Edição 204 - Caderno 1

Page 1

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH

Ano 35 | Nº 204 Belo Horizonte | MG

ABRIL | 2017

Foto: WILLIAM ARA ÚJO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Dossiê expõe as mazelas do país e aponta uma pitada de esperança páginas 4 a 15

Onda politicamente correta mira canções e livros tradicionais caderno DO!S

BRASIL

SEM VERGONHA


primeiras palavras

Mostra tua cara, Brasil! Stephanie Morgana Redigir o editorial pode ser tarefa fácil – embora seja a primeira vez – mas, para além da importância deste dossiê, confesso que senti frio na barriga. Me intriga saber que, mesmo no século XXI, nós, brasileiros, ainda somos forçados a viver – ou sobreviver – algumas realidades. (Aliás, se o IMPRESSÃO tivesse mais páginas, poderíamos, certamente, mudar o nome do dossiê para “Cem Vergonhas”). Somos um país com alto índice de miscigenação, e, por isso, exibimos vasta diversidade cultural. Tal heterogeneidade é, muitas vezes, ferramenta para a prática do preconceito. A reportagem sobre o racismo, desenvolvida a partir de uma experi-

ência pessoal, apresenta pessoas negras obrigadas a conviver, diariamente, com insultos, injúrias e desigualdade. A seguir, temos outro exemplo de intolerância: a homofobia. Quem nunca ouviu notícias, ou não presenciou algum tipo de violência – verbal, física ou moral – a um homossexual? Ah, o assédio! Nós, mulheres, sabemos bem o que é isso. Basta vestir um short curto, camisa estilo “tomara que caia”, e pronto! Já é pedir para ser assediada. Afinal, quem é o errado dessa história: eles ou elas? Veremos na terceira reportagem. E como a mulher sofre neste país… O que dizer sobre o aborto? O problema não termina com a expulsão do feto, e você é convidado a compreender essa

história, que envolve religião, violência e saúde pública. Alcançamos a quinta reportagem e eu quero saber: já teve que lidar com algum imigrante refugiado? Então: todo refugiado é imigrante, mas nem todo imigrante é refugiado. E existem muitas diferenças na maneira como esses indivíduos são acolhidos (bem ou mal) em nosso país. Para finalizar o dossiê, usamos a palavra mais pronunciada atualmente no Brasil: corrupção. Você deve ter imaginado uma reportagem sobre políticos, ou acerca de grandes empresas envolvidas em escândalos recentes. No entanto, já parou para pensar nas vezes em que furou fila, comprou atestado médico para ir à festa da amiga, ou,

não satisfeito com as reprovações, desembolsou (mais) dinheiro para adquirir a sonhada Carteira Nacional de Habilitação (CNH)? Penso que a corrupção tem um grande “privilégio”: o de ser onipresente. O caderno DO!S vem com tudo, e apresenta a “Era das Patroas”. Você pode até não gostar do gênero, mas é impossível negar a eclosão das mulheres no sertanejo. Ainda no ramo musical, a segunda reportagem põe em foco os excessos do “politicamente correto” em histórias, marchinhas de carnaval e músicas infantis que fizeram sucesso no passado. Decidi lançar um desafio: você seria capaz de me dizer qual a semelhança entre balas, jacarés e camisas de árbitro de futebol?

expediente

Leia nossa reportagem e descubra essa história; mas não se preocupe, pois tudo está dentro da normalidade... ou quase. O ditado ‘o futuro a Deus’ nunca foi tão pertinente. O “Você já leu?” desta edição apresenta Fragmentados. O livro, de Neal Shusterman, destaca a luta pela sobrevivência de jovens sob o risco de serem entregues à fragmentação. E que tal embarcar numa viagem de época? Desta vez, em “Você já viu?”, a luta é por reconhecimento, no filme Estrelas além do tempo. Pois bem, o frio na barriga já passou e minha experiência está chegando ao fim… Espero te reencontrar em outras oportunidades, para, juntos, mais uma vez, partilhar novas edições do IMPRESSÃO.

VICE-REITORA Profa. Carolina Marra S. Coelho

INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E DESIGN Profa. Cynthia Enoque

COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMO Prof. João Carvalho

LABORATÓRIO DE JORNALISMO EDITORES Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr.

DIAGRAMAÇÃO Ludmila Alves (LEGRA)

PROJETO GRÁFICO Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA)

ESTAGIÁRIOS Bernardo Franco Mariane Fernandes Stephanie Morgana

ILUSTRAÇÃO William Araújo

em uma redação qualquer... william araújo

PARCERIAS Laboratório de Jornalismo Online Laboratório de Fotografia Laboratório de Experimentações Gráficas (LEGRA)

IMPRESSÃO/TIRAGEM Sempre Editora 3.000 exemplares

Eleito o melhor Jornal-laboratório do país na Expocom 2009 e o 2º melhor na Expocom 2003 O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Jornalismo do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do JORNAL IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe: Av. Mário Werneck, 1685 BH/MG CEP: 31110-320 Tel.: (31) 3207-2811 Email: impresso@unibh.br

visão crítica

Abril de 2017 Jornal Impressão

3

Viva a sorrir, apesar de tudo Clarisse Antunes Não é só de alegrias e flores que o mundo e as pessoas são feitas. As tristezas são necessárias, se pararmos para pensar. Fatos negativos fazem parte da construção de qualquer história. A partir deles, surgem as soluções, que, por sua vez, geram amadurecimento, novos pensamentos, reflexões e progressos. No escaninho de tragédias brasileiras, uma das mais notáveis da história é a ditadura militar, de 1964 a 1985, período marcado por violência, tortura, perseguições e censura – com desdobramentos drásticos.

“pro caso de o acaso estar num bom dia pro caso de o destino me haver reservado a alegria [...] vai que se materializa o meu sonho dourado vai que me espera com boas notícias o inesperado”. (“Eu vivo a sorrir”, Adriana Calcanhotto)

Um dos aspectos mais relevantes para análise da época talvez seja a censura, imposta aos meios de comunicação e à indústria cultural. Editoração de livros, revistas, produções teatrais e cinematográficas, além de programações televisivas acabaram minuciosamente monitoradas pelas autoridades. A música foi a que mais sofreu com os censores, em razão da popularidade e da capacidade de persuadir e “modelar” pessoas. Tal cenário resultou, portanto, em discos vetados e recolhidos, canções banidas, músicos presos e exilados. A música popular brasileira foi tratada como uma ameaça ao regime, já que, segundo o governo, as letras eram ofensivas às leis, aos costumes e à moral da população. Nada disso, porém, intimidava os músicos. O cantor e compositor Caetano Veloso, por exemplo, compôs “Alegria, Alegria”, de modo metafórico, justamente, para “burlar” o sistema e a repressão. Os versos “Cami-

Reprodução

2

Abril de 2017 Jornal Impressão

Caetano Veloso canta “Alegria, Alegria”, no III Festival da Música Popular Brasileira, realizado em 1967, no teatro Paramount, em São Paulo

nhando contra o vento / Sem lenço, sem documento” sugerem que os indivíduos caminham contra as regras impostas, mas em estado de falta de identidade. Já no trecho “sem livros e sem fuzil”, com tais substantivos juntos no mesmo verso, Caetano iguala o poder da palavra ao das armas. De fato, livros são verdadeiras armas intelectuais. Ainda mais

naquela época, quando a educação era precária e bastante limitada, consequência da censura a obras tidas como “inadequadas”. Por último, o verso “Eu tomo uma cocacola, ela pensa em casamento” sugere que, enquanto muitos combatem e caminham apesar da ditadura, outros se revelam completamente desinformados ou alienados.

Analisando a canção de Caetano em relação ao contexto atual, vemos que os problemas que sempre existiram estão, agora, mais debatidos. Falo de racismo, xenofobia, homofobia, corrupção, misoginia, e por aí vai. Longos debates, discussões, manifestações, ideias, projetos, ações afirmativas, leis, estatísticas. Tudo isso é muito desgastante, mas necessário.

Os problemas não podem ser ignorados. O que se passa, a meu ver, é uma “Grande Depressão do século XXI”, mas disfarçada. Há excesso de informação e falta de tempo para administrar tudo isso. O individual é o que fica mais prejudicado nessa história toda. O que nos resta, além de lutar, é sorrir – mesmo que seja difícil –, com bastante sinceridade.

rodapé No batidão do carnaval

Da bananeira à arte

Larissa Kaliane

Matheus Grochowsk

Famosa costureira em seu bairro de Ribeirão das Neves, na grande Belo Horizonte, ela tem um zelo incomparável pela casa e pelas duas filhas. Mas leva uma vida reconhecidamente monótona. Em uma tarde de carnaval, Elzira acompanhou a caçula, estudante de jornalismo, em um de seus trabalhos da faculdade, a ser realizado no desfile do bloco “Então, Brilha!”, no centro de Belo Horizonte. Ficara receosa

de soltar a adolescente nesse ambiente, devido à criminalidade típica da época. Ao chegar à concentração do bloco, ela via as pessoas se aglomerando, festivas. Logo se espantou com a diversidade de fantasias e adereços que enfeitavam os foliões e coloriam as avenidas. A costureira notou um grupo com camisetas cor-de-rosa, que se aproximava com um megafone. Os jovens a abordaram, perguntando seu nome. Mal ouviu a resposta desconfiada,

o grupo parodiou um funk estilo ”proibidão”, incorporando o nome Elzira à letra, e cantando aos quatro ventos: “Ô, Elzira, eu quero te ver contente...” Ela não acreditou no que acontecia: “Só queria sair dali”. Contudo, minha mãe não se arrepende da experiência. Ao fim daquela aventura completamente alheia à sua rotina diária, Elzira chegou à conclusão de que, realmente, já viu de tudo na vida. E eu, caloura, adorei vê-la contente.

