Edição 201 - Caderno 2

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Rafael Viana

Jornal do Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 34 • Número 201 • Junho de 2016 • Belo Horizonte • MG


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Literatura

Junho de 2016 Jornal Impressão

Quando acaba o “felizes para sempre”

Luiz Vila Real Há quem sonhe com uma sociedade perfeita e que, daqui a séculos ou milênios, a espécie humana aprenda com seus erros e passe a conviver na mais perfeita harmonia, com a natureza e consigo mesma. A isso, damos o nome de “utopia”. Agora imagine o cenário oposto. Uma hierarquia engessada, desigualdade social explícita, população moldada de acordo com as vontades dos poderosos que controlam o sistema, e uma sensação artificial de liberdade. É na desesperança que as distopias se baseiam. A palavra “distopia” pode ser nova para muitas pessoas, mas o conceito já é conhecido há muito tempo.

Quando começou O século XX trouxe muitos receios a respeito do futuro. As grandes “bênçãos” da Revolução Industrial foram desmascaradas. Alienação, manipulação de massas, vigilância, poder de destruição, tudo isso começou a ser abordado e discutido, principalmente nas artes. Charles Chaplin evidenciou isso numa

de suas maiores obras, “Tempos Modernos”, em que seu personagem vive uma rotina completamente automatizada, como a própria linha de montagem onde passa seus dias apertando parafusos, monitorado pelo chefe por meio de telas e alto-falantes. Na música, Zé Ramalho seguiu o mesmo teor, em sua canção “Admirável Gado Novo” .

Vocês que fazem parte dessa massa Que passa nos projetos do futuro É duro tanto ter que caminhar E dar muito mais do que receber E ter que demonstrar sua coragem À margem do que possa parecer E ver que toda essa engrenagem Já sente a ferrugem lhe comer Êh, ô, ô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz!(...) Zé Ramalho Ainda na primeira metade do século passado, dois livros essenciais nessa filosofia foram lançados: “Admirável Mundo Novo” publicado em 1932, por Aldous

Huxley e “1984”, de George Orwell, lançado em 1948. O primeiro aborda um futuro hipotético no qual as pessoas são pré-condicionadas biologica e psicologicamente para conviverem de forma harmônica numa sociedade de castas. O segundo traz o cenário do pós-Segunda Guerra, onde o mundo é regido por três grandes Estados totalitários, e os cidadãos vigiados vinte e quatro horas. O legado de Orwell é espantoso. Quando se fala da profusão de câmeras de vigilância, a primeira referência é 1984. O reality show mais copiado ao redor do mundo carrega o nome do ditador do romance: Big Brother – traduzido como Grande Irmão, mas cujo real significado é “irmão mais velho”, alusão a uma figura protetora que zela pela população como se fosse sua própria família. No filme O Show de Truman: O Show da Vida”, de 1999, Truman Burbank tem sua vida transmitida pela televisão, na forma de um seriado. A cidade onde mora não passa de um cenário gigantesco, montado para o show, e

a realidade em que vive é completamente simulada: as situações que vivencia seguem o script do produtor executivo, as pessoas com quem convive são atores, e a equipe do programa pode controlar até o clima do local. Muitas vezes, a distopia anda de mãos dadas com a ficção científica, e a tecnologia é um dos elementos principais do enredo. O Exterminador do Futuro e Eu, Robô mostram um mundo onde robôs se revoltam contra os seres humanos, colocando em pauta as consequências negativas do desenvolvimento tecnológico sem limites.

A arte imita a vida? Para entender mais sobre o tema, entrevistei dois escritores ligados às distopias. O primeiro é Jorge Lourenço, autor de “Rio 2054 – Os filhos da revolução”. Lançado em 2013 o livro retrata um Rio de Janeiro que ainda sente as marcas de uma guerra civil, colonizada por multinacionais que utilizam espionagem industrial contra as adversárias. O personagem principal, Miguel, vive nos guetos da cidade, sobrevivendo de sucata tecnológica que coleta. Lourenço há muito aprecia a ficção científica e as obras distópicas.

Aliou a paixão literária à experiência como repórter de política e economia no Jornal do Brasil. “Me deu muita vontade de escrever a história de um Rio futurista e distópico. Reuni questões como exclusão social, desigualdade, o poder das empresas sobre a política, tudo amarrado em uma trama de ação e suspense” conta ele. Segundo o autor, as distopias são recorrentes, vão e voltam através do tempo. “Elas reaparecem quando há uma sensação de descrença e esgotamento com as instituições.”. Quando Jogos Vorazes, foi lançado, em 2008, os EUA tinham passado pela conturbada administração de George W. Bush, referida por Jorge como “uma das piores da história recente do país.”, além de ser o início da crise econômica que levou grandes bancos e empresas automotivas, como a Chrysler, à falência. O livro de Jorge começou a ser escrito nessa época, e, mesmo lançado em 2013, recebeu ótimas críticas. “A recepção positiva dos leitores e dos blogueiros me surpreendeu. Como é meu primeiro livro, não esperava avaliações tão positivas ou vendas tão boas.” conta. Danilo Silveira

