos do falecido estiverem semiabertos, dão o aspecto de vivo ao morto. Logo em seguida, o corpo é filmado nu. A intenção é constatar sinais de ferimentos. Serve, também, para a funerária se resguardar, caso parentes acusem a empresa de ter ferido o corpo. Suicidas, afogados ou baleados, todos são tratados como iguais depois que se descobre a causa mortis, a hora do falecimento e do enterro.
Frios e azulados, os finados esperam numa mesa metálica. “Quase nunca penso que, horas antes, as pessoas estavam vivas. Corro contra o tempo para não atrasar cerimônias de despedida”, conta. “Isso nunca!” responde ao ser indagado se já havia presenciado casos de necrofilia. “Pelo menos nessa funerária, corpos não são violados, puxados ou arremessados, a presença de câmeras impede qualquer ato fora do protocolo”, completa. Após o primeiro banho, são feitas incisões na carótida e jugular, e, à medida que o sangue é drenado, Cassius bombeia para o sistema circulatório o
tanatofluido, mistura de hidróxido de benzeno, álcool metílico, sorbitol, sódio, eritrosina, glicerina e tetraborato. O procedimento elimina as bactérias e enrijece o corpo. Antes de costurar as incisões e vedar com algodão os orifícios do morto, um aparelho conhecido com Vara Trocadora, ligado a uma bomba de sucção, é introduzido na boca e nariz. A finalidade é sugar os líquidos e semilíquidos existentes nas cavidades. “Ao falar do meu trabalho, percebo o preconceito nas feições das pessoas. É uma arrogância besta, sabe? Ninguém imagina, mas, no fim, tudo e nada vale o mesmo preço”, lamenta.
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Dossiê Prazer
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Além de dois Casa de swing acolhe os mais variados fetiches e desperta a curiosidade de muitos fotos: isabelle boaventura
Mariana Gualberto Primeira quarta-feira do mês, antes do quinto dia útil, e, numa avenida discreta na região da Pampulha, a noite promete ser agitada. Às 22h30, um número considerável de carros – em sua grande maioria, modelos populares – já ocupava as imediações do recinto, cujas portas haviam sido abertas apenas 30 minutos antes. A fachada da casa de swing é bem discreta, sem letreiros luminosos que possam remeter ao tipo de entretenimento ali firmado. Apenas uma longa parede cor creme e dois seguranças conferem as bolsas das mulheres e revistam os homens, procedimento comum em toda casa noturna. Já do lado de dentro, o visitante passa pela chapelaria, onde, se desejar, pode deixar os pertences. É nessa hora, também, que as comandas de consumo são entregues, em três tipos: feminina (R$ 22,50), casal (R$ 45) e homem sozinho (R$ 250). Comandas à mão, apenas uma larga e preta porta separa o visitante das atrações. Mais um par de seguranças surge do outro lado da porta, a observar, com atenção, o que acontece naquela
área. O primeiro espaço conta com uma grande boate, um scotch bar, um palco e uma cabine de DJ. Tudo muito semelhante às casas noturnas convencionais; a única diferença são os dois pole dances que compõem a decoração – um no palco e outro na pista de dança. O flyer do dia promete shows com strippers masculino e feminino, além da apresentação de uma banda pouco conhecida. Ao lado da cabine do DJ, uma escada leva a certa área mais reservada, com inúmeras mesas, outro scotch bar, uma entrada com atendente e três cortinas negras, que escondem outros ambientes. A área da recepcionista refere-se ao “território” dos quartos privativos: os casais que almejam privacidade podem pagar, à parte, por
um ambiente individual. Já as cortinas têm placas de identificação, onde se pode ler: cinema erótico, labirinto e sala erótica. Até por volta da meia noite, o ambiente se assemelha às boates convencionais, com muitos casais espalhados pelas diversas áreas. Bastante conversa, drinks, cervejas e danças. Cerca de 70 pessoas curtem a noite; homens trajando camisas polo, calças jeans e tênis, enquanto as mulheres, sem exceção, do alto de seus imponentes saltos, usam vestidos curtos que, de tão justos, chegam a confundir-se com a própria pele. Alguns poucos casais estão ali, notoriamente, pela primeira vez. Espiam todas as cortinas, cochicham, dão voltas sem largar as mãos e observam
Os shows de striptease são o que faltava para a desinibição dos frequentadores da casa. Poucos minutos depois da saída do policial, por volta das 2h, as pessoas começam a desaparecer da boate
muito. Outros são frequentadores assíduos da casa: chegam, cumprimentam os outros e batem papo com todos os funcionários do recinto, além de transitar com segurança e imponência por todos os cantos. Esses, aliás, andam em grupos. Na casa de swing, também existem os nichos – sendo que o daqueles é, certamente, o dos “populares”. Homens e mulheres em igual número tomam conta dos cantos por onde passam. Eles riem alto, brindam aos desejos, dançam e se beijam, trocando, a cada enlace, de par amoroso. Respeito é valor que impera ali. Fica claro que a interação entre os casais ocorre apenas entre aqueles que já se conhecem. Nunca há abordagens constrangedoras ou invasivas; nem mesmo o toque ou o verbo são usados de forma impositiva. Naquela casa, todos são livres e estão seguros em seu próprio espaço (essa talvez seja a diferença mais gritante se olharmos as boates convencionais). Após o show da banda contratada, o DJ anuncia que, em instantes, começará o striptease feminino. Nessa hora, o grupo dos populares está próximo a um dos pole dances e propõe que