Por volta de dez horas da noite, nossa turma de jovens se reúne em uma hamburgueria na avenida Silva Lobo, na zona oeste de Belo Horizonte, algo bastante comum para as noites de sábado. Em meio à confusão dos pedidos, um rapaz bem vestido e educado, um pouco sem jeito e parecendo envergonhado, aproxima-se. Ele dá boa noite e pede alguns minutos de nossa atenção. Diz, então, que irá nos surpre-

ender usando apenas folhas de bananeiras. Curiosos com o que virá, interrompemos os pedidos. Ele nos promete uma rosa e um gafanhoto. A dúvida se instaura sobre o grupo: será possível conseguir isso, apenas com folhas de bananeira? O rapaz começa a manusear a matéria -prima com habilidade e uma destreza de cair o queixo. A dúvida vai se dissipando, à medida que os primeiros contornos da arte começam a aparecer: primeiro, o

caule; depois, as pétalas; e, de repente... uma linda rosa. O que ele fará a seguir, nos perguntamos. Eis que um gafanhoto se ergue, sutil e graciosamente, sobre duas finas patas Maravilhados, recebemos as duas obras de arte, as quais retribuímos com carinho – e, claro, com uma quantia simbólica, para incentivar sua arte peculiar. Guardamos os mimos como lembrança de uma noite que tinha tudo para ser como qualquer outra.


4

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Entre pretos e pardos Fotos:William Araújo

As dores de viver no Brasil: um país de cicatrizes sociais William Araújo Tijolinhos vermelhos maciços com argamassa dando liga. Aquelas paredes pareciam um quebra-cabeça que se erguia do chão de cimento queimado, pintado de corante verde. Várias salas num longo corredor. Foi nessa escola estadual que eu descobri que era negro. Na época, tinha uns seis para sete anos de idade. Recordo bem dos meus “amigos” que adoravam “tirar onda” com o tamanho da minha orelha. Diziam: “você é magro demais, mas tem um orelhão; parece que vai voar”. Ou então, me comparavam a Dumbo e TopoGigio. De todas as “brincadeiras”, nenhuma me afetava tanto quanto a que ouvia da minha professora. Tia Heloísa tinha estatura média, andava segura de si, com um sorrisinho fechado e meio de lado. Quando entrava na sala, me via sentado na carteira da frente e vinha em minha direção balançando a cabeça: “nunca vi joelhos tão pretos e foscos, parecem bambus queimados. Vou pedir à sua mãe para dar um jeito nisso. Sempre chega aqui com essa sujeira e com o cabelo desse tamanho”.

Nos anos 1990, negros com até 25 anos de idade, tinham em média 6,1 anos de escolaridade. Brancos da mesma idade estudavam até 8,4 anos. Em 1999, apenas 42,6% dos adultos brancos e 24,7% dos negros conseguiram completar o ensino fundamental. No ensino médio, 12,9% dos brancos finalizaram os estudos contra 3,3% dos negros. (IBGE, 1990)

Mal sabia a “tia” que eu morava na favela do Santa Fé, meus pais não tinham dinheiro para comprar cremes e menos para me enviar ao cabelereiro, daí o corte “feio e irregular”. Eu nunca tinha notado meus joelhos, mas, a partir daquele dia, minha mãe iria esfregar, até quase queimar, os tais bambus pretos. Essa rotina de ouvir pessoas falarem da minha cor perpassou o primeiro de maio de 1994, dia da morte de Ayrton Senna, e data do falecimento do meu irmão, por complicações decorrentes da AIDS. Naquele domingo, todas as pessoas da rua se preparavam para o velório do Welton. No ônibus, cochichavam e especulavam que ele havia contraído o vírus porque estava envolvido com drogas. De fato, ele acabou sendo infectado por meio de uma seringa... A que ele utilizava no hospital em que trabalhava para aplicar um medicamento que supria a deficiência vitamínica. O sofrimento durou

cerca de quatro anos. Os coquetéis não eram gratuitos e, por isso, ele começou a buscar refúgio na religiosidade. Tentou desde a Umbanda até o Espiritismo, mas nada o fazia engordar novamente. Quando foi internado pela segunda vez, não voltou mais. Meses depois, meu pai chegou no quarto onde eu dormia junto com meu irmão e disse: “olha, você vai ter que trabalhar”. No dia seguinte, o namorado da minha irmã chegou lá em casa dizendo que eu poderia ir “ralar” com ele, vendendo sandálias na Feira Hippie. Já na Feira, as pessoas continuavam me notando pela cor da pele. Eu só ouvia “neguinho” e “pretinho”. E aquelas pessoas que me viam pela cor eram negras também.

Olhar histótico O negro sempre foi julgado pela cor da pele. O processo de inferiorização não surgiu com o comércio de escravos no Brasil; pelo contrário, vem bem antes disso.

Já em meados do século XV, Mouros e Sudaneses escravizavam negros e os vendiam aos portugueses. Aqui, porém, foi que o “Grande Tráfico” se solidificou.

No século XVIII, os navios “tumbeiros” traziam 200 a 300 negros, em média.C Nos 137 navios, em várias viagens, o volume de escravos foi superior a 38 mil indivíduos (de Os africanos no Brasil, livro de Raymundo Nina Rodrigues) Na cabeça do homem branco, a solução eram os negros. Essa era a visão de Carolus Linnaeus, que, em 1758, criou o termo Homo Sapiens e classificou a espécie humana em categorias, dividas pelas características físicas e morais. Uma delas, a Homo Sapiens Afer (Homem africano), se caracterizava assim: cor da pele preta, indiferente e preguiçoso. Se um estudioso justificava a diferença entre raças, por que não ir até

solo estrangeiro, sequestrar homens, mulheres e crianças, matar idosos, acorrentá-los no porão de um navio, em uma viagem sufocante pelo calor subequatorial do alto mar e, ainda, descartar os que chegavam doentes? Qualquer tripulante que desembarcasse no destino já seria, por si só, um bravo. Por isso os negros brasileiros, descendentes dessas etnias, são “gigantes pela própria natureza”. Perceber-se enquadrado em uma etnia é um problema para os negros. Qual a diferença entre “raça” e etnia? De acordo com o artigo “Ser negro no Brasil: alcances e limites”, de Fátima Oliveira, raça tem a ver com as diferenças de cor da pele, textura do cabelo e conformação facial. Já a etnia é o grupo de pessoas que compartilham a mesma linguagem, cultura, território e, também, aparência. No final do século XVIII, o Brasil estava dividido entre brancos, índios, pardos e negros. No auge do tráfico de

negros, os indivíduos negros eram quase metade da população. A união entre negros, índios e brancos gerou toda ordem de mestiços. Foram mulatos, cafuzos, caboclos e mamelucos, todos nascidos sob o tom de pele pardo. O Crioulo, além de ser um dialeto falado pelos negros na África, também deu nome aos afrodescendentes nascidos no Brasil Biologicamente falando, raças humanas não existem. De acordo com o artigo “Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar”, apenas um grupo insignificante de genes comanda a cor da pele e demais características físicas. “A diferença genética entre um negro africano e um branco nórdico é de 0,005%”. Voltando para mim, aquelas pessoas que me chamavam de “neguinho” eram negras também. Mas o motivo de me apelidarem seria descoberto após mais uma década, quando tive uma namorada branca, loira, e de olhos claros.

Me recordo da primeira festa de “família” que frequentei. Sentado com todos à mesa, me aparece uma tia e diz para minha ex-namorada: “que negão feio é esse do seu lado, fulana?”. Como responder a essa frase tão esclarecedora do lugar em que eu estava entrando? Fiquei ali e me obriguei a ouvir durante anos os comentários da minha sogra: “Fulana (minha ex), você acredita que sua tia disse que o meu neto é preto? Tadinho do menino, ela que é!”. As demonstrações de ignorância me acompanharam desde o meu primeiro emprego de carteira assinada, como instrutor de trânsito. Imagina ouvir de uma professora de literatura (minha aluna) que meu nome, agora seria “Fifi”? Carinhoso, certo?! Não. Mais tarde, eu descobri que Fifi era o cachorro preto dela. Comecei a trabalhar com informática. Para estes novos empregadores e clientes, eu, na qualidade de negro, nunca poderia estar em uma posição igual à deles. Uma espécie de préconceito: negros não podem exercer funções superiores a dos brancos. Trocando em miúdos, negros somente poderiam trabalhar em profissões para negros e escolhidas pelos brancos. Um racismo institucionalizado.

De acordo com o IBGE, mais de 55% dos aglomerados subnormais (nome higienista para favelas) brasileiros estão localizados na região sudeste. Segundo o livro Um país chamado favela, de Renato Meirelles - que fomentou o Instituto Data Favela, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) -, até 7 milhões de brasileiros moravam em favelas, em 2013, – 6% da população. Destes, 67% são negros.

Saí da empresa meses depois e sentia que precisaria provar meu valor em todo lugar em que trabalhasse ou visitasse. Policiais te confundem com assaltantes; você entra em uma loja e as pessoas correm para dizer que o produto que procura não está à venda, mesmo que você o veja na prateleira. Uma hora você se cansa e joga tudo para o alto. Foi o que eu fiz. Levado por “n” circunstâncias, larguei emprego e noivado e fui cursar jornalismo. Pretendia mudar o mundo segundo minhas crenças e perspectivas. Mas, também achei o racismo.