Luiz Vila Real

Literatura distópica mergulha em um futuro sombrio; escritores falam sobre o gênero


Literatura Mas o escritor tem uma boa visão do futuro da humanidade. “No Brasil dos anos 80 e 90, por exemplo, o número de homicídios e saques a supermercados, por pessoas desesperadas, era notícia comum nos jornais. E até pouco mais de um século atrás, não escolhíamos nossos líderes e escravizávamos pessoas baseados na etnia delas.” Por fim, ressalta que estamos caminhando para uma sociedade mais desenvolvida, e acredita que as distopias servem para focarmos nesse caminho do progresso.

Distopia e folclore Luiz Brás (um dos heterônimos do escritor e pesquisador Nelson de Oliveira) tem uma experiência literária mais vasta. Mergulhou no universo da ficção futurista ainda na adolescência, na ditadura militar. Uma de suas

obras, Distrito Federal, mistura políticos corruptos e demônios do folclore nacional com uma realidade dominada pela biotecnologia e tecnociência. Sua obra também faz uma homenagem a Mário de Andrade e Raul Bopp, remetendo ao épico e ao mítico. “Foi a maneira que encontrei de ampliar um pouco os limites do gênero, a fim de atualizar o modelo literário tradicional”, diz Luiz, explicando o que diferencia seu livro das histórias que apresentam cenários pós-apocalípticos convencionais. O espaço da ficção futurista no Brasil ainda é muito pequeno, configurando um tipo de “literatura marginal”, segundo o autor. O motivo seria a postura conservadora de intelectuais, da crítica acadêmica, dos grandes editores e das premiações, que criam um abismo entre

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Jorge acredita que as distopias servem para criar um senso crítico, a partir do questionamento de um determinado aspecto da sociedade. “Em Jogos Vorazes, por exemplo, vemos a questão da repressão e da sociedade do espetáculo. Em 1984, uma crítica aberta aos regimes ditatoriais comunistas e o controle de informação. Tudo isso ajuda a mostrar aos leitores – de forma artística – as consequências extremas que alguns elementos do presente podem ter no futuro,” argumenta. Jorge acredita que “as distopias são como uma lupa: colocam o foco sobre um problema do presente e ampliam ele no futuro”. E dá uma dica: o autor deve saber dosar essa crítica, para que a história não se torne panfletário: um produto que prega determinado tipo de pensamento ou doutrina.

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O escritor Luiz Brás explora elementos da ciência e da tecnologia ao compor seu universo ficcional

os produtores desse gênero, levando o grande público a prestigiar apenas autores estrangeiros. Luiz complementa que, embora falte divulgação para os lançamentos nacionais, existe muita qualidade em obras como “Réquiem: sonhos

proibidos”, de Petê Rissatti, “Cyber brasiliana”, de Richard Diegues, e “Terras metálicas”, de Renato C. Nonato. Mesmo com todas as dificuldades atuais, Luiz mantém postura otimista, e comenta, como que declamando uma

poesia: “Ainda acredito que forças positivas, poéticas, criativas, utópicas, enfim, que forças humanistas iluminarão a tempo esse princípio de caos, obrigando as baratas medievais e os ratos fascistas a voltar para o esgoto da História”.

Após protestos das empresas, o governo derrubou o site Megaupload, na época o maior domínio de compartilhamento de arquivos, e seu dono, o alemão Kim Schmitz, conhecido pela alcunha Kim Dotcom (o sobrenome faz referência ao domínio de sites comerciais, o “.com”) foi preso. Como reação, o grupo de hackers Anonymous atacou sites do governo dos EUA e de empresas que apoiavam a SOPA. Endereços como o do Departamento de Justiça e o da gravadora Universal Music saíram

do ar. Ativistas do grupo usaram máscaras de Guy Fawkes, numa referência ao personagem anarquista V da graphic novel “V de Vingança” – outra grande distopia. O livro Cypherpunks – Liberdade e o futuro da Internet, escrito por Assange e outros três hackers, revela que a espionagem não se restrige a órgãos como a CIA, mas também atinge os mecanismos de busca. O maior exemplo é o Google, que já conta com o navegador Chrome e o sistema operacional Android. Todos os dados que cadastramos em sites, as

páginas que visualizamos, mensagens que recebemos, estão armazenados. E como os servidores que guardam tais dados estão numa localidade só, uma invasão nos sistemas poderia deixar o destino de bilhões de usuários nas mãos de pessoas más intencionadas. E você? Acredita que nossa sociedade caminha para um futuro promissor, ou vamos nos curvar ao Grande Irmão? O lema do Socing, doutrina política de 1984, “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força” regerá nossos dias?