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uma das meninas do círculo suba no “queijo”. A morena de corpo esguio, cabelos longos e vestido curto acata ao clamor dos amigos. Ela sabe o que está fazendo... Com total domínio da arte, a mulher roda, desce e sobe pelo mastro, em apresentação digna de Kate Moss no clipe de I don`t know what to do with myself, dos White Stripes. Outras meninas se empolgam e começam a se revezar no pole dance, no meio da boate, ainda que sem a desenvoltura quase profissional da morena do queijo. Das três que se revezam no espaço, duas estão sem calcinha e se insinuam para os homens e mulheres a seu redor, de olho na dança e no exibicionismo. Por volta de 1h, as mulheres deixam o pole dance. É hora de a profissional assumir o palco! Uma stripper loira, com seios fartos, aparece. Vestida com o clássico fetiche de colegial, e ao som de Tainted Love – na voz de Marilyn Manson –, ela rapidamente se desfaz de todas as peças de roupa. O show é interativo: alguns homens são chamados ao palco e agraciados com danças sensuais, já com a mulher toda nua. Enquanto isso, suas parceiras vibram ao assistir à cena. Depois de a loira deixar o palco, surge um policial negro, alto e cheio de músculos para brincar com o imaginário feminino. O homem demora mais para tirar toda a roupa e permanece a maior parte do tempo de cueca. Ele desce do palco algumas vezes, para “prender” o que chama de “suas fugitivas”. Em seguida, carrega as mulheres e as leva ao palco, onde danças sensuais as esperam. A última prisioneira, que já havia se exibido no pole dance instantes antes, não conteve o apetite apenas com as insinuações e, com o consentimento do striper, dá outro show: estrela o garganta profunda da noite. Os shows de striptease são o que faltava para a desinibição dos frequentadores da casa. Poucos minutos da saída do policial, por volta das 2h, as pessoas começam a desaparecer da boate. Dirigem-se às salas escondidas pelas cortinas. O cinema erótico parece não ter caído no gosto dos frequentadores. Poucos casais adentram o recinto, e, ainda assim, permanecem ali por poucos minutos. A enorme tela e o som de alta qualidade, a evidenciar os gemidos dos atores, parece menos interessante do que outros ambientes. A sala erótica contém um sofá de canto, que contorna toda a área. Casais mais reservados usam o espaço para trocar “amassos” íntimos. Trata-se do ambiente das preliminares. Sob a penumbra do dark room, veem-se, apenas, luzes vermelhas no chão. O cheiro remete a tangerina. Os grandes queridinhos do público são os quartos privativos e o labirinto. Um grupo de cinco pessoas
Dossiê Prazer (três mulheres e dois homens) que permaneceu junto por toda a noite, mais discreto do que “popular”, se dirige à recepcionista dos quartos privativos. Entram todos. Uma das mulheres, ao lado do marido, diz que não poderá demorar muito, já que, no dia seguinte, tem que levar o filho ao colégio, ainda pela manhã. Já no labirinto, para onde todos têm acesso livre, o fluxo é alto. Pessoas entram por uma extremidade da boate e saem pela outra, passando por inúmeras cabines eróticas. O ambiente é preto e exala um cheiro característico, ou certa mistura de odores. O som é igualmente peculiar... Não é possível ouvir a música da boate, mas, tão somente, gemidos, estalos de tapas e sussurros. Pelos corredores estreitos, o trânsito de curiosos é intenso. As cabines têm sempre um buraco, que fica à altura do quadril, o chamado glory hole, onde os homens podem colocar o pênis para o deleite de outrem. Há, ainda, uma fresta de vidro retangular, em altura maior, equivalente ao olhar de uma pessoa de estatura mediana: por meio dele, as pessoas que transam podem ser observadas. Em uma das cabines, inúmeras pessoas se aglomeram e disputam lugar no campo de visão retangular. Ali dentro, duas mulheres e um homem transam e riem para os que olham. Os três caíram no gosto dos voyeuristas de ambos os sexos. Noutra cabine, essa maior, com grande sofá ao centro, um casal transa, enquanto outro apenas os observa, romanticamente abraçado de pé. A essa altura, já por volta das 3h, as pessoas não parecem dispostas a ir embora.
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Catalizador de curiosidades Aos 21 anos, a estudante A. G., que não quis ser identificada, foi, pela primeira vez, a uma casa de swing. O dia em si é fruto de acordo tácito firmado com uma amiga, em meio à descontração de certa conversa entre mulheres. “Estávamos conversando sobre inúmeros aspectos relacionados ao sexo: ficar com mulher, trocar de casal e transar com mais de um cara na mesma noite. Aí, despretensiosamente, ela me propôs: a primeira vez que eu for à casa de swing, eu quero que seja com você”, relembra. Tempos depois da descompromissada conversa, chega o fatídico dia, ainda que sem muito planejamento prévio. A. G. conta que a amiga – que iria trabalhar até mais tarde naquele dia –, havia ligado propondo que fossem a uma casa de swing com dois amigos dela, depois do expediente. A. G., então, concretizou o acordo, que, até o presente momento, era apenas tácito. Por volta das 23h30, lá estava ela, a entrar no carro de um dos rapazes, ao lado da amiga e de outro moço. O grupo seguiria, então, rumo à Pampulha, sede da casa escolhida. Os desejos sexuais de A. G. não incluíam, especificamente, a troca de casais, mas o swing era um balizador para outras experiências que ela desejava ter – principalmente, a de transar com uma mulher. “Foi tudo muito diferente, algo que eu nunca
imaginaria fazer. Gostei muito, mas foi uma noite muito louca, porque ficamos o tempo todo bem soltos. Nós quatro estávamos muito tranquilos”, garante. O voyeurismo foi algo que não assustou A. G., que afirma ter lidado bem com o fetiche. Algo que tranquilizou a estudante foi o comportamento das pessoas a seu redor. “Eu me acostumei facilmente com ao vê-las transando na minha frente. Na casa, existem regras. É tudo bem seguro e ninguém te aborda ou te assedia”, pontua. Por volta das 2h, A. G. e cia. seguem a uma das cabines, onde as pessoas transam e podem ser observadas, através de uma fresta de vidro na porta. Naquele momento, ela se descobre fã de outra prática: o exibicionismo. “Começamos a transar e a fazer trocas entre nós. Em pouco tempo, surgiram pessoas para ver. É muito excitante você saber que há pessoas te assistindo. Não sei explicar o porquê, nunca tinha imaginado sentir prazer em ser observada”, afirma. A experiência abriu outras portas para A. G., que, em novas oportunidades, praticou ménage a trois, sem a necessidade de um ambiente como a casa de swing para balizar seus desejos. Entretanto, a estudante garante que a experiência revelou-se satisfatória: “Foi tudo bem tranquilo. Gostei demais e iria de novo, sem sombra de dúvidas”.