No final da década de 1990, entre os brancos de 18 a 25 anos, 89% ainda não haviam ingressado no ensino superior. Assustadoramente, 98% dos negros de mesma idade não tinham conseguido o mesmo feito. (IBGE,1990) Em uma olhada rápida, percebi que nas TVs, há muito tempo, existia um padrão de negros, e poucos. Todos serviam como figurantes, escravos ou empregados domésticos. Até que, em 2002, houve uma pequena quebra desse aspecto. O projeto de Lei 4370, de autoria do deputado Paulo Paim, foi aprovado. Ele institui a cota mínima de representação étnica negra em anúncios publicitários, filmes, programas e peças exibidos pelas emissoras de televisão. Em um país onde os negros são maioria, a cota dispõe que apenas 25% do montante contratual de peças publicitárias e programas televisivos e 40% dos participantes de anúncios publicitários exibidos em salas de cinema deveriam ser afrodescendentes. Considerando o tamanho da programação diária de uma emissora de TV, essa quantidade

é insignificante e fica restrita, principalmente, ao público figurante de novelas. Voltando ao campo jornalístico, quantos dos mais de 33 âncoras que passaram pelo Jornal Nacional, se autodenominam negros? Glória Maria, que foi a primeira jornalista a entrar ao vivo para o jornal; Heraldo Pereira, o primeiro jornalista negro a ser mantido como apresentador do jornal e Maria Júlia Coutinho, a Majú, primeira garota do tempo negra da Rede Globo. Mas foram várias décadas até serem reconhecidos e ocuparem lugar na linha de frente da emissora. Raramente abro um jornal e leio que uma pessoa brasileira negra descobriu algo por meio de pesquisa, ou, venceu uma olimpíada de educação no exterior. Notícias que envolvem negros são feitas na forja das cicatrizes sociais. O negro brasileiro é moldado conforme o senso comum. É passado como delinquente, é presente como serviçal e não dá contribuição ao futuro. É visto por meio da lente do racismo.

Mas o que é o racismo? Racismo é toda forma ou tentativa de julgar um indivíduo por causa de suas características físicas, principalmente cor da pele. Foram todas as vezes em que as pessoas me enquadraram como inferior por causa da cor da minha pele. Me julgaram menos. Hoje, acredito que os negros devem continuar unidos; devem estudar a própria história e se impor na sociedade como os verdadeiros humanos que são. Qualquer outra etnia já teria sucumbido a tamanha pressão, ao longo dos séculos. O negro precisa discutir, escrever, participar, registrar a história como ela é, ao invés de aceitá-la como nos é contada. Neste constante processo de diminuição da

Abril de 2017 Jornal Impressão

etnia negra, demorei a me enxergar orgulhosamente no espelho. Estive errado por todo este tempo. Sou integrante da

etnia negra, sou um mestiço cafuzo, a cor da minha pele é preta e parda, sou afro-brasileiro e descendo de uma história de bravos

5

guerreiros, que aportaram neste solo para fazer dele o que ele é. Sou e tenho orgulho de ser um negro brasileiro. E você, o que é?

Canto da Esperança

Segundo o Inciso II, do Parágrafo Único do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010) considera-se “desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica”. Mas, o Brasil caminha para diminuir ou extirpar essa desigualdade. Em 2012, foi sancionada e regulamentada a Lei de Cotas (12.711/12012), que confere a egressos de escolas públicas o direito a 50% das vagas disponíveis em Instituições Federais de Ensino Superior. O resultado: em 1997, apenas 4% dos negros entre 18 e 24 anos conseguiam ingressar em faculdades; em 2015, 19,8% de jovens negros entraram no mundo acadêmico por meio das cotas; 150 mil estudantes da etnia em três anos de regulamentação. Isso mostra como a Lei de Cotas é importante para mudar o destino de uma etnia. A esperança reside nestes futuros profissionais e professores, que adentrarão as salas de aulas não como minorias, mas pioneiros de uma nova história... De igualdade!


6

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Abril de 201 Jornal Impressão

7

Sírios, chineses, camaroneses: 3 desafios

A arte do brasileiro em acolher os imigrantes – ou “beleza para inglês ver”

Em guerra civil desde 2011, a Síria é um dos países que mais obriga seus cidadãos buscar outros países, e o Brasil, há décadas, é escolhido por eles como destino. Com tradição de comunidade de origem síria, Belo Horizonte tornou-se opção natural de boa parte dos imigrantes daquela nação. Khaled Tomeh, que está na capital mineira desde 2014, é um deles. Formado em Engenharia Agrícola e Tecnologia de Alimentos, Khaled chegou a BH com a esposa, e viu sua primeira filha nascer em território brasileiro. A vinda ao Brasil devese ao fato de os países europeus procurados por ele oferecerem apenas estadia em campos de refugiados. “Eu era voluntário na África, e trabalhava em campos de refugiados. Com a guerra, a situação estava muito difícil, e decidimos sair. Não queria isso para minha família”, completa. Apesar de ter duas graduações, Khaled ainda não conseguiu em-

William Araújo

Minha casa é (quase) sua casa Marcelo Henrique Luiz Vila Real Guilherme Peixoto Em um mundo cada vez mais globalizado, a imigração é uma prática disseminada. No entanto, ainda é comum a incidência de casos de “xenofobia”, termo, que, segundo o dicionário Aurélio, pode ser compreendido como “aversão aos estrangeiros ou ao que vem do estrangeiro, ao que é estranho ou menos comum”. De acordo com dados da Polícia Federal, em 2015, o Brasil recebeu cerca 120 mil imigrantes – dos quais, a maioria (15 mil, aproximadamente) era de haitianos, boa parte deles refugiados da crise humanitária que se abateu sobre aquele país caribenho. . Bolívia, Colômbia, Argentina e China também se destacam, e ocupam as posições seguintes no ranking de imigração. O número de estrangeiros que passaram a viver no país cresceu 160% em relação a

2006. Apenas naquele ano, aproxidamente 45 mil “gringos” desembarcaram em território brasileiro. É importante ressaltar, contudo, que nem todas as pessoas que saem de seus países de origem buscam “apenas” melhores condições de vida. Alguns deles se veem obrigados a deixar a terra natal por motivos religiosos, políticos, sociais etc. Segundo relatório de 2016, elaborado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), 8.863 deles moram no Brasil, oriundos de 79 países. Destes, 28,2% são mulheres. Os principais estrangeiros em tal situação são cidadãos provenientes da Síria (2.298), da Angola (1.420), da Colômbia (1.100), da República Democrática do Congo (968) e da Palestina (376). Esta reportagem conta a história de alguns deles.

Andrews revela ter saído de seu país devido à guerra civil, às diferenças étnicas, e, também, a problemas políticos e econômicos. Em diversos momentos, o africano confessou ter sofrido abusos, sendo chamado, por exemplo, de “negro” e “refugiado”. Segundo Andrews, no Nordeste brasileiro, onde morou em 2014, as pessoas olhavamno com desconfiança, como se representasse uma ameaça à ordem social e econômica do

recebeu bem”. A visão de Khaled sobre a população tupiniquim é corroborada por Emir Cadar, cônsul da Síria em Belo Horizonte. Ele, que estima a existência de 250 refugiados sírios na cidade, foi enfático em afirmar que os imigrantes sírios são recebidos muito bem. “Não temos xenofobia aqui. Pelo contrário: temos acolhimento total”, conta. Quando chegam a Belo Horizonte, o consulado dá todo apoio aos sírios, de modo a ajudar na regularização dos documentos, e a encaminhá-los à Polícia Federal, para emissão do CPF. Em Belo Horizonte, muitos imigrantes chineses vivem no chamado baixo centro, área central da capital. Muitos trabalham em shoppings populares, e poucos falam português – com exceção de vocábulos relacionados ao comércio – ou inglês. Jornais em mandarim circulam na área desde 2010, e, provavelmente, uma pequena “Chinatown” se instalará em breve na região. Ao tentar con-

versar com alguns deles, a barreira do idioma se mostrou intransponível. Nem mesmo o alfabeto é legível. Outro imigrante encontrado, dessa vez, na saída de uma casa de câmbio, foi Jacky, que disse estar com pressa, e apenas se identificou como estudante de Relações Internacionais. Esse compreendia melhor o português. Prova de que nem todos estão no país apenas para procurar emprego. Um terceiro episódio, que, por pouco, não rendeu um produto de jornalismo gonzo, se for possível o uso desse termo, foi o encontro com o suplente do vereador Alban Kikishiy – um camaronês, residente brasileiro há pelo menos nove anos. “Não existem negros na Lava-jato”, dizia o camaronês, com um sotaque típico, enquanto entregava folhetos com seu código eleitoral, embora seu partido esteja envolvido em esquemas e escândalos desde a abertura da Nova República. Não mencionaremos o nome, mas é o

maior partido do Brasil e tem um comportamento líquido: ajusta-se a qualquer situação em busca de eleitorado. Minutos depois, enquanto aguardava uma cerveja no balcão, ele começou a conversar, e disse que queria combater o racismo por aqui.

“O Brasil é o país mais racista do mundo”, declarou Alban, logo após ressaltar os feitos do ex -presidente Obama. Morador de Boston, nos EUA, o camaronês, por algum tempo, disse nunca ter sido vítima de tanto preconceito quanto aqui.

Diferenças de tratamento

REfÚGIO no Teatro social Jornalista e autora, ao lado de Bárbara Monteiro, do livro-reportagem Andrews: a trajetória de um refugiado congolês no Brasil, Roberta Nunes trabalha em um grupo de pesquisa – coordenado pelos professores Duval Fernandes e Maria da Consolação, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) –, sobre estrangeiros que vêm ao Brasil com o objetivo de constituir moradia. No livro, o congolês

prego em sua área de atuação. “Tenho de validar meus certificados, o que é muito caro e burocrático”, conta. Para ajudar a sustentar o apartamento que divide com outros familiares, o sírio de 32 anos buscou caminhos alternativos: já consertou computadores em papelaria, e, esporadicamente, atua como “faz tudo” em residências, além de ser professor de inglês. De uns tempos para cá, passou a cozinhar, sob encomenda, pratos da gastronomia árabe. A dificuldade de compreender a legislação trabalhista brasileira, aliás, foi apontada pelo sírio como uma de suas maiores dificuldades. “Trabalhei sem carteira assinada, e não sabia que era proibido”, afirma. Problemas assim são corriqueiros na vida de Khaled, que diz ter dificuldades para realizar coisas mínimas: “Não sabemos, nem conhecemos pessoas que podem ajudar”, lamenta. Mesmo assim, diz nunca ter sofrido preconceito direto: “O brasileiro sempre me

lugar, podendo “roubar” emprego da população local e agir violentamente. Quando morou em Fortaleza, Andrews trabalhou como garçom em um restaurante, onde se destacava por falar inglês, francês e espanhol. Seus colegas armavam situações para prejudicar sua imagem, e o tratavam mal. Andrews acreditava que tudo se devia a seu prestígio ser maior do que o de um nativo. Contudo, ele era

apenas mais um empregado substituível, como tantos imigrantes. Para ele, a maior dificuldade foi interpretar seu papel nessa “peça de teatro” que é viver no Brasil. “No meu trabalho, sou o Andrews; fora dele, sou só eu. Minha casa é minha aldeia”, explica. Apesar de todas as dificuldades, o congolês manteve sua alegria de viver. Procura sempre sorrir e se revela comunicativo com todos durante o expediente.