Luiz Vila Real O ano é 2010. O planeta inteiro conheceu o “WikiLeaks”, com a publicação de um vídeo de 17 minutos, que mostrava uma operação militar do exército estadunidense no Iraque. O conteúdo era assustador: soldados atiravam em doze civis desarmados, de dentro de um helicóptero. Duas das vítimas eram jornalistas da agência Reuters. Nos meses seguintes, vieram à tona inúmeros documentos confidenciais, com potencial desastroso: 75 mil diários militares sobre as ações no Afeganistão, que relatavam assassinatos de civis inocentes; 400 mil relatos sobre a ocupação do Iraque, que confirmavam a tortura de prisioneiros; 251.287 comunicados diplomáticos que mostram o comportamento de líderes dos países em seus gabinetes, longe da vista da população.

Pedidos feitos por Hillary Clinton, então secretária de Estado dos EUA, já daria a base de um roteiro distópico: diplomatas de 33 consulados e embaixadas foram instruídos a espionar representantes de várias nações na ONU, coletando desde número de cartões de crédito e senhas, até dados genéticos, do próprio DNA. O nome por trás das revelações é o australiano Julian Assange. Saudado como herói da liberdade na internet, mas perseguido por governos das grandes potências, o jornalista e ciberativista vive em asilo político na embaixada do Equador em Londres, desde 2012. O lema do WikiLeaks prega a liberdade para os anônimos e transparência para os poderosos. A luta pelo direito de privacidade no âmbito virtual tem sido a bandeira defendida pelos hackers – termo usado para definir pessoas que

dominam a linguagem da programação e criam sistemas, mas que é usado, pejorativamente, como sinônimo para criminosos que invadem redes de computadores para roubarem dados. Em 2011 e 2012, duas leis tramitaram no congresso dos EUA, chamadas de SOPA e PIPA, ambas focadas no combate à pirataria na rede. Os projetos dariam poder de intervenção a grandes empresas em sites hospedados em território estadunidense. De um lado, grandes sites como o Google, Facebook, Wikipedia e Twitter defendem o livre acesso às informações e ao conhecimento. Contra eles, empresas de entretenimento, como The Walt Disney Company, Universal Music Group e Eletronic Arts, alegam a necessidade de preservar dois milhões de empregos e 95 mil pequenos negócios do ramo televisivo e cinematográfico.

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O Grande Irmão vive?


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Artes Cênicas

Junho de 2015 Jornal Impressão

Miragem? O circo é real! Sérgio Gandra

Um dia com a trupe do Mirage Circus

Em busca do equilíbrio constante: artistas circenses não se intimidam com os gritos da plateia, cobrem-se de luzes, dominam a adrenalina e mostram que o circo é mais que uma vocação

Artur Vinícius Célio Júnior José Cordeiro Sérgio Gandra Capaz de reunir diferentes especialidades artísticas, o circo é um dos movimentos culturais mais conhecidos em todo o mundo. De mágicos a malabaristas, de palhaços a ilusionistas, com bailarinos, ou, até mesmo, contorcionistas, há mais de um milênio, as apresentações circenses contagiam crianças e adultos. Desde a infância, Marcos Frota é apaixonado pelo ambiente do circo. Criador do “Maximus”, em 1990, o ator e trapezista mineiro viu que, após 25 anos de apresentações, era preciso inovar. Durante uma viagem aos Estados Unidos, conheceu o cassino Mirage e percebeu que, em Las Vegas, poderia começar o novo projeto circense.

Em alusão ao cassino que conheceu no território norte-americano, Mirage Circus foi o nome escolhido para a empreitada. Hoje, o mágico Deivid Evans, o equilibrista - e também locutor - Fábio Rangers, o malabarista Denis Silveira, e os palhaços Chuvisco e Chapelito, assim como um grupo de bailarinos e globistas, formam o grupo de artistas que desfez as malas, na capital mineira, no início de abril deste ano. “Trabalhei no Beto Carrero, no Stankowich, no Khronos e, agora, estou no Mirag”, diz a bailarina Giovana Robatine, que abre o show de apresentações junto a outras seis bailarinas e ao equilibrista Fábio. “Nasci aqui e toda a minha família é do circo. Sou a quinta geração de artistas. Nunca morei na cidade. Meu marido, meu filho, minha mãe

e minha irmã, são todos daqui”, continua a bailarina, ao confessar que ama a profissão, além de possuir relação tênua e muito boa com o público. Chuvisco reforça o coro: “É incondicional o amor que temos pelo que a gente faz. Estou aqui desde os cinco anos. Aprendi com a minha família e é realmente muito bom quando vemos uma criança sorrindo. Um momento de alegria, para o público, nos encanta”, diz o palhaço, que costuma levar as pessoas da plateia ao delírio - e, também, ao palco das apresentações. A terceira atração é o show de mágica. Deivid Evans apresenta truques os mais diversos. Entre desaparecimentos de pessoas e objetos, é possível perceber a concentração do mágico, que não deixa o público respirar, nem

por um minuto. Para isso, é preciso muita prática: “Treinamos, praticamente, todos os dias após o show. Quando acaba o espetáculo, o pessoal vai embora e começamos a treinar”.