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Dossiê Prazer
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Na cama ou na tela Impressões de uma “baunilha” sobre o mundo sadomasoquista Juliana Soares Desejo? Busca pelo prazer? Autoestima? Medo? O que procuram as pessoas que estabelecem relações BDSM por meio de grupos virtuais? Esses questionamentos foram o ponto de partida para uma imersão online em um mundo que associa prazer, dor, humilhação, submissão e, muitas vezes, amor. Quando recebi a missão de escrever sobre prazer e dor, o sexo me veio logo à cabeça. Encontrar alguém que topasse conversar sobre o assunto com sinceridade, porém, não estava sendo tarefa fácil, já que não estava disposta a me contentar com tapinhas e mãos amarradas. Na busca por caminhos, deparei-me com um grupo secreto no Facebook, com pouco mais de 21 mil participantes: o BDSM Brasil. Sem ao menos saber ao certo o que essas letras abreviavam, pedi permissão aos administradores para participar. A resposta afirmativa veio menos de cinco minutos depois. Curiosa, comecei a vasculhar a página. Nos passeios frequentes pelos fóruns de discussão, descobri que a maior parte das interações corria em torno da relação dominação/submissão. Nesse caso, o dominador – ou a dominatrix – é detentor de todo o poder de decisão sobre qualquer ação de seu submisso, que lhe deve obediência e algo que beira a adoração, dentro e, muitas vezes, fora da prática sexual. Descobri que conversas particulares não aconteciam na página do fórum, quando fui abordada por um certo Dom Cavalieri. Ao contrário do que pensei, “Dom” não era um título de nobreza, mas a abreviação para dominador. Nesse momento, me atentei que havia entrado na página com meu perfil verdadeiro. Muitas perguntas vieram à mente: “Será que todos os meus amigos virtuais, incluindo meus irmãos (agradeci ao universo, mais uma vez, por meus pais não terem Facebook!) e contatos profissionais viram, no meu feed de atualizações, que eu agora ‘curto’ BDSM? Quem será essa pessoa que me chamou no chat, e, no meu perfil, pode verificar informações como: onde trabalho, onde estudo, quem são meus amigos, onde costumo ir?”. Percebi – finalmente – que não seria seguro prosseguir com meu perfil. Assim, nasceu Mata Hari. Uma moça de 26 anos, cruzeirense (para eu ter certeza e nunca esquecer que não se tratava de mim, atleticana de
BDSM: acrônimo para Bondage e Disciplina, Submissão e Dominação, Sadismo e Masoquismo. Ou seja, um mundo de práticas que permeiam escolhas sexuais e modos de vida muito singulares, que muitas vezes são secretos. coração), fã de Seu Jorge e AC/DC (no caso de qualquer esquecimento, essas páginas curtidas certamente me lembrariam que, definitivamente, não era eu). Nas primeiras 24 horas de Mata, e participando apenas de um grupo BDSM, um homem solicitou autorização de amizade. Adicionei outros cinco e consegui um primeiro parceiro
não me esquecesse. Um dos interessados, um professor de Curitiba, de 40 anos, chegou a enviar fotos dele e dos apetrechos que gostaria de usar na prática de bondage (tipo de fetiche relacionado ao sadomasoquismo, no qual as principais práticas passam por amarrações e imobilizações). Na segunda visita ao perfil, deparei com 68 solicitações de amizade e nove convites para conversa. Notei, nas interações que levei adiante, que os homens estavam dispostos a um encontro, sem quaisquer questionamentos e cientes de que nem a foto de Mata nem o nome usados seriam reais. Richard Saviolli, auxiliar de necropsia e proprietário do grupo BDSM Brasil, esclarece que a maioria dos autodeclarados dominadores virtuais dificilmente parte para a prática. “Muitos homens intitulam-se domifotos: isabelle boaventura
de conversa. Ele dizia se chamar Fernando, ter 25 anos e ser estudante de uma faculdade em Sete Lagoas. Mata se apresentava sempre como iniciante (o que, no meio, é conhecido por “baunilha”), praticante de sexo selvagem (seja lá o que isso possa significar), interessada em conhecer as relações de dominação com práticas sadomasoquistas. O perfil se formava a cada nova pergunta dos parceiros de chat, quando as decisões eram tomadas rapidamente e permaneciam as mesmas em todas as outras conversas, para que eu
nadores na internet apenas para aumentar o ego e se sentirem superiores, mais perversos e com maior poder de controle. Na realidade, há mais rainhas e submissos podólatras (adoradores de pés) nesse universo”, conta. Ele explica, ainda, que, no sadomasoquismo, o prazer está tanto em assistir, provocar e sofrer dor física – por meio do uso de instrumentos como velas, chicotes, agulhas e lâminas, e do próprio corpo –, quanto na dor psicológica, materializada, por exemplo, pela humilhação verbal. Meu Dom Com Fernando, a experiência tomou forma. Foram quatro conversas, durante sete dias. O mais desafiador foi descrever para ele os interesses e preferências sexuais de Mata. Mesmo tendo pesquisado muito, eu desconhecia uma forma de descrever o uso de velas, lâminas, agulhas, asfixia e, até mesmo, o que pareceria uma espécie de estupro consentido como um sonho erótico. Apesar disso, prossegui, e todas as propostas de minha heterônima foram aceitas prontamente, seguidas de convites para um encontro. Mesmo com todo meu esforço, ele ainda dizia que Mata parecia uma mulher tímida. Em nossa última conversa, Fernando discutia, animado, palavras-código para interromper o ato, no caso de Mata não suportar o estupro, além de outros detalhes. Despedimo-nos numa sexta-feira. Eu, certa de que, mesmo no mundo virtual, Mata foi uma submissa de respeito. Ele, confiante de que um encontro ocorreria e de que seria apenas o primeiro de muitos.