No meu trabalho, sou o Andrews; fora dele, sou só eu. Minha casa é minha aldeia Andrews Kossy

Em Belo horizonte desde o ano passado, o canadense Gregory Fisher, 29, não veio ao Brasil por conta de problemas. Na verdade, escolheu morar no país depois de viagens feitas a passeio. “Eu vim para o carnaval, mas, depois de três meses, ainda estava aqui. Agora, quero ficar e trabalhar”, confessa. Engenheiro mecânico de formação, Gregory trabalha, assim como Khaled, dando aulas de inglês. Além da crise enfrentada em sua área original, o canadense aponta a burocracia como empecilho à busca por um emprego: “Adquirir

o visto de trabalho é muito difícil”, lamenta. Greggy, como é carinhosamente chamado pelos mais próximos, classifica como “difícil” o ato de começar uma vida nova no Brasil: “Se a pessoa não tem um amigo brasileiro, acho que é quase impossível”, completa. A amizade, aliás, tem sido fundamental para a manutenção de Gregory em BH. Com o auxílio de um colega conhecido ainda no Canadá é que o engenheiro consegue resolver seus problemas de documentação. Natural de Toronto, Gregory comenta que muitos belo-horizontinos usam o inglês para se comunicar com ele.

Aqueles que não o falam, porém, costumam falar um português mais pausado. A cultura brasileira já foi, em parte, internalizada por Greggy, que compareceu à entrevista com uma camiseta do Atlético Mineiro. “As pessoas gostam de me dar atenção, acham diferente. Elas apreciam praticar inglês comigo”, relata, quando perguntado sobre o tratamento dado pelos nativos. Além disso, pensamentos estereotipados sobre a vida no Canadá são proferidos em muitas ocasiões. Segundo ele, não são raros os brasileiros que o enxergam como rico. Outros, por sua vez, têm

impressões erradas do clima do país, por pensar que a neve e o frio se mantêm ao longo de todo o ano. Talvez por conta de o Canadá ser o país com o terceiro maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, Fisher parece receber tratamento “diferenciado”, se comparado aos imigrantes de nações africanas, asiáticas e latinas. Enquanto um canadense em terras tupiniquins é visto como algo peculiar, mas aceitável, os olhares dirigidos aos cidadãos de países menos desenvolvidos são, por vezes, carregados de desdém e discriminação.

canto da Esperança

Em 2015, o Ministério da Justiça lançou a campanha contra a xenofobia, na intenção de diminuir a preconceito, a discriminação e a intolerância sobre os imigrantes. A iniciativa partiu do governo, para acolher estrangeiros que sofrem algum tipo de hostilidade no país. O apelo é feita por meio das hashtags #EuTambémSouImigrante e #XenofobiaNãoCombina, por ser uma campanha exclusiva das redes sociais. “O intuito dessas ferramentas é conduzir o envolvimento da sociedade para um fato evidente da nossa identidade, que é sermos todos imigrantes em grande parte”, afirma Beto Vasconcelos, secretário Nacional de Justiça e presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Fonte: Portal Brasil.


8

DOSSIÊ BRASIL SEM VERGONHA

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ BRASIL SEM VERGONHA

a Vã gratuidade do ódio “Precisa colocar meu nome na reportagem?”. “A gente pensa em um pseudônimo. O que você acha de...”. Ao pesquisar sobre homofobia no Brasil – desde o levantamento de dados até entrevistas com homossexuais que já sofreram atos de repressão ou violência homofóbica –, três coisas chamam a atenção. A primeira diz respeito aos dados. Nos índices, campos como “não informado”, “desconhecido” e “outros” ocupam alto percentual dos levantamentos. Afinal, existe omissão de

informações no momento de denunciar. Não há confiança, nem mesmo, após o ato violento, na hora de contar à polícia. Isso é preocupante. A segunda coisa está na facilidade de encontrar casos de violência homofóbica. É quase uma máxima entre os homossexuais, como se se tratasse de algo cotidiano. Pode ser um comentário maldoso ou algo mais grave, como a agressão física. Mesmo que a violência não seja explícita, há casos em que ela ocorre dentro da própria família, e a vítima não perce-

FotoS: WELL MENDES

VIDA SOB disfarce be, pois já internalizou padrões “do que ser” e “do que não ser”. Por último, o que mais impressiona – e incomoda – é o silêncio. Constante, o medo força a preservação da identidade. Um nome dito em voz alta, ou uma foto que mostra mais do que devia, e a família descobre, ou um amigo, ou um colega de trabalho... Mesmo com a facilidade em encontrar pessoas que sofreram ataques homofóbicos, alguns querem sigilo. O sigilo se torna a máscara do medo.

O que a cidade não vê, nem ouve Há nove anos, o Brasil enfrentou uma grave crise política, devido ao “Mensalão”. A confiança no governo foi abalada e a notícia desfilou pelas capas dos principais jornais do país. No mesmo ano, a chaminé da capela Sistina expelia uma fumaça branca, semanas após a morte do Papa João Paulo II. Um novo pontífice havia sido escolhido, e, assim como o Mensalão, virou assunto – principalmente, entre as beatas em vigília pela saúde do papa anterior. Ainda naquele ano, os Estados Unidos enfrentaram um dos piores e mais caros desastres naturais: o furacão Katrina. Mais uma vez, os jornais teriam algo a dizer. O que ninguém viu – e que não estampou as capas dos jornais matinais, nem virou assunto do povo no outro dia – foi um tapa, dado numa praça, em uma das principais

avenidas de Belo Horizonte: a Amazonas. Mas por quê viraria notícia? Apenas um tapa talvez não servisse para que os jornalistas sentissem, na manhã seguinte, que aquilo poderia ser uma boa pauta. Entretanto, a peculiaridade da cena está atrás da mão de quem bateu. Já era madrugada quando um grupo de jovens – quatro, para ser exato – subiam a avenida Amazonas, em direção a uma praça bem distante do centro, quase em Contagem. E eles subiam animados. À época, a praça era frequentada por gays e lésbicas, e, segundo Gustavo Henrique, que integrava o grupo, era um “lugar de pegação”. Gustavo subiu à espera de diversão. Talvez um beijo, alguns amassos em uma rua escura, ou qualquer coisa que a noite tivesse reservado para um estudante de Serviço Social que

nunca gostou de ficar com mulheres. A praça estava quase vazia. E não foi um dia de sorte. Mas, mesmo assim, os quatro resolveram ficar mais um pouco. Afinal, poderiam virar a madrugada sentados em um banco qualquer, conversando sobre o que que viesse à mente. Teoricamente, funcionaria. Na prática, não foi bem assim. Algum tempo depois, os quatro foram abordados por um policial militar, que os revistou – como era esperado, considerando sua função. Então, os encarou e decidiu que ali não era lugar para eles: “Aqui não é lugar de viado. Vocês têm que sair”. O rapaz perguntou qual era a autoridade do policial para exigir que deixassem a praça apenas por serem gays, já que não estavam fazendo nada de errado. O policial já havia revis-

tado os quatro, sem sucesso em sua busca por algo ilícito, que pudesse incriminá-los. “Vocês não podem ficar aqui porque eu não quero”, disse o policial. A partir daí, iniciou-se a discussão, que não se restringia ao direito de quatro amigos ocuparem um lugar público. Tratava-se de discussão entre um grupo muito maior do que aquele da praça, que lida diariamente com a opressão, mesmo nove anos depois. “Estou na defesa dos meus direitos!”, argumentava Gustavo, ao usar a razão e a emoção. O ato, porém, não surtia efeito no policial, que continuava a forçar a retirada do grupo. “Você quer saber do seu direito? Toma aqui, viado!”. Então, veio o tapa. No peito. Forte. Gustavo caiu. Seu ar se foi, junto à razão do policial, que, até então, não havia ultrapassado o limite da agressão

verbal e da ignorância bestial e homofóbica. Tentativas de denúncia não causaram efeito. Gustavo passou por um processo burocrático, para conseguir denunciar o policial, e, mesmo assim, nada foi feito. Mal sabia o PM que, anos depois, atos de violência como esse seriam registrados e organizados, expondo o sofrimento de homossexuais de todo o Brasil. Em 2013, segundo dados do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, a rua é o local com mais viola-

ções, com 26,8% dos casos. Quando se trata de violência física, como a sofrida por Gustavo, 52,5% dos casos são de lesões corporais, numa escala que vai de maus tratos, tentativa de homicídio, homicídio, cárcere privado, autoagressão, latrocínio e sequestro. Naquela noite, a imagem de proteção, refúgio e acolhimento que quatro jovens talvez tivessem da Polícia Militar se esvaiu, assim como a fumaça branca da capela Sistina.