Superar é preciso Segundo os funcionários, diversos equipamentos do Mirage Circus foram feitos na Europa. A lona em forma de castelo é um deles. Quatrocentas toneladas de aparelhagem de som, iluminação, vestimentas, e instrumentos para os artistas, assim como cenários destinados às apresentações, são usadas para entreter mais de 1.500 pessoas, número que representa a capacidade média do circo.”Levo sempre uma palavra comigo: superação”, diz o locutor Fábio Rangers, ao descrever o trabalho de produção do espetáculo. O show dura duas

horas divididas em dois momentos. O primeiro envolve dança, coreografias, truques de mágica e ilusionismo, assim como muito bom humor com o palhaço Chuvisco. Já o segundo, apresenta o palhaço Chapelito, trapezistas e a novidade do circo: o menor globo da morte do mundo. Projetado para apenas três motos, ele consegue abrigar seis motocicletas, que se movimentam, ao mesmo tempo, dentro de um pequenino espaço. O sucesso foi tão grande que o livro dos recordes - Guinness Boook - inseriu a atração em seus dados. “Adrenalina e sensação única”, enfatiza o globista Valdemir Joaquim, que dirige uma das motos durante o show. “Não só como artista, mas, também, como pessoa, superar-se é apresentar algo melhor

hoje do que ontem. Todo dia, o público é diferente, assim, são diferentes as palmas e, os risos. Isso faz com que a gente se renove a cada dia”, reforça o locutor Fábio Rangers, quando perguntado sobre os elogios recebidos pelos belo-horizontinos. Quando Marcos Frota pensava em qualquer coisa inovadora , não desejava, necessariamente, uma atração circense nova, mas sim, apresentações surpreendentes para atrações já conhecidas do público. Algo, enfim, que pudesse trazer curiosidade às pessoas e fazer da ida ao circo uma prática costumeira, tanto de crianças quanto de adultos. Bom... Ao menos mais de um milhão de pessoas já dividiram essa sensação com ele. E as apresentações pelo Brasil só estão começando.


Fotos: Sérgio Gandra

Artes Cênicas

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TRAMAS CONTEMPORÂNEAS

Junho de 2016 Jornal Impressão

Diga-me o que veste... Caio César

Código de roupas é um dos inúmeros pré-requisitos da noite de alto luxo em BH

Para ser bem recebido nas boates ultraluxuosas de Belo Horizonte, é preciso estar bem vestido, disposto a abrir a carteira e ávido por visibilidade

Caio César Thamiris Fiorino Os valores envolvidos chamam a atenção. Frequentadas por públicos de alto poder aquisitivo, as baladas cheias de sofisticação e glamour são uma opção refinada para aqueles que estão a fim de gastar. Nos espaços chamados “camarote gold”, reservados aos “seletos” e de carteira recheada, poucos são aqueles que atingem o ápice da agitação nas noites belo-horizontinas. Tamanha expectativa, porém, pode gerar frustrações, especialmente, pelos rigores exigidos – a exemplo da exigência de um “dress code” (código de roupa). Nesta reportagem, ao frequentarmos ambientes VIPs, foi possível presenciar festas em que as pessoas são repreendidas, justamente, em função de seu look, digamos, inadequado. “Eu estava elegante, mas me disseram que, da próxima vez, não entrarei”, comenta um frequentador, que preferiu manter o anonimato. Um dos sócios do empreendimento põe panos quentes e garante

que a base de seu dress code é a elegância. “Afinal, elegância não é futilidade, mas respeito, o que não quer dizer que se trate, apenas, do jeito de vestir”, explica. “Gritar na portaria, desrespeitar os funcionários ou perder o controle por estar bêbado também é ser deselegante”. Para o empresário, a escolha seletiva do perfil dos frequentadores da balada, é o sucesso para estar no meio destes endinheirados. O ambiente é frequentado por um público específico, com looks ditados pela moda atual. No interior do espaço lounge, mulheres “causam”, com vestidos bacanas, paetês, tecidos metalizados, calças personalizadas, saltos e maquiagens caprichadas. Há, também, garotas descoladas, que não usam bolsas, e aquelas sexies demais. Todas, porém, em alto nível, com trajes condizentes ao estilo pessoal, à idade e ao tipo físico. Afinal, é a balada mais chic de BH. Os homens usam calça social brim, jeans com lavagens escuras e médias e sapatênis. Alguns estão de camisa social, com mangas

dobradas, para garantir certo ar informal. Reparamos, também, logo na entrada, uma hostess encarregada de avaliar os possíveis clientes da boate, que devem se enquadrar no perfil exigido. No caso destes repórteres, não respeitamos a regra básica da boate: nosso traje estava pouco sofisticado. Chegamos ao local, porém, de BMW, dispostos a gastar muito dinheiro, sem dor na consciência. Pensamos que o acesso seria restrito, com privilégios apenas para associados no dia, mas foi uma quinta comum. Na portaria, deixamos R$ 400 de entrada. Detalhe importante: para um simples mortal, neste tipo de balada, o código de roupa é respeitado. Exceções são possíveis desde que se mantenha a elegância no visual, sempre a critério da hostess.