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Elas também podem e querem gozar Apesar de mais livres, mulheres se sentem inseguras para vivenciar o prazer sexual Isabelle Boaventura Um sobrenome, três mulheres, três épocas, três contextos e algo em comum: gerações quebram tabus sobre a sexualidade e comentam a repressão diante do corpo. Maria, Ana e Denise No ano de 1964, prestes a completar catorze anos, Maria levou uma surra de seu pai por folhear o livro A biologia da mulher, apesar de o conteúdo ter cunho meramente científico, com temas como o funcionamento dos ovários e do útero e o desenvolvimento de bebês. Após a atitude paterna, ela descobrira que o conhecimento sobre o próprio corpo não era algo permitido. Maria constatara isso de forma violenta e repressora. Na transformação da adolescência à vida adulta, as amigas que se casavam e voltavam da lua de mel representavam “atrações” para as outras. Todas se reuniam em um quarto vazio da casa, para que a recém-casada contasse, às outras, o que acontecia na temida e misteriosa noite de núpcias. Tudo ocorria de forma discreta, para que não chamasse a atenção dos outros. Esse tipo de informação era velada, e o prazer, negado; sabia-se, apenas, que aquele era um ritual para que a mulher cumprisse seu papel. Hoje com 45 anos, Ana lembra de sua adolescência, vivida em meados da década de 1980. Estudante de um colégio religioso, ela conta que o sexo não era assunto de ‘moça-direita’. “Isso valia para todos, de qualquer classe social. As mulheres que viviam o prazer proibido não eram bem vistas pelo resto da sociedade. Não tinham amigas e nem namorados que as levassem a sério. Elas eram consideradas aquelas que ‘não são para casar’”, relembra. Apesar disso, Ana faz questão de enfatizar que todas as meninas que seguiam as regras à risca sempre invejavam as libertárias. Contudo, temiam a repressão em decorrência de tal comportamento. Diferentemente de Maria, Ana pôde aprender o funcionamento do próprio corpo na escola. “Mesmo na aula, tudo era tratado com tabu e com certa pressão psicológica. Durante a lição, ficávamos caladas, ouvindo que, se fizéssemos aquilo e engravidássemos, seria nossa culpa, pois não teríamos nos guardado. Teríamos sido
mulheres fáceis”, conta. Denise nasceu numa época em que a informação permite às mulheres se aproximar de sua sexualidade. Aos 25 anos, a estudante, que participa do movimento feminista, acredita que, hoje, as mulheres falam mais abertamente sobre sexo. Ainda assim, é grande a opressão da sociedade. Apesar dos avanços conquistados diante do tabu, segunda ela, “a sexualidade da mulher só é aceita quando exercida para agradar os homens. Mesmo nos meios mais progressistas, em que a liberdade sexual feminina parece ser respeitada, às vezes, existe outro tipo de pressão: ao invés da cobrança e da expectativa pela virgindade, há exigência
da disponibilidade sexual absoluta, da abertura para experiências diferentes, mesmo que ela não queira”, enfatiza. Formação opressora Para a sexóloga Sônia Eustáquia, todas as meninas foram criadas em um contexto de repressão ao próprio corpo, em casa ou na sociedade. As mulheres são forçadas a acreditar que o sexo só pode estar ligado ao romantismo – diferentemente dos meninos, ensinados a separar muito bem o profano do sagrado.
Um marco importante para a sexualidade da mulher foi a invenção da pílula, na década de 1960. “Naquele momento, elas passaram a viver o prazer, evitando a gravidez e suas consequências, podendo continuar sua carreira e seus objetivos normalmente”. Entretanto, ainda hoje, há um alto índice de mulheres que não exploram o prazer. No Brasil, pesquisa feita pelo Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (ProSex), em 2010, diagnosticou que apenas metade das fotos: isabelle boaventura
brasileiras chega ao orgasmo e 47% têm dificuldades com o desejo, recusando-se a transar. A repressão é histórica e provém de um conjunto de interdições, valores e regras estabelecidao pelo social para coibir a sexualidade das mulheres. Sônia conta que um dos fatores que mais tende a reprimir a mulher em sua vivência é a religiosidade. Algumas religiões ensinam que há algo de pecaminoso no sexo. As mais rígidas condenam, até mesmo, a sexualidade vivida no casamento. Apesar da tecnologia, dos meios de informação e da literatura – que têm exaltado a sexualidade feminina –, bem como de todos os avanços, a mulher ainda vive diante de uma imensa repressão a seu corpo. A sexóloga conclui que, se compararmos as mulheres de cem anos atrás e as de hoje, houve imensa evolução. Ainda assim, o legado deixado para as próximas gerações, em relação à sexualidade, é “de muita confusão, incerteza e pouca permissão. Nós, mulheres, ainda vivemos numa época de censura, de ditadura a nosso próprio prazer”, conclui.