A DOR DA HOMOFOBIA Ah, a homofobia! Só dor. A dor do beijo como protesto. A dor que vem da mão de um pai contrariado. A dor ao negar e esconder o amor. A dor da injúria incompreendida. A dor de uma mente perdida. A dor de uma infância perturbadora. A dor de uma lâmpada fluorescente. A dor de olhar a mão que aponta pra gente. Well Mendes

Abril de 2017 Jornal Impressão

9

A homofobia retratada em quatro dolorosos movimentos: medo, covardia, rejeição e preconceito Por Well Mendes

4 pedras na mão André sempre fica com medo ao andar em BH. Para ele, sua casa é uma barreira contra os perigos externos. O receio independe de sua orientação sexual. Jéssica sente pânico ao caminhar sozinha.Vítor evita andar por lugares não confiáveis. Larissa não se sente segura e, quando foi questionada sobre o assunto, havia acabado de fugir de dois rapazes em uma moto. O medo de todos também independe da orientação sexual. Muita gente adora a sensação de chegar em casa. Outros não se sentem seguros nem mesmo dentro do próprio lar. Em casos ainda mais graves, como o que aqui será contado, a pessoa é expulsa ainda jovem, para a mesma rua insegura evitada por Vítor, e da qual André, Jéssica e Larissa têm medo.

Em 2013 saiu o último levantamento de dados sobre a violência homofóbica No ano anterior, Marcos, aos 15 anos, decidiu contar aos pais que era gay.. Depois de tudo o que aconteceu, e caso quisesse acusar o próprio pai, elevaria a porcentagem de “homens que sofrem violência homofóbica” (92,1%), de “vítimas violentadas dentro da própria casa” (25,7%), de “lesões corporais” (52,5%), de “agressores na própria família” (6,6%) ou de “agressores não informados” (67,5%), Primeiro, Marcos contou para a mãe. A réplica veio amarga: “Você tem que contar para o seu pai” – que, por sua vez, não aceitou a situação. Marcos resolveu sair de casa, para espairecer, ao lado do namorado. Às 23h,

voltou para casa. Foi recebido, pelo pai, com quatro pedras na mão: “Você vai ter que sair”. O rapaz começou a juntar suas coisas, mas o pai segurou a mala e o impediu de pegar as roupas. Iniciaram uma discussão e o filho começou a dizer verdades

VELHOS estereÓtipOS No dia 17 de julho de 2016, o músico Gabriel e um grupo de amigos subiam para a Praça da Liberdade, logo após a Parada LGBT, em Belo Horizonte. Já estavam na rua da Bahia, quando um carro passou e, de dentro do veículo, escutou-se um grito: “Olha o bonde do HIV!”. Todos ficaram chocados com o xingamento. E seguiram, perplexos. Até hoje, preconceitos arcaicos são reproduzidos. Estereótipos assim fomentam opiniões e motivações homofóbicas, além de refletir

diretamente na vida social. Que o diga o fato de homossexuais terem restrições para doação de sangue. “A gente sofre com a homofobia fomentada, principalmente, nos anos 1970 e 80, e é muito triste a gente ouvir isso no século XXI”, explica. A falta de informação é, talvez, a lenha que acende a fogueira da desigualdade. O preconceito e os estereótipos, também. Para Gabriel, a solução é lutar. “Temos que pôr a cara pra bater, senão, a gente apanha. Cada militância do dia a dia é importan-

te, assim como andar de mãos dadas na rua. Postar uma foto, uma frase e se assumir nas redes sociais, mesmo não sendo uma obrigação, são atos que ajuda na militância”, completa. O músico destaca: “Eu, Gabriel Peixoto, homem cis gay, me revolto com a homofobia e luto contra ela, mas enxergo que existem outras fobias e outros tipos de preconceito e é isso que mais me entristece. Acredito num mundo melhor, e luto por ele, mesmo que pareça impossível. Sei que ele existe e vou procurar”.

nunca ditas, acusando-o de homofóbico e machista. Entre gritos e injúrias, enfurecido, o pai atirou uma cadeira contra Marcos. A mãe entrou na frente e o objeto a acertou, na boca. Furioso, Marcos investiu contra o pai. No fim da noite, seguia, desampa-

rado, à casa da tia. Um mês depois, começaram as reclamações do tio: “Você ia ficar só uma semana e já está aqui há um mês”. Marcos explicou a situação à mãe, que tentou conversar com o marido. Após ultimato da mulher, o homem

abandonou a casa e os dois filhos. Marcos voltou, mas não teve mais contato com o pai, mesmo hoje, aos 20 anos. A mãe ainda não aceita, nem toca no assunto. É algo delicado e obscuro, que, se dito em voz alta, se transformará em verdade.

CANTO da esperança Embora o cenário não seja otimista, ainda há esperança. O medo da repressão e da violência encarcera homossexuais em estereótipos heteronormativos, empurrando-os para a margem da sociedade. Porém, o medo também fomenta a luta por visibilidade, igualdade e respeito. Em várias cidades, grupos militantes discutem a posição da comunidade LGBT na sociedade, debatendo questões importantes como identidade de gênero, preconceito e resistência. Na televisão, a representatividade das minorias de direito aumenta. A passos lentos, programas e propagandas começam a dar mais visibilidade aos homossexuais, tornando as questões cotidianas de quem sofre com a homofobia um debate público. Nas redes sociais, grupos se formam diariamente. Quem defende a causa se une e promove a luta contra o preconceito, protegendo quem sofre com a repressão e exigindo direitos que os protegem da violência. Eventos como a Parada Gay e os encontros realizados em várias cidades reafirmam a força dos movimentos LGBT. Lutar e resistir é importante. Acreditar que um mundo melhor pode ser construído, mesmo quando parece impossível, é o que move a militância que luta pelo primordial: igualdade o respeito.


10

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Abril de 2017 Jornal Impressão

HERANÇA DA COLONIZAÇÃO

Repórteres do IMPRESSÃO relatam experiências de assédio sexual

A psicóloga Paula Gonzaga ressalta que a questão do estupro está presente na cultura e na forma como a sociedade se organiza, e tem origens na época da colonização do Brasil. “Durante muito tempo, conter e violentar as mulheres cumpria com o papel fundamental na organização da sociedade. No início da colonização, quando os portugueses chegaram aqui, houve estupro sistemático de negras e indígenas, e também de mulheres brancas, que vieram obrigadas a se casar com eles”. Segundo dados de 2011 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil, sendo 89% mulheres. Apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento da polícia, e poucos homens são punidos. “Se o estupro sistemático, enquanto prática cotidiana, é uma das bases da formação da sociedade, o assédio, para a maioria das pessoas, é ainda menos grave”. afirma Paula. A psicóloga acredita que encarar o estupro como algo comum é um fator que só corrobora para que ele aconteça e essa cultura continue. “Quando o homem reivindica um lugar de privilégio, que inclui o corpo das mulheres, isso reforça a cultura do estupro. Não importa o que aconteça, a mulher vai ser culpabilizada”. E as dificuldades na hora da denúncia ocorrem tanto no ambiente familiar quanto nas delegacias, fato que só agrava a falta de punição do agressor e amplia a insegurança da vítima. Paula aponta a mídia como outra ferramenta que ajuda a perpetuar tais violências. Programas de TV e novelas usam os mesmos estereótipos, que tendem a manter não só ideias de

Fotos: Lucas Soares

ABUSO EM GESTO E PALAVRA

Manifestação reúne adeptos no dia Internacional da Mulher

Júlia Amorim Rita Lima Thaynara Carolino Um homem dentro do ônibus, com as pernas abertas, fazia gestos obscenos enquanto nos olhava. “Ei, delicia!”, “Nossa, você está bem boa hoje, hein?!”, “Psiu, gostosa, vem cá!”, “Está me dando muitas vontades…” Que mulher nunca passou por uma situação assim? Durante a realização desta reportagem, passamos por 20 assédios em seis dias. Esses e outros constrangimentos são situações que as mulheres enfrentam diariamente. Práticas que, muitas vezes, são consideradas pela sociedade como meras cantadas ou flertes, mas que, para muitas mulheres, configuram assédio. “A mesma frase que para uma pode ser entendida como uma cantada, para a outra pode ser lida como um abuso.

O assédio se dará de várias formas. Quem pode determinar o que foi um abuso/assédio é a mulher, embora o código penal deixe uma brecha para que o homem alegue ser apenas flerte”, afirma Paula Gonzaga, psicóloga e mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo. O artigo 216-A determina que assédio sexual é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de um a dois anos de prisão, quando a vítima é maior de 18 anos, sendo aumentada em até um terço quando a mulher é menor ou incapaz. O assédio moral, praticado em âmbito de trabalho, cometido pe-

los superiores em uma hierarquia de cargos, não é considerado crime. Inclusive, se o autor declarar que tudo não passava de um flerte, a denúncia da mulher é deslegitimada. Já o assédio verbal, majoritariamente praticado nas ruas, é mais distante ainda da punição, pois o código não o tipifica. “Já pratiquei cantadas e já mexi com mulheres na rua. Normalmente fazemos isso pela conquista e pra ostentar masculinidade. Homens se exibem pra homens pra mostrar quem é o melhor, é uma competição, ridícula mas real”, afirma Jerônimo Silva, escritor e estudante de jornalismo. “Por outro lado, acreditamos que, ao assobiar e chamar de gostosa, estamos elogiando a mulher e fazendo com que ela se sinta atraída por nós“, completa. “A mente de um homem que assedia, fun-

ciona como a de todos nós. Eles têm os mesmos neurônios, o mesmo cérebro, mas foram educados a pensar que mulheres não merecem respeito”, argumentam Virgínia Viana e Fernanda Franco, professoras de psicologia da UniBH. Recentemente, o ator José Mayer usou tal argumento para justificar um caso de assédio contra uma figurinista da Rede Globo, caso de grande repercussão no país. Mayer alegou, em carta pública de desculpas: “sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são”.