Troca de figurinhas Os preços da boate começam em R$ 400, para quem tem nome na lista ou conhece um dos promotores de eventos. Já para quem não tem tal privilégio, a entrada pode chegar a R$ 800. “Fizemos essa

opção para nos adequar aos padrões das grandes baladas”, diz um dos jovens empresários sócios da filial, em Chicago. No cardápio de bebidas, há marcas como a vodca Belvedere, a R$ 169 a garrafa, e o champanhe Veuve Clicquot, de R$ 387,90. A reserva de um lounge para 12 pessoas não sai por menos da bagatela de R$ 3 mil. A noite é animada por vários DJs, sobre a deep house, nos dois palcos que ficam em frente aos camarotes. Há, ainda, quatro pistas de dança planejadas, para que todos tenham ótima visão dos shows, e, também, das pessoas mais ousadas no look. A boate segue o estilo de programação open format, de modo a oferecer vários formatos de músicas, com um line up (alinhamento) heterogêneo, voltado para o house music. O projeto foi feito por um designer alemão, da equipe do Studio 54, de Nova York. É correto, mas peca, justamente, pela localização dos banheiros. O sobe e desce de escadas, depois de umas e outras, não é nada interessante. As pessoas

se aglomeram em grupinhos e muitos cheiram cocaína ali mesmo, sem pudor. Alguns preferem no banheiro, de forma mais discreta. Porém, a troca de figurinhas – também chamada de “fornecimento de drogas” – funciona de forma livre, dentro dos ambientes. Os frequentadores da balada mais chic da capital costumam dizer que estão ali em busca de tudo e mais um pouco, menos de perder a classe. Nesses locais, está vetada a atividade de garotas de programa. “Se um cara entra com uma, não posso fazer nada. Mas, aqui, ela não pode cobrar pelo serviço”, explica Thomaz, também sócio da casa. Já as mulheres “de classe” têm carta branca, são bem vestidas e trajam o cross code ideal para a noite.

Atrás da porta O lado secreto da balada mais chic não difere de qualquer outra casa noturna no Brasil, a exemplo de um baile funk proibidão. Percebemos, em síntese, o grande poder aquisitivo das pessoas e a facilidade que têm para manter

seus vícios e sustentar a boa vida, independentemente de prestarem contas ou não. Para o clima ficar completo, o uniforme dos garçons, sob o estereótipo gogo boy, faz referência aos trajes mais elegantes da elite americana. Para manter uma das melhores casas noturnas do mundo não é fácil. Há necessidade de um rígido controle de regras. Pessoas mal vestidas não entram, e a entrada é preferencial para sócios e clientes, que precisam efetuar reservas e inserir convidados em lista avulsa. Contudo, nada é garantido. O doorman e a hostess são responsáveis pelo controle da lotação da casa e carros importados são bem-vindos. Não adianta, porém, tentar ir “mais descontraído”. Por outro lado, quais seriam os problemas em não vestir uma etiqueta de marca? Na verdade, para estas pessoas, quanto mais caro, melhor. Para os donos da boate, trata-se de maneira de manter o padrão. “Desde o começo, implantamos essa regra, mas ninguém reclamou”, afirma um dos empresários.


TRAMAS CONTEMPORÂNEAS

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De: Pains (MG) | Para: mundo Ele só pensava em estudar no Canadá, mas acabou por conhecer uma infinidade de países Foram mais de 80 países, cerca de 300 lugares e incontáveis memórias. Eis, nos últimos tempos, a vida do painense João Guilherme Goulart, de 35 anos. Pois não é que, sem a ideia de dar a volta ao mundo, o mineiro saíra do Brasil, no dia 26 de março de 2013, tão somente, para uma simples temporada de estudos no Canadá? Sem confiança na fluência do inglês, acabou por estudar a língua durante seis meses, mas com tempo limite de três anos para se descobrir e descobrir (literalmente) o mundo. No mais, cultivaria um trimestre em Victoria (no oeste), 90 dias em Ottawa (no leste) e uma única certeza: é preciso deixar o solo canadense. Como tinha licença do trabalho até março de 2016, João não quis perder tempo. Ele não tinha ideia, contudo, sobre por onde começar. Decidiu iniciar a viagem pelos países que adoraria conhecer, e fez uma “seleção” das épocas mais equilibradas – do ponto de vista climático – em cada país, para, assim... seguir estrada! Ou melhor: oceano. A cada cidade ou país visitado, o mineiro se encantava com algo diferente e tinha certeza de que o mundo era mesmo sensacional. “Em alguns lugares, permaneci mais tempo devido ao custo -benefício. A China, por exemplo, foi um país encantador. Aproveitei 35 dias e pude conhecer Pequim, Xangai e a famosa muralha”, conta, ao destacar que também explorou muito bem a Rússia: “Vivi 25 dias por lá e estive em Moscou e em São Petersburgo”. João revela, ainda, que as coisas que mais o influenciavam nas esta-