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Tramas contemporâneas
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Profissão: constrangimento Trabalhadores relatam assédio moral e especialistas explicam consequências fotos: rafael viana
Amanda Del Papa Laura Maria Luiz Vasconcelos Mariana Menezes Mylena Lacerda Nayara Oliveira Thiago Valu Valter Crispim “Ô, Laura, minha gerente me chamou e falou que, pelas câmeras, me viu passando o número do telefone a você. E disse que se eu falasse algo sobre a empresa, me desligaria”. A intensidade do autoritarismo revelado, via Whatsapp, por Marisa*, fez com que esta pauta, caro leitor, mudasse completamente. A atendente de uma grande rede de fast food, alocada em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, iria nos contar sobre seu dia a dia no trabalho. Contudo, a partir da negativa de sua gerente, não foi possível, nem ao menos, saber seu sobrenome e sua idade. Aliás, a ameaça era maior do que se possa imaginar: “A gerente também disse que a empresa iria nos cassar. Falou que poderia ser perigoso para a imagem das duas. Aí, é melhor não fazer, pois corremos o risco de perder o emprego e não conseguir mais trabalho. Mas, obrigada, mesmo assim”. Diante do obstáculo inesperado, não poderíamos apenas lamentar e procurar por outra personagem. Decidimos, então, escrever, justamente, sobre o que acabávamos de vivenciar: assédio moral – neste caso, praticado pelas empresas contra seus funcionários. À forma do que ocorreu com Marisa, inúmeras instituições abusam de seu poder para coibir, humilhar ou tirar proveito dos colaboradores. Marcelo*, de 33 anos, também passou por maus bocados. Depois de um acidente no trabalho, as coisas não foram mais as mesmas. Ele é motorista de veículos para atendimento médico de urgência. Era dia de céu claro em 2014, véspera de carnaval, quando ele dirigia uma ambulância rumo à garagem da empresa. Foi quando a porta do automóvel abriu inesperadamente, e, ao tentar fechá-la, chocou-se com gravidade contra uma árvore. Por sorte, Marcelo conseguiu se recuperar das fraturas após cerca de quatro meses. Apesar disso, o motorista continua a sentir dores referentes a outros tipos de lesões. “Depois do
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acidente, em reuniões sem a minha presença, me difamaram, como se eu estivesse errado, sem mesmo terem me escutado para saber o que aconteceu”, recorda, ao destacar que, como “punição” pela batida, não poderá mais dirigir veículos de grande porte. Além disso, desde o ocorrido, ele é obrigado a esperar, na garagem, como uma espécie de “profissional reserva”, caso haja ausência de outro motorista. “Antes, não era assim. Eu pegava o veículo e atendia os pacientes o tempo todo. Hoje, sinto-me rebaixado”, finaliza. O que ocorreu com Patrícia Silveira, de 19 anos, é um pouco mais grave se comparado aos casos anteriores, já que a empresa lhe negou atendimento médico depois de um acidente no próprio trabalho. A jovem, que estava empregada na mesma rede de fast food de Marisa, contou que escorregou no refrigerante que escorrera de uma lixeira quebrada, caiu e sofreu séria lesão na clavícula. Com fortes dores, foi levada ao gerente da loja. “Ele, então, me disse: ‘Passa uma pomada e põe uma faixinha que sara’”, relata. Com o restaurante lotado, a atendente ouviu que deveria continuar trabalhando até
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o final do expediente. Após dois dias, sem conseguir mover o braço, Patrícia procurou o médico, que diagnosticou fratura no terço lateral e revelou a necessidade de cirurgia. Ao procurar a rede para informar as consequências da queda, nada foi feito pela empresa, que, inclusive, negou-se a emitir um Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT). “Fui ao INSS e perguntei como fazer o CAT. Deram-me o papel e me mandaram ir até meu serviço”, conta Patrícia, que afirma ter sido orientada pelo gerente a não informar a data correta do acidente para que não resultasse em multa para a loja. Patrícia denuncia, ainda, que a gerência sabia do defeito na lixeira, mas não a consertou para evitar gastos. Por um tempo, a trabalhadora viveu sob ameaças da empresa. Graves consequências Casos como o de Marisa, Marcelo e Patrícia acontecem diariamente. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 42% dos brasileiros já sofreram algum tipo de assédio moral no ambiente profissional. Além
Abuso sexual e superação Ao contrário de muitos casos, Joyce* afirma ter sido sutil a forma como sofreu o assédio na empresa onde trabalhava. “O chefe passava a mão na minha cintura, admirava minhas pernas, apertava meu braço, tudo bem discretamente”, relembra. Ela, porém, conseguiu perceber a atitude e se impôs ao seu superior. “Sempre respondia que não estava interessada na frente de todos e acho que, com isso, ele perdia um pouco de sua autoridade”, comenta. Depois de dois meses, porém, Joyce acabou sendo demitida. Apesar de não ter saído de livre e espontânea vontade, o caminho tomado por Joyce é recomendado pela estudante de psicologia Camila. “É
preciso sair do trabalho, porque ninguém consegue permanecer em uma situação de desconforto por muito tempo”, afirma a aluna, ao destacar: “Podemos sugerir a busca de um psicólogo, além do apoio familiar e de amigos. Próximo passo, o trabalhador deve buscar aquilo que o realize de fato”. O especialista ainda percebe um cenário em que o assédio moral por parte das empresas seja atenuado. “Apenas uma mudança estrutural no modo como lidamos com a questão do trabalho é que poderia mudar a relação injusta entre trabalhador e empregador”, finaliza. *Nomes fictícios