Acontece todo dia Caso 1 “Fui pra casa de uma amiga com um vestido soltinho que adoro. Alguns caras me cantam

na rua quando saio com ele. Nesse dia, quando voltava pra casa, entre oito e nove da noite, um carro preto foi diminuindo a velocidade, ao meu lado. Comecei a andar mais rápido e o motorista acelerou. Me chamou pra dar uma volta com ele, além de gritar ‘gracinha’, ‘delicia’. Falei que não, ele insistia. Continuei andando. Como eu não respondia, ele falava: ‘Vai responder não? Vai ser difícil?’. Toquei o interfone de uma casa, peguei o celular e fingi mandar áudio pedindo pra abrir a porta. Ele acelerou e me chamou de mal educada. Balançar a cabeça com sinal de negação, não parece suficiente, é falta de educação para alguns. Agora quando saio sozinha de noite, tento parecer feia, ponho blusa de frio fechada, sempre guardo uma touca na bolsa pra prender o cabelo. Isso

diminui um pouco o problema, mas continuo com medo.” - Brenda Rafaella, 19 anos. Caso 2 “Fui ao ortopedista com minha mãe, quando eu tinha 18 anos. Estava de pé. Ao me examinar, ele passava os órgãos sexuais em mim. Percorria a mão na minha cintura, enquanto analisava minha coluna. Fiquei imóvel, não acreditei no que estava acontecendo, não sabia como reagir, só entendi que foi assédio, um tempo depois. Ele me cantava também na consulta. Minha mãe não percebeu. Pensei em denunciar, mas seria a minha palavra contra a dele, que, além de influente, estava noivo. Rezo sempre para que eu e outras mulheres não tenhamos que passar por isso. ovamente.” conta ‘Maria’, de 19 anos, que preferiu não se identificar.

como as mulheres devem agir, mas, também, a forma como devem ser tratadas, inclusive sexualmente. “Vivemos numa sociedade aliciadora e criamos meninas para que sejam constantemente vistas como objeto do mercado afetivosexual”. “Acredito que a arte – no meu caso, a literatura – serve para denunciar os males da nossa cultura. Escrever sobre minorias e empoderamento é o mínimo que posso fazer e, como foi tão importante para mim aprender sobre tais temas, sinto que é um dever levar a informação adiante.”, afirma Lavínia Rocha, escritora e graduanda em história. “Observei que no carnaval deste ano houve menos assédio. Os homens ainda não compreenderam a diferença entre cantada agressiva e assédio, mas estão respeitando mais. Acho que o recado está sendo dado pelos blocos, com campanhas, marchinhas, hashtags. Não é ensinada aos homens essa diferença (entre paquera e assédio), não é ensinado respeito. Bastou um pouco de boa vontade dos blocos e já vimos algumas mudanças. Imagine se existissem políticas públicas para que estas mudanças acontecessem?” , questiona Patrícia Rodrigues, integrante dos blocos Bruta Flor e Clandestina.

Denúncia O ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher é um disque denúncia gratuito, criado para orientar mulheres em situação de violência. O serviço feito de mulheres para mulheres, tem eficiência limitada. Para registrar uma denúncia, é preciso fornecer algum meio de as autoridades entrarem em contato com o homem acusado: nome, endereço ou telefone.

11

Mulheres marcham à favor de seus direitos e contra o rascimo

canto da Esperança Recentemente, alguns projetos foram fundados para abordar a origem do assédio e seus impactos sobre as vítimas. As iniciativas buscam ampliar essa discussão, e têm ganhado espaço na mídia e nas redes sociais. O “Chega de Fiu Fiu” surgiu em 2014, idealizado pela jornalista Juliana de Faria, participante do TEDx São Paulo de 2015. A campanha, lançada pelo grupo Think Olga, baseia-se no combate ao assédio sexual em espaços públicos. O site permite que qualquer mulher relate, sem se identificar, o que passou ou presenciou. Esses relatos formam um mapa com os indicadores dos lugares identificados pelas vítimas. A ação busca alertar outras mulheres sobre os locais por onde possivelmente passarão, de maneira a evitar que os ataques se repitam. Para dar voz a essas vítimas, por meio de depoimentos em vídeo, o “Precisamos falar do assédio” usou uma van estúdio e percorreu, durante uma semana, as capitais carioca e paulista. O movimento começou a ser organizado depois que as hashtags #meuprimeiroassedio, #meuamigosecreto e #agoraequesaoelas apareceram nas redes sociais. Os criadores observaram a necessidade de também ouvir as pessoas nos espaços urbanos. Ao todo, 140 mulheres, de diversas idades e localidades, participaram da iniciativa. Identificando-se ou não, elas ficavam sozinhas dentro da van e relatavam suas histórias. O conteúdo produzido está disponibilizado no site oficial do projeto.


12

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Fim ou início dos problemas? fotos: izabella cardoso

Brasileiras têm pouco poder de decisão sobre o aborto; números são alarmantes

Stephanie Morgana De tempos em tempos, certos flashes assombram a memória de Joana*. Em tais ocasiões, vêm-lhe à mente as imagens do momento em que sua filha – então, com 16 anos – dizia estar grávida. “De início, foi um choque. Senti-me traída, pois sempre tivemos muita confiança uma na outra. Conversávamos bastante sobre a importância de usar métodos contraceptivos em relações sexuais e não esperava que isso fosse acontecer tão cedo”, conta a mãe, hoje com 66 anos. Depois do choque, o veredito: “Decidi que minha filha não ia dar sequência na gestação”. Joana tinha motivos suficientes, sob seu ponto de vista, para tomar aquela decisão. “O pai da criança, também jovem, batia nela dia sim, e outro também. Isso já é revoltante para qual-

quer um. Imagine para uma mãe?”, desabafa, ao destacar o perfil do rapaz: “Ele era um dos chefes de tráfico do bairro, ex-presidiário, além de acusado de assassinato”. Tereza*, de 53 anos, viveu um dilema diferente: sua gravidez foi fruto de relacionamento extraconjugal. “Há 10 anos, me relacionei com um homem casado e acabei engravidando. Não passava outra coisa na minha cabeça senão abortar. Na época, não tinha condições, pois morava de favor. Portanto, não enxergava outra saída”. Como proceder numa situação como essa? Não existe um manual, e a decisão, quase sempre, envolve contexto familiar, condições financeiras e crenças religiosas.

Fatos sociais Casos semelhantes aos de Paula e Tereza acontecem, e muito. De

acordo com pesquisa realizada, em 2015, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 8,7 milhões de brasileiras entre 18 e 49 anos já fizeram, no mínimo, um aborto na vida. Destes, 1,1 milhão de abortos foram provocados. Por se tratar de uma prática proibida no país, sob pena de prisão, a estimativa é que os números sejam ainda maiores. Hoje, no Brasil, a prática do aborto só é permitida em três situações: em casos de violência ou abuso sexual, quando a gestação oferece riscos à saúde da mulher ou, mais recentemente, quando o feto for anencéfalo. A psicóloga Nilda Ribeiro defende que a escolha de assumir, ou não, a gravidez diz respeito à mulher e ao parceiro – quando houver -. E que, nesse caso, nenhum governo ou instituição é capaz

de decidir por eles. Ainda segundo Nilda, qualquer tentativa de distorcer a discussão revela apenas mais uma desconsideração da sociedade com a condição humana. “Ninguém faz aborto como se ‘estivesse indo para a piscina’. Há conflitos, há dor e muito peso emocional. Não se aborta em qualquer circunstância, senão em situações e relações conflituosas. Portanto, a decisão não está desvinculada da história vivida, da relação consigo mesma, e do relacionamento relação do casal, do ponto de vista familiar, social etc.”, justifica. Debates relacionados ao aborto estão focados, frequentemente, nos aspectos religioso (seria pecado ou não?) e legal (deve-se ou não criminalizar a mulher que aborta e o médico que realiza o procedimento?). Há quem defenda, contudo, que a

questão é muito mais ampla, e, inclusive, deve amparar as políticas públicas que englobam a saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Consequentemente, essas políticas referem-se às responsabilidades a serem assumidas, pelo estado, para com a mulher, inclusive, no que diz respeito à prevenção da gravidez indesejada, que, por sua vez, tem grandes chances de desencadear o aborto. “Aborto é uma prática antiga e universal, e as sociedades devem refletir e assumir responsabilidades”, esclarece a pesquisadora, ao comentar, ainda, que a decisão não se restringe à esfera pessoal, mas é fruto de fatos sociais. “É prepotência pensar que o indivíduo detém todo o poder. Nosso país, por exemplo, deve assumir essa realidade e observar vários aspectos que têm sido desconsiderados”, completa.

Saúde pública Um aborto realizado de forma clandestina – como centenas de milhares que ocorrem anualmente no Brasil – pode desencadear uma série de problemas de saúde para a mulher, como explica o Ginecologista Eunápio Antunes. “O aborto provocado por remédio pode causar enjoo, vômitos e cólicas, bem como hemorragias”. É válido ressaltar, também, que seja por ingestão de dose insuficiente ou gestação em outros órgãos que não o útero, o uso do medicamento pode não ser eficaz e, nesses casos, há grandes chances da criança nascer com má gestação. Já em relação ao aborto estimulado por instrumento a situação é ainda mais grave. “Geralmente, o objeto não é higienizado corretamente e a mulher corre sério risco de contrair infecção.

Em casos mais extremos pode haver perfuração do útero e septicemia (infecção generalizada).. Para a médica Sara Paiva, especialista em Ginecologia e Obstetrícia, é necessário tentar compreender o que se passa na cabeça da mulher nesses momentos, e, ainda, como ofertar ajuda profissional sem represálias. “É muito importante saber que se trata de um momento de desespero para a mulher: ‘O que farei com essa gestação?’. A gravidez pode não ter sido planejada, mesmo dentro de um relacionamento, assim como não desejada, a exemplo de casos de estupro. Em momentos assim, a mulher precisa ser acolhida e ajudada”. A médica lembra, ainda, que, hoje, outro problema diz respeito à falta de profissionais que se atentem a isso. “Ao invés de oferecer auxílio, eles julgam, e, em casos extremos, até chamam a polícia. A função do médico não é julgar, mas ajudar”, completa.