dias eram o tamanho do país – ou da cidade – e a facilidade de trânsito. “Para um mochileiro, os meios de transporte são mais limitados, já que, às vezes, precisamos de um 4X4 para ir aos lugares mais afastados”, explica. “Os países mais caros tinham que ser conhecidos rapidamente”, confessa. Surpresa é outro elemento que não faltou durante a viagem. Em sua passagem pela Europa, por exemplo, o mineiro desbravador conseguiu um visto de 21 dias na Armênia. Gostou tanto do país que, ao se dar conta, faltavam apenas dois dias para ir embora e ele nem se lembrava mais do “meio mundo” a ser ainda percorrido. Em outro momento da viagem, após seis meses na Ásia – e já saturado da cultura budista –, João decidira mudar os planos ir para as Filipinas e a Indonésia. “Alterei minha rota e realizei uma de minhas maiores aventuras. Percorri mais de dez mil quilômetros de trem, de Pyongyang, na Coreia do Norte, a São Petersburgo, na Rússia”, afirma.

(Re)encontros Situações inusitadas, realmente, não faltaram ao longo dos anos na estrada. Para além das dificuldades de entrar em países mais fechados, João lembra a felicidade nos olhares dos africanos, a emoção de um encontro com o Papa Francisco e as coincidências ao ver amigos mochileiros em diversos pontos do mundo. “Em um desses encontros, na Albânia, conheci um italiano que também percorria o mundo. Um tempo depois, nos reencontramos, por acaso, na Geórgia, pois nos hospedamos no mesmo hostel”, diz, ao frisar que combinaram de ir juntos à Armênia, mas os planos foram

modificados e tomaram rumos diferentes. “Contudo, quando passei pelo Irã, escutei meu nome sendo gritado, enquanto visitava uma praça. Era o italiano”. No meio de 2015, João passou por outra situação emocionante: sua mãe foi encontrá-lo na Europa. Durante uma semana, os dois conheceram a Holanda e puseram as conversas em dia. Afinal, eram quase dois anos de saudade acumulada e de muitas histórias atrasadas. A saudade só não foi maior porque o filho criou uma página, nas redes sociais, para postar os relatos de viajante: “Sabe do João?” fez sucesso e o ajudou com uma ação criada no meio da viagem. A história é a seguinte: no meio da viagem, João se viu em lugares completamente humildes e fora do avanço tecnológico. Em países como Malawi e Etiópia, a pobreza era extrema e, certamente, aquelas pessoas jamais tinham tido contato com fotografias e câmeras. Isso, até que o mochileiro das Minas Gerais pisasse por lá. “Ao sair de Omã e passando pela Etiópia, reservei filmes e os revelava instantaneamente”, descreve. Os sorrisos das pessoas o encantavam, mas, como os filmes eram poucos e muito caros, João precisava poupá -los: “Tive, então, a ideia de recorrer à tecnologia. Usei minha página no Facebook para promover uma ação e comprar mais filmes”. As doações foram muitas! A página “Sabe do João?” se encheu de pessoas de diversos países, que deram o que podiam para ver os sorrisos dos africanos revelados no papel. “Fiquei surpreso com a repercussão do projeto e tive a certeza de ter con-

tribuído para a alegria de muitas pessoas”, garante. Os três anos de viagem contribuíram para o crescimento pessoal de João. As culturas absorvidas, as pessoas com quem fez amizade e as memórias guardadas são um legado de coragem e emoção, que fará parte da sua história. A viagem terminou no dia 26 de março de 2016, com a chegada em sua cidade natal, no centro oeste mineiro.