de perda de emprego ou mudança de cargo, as agressões podem deixar cicatrizes ainda mais fortes: os traumas psíquicos. Psicólogo e filósofo, Alvaro Oliveira cita, por exemplo, a depressão em graus elevados e somatizações corporais que chegam a matar o sujeito, o que é muito visto nos trabalhadores chineses. “Se o sujeito for psicótico, pode haver desencadeamentos de sintomas esquizofrênicos e paranoias”, esclarece. Outra pessoa que compartilha a ideia de Alvaro é a estudante do 9º período de Psicologia da Pontifícia Universidade de Minas Gerais (PUC Minas), Camila Álvares dos Reis. “A pessoa pode se sentir acuada, triste, inibida, insegura ou com a autoestima baixa, o que não permite desenvolvimento pessoal”, diz, ao lembrar que, exatamente por saber dessas consequências, o agressor as estimula. Camila destaca, ainda, que, dessa forma, a situação acaba se invertendo, pois a vítima acredita ser ela a errada da história. “O assédio acaba por parecer culpa da pessoa que o sofre. Além disso, por vezes, ela acredita nas características negativas que lhe atribuem e
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leva aquilo para a vida. Recuperar-se desse trauma é um trabalho árduo, que requer forte reconstrução das habilidades do sujeito”, analisa. Tal recuperação, a propósito, tem sido um trabalho diário para Fernanda*. Desde que deixou seu antigo estágio, em junho de 2014, não conseguiu encontrar outro trabalho em sua área de atuação. A jornalista trabalhava em uma emissora de TV, mas recebeu proposta de outro estágio. Pelo que parece, sua chefe descobriu e tomou uma atitude precipitada. “Ela procurava currículos agressivamente e a perguntei se meu colega de estágio iria sair. Veio, então, a resposta agressiva: ‘Não, é você quem vai sair, não é você quem quer sair?’”, relembra, ao contar que sua superiora foi muito ríspida. “Minha chefe disse: ‘Vai sair e não me fala nada? Pensa que isso aqui é o quê? É circo para ficar pulando de um lado para o outro?’”. No fim das contas, Fernanda ficou sem os dois empregos, pois a proposta do novo serviço não foi adiante, enquanto ela foi dispensada do estágio. “Senti-me humilhada, passei cerca de cinco meses sem conseguir tocar no assunto. Meus pais me ajudaram. Na verdade, meu pai chegou a conversar com o gerente administrativo da emissora, para quem eu havia ‘infringido a autoridade’”, lamenta, ao ressaltar que, posteriormente, descobriu que a empresa tem vários processos trabalhistas. Assim como Fernanda, Marcela* sofreu na empresa de tecnologia da informação em que trabalhava quando era estagiária, exclusivamente por causa de sua função. “Sentia que todos lá ignoravam minha presença”, disse a jovem, ao relatar que, certa vez, uma colega de trabalho sugeriu que ela desistisse de seu serviço. Hoje, Marcela, que está contratada, afirma que o tratamento mudou.
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Humor
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IMPRESSÃO
Manual politicamente (in)correto do professor de graduação
Este guia contém as normas e recomendações que norteiam o trabalho dos professores de graduação. Algo nunca antes feito na história deste jornal. Elaborado com muito esmero, as regras aqui impressas obedecem a escorregões comuns ao dia a dia do professor: a picaretagem, o senso comum e o ócio. Este guia também servirá para que os alunos identifiquem facilmente o corpo docente de cada área*. *Paráfrase do texto de introdução do Manual de Redação da Folha de S. Paulo.
10 passos para se tornar um professor picareta 1º passo: Se a
época de avaliação de trabalhos coincidir com as vésperas de uma data comemorativa importante, prometa qualquer prenda em troca do melhor trabalho. Ex.: Na Páscoa, prometa chocolate. Cabe a cada um decidir se irá ou não presentear o(s) aluno(s) “ganhador(es)”, até por se tratar só de uma promessa.
2º passo: Caso toda turma tenha
fracassado em sua primeira prova, peça que revisem os erros e te entreguem, que isso contará como pontos extras no final do semestre. Uma ótima estratégia para que os alunos não te confrontem.
3º passo: Caso
chegue atrasado um dia, diga que isso nunca aconteceu com você e elabore uma desculpa consistente. Ex.: Tinha um caminhão bloqueando a passagem na minha rua. Nunca use a mesma desculpa mais de uma vez. Caso esteja sem ideias, culpe o prefeito e o Detran. Isso cativa os alunos que usam transporte público.
4º passo:
Caso a disciplina tenha muito conteúdo, uma ótima forma de renovar a metodologia é dividir a turma em grupos e deixar cada um com um parte da matéria. Tenha cuidado ao usar esse método. Se os alunos forem meio “lentos”, você terá trabalho dobrado.
5º passo: Caso você tenha poder
de hipnose – não confunda com manipulação –, use-o como benefício. Ex.: Em um dia qualquer, exiba, despropositalmente, suas habilidades. Faça um aluno dormir, outro chorar histericamente e assim por diante. Desta forma, você intimidará a turma sem requerer o auxílio de uma arma de fogo.
6º passo: Quando não tiver mais
conteúdo a ensinar, planeje um mega trabalho, para manter os alunos ocupados e ganhar mais tempo para seus projetos paralelos – ZzZzZz... –, pensar novas propostas ou jogar conversa fora com os desinteressados. Filme é ótima opção para a falta de conteúdo. Use com moderação.