Descumprimento da lei Apesar de ilegal, a prática do aborto é um evento frequente no Brasil. Mas quais seriam os métodos usados para tal fim? Clínicas clandestinas, métodos caseiros e uso de medicamentos são algumas das opções. No caso da oferta de fármacos, há outra questão: o comércio clandestino de drogas específicas. O Misoprostol, ou Cytotec – nome comercial – é um remédio destinado ao tratamento de úlcera gástrica. Porém, também apresenta potencial abortivo. Por esse motivo, o Misoprostol, rapidamente, tornou-se o método de eleição para abortar no país. Ciente disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desde 1998, restringiu a oferta de remédios com esse princípio ativo apenas a hospitais credenciados para tal fim.

Entretanto, não é difícil encontrar plataformas, estabelecimentos ou pessoas que comercializam esse medicamento. Inclusive, o Misoprostol foi o método abortivo usado em ambos os casos publicados nesta reportagem. Apesar de ser, aparentemente, um método mais tranquilo – se é que assim pode ser considerado –, o uso do Misoprostol pode acarretar sérios problemas. “Trata-se de um medicamento que provoca várias complicações, dentre elas, a ruptura do útero. Isto é, as contrações são tão fortes que o útero não suporta e acaba se rompendo. Esse rompimento pode provocar hemorragias internas ou externas, e, em alguns casos, pode provocar a morte da mulher”, explica a médica Sara Paiva. Geralmente, é necessário ingerir quatro comprimidos do Misoprostol – dois via oral, e outros dois no canal vaginal – para estimular o abortamento. Em ambos os casos, da filha de Joana e de Tereza, houve hemorragias externas. “O aborto ocorreu depois de, aproximadamente, três horas da ingestão do remédio. Minha filha teve hemorragia por 30 dias, levei-a ao médico para desencargo de consciência. Os exames não apontaram nenhuma irregularidade, e, com o tempo, o sangramento diminuiu. Não deixou nenhuma sequela”, lembra Joana. Tereza, por sua vez, não teve o mesmo diagnóstico. Além de conviver com a insegurança, o método abortivo teve consequências mais graves. “Tomei o remédio, mas o feto saiu só depois de um mês. Fiquei desesperada porque veio acompanhado de muito sangramento, e precisei procurar auxílio médico. Tive problema de saúde, entrei em depressão profunda e, desde então, eu não posso mais ter filhos”, lamenta.

Abril de 2017 Jornal Impressão

13

Atos de contrição

Como levar a vida após praticar um aborto? Talvez, para aqueles que veem de fora, trata-se de situação tranquila, pois é fruto de escolha própria. No entanto, não é bem assim que tudo funciona. “A questão não é ‘pratiquei o aborto e resolvi meu problema’. Pobre e inocente é quem pensa que a mulher não carrega consigo um peso. Na verdade, a mulher passa a conviver com outro problema, que é: ‘eu cometi um aborto’”, expõe Sara. A psicóloga Nilda Ribeiro defende que, assim como em outras situações, a mulher necessita de auxílio naquilo que considera elaboração de culpa. “A culpa mal elaborada é um dos bloqueios da afetivida-

de. Na forma indevida, ela gera comportamentos por desmerecimento, pois a mulher passa a se sentir diminuída, e cultiva dúvidas sobre seu real valor e seus princípios”. Tudo isso diz respeito, na verdade, ao período pós-aborto – ou seja, às consequências inerentes à escolha da mulher. Pode ser que, no futuro, ao lembrar do próprio ato, a mulher tenha certeza de que tomou, de fato, a melhor decisão, bem como pode ocorrer o contrário. O que deve ser levado em consideração é a forma como cada mulher convive com o fato. “Impossível esquecer. Dói muito. Tirei a vida de alguém. É um arrependimento que vou carregar para o res-

to da vida. Eu poderia ter deixado minha barriga crescer, e, ao dar à luz, alguém poderia adotar. Meu Deus, tem misericórdia!”, suplica Tereza. Joana, por exemplo, confessa que conviveu boa parte de sua vida com o pesar de ter influenciado sua filha a concluir o aborto, porém, encontrou uma saída: “Fiquei com esse peso até me confessar com o padre. Em seguida, ele me absorveu do pecado e diminuiu, consideravelmente, meu sentimento de culpa”, conta. Por considerar que o feto tem vida própria desde o momento de sua concepção, a Igreja Católica é, hoje, a mais severa instituição contra o aborto. Por isso, o IM-

PRESSÃO ouviu a opinião do Padre Marcos Eurélio, com o intuito de compreender como se dá a relação entre pecado, arrependimento e perdão. “Antecipando a possibilidade de haver julgamentos e preconceitos, a Igreja deixa bem claro que todos nós somos abençoados e gozamos da infinita misericórdia de Deus”, explica. Ainda segundo o pároco, trata-se de uma questão de coerência, pois, por meio da Bíblia, Deus se revela como um Deus de amor, e o único com direito e capacidade para julgar. “Portanto, ela jamais poderia negar perdão a um fiel profundamente arrependido, sendo sempre canal de amor, perdão e acolhida”, finaliza.

Canto da esperança Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu parecer favorável à prática do aborto até o terceiro mês de gestação. É importante ressaltar que a decisão diz respeito a um caso específico. Entretanto, abre precedentes para que outros magistrados tomem a mesma decisão. Nesse sentido, a médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia, Sara Paiva, entende que a possibilidade de legalização do aborto pode mudar outro cenário: “A legalização do aborto não está necessariamente associada apenas à diminuição da prática, mas, sim, à possibilidade de reduzir, consideravelmente, o número de complicações e mortes provocadas por aborto clandestino”, esclarece.


14

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Abril de 2017 Jornal Impressão

DOSSIÊ Brasil sem vergonha

Corrupto é o outro Fotos:Lucas Soares

E aí, você já praticou algum ato desonesto?

Henrique Alves Igor Moreira Lucas Soares Marjorie Riff A palavra “corrupção” tem sido usada por muitos brasileiros nos últimos anos. Principalmente, em investigações em torno de grandes políticos e partidos em operações da Polícia Federal (PF), que investigam desde a adulteração da carne até a lavagem de dinheiro, além de peculato e prevaricação, dentre outros crimes. A população se diz insatisfeita com a corrupção no país, que, de acordo com pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial, ocupa o 4o lugar no ranking das nações

mais corruptas – atrás, apenas, de Venezuela, Bolívia e Chade, respectivamente. Contudo, o termo “corrupção” – que tem como um de seus significados a “troca de dinheiro, valores ou serviços em proveito próprio”, conforme o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa – ocupa o primeiro lugar no quesito “maior preocupação do brasileiro”, de acordo com pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2016. Apesar disso, segundo a própria pesquisa, o combate à corrupção não esteve em primeiro lugar nas prioridades do ano em que o estudo foi realizado.

Relação antônima Está certo que a corrupção em grandes níveis afeta a sociedade em geral, devido aos repasses do poder público a diversos setores. Porém, existem, ainda, as pequenas corrupções do dia a dia, frutos do jeitinho brasileiro – famosa expressão popular para definir a capacidade do brasileiro em mudar situações, e desprezar regras, para se dar bem –, acabam institucionalizadas na forma e na frequência. Em outros termos, a “corrupção” está ligada, antonimamente, à honestidade. Ser corrupto diz respeito ao fato de querer se dar bem diante de determinada situação, sem se impor-

tar, muitas vezes, com o outro – uma pessoa que será atingida, também negativamente, devido àquela escolha. Não se trata somente, pois, de desviar verbas em prol de si mesmo. Também há corrupção em filas furadas, contas não pagas, impostos sonegados, atestados médicos falsos e propinas de autoescolas.

Atestado genérico Entre os diversos motivos, justificados como designativos para a corrupção, está a compra de um atestado médico falso. Thiago, de 22 anos, solicitou um desses para ir à famosa festa de São João – evento nordestino típico, reconhecido

nacionalmente, principalmente, pelo forró, e considerado o maior festejo brasileiro, segundo o Ministério do Turismo. Segundo o rapaz, que mora na Bahia, não foi difícil conseguir o documento: “Peguei o atestado com um colega do meu tio, que era médico, para justificar minha ausência”, explica. O estudante, que tinha atividade avaliativa na segunda-feira pós-São João, explica que o colega do tio não cobrou nada, devido à amizade que nutria com a família. “Deu certo e, dependendo da situação, faria novamente”, afirma o universitário. Já com Marcela, de 60 anos, a história é outra: o atestado falso serve

para acompanhar a mãe ao médico. “Na última vez, aleguei que tinha labirintite e fui a BH, também, para acompanhar um atendimento médico dela”, conta. A dona de casa afirma que conhece outras pessoas que usam atestados falsos em diversas ocasiões, além de indicar médicos às suas amigas. “Não recebo nada em troca, apenas indiquei o médico para elas”, declara, ao confessar que já pratica o ato há 20 anos. A compra de atestado médico falso é crime previsto no artigo 304 do Código Penal Brasileiro (CPB): “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts.

297 a 302: Pena – cominada à falsificação ou à alteração”. Já o médico que conceder o documento responde pelo artigo 302, do mesmo CPB: “Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso: Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano. Parágrafo único – Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa”.