Bufunfa australiana! Aos interessados, João reservou uma dica importante sobre sua experiência de volta ao mundo. Ao sair do Brasil, ele não perdeu o emprego. Na verdade, garantiu uma licença de três anos, reuniu quantia suficiente para a aventura e pôde percorrer o caminho tranquilamente, sem precisar trabalhar. “Porém, não é isso que acontece em todos os casos. Se o seu emprego, no Brasil, não lhe permite ter renda suficiente para bancar a viagem, é possível tirar um visto de trabalho na Austrália ou na Nova Zelândia, por exemplo. Trata-se de países onde vale a pena ter emprego, para juntar dinheiro e usá-lo para dar a volta ao mundo”, explica o viajante mineiro. Imagens: Acervo Pessoal

Amanda de Almeida Mariana Campos


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Eu estava lá

Junho de 2016 Jornal Impressão

Sou (exatamente) o que leio Clarisse Antunes

Para além de obras, Bienal do Livro reúne experiências pessoais e escritas independentes

Estandes do evento são ambientes propícios ao encontro de pessoas interessadas em ler, conhecer e dividir experiências literárias e pessoais

Clarisse Antunes A literatura nos proporciona viagens. Trata-se de experiências capazes de fazer com que as pessoas se identifiquem com certos personagens ou momentos da história. Não é difícil encontrar leitores que se emocionam ao perceber que certa obra retrata, justamente, uma experiência pessoal – por mais singela a menção de tal episódio nas páginas escritas. Território propício a tais vivências, a quinta edição da Bienal do Livro de Minas, realizada, em abril, no Expominas, ofereceu a seus visitantes uma gama de variedades e gêneros literários. Em meio a quadrinhos, versos de cordel, literatura infantil, clássicos e best sellers, os visitantes apreciaram encontros de autores, debates, espaço Geek, além de uma série de palestras com personalidades como a jornalista Leila Ferreira, a escritora e colunista de moda Cris Guerra e o padre Fábio de Melo. Para além da programa-

ção formal do evento, a reportagem do IMPRESSÃO resolveu propor, aos frequentadores, um saboroso desafio: “Que tal nos contar sua história de vida a partir de livros presentes nos muitos estandes da Bienal?” A primeira a responder à questão é a empresária Ana Cláudia, de 44 anos, que mora em Caeté (MG): “Quem me roubou de mim?, do padre Fábio de Melo, me fez muito bem. Eu o li em um momento conturbado. Minha mãe, já falecida, recebeu-o de presente e o deixou para mim. É uma história de vida misturada ao enredo”, ressalta. Logo no primeiro dia, ela se sente grata e satisfeita com o que presencia na Bienal: “Assisti à palestra do Padre Fábio, peguei um autógrafo no livro, tive a oportunidade de falar com ele sobre o que aconteceu e pude pegar uma bênção”, conta. A empresária, que já participou de outras edições da Bienal de Minas, trabalha com o marido, o escritor Mau-

ro Brandão, de quem coordena os projetos literários. Quando a reportagem a aborda, ela está no meio da leitura de uma obra do esposo, Na solidão do outro: “É um livro com o qual qualquer pessoa, em qualquer momento, vai se identificar”. Ela nos conta da complexa história e chama a atenção para uma característica interessante: “Há frases e parágrafos que terminam sem nenhuma pontuação. Não é erro, mas estilo. É preciso ler o livro para entender o motivo”, explica. Mauro, que também está no evento para divulgar seu trabalho, fala da paixão pelo ofício de escritor e ressalta a importância da matéria -prima dos escritores: “O papel da escrita é fazer com que a palavra seja viva. Ela tem a função de mover, e o papel do escritor é manipulá -la, para causar impacto no leitor. A humanidade vem da palavra, que fez a diferença e pode causar guerra e paz”.

Escrita múltipla O processo da escri-

ta de um livro demanda tempo e dedicação. Cada autor conta com um modo particular de trabalho e características que o diferenciam dos demais. A reportagem conversou com a escritora, teóloga e professora alagoana Cida Lima. Durante a entrevista, ela falou sobre a história de Quem tem medo do Lobo Mau?, sua obra mais recente, exposta na Bienal. “Cada livro é escrito em estados e regiões diferentes do país. Estudo a cultura daquela cidade, as figuras de linguagem, os pratos e as lendas. Todos os meus livros vêm com a lenda urbana mais contada na cidade. Não é o enredo da história, mas, em algum momento, ela aparece”. Para a autora, uma das características importantes de um livro é a capacidade de emocionar o leitor. “Quando você está escrevendo, tem emoções reais. Se não sentir, não emociona. Eu consigo, com pouca descrição, te colocar dentro da história, porque também sou

roteirista. Às vezes, descreve-se tanto que o leitor perde a capacidade de imaginar. As pessoas precisam desenvolver a imaginação, pois pensar também é algo que se aprende a fazer”. A escritora independente Maria das Graças Toledo, de Lagoa Santa (MG), também prioriza a emoção em suas histórias. Na Bienal, ela exibe suas três obras: Dores da alma, Querida mãe e Rosa flor. “Todos os meus livros me proporcionaram grandes emoções. Cada um me deu uma emoção diferente”. Ao escrever Dores da Alma, a autora conta ter entrado no mundo da fantasia. “É como se tivesse uma bola com os personagens dentro. Ao mesmo tempo em que estou fora, estou dentro dessa bola, pensando, vivendo e sofrendo a história”, destaca. Quando questionada se as histórias são reais, Maria das Graças responde que sim, pois sua vivência e parte de si estão ali. “Escrevo desde a juventude. Comecei com