7º passo: As provas com questão aberta são o seu martírio. A cada resposta que lê, sua inteligência decai. Invista em uma prova de múltipla escolha. (Não tema repetir a mesma fórmula de prova nos próximos anos. Mas cuidado com os alunos repetentes).
8º passo: A insistência dos alunos pela
correção da prova chega a ser irritante. Uma solução é reunir alguns de seus pupilos para corrigir a prova. Se palavras professorais não forem o bastante para convencer, troque o esforço deles por cerveja – ótima forma de manipulação de universitários. Mas a fórmula só funciona se a prova for de questões fechadas.
9º passo: Reserve algumas de suas
aulas para correção de provas. Isso ajuda, caso sofra com a falta de conteúdo.
10º passo: Acima de tudo, nunca admita
que está errado. Salvo quando não lembrar se algo que disse era falso ou duvidoso. Nesse caso, negue veementemente.
Regras de Etiqueta O IMPRESSÃO reuniu dicas valiosíssimas para o convívio professor/aluno. Siga as regras ao pé da letra! Qualquer contravenção às normas resultará em constrangimento. Até o mais picareta dos professores sabe quando segui-las.
Amizades: Todo mundo sabe que a vida
do professor é mais vazia de amigos que ponto de ônibus às duas da manhã. Evite se relacionar com o aluno como se ele fosse seu amigo de fé, seu irmão, camarada. Eles vêm e vão. Acredite: eles só querem ser aprovados e, às vezes, bajulados.
Carona: Nunca ofereça carona a um
aluno. Cedo ou tarde, você acabará se tornando o chauffeur dele. Se seu carro for um Del Rey Belina 90 ou uma Elba 94, é estritamente proibido que o aluno conheça seu veículo. Esconda-o a quarteirões da faculdade, para não ser alvo de piadas. E, por favor, troque de veículo. Ajude o meio ambiente contra a poluição visual.
Cigarro: Se quiser cantar o(a) aluno(a),
faça bem a você, ao universo e a ele(a): não fume meio maço antes de entrar em sala de aula. Evite aquele odor indesejável.
Festas, resenhas e happy hours:
É permitido sair e se divertir em certas ocasiões com os alunos. Entretanto, seja o mais burocrático possível. Lembre-se da regra nº 1: não estabeleça vínculo afetivo com nenhum deles. Salvo se um aluno for filho seu. Nesse caso, você é bizarro: quem é que vai a resenha com o filho?
Imitações: Não interessa se você é fã de Elvis, de animais marinhos ou terrestres, de Jesus Cristo ou Ru Paul. Por favor, não os imite. Não seja passível de piada.
Presentes: O professor tem o direito de
presentear um aluno com qualquer coisa. Mas não espere nada em troca. Eles são ingratos, salvo quando precisam de pontos.
Publicidade e Propaganda: É
estritamente proibido vender, fazer jabá ou qualquer coisa do tipo de proezas que sejam de sua autoria, feitio, parceria etc. em sala de aula. Limitese a promover o trabalho de amigos, conhecidos e de pessoas que admira.
Humor
IMPRESSÃO
BELO HORIZONTE, JUNHO DE 2015
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Descubra sua área de ensino de acordo com suas atitudes em sala de aula
C) Em dia de prova, você:
A) Antes de responder a um e-mail de aluno, você:
1. Se sente feliz. 2. Se sente angustiado. 3. Fica confuso quanto a seus sentimentos. 4. Não responde e-mails. 5. Mostra-se disponível a solucionar todas as dúvidas do aluno.
B) No primeiro dia, você:
1. Esquece o plano de ensino em casa e faz perguntas para os alunos de coisas que eles nunca ouviram falar. 2. Expõe todo o seu currículo Lattes. 3. Esquece-se de ir à aula. 4. Pede que todo mundo esconda os aparelhos eletrônicos, por medo de contrair um câncer pela radiação. 5. Senta ao lado do aluno e lhe pede para contar os sonhos dele.
1. Esquece-se da prova e usa de perguntas escritas na lousa como recurso; 2. Deixa o aluno usar o material didático, mas a turma percebe que não adianta de muita coisa; 3. Sai da sala toda hora, mas fica cobrando silêncio e atenção para a prova; 4. Entrega a prova – daquela mesma fórmula dos últimos 10 anos; 5. Espera que o aluno se entregue ao máximo à avaliação e consiga uma boa nota.
D) Você é daqueles que:
1. Usa os problemas familiares como exemplo nas aulas. 2. Usa de discursos reacionários na segunda pessoa do plural. 3. Usa superlativos, cacoetes, gerúndios em excesso e pleonasmo com certa frequência. 4. Usa a mesma fórmula de ensino há mais de 15 anos, até as piadas são iguais. 5. Usa jeans e camiseta, convida o aluno para tomar “umas” e, se ele for muito camarada, até descola um fumo.
E) Se fosse um Rockstar, você seria:
1. Ringo Starr, tímido, mas se não fosse você, as aulas não seriam as mesmas. 2. Elvis Presley, jeito de bom moço, mas todo mundo sabe que está plagiando alguém. 3. David Bowie, transformase a cada aula. 4. Bruce Springsteen, que, há quase 15 anos, não assume que a idade e o tempo passaram. 5. Mick Jagger, o showman em pessoa.
Confira o resultado: (de 5 a 9 pontos) Ciências Humanas (de 10 a 14 pontos) Ciências Exatas (de 15 a 19 pontos) Ciências Sociais (de 20 a 24 pontos) Ciências Biológicas (25 pontos) Você tem certeza de que é professor?
Textos Danilo Silveira Ilustrações Dandara Deolinda
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Um dia na...