Autocorrupção? Teoricamente, as autoescolas deveriam ser locais de ensinamento para aqueles que desejam aprender a dirigir. No entanto, não é bem assim que as coisas funcionam, conforme explicam Rafael e Fernando, com 23 e 32 anos, respectivamente. Rafael é instrutor há oito anos, e Fernando já o foi durante 12. Quando se conheceram, os dois depararam com a seguinte situação: para continuar a exercer a profissão, era necessário pagar um valor a mais para obter o diploma do curso de reciclagem em uma autoescola de Sabará, que funciona com autorização do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Fernando não tinha como assistir às aulas, e, com a contratação iminente, precisava logo do diploma. Então, por indicação da diretora de

uma autoescola de Belo Horizonte, procurou uma mulher, quepor R$ 500, conseguiu os documentos sem que os dois assistissem a nenhuma das aulas. Além desse episódio, o ex-instrutor diz ter presenciado muitos outros casos de corrupção. “Às vezes, chegamos na área de exame, e os examinadores nos abordam, perguntando se teríamos algum esquema para eles. Já usaram o código de ‘relógio’ comigo”, conta Rafael. Existem outros termos famosos, como: “E aí, o que você tem pra mim?”; “O café tá aí?” ou “Tem bombom ali atrás?”. Independentemente da escolha, o objetivo é sempre o mesmo: questionar se há alunos interessados em pagar à parte pela aprovação nos testes de rua ou de baliza. Os atos de corrupção, porém, não se restringem aos instrutores, tampouco aos examinadores. “Por um valor de, aproximadamente, R$ 1600, certos alunos conseguem ser aprovados no dia do exame, embora alguns examinadores peçam muito mais do que isso”, revela. Além dos valores nos dias de exame, Fernando já foi abordado por alunos que ofereciam quantias em troca

Abril de 2017 Jornal Impressão

15

da aprovação. Segundo o ex-instrutor, durante o tempo em foi funcionário de uma autoescola, o esquema de corrupção se assemelhava ao de uma máfia. Fora a corrupção interna, que ocorre e movimenta muito dinheiro, ainda existe um auxílio entre os Centros de Formação de Condutores (CFC), que, quando não fazem algo, indicam algum outro que o faça”

Corrupção em conjunto Para o psicólogo Marcelo Mourão, a sociedade considera corrupção aquilo que vê no outro, e não nos atos praticados por ela mesma – medindo, assim, a primeira como “não aceitável”, enquanto a outra é delicadamente justificada como “aceitável”. Ainda de acordo com o psicólogo, tal distinção ocorre devido ao reforço dos grupos de “pares” em que a pessoa está inserida. “Quando tenho os pares que considero referência para minha vida, e praticamos algo em comum, é como se aquele comportamento fosse balizado no meio social”, explica. Às vezes, o ato de corrupção fica tão comum em determinado grupo que a pessoa opta por condenar apenas aqueles que estão ao

lado, sem olhar para o meio no qual está inserido. Mourão também destaca a diferença entre perversão e atitudes corruptas. Para ele, a perversão tem o delito como desafio. Já as corrupções do dia a dia proporcionam benefício direto ao corrupto – trata-se de benfeitoria muito rápida, pois o caminho normal, possivelmente, seria mais difícil. “Esse tipo de corrupção é sempre facilitado pelo

reforço do grupo, que é meu balizador para analisar o risco e avaliar a prática”, explica. O motivo de tais atitudes se replicarem crescentemente, segundo Mourão, deve-se ao fato de que raramente existe punição para aqueles que praticam um tipo de corrupção, por menor que seja. “Isso vira senso comum. Às vezes, o sistema fica tão corrompido que a pessoa vê que outras já praticaram, foram

pegas, mas, no entanto, a consequência não foi tão grave – ou foi tolerável”, comenta. Um caminho possível para diminuir a corrupção seria, de acordo com o psicólogo, olhar para si mesmo e refletir sobre atitudes banais do cotidiano. “A corrupção é muito próxima de nossa formação. Precisamos analisar se já praticamos algum ato que não estava diante do sistema, se burlamos algo”, finaliza.

Canto DA ESPERANÇA As Organizações Não Governamentais (ONGs) também buscam combater a corrupção no Brasil. Tais entidades são responsáveis por desenvolver importante trabalho. Eis alguns portais apartidários e completos sobre o assunto: • Transparência Brasil (www.transparencia.org.br): a página se concentra em acompanhar o destino do dinheiro público por meio das contas do governo publicadas online. Conta com linguagem acessível, um blog e projetos específicos para alguns ramos da população. • A campanha “O que você tem a ver com a corrupção?” (www. oquevocetemavercomacorrupcao.com) explica, de forma concisa, como, ao se omitir, a pessoa contribui com a propagação da corrupção. Já ganhou âmbito nacional e conta com inúmeros vídeos e artigos na rede. • O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (www.cnpg.org.br) é de enorme importância para o esclarecimento das dúvidas da população acerca de assuntos públicos, como Direitos Humanos, violência, dentre outros. A corrupção também tem espaço na página, onde são publicados, semanalmente, os resultados da iniciativa. • Para ficar atento às pautas públicas, siga a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp): www.conamp.org.br. O propósito é apresentar, de modo claro, as últimas notícias do governo.


16

Abril de 2017 Jornal Impressão

Jornal Daqui (Buritis e Região)

A novela do asfalto Foto: William Araujo

Avenida Mário Werneck precisa de novo recapeamento; vereador e moradores se unem para cobrar providências

Principal avenida do bairro Buritis tem diversos trechos “remendados”, ao longo de seus três quilômetros e meio

Victória Farias William Araújo O trânsito volumoso é um dos principais problemas do Buritis. E a principal avenida do bairro tem sofrido na pele. Isto é: no asfalto. Em 16 de março, na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), moradores do bairro Buritis se reuniram para discutir o recapeamento da Avenida Professor Mário Werneck. Moradores do bairro e profissionais da imprensa, ocuparam o Plenário da Câmara Municipal, para acompanhar a pauta, protocolada pelo vereador Elvis Côrtes. A discussão não só analisou a execução de parte do recapeamento das vias da avenida, mas também fotografias dos danos mencionados. Segundo o vereador, foram feitas visitas à Regional Oeste, além de reuniões junto ao Secretário de Obras Josué Valadão, para discutir o problema.

A obra Uma audiência foi estabelecida para esclarecer por que parte da via ainda não havia sido refeita. O asfalto da avenida Mario Werneck na altura do número 2691, continua como antes do início das obras. Estavam presentes os responsáveis e encarregados pelo melhoramento da via. Ao ser informado que cerca de R$700 mil de reais foram necessários para a modificação da avenida, fato apurado pelo Jornal Daqui BH, o vereador demostrou surpresa. Um dos representantes da ABB, Rômulo Belfort, disse que o primeiro orçamento repassado pela Sudecap girava em torno de R$1,2 milhão. O representante da Regional Oeste noticiou que, em relação ao bairro Buritis, existe uma questão inerente ao trecho citado, que é de responsabilidade da Sudecap. Concordou que a situação carecia de uma obra mais

complexa e pediu que o representante da Superintendência explicasse o que deveria ser feito. Maurício Cangussú Magalhães, técnico enviado pela Sudecap, relatou que o trecho entre as ruas Alessandra Salum Cadar e Maria Heilbuth Surette se trata de um “fundo de talvegue” (local de maior profundidade no leito de um rio), onde as águas das bacias de contribuição se ajustam. “O serviço lá não é puramente a aplicação de uma camada asfáltica. Portanto, iremos fazer a sinalização horizontal e melhoramento da drenagem superficial da via”, descreveu o representante. Ainda de acordo com o técnico, em frente ao UniBH será feito o serviço de fresagem, em que acontece o desbastamento de uma camada de revestimento existente para a aplicação de um novo asfalto. Após explicações, foi aberta a palavra aos moradores do bairro.

Queixas O argumento da Sudecap não convenceu os moradores por completo. Um dos residentes do bairro disse que o lençol freático sempre existiu, mas somente há dois anos o lugar se tornou um caos. “O asfalto anterior durou muito mais tempo do que aquele que foi feito agora e está todo remendado. Eu compreendo suas dificuldades técnicas, mas não convencem”, declarou.

O asfalto anterior durou muito mais tempo do que aquele que foi feito agora e está todo remendado. Rômulo Belfort, representante da Associação de Moradores do Bairro Buritis (ABB), pontuou que Gelson Antônio Leite, Coordenador de Administração da Regional Oeste, já trabalhou na Gestão Compartilhada e, na época, recebeu a ABB, que lhe apresentou todos estes problemas.

“A reclamação é veemente desde o governo Márcio Lacerda. Participo da Comissão Regional de Transporte e Trânsito (CRTT) e estes problemas não são de agora. O Buritis não é o bairro mais populoso da cidade, mas, em arrecadação, é o primeiro. E nós não temos nada de volta. Não temos uma escola pública, não temos um posto de saúde”, diz o representante da ABB.. O posto médico não pôde ser construído por causa do terreno íngreme. “O morador do Buritis precisa tomar uma vacina contra Febre Amarela e, quando vai no Palmeiras, é mandado para o Estrela Dalva. Vai no Estrela Dalva e é direcionado para o Vila Antena”, completa Gelson. Em defesa, o Gerente da Gasmig, Adil Vitório dos Santos Filho, citou três grandes intervenções no Buritis. “Hoje, aproximadamente 90% do bairro tem acesso ao gás natural e

essa intervenção possibilitou a ligação de mais de 16 mil residências, além dos comércios. A Gasmig é, sim, fiscalizada pelo PBH e pela Secretaria de Regulação Urbana; com eles, a Sudecap, que além de nos fiscalizar, nos orienta e dá apoio técnico. Sobre os dois trechos citados, teríamos que fazer uma intervenção na base que extrapolaria nossa expertise e nosso foco de atuação, por isso a Sudecap assumiu a responsabilidade”, garante Adil. Ao fim, foram aprovados os novos requerimentos solicitados pelo vereador Elvis Côrtes: pedido de informação à Gasmig sobre a qualidade das intervenções feitas no bairro Buritis, e de auditoria pública com a finalidade de discutir a reconstrução da pavimentação. Nas futuras audiências, serão discutidos os prazos para execução das obras e, quem sabe, chegar ao último capítulo dessa novela.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.