Belo Horizonte, Junho DE 2015
fotos: tiago fonseca
Impressão
Sete visões A famosa praça da capital mineira revela diferentes histórias no decorrer do dia Thiago Fonseca A Praça Sete de Setembro, ou simplesmente Praça Sete, é a mais movimentada de Belo Horizonte. É o coração da cidade e ostenta em seu centro um obelisco de 7 metros, vulgo “pirulito”. É um ponto de encontro das tribos e classes; de democracia, manifestos e expressão. Passar um dia ali é como entrar em um livro, embarcar numa viagem, ou, mesmo, descobrir um novo mundo. Ainda era cedo, fazia frio, o sol estava tímido por entre as nuvens, quando algumas dezenas de pessoas começavam a aparecer na praça. Viam-se passos largos e ligeiros, que iam de norte a sul, de leste a oeste. Muitos estavam apressados para ir ao trabalho, escola e faculdade. Outros, os comerciantes da praça, começavam a abrir seus comércios e a montarem seus negócios ambulantes. O fluxo de veículos no início da manhã era intenso, carros, motos e ônibus disputavam cada centímetro de espaço. Podia-se notar que, ao passar das horas, a Praça reafirmava sua grande característica: a mais movimentada da capital mineira. Os quatro cantos iam se enchendo, tanto de visitantes como de figuras sempre presentes. O que me chamava mais atenção era a quantidade de artistas de rua, espalhados por todas as esquinas da Sete. Era cedo e os famosos “hippies” já estavam com seus artesanatos expostos colorindo as calçadas. Lobão, famoso por lá, vive desde os 16 anos nas ruas vendendo suas bijuterias artesanais. Segundo ele, percorreu diversos paises, durante 19 anos, aprendendo as técnicas artesanais e juntando materiais; como penas, cipós e linhas. Trabalhando de segunda a segunda, de manhã e à tarde, já conhece bem o lugar e suas facetas. Para ele, a Praça Sete é um lugar onde tudo pode acontecer. Citou ainda uma famosa frase, para se referir à loucura que é o lugar. “Aqui, se cercar é um hospício e se cobrir, um circo”. A manhã vai passando, e, assim como ela, centenas de pessoas, cada uma com uma história diferente. A tarde chega sorrateiramente, o fluxo de pessoas é ainda maior. É um entra e sai das lojas próximas à praça; são consumidores com mãos cheias de sacolas; olhos fitados nas vitrines e ouvidos atentos a qualquer anúncio de promoção. Só no grito No meio da tarde, os sons característicos da praça contagiam a todos que por ali passam. Compro ouro; Dentista, orçamento sem compromisso; Foto na hora; Salão, corte é 10, escova é 20; Buzinas, rufos de motores, conversas e tantos outros barulhos. Um deles é proveniente do trabalho de Ingride Gomes, que, há 5 anos, trabalha vendendo fotos. “Para ganhar a vida aqui é assim, só no grito”, conta
a vendedora, que usa a voz como principal instrumento de trabalho. O preconceito, as piadas e o perigo são os maiores dasafios da profissão, mas mesmo assim ela afirma que não quer sair do emprego. “Adoro aqui! Eu vivo um dia diferente do outro. Já presenciei diversos acontecimentos inusitados, como um homem que caiu do prédio, assaltos e diversas manifestações”, pontua. Na rua Rio de Janeiro, podia-se notar dezenas de pessoas que, ao contrário daquelas apressadas, estavam tranquilamente na praça. No meio dessas, se destacava um senhor de meia idade, que, em alto tom de voz, citava os versículos da Bíblia. Sua eloquência e palavras firmes surpreendiam qualquer um que por ali passasse. Entretanto, nenhum deles dava atenção à pregação. Quando o chamei para conversar, ele nem fez questão, me ignorou como se eu fosse uma árvore plantada entre as outras. Ao lado, uma simpática dona que vendia pipocas me abordou e explicou que ele não conversava com ninguém enquanto pregava o evangelho. Para aquele homem, interromper sua pregação iria desligá-lo de Deus. Entre tanto barulho e confusão, havia também espaço para o lazer. Em meio a 20 tabuleiros na esquina da Rua Carijós, estavam 35 senhores, jogadores de dama e xadrez. Eles são os mais concentrados e calmos da praça. Enquanto realizam suas jogadas, estão sempre com olhos atentos, as mãos ligeiras e os ouvidos desligados do mundo. E por ali ficam horas, a noite chega e eles nem a percebem. Noite boêmia Nem a ausência do sol atrapalha o movimento na praça. Contudo, os passos que antes eram corridos, agora são lentos; os rostos serenos, agora são fechados, reflexo de um dia cansativo e estressante que a vida no centro urbano traz. De um lado, podia-se ver um grupo de surdos que conversava por meio da língua brasileira de sinais. Do outro, jovens se reuniam com suas tribos para beber e colocar o papo em dia. As barracas e estandes, que antes ocupavam as calçadas, eram substituídos pelas mesas dos bares e botequins. Nas ruas Rio de Janeiro e Carijós, os estabelecimentos se encontravam cheios de boêmios. Clientes exigentes que estavam em busca de uma boa comida, cerveja gelada e diversão. E, pelo visto, encontraram, pois não sobrava sequer um lugar nas disputadas mesas. Não é à toa que Belo Horizonte é considerada a capital dos bares. A noite continua e as histórias também. Histórias de um lugar onde tudo pode acontecer. E, assim, passam-se as horas e os dias na famosa praça da cidade. Uma constância de movimentos, histórias e sonhos. Por ali, não há distinção de raça, sexo, credo ou posição social. Oh, Praça Sete, quem te conhece não esquece jamais.