poemas e meus primeiros versos, escritos aos 16 anos, falavam sobre a necessidade da rotatividade da vida. É o melhor exercício linguístico e, também, para a alma, porque temos que trabalhar com ideias e emoções”. A autora relaciona a personagem Vovó Mafalda, do livro Querida Mãe à avó Francisca, que faleceu aos 45 anos, vítima de tuberculose: “Nunca conversei com ela, mas guardo sua imagem como a de uma pessoa maravilhosa”, completa. Já Heloisa Ribeiro, de 24 anos, já morou na Inglaterra e nos EUA, pouco antes de começar a escrever o livro Kamel. “Demorei seis meses para escrever e dois anos para publicar”, conta. A obra centra-se em ambientações e é bem descritiva, com linguagem mais rebuscada. A arte da capa também foi feita pela autora. Suas inspirações são internacionais, voltadas para histórias sombrias dos séculos XVIII e XIX, de autores como Edgar Allan Poe, Voltaire e Goethe.


UM DIA NO...

Junho de 2016 Jornal Impressão

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Eu e Matusalém no Parque da Mônica Aos 40 anos, repórter do IMPRESSÃO realiza sonho de infância e conta a experiência ao leitor Rodrigo Oliveira

Acervo Pessoal

O mês de março começou cheio de ansiedade e sonhos. Afinal, eu completei 40 anos no dia 21, mas o meu grande presente veio poucos dias antes, no dia 4. Um amigo de longa data, Matusalém Duarte, me presenteou com uma viagem a São Paulo, para assistirmos ao show da Cláudia, ícone da MPB nos anos 70 e 80. Confesso que eu mal podia esperar para colocar os pés novamente em Sampa. Eu estava com o coração na mão, mas não por medo do voo, e sim pelas emoções que viveríamos ali, diga-se de passagem, muitassss, para poucos dias. Enquanto colocávamos as malas no quarto de hóspedes, tive uma ideia meio maluca, mas que poderia dar certo, se eu usasse um pouco da minha audácia. Comuniquei ao meu amigo que queria ir ao Parque da Mônica. Ele deve ter pensado que era doidice da minha cabeça, pois não estava nos nossos planos. Rapidamente, liguei para o local, que fica no shopping SP Market, na zona sul de São Paulo. Fui muito bem atendido por telefone e me transferiram três vezes. Ao falar com a terceira

pessoa, uma moça chamada Juliana, expliquei que era jornalista em formação, e que queria fazer uma matéria sobre o Parque da Mônica. Como num passe de mágica, vi que meu sonho de estar ali, com os personagens que povoaram a minha infância (e que ainda povoam parte da vida adulta) aconteceria. Ela me disse que poderíamos ir, e que nossa entrada estaria liberada na portaria. Ao desligar o aparelho, senti um misto de ansiedade, alegria, e muitas outras sensações. A pressa nos dominou. Afinal, os personagens só ficariam no local até às 16 horas. Trocamos de roupa rápido, e seguimos em direção ao famoso parque. Chegando lá, eu fui comprar um bloquinho numa loja do shopping, pois, como um bom jornalista, não podia faltar às anotações. 16 reais um bloquinho de nada! Puxa, mas valia a pena, pois não íamos pagar os salgados $180,00 reais do ingresso do parque. Um valor de que não dispúnhamos, pois estávamos com o dinheiro contado para os outros programas. E lá estávamos nós, dois marmanjos de 38 e 40 anos, revivendo bons tempos de nossas infâncias. Tudo ainda estava fresquinho, pois

o parque foi inaugurado no dia 04 de julho de 2015, exatamente onde ficava o antigo Parque da Xuxa. O espaço é grande (12 mil metros quadrados), cheio de estátuas gigantes, médias e pequenas por todos os lados, com todos os personagens da Maurício de Souza Produções, preparado para receber até 3 mil pessoas. Normalmente, a atração recebe um público familiar, de idade bastante variada, além de oferecer pacotes especiais para grupos de pessoas. O Parque da Mônica já esteve no Rio de Janeiro, Curitiba, Campinas, e até em Luanda, capital da Angola, todos inaugurados nos anos 2000, sendo que apenas o de São Paulo continua ativo. Meu interesse maior era ver os personagens “vivos”, tirar fotos com eles, saber como piscavam (coisa que eu não descobri, pois me disseram que os atores assinam um contrato para não revelarem o truque). Então, adentramos a casinha cor de rosa da Mônica, e lá estava a dentuça mais amada do Brasil, com sua fiel amiga comilona, a Magali. Fotos daqui, fotos dali, um papinho com as personagens, como se elas fossem reais, humanas. A sensação era de muita magia.

Mas onde estavam Cebolinha e Cascão? Eles se aprontavam para tirar fotos com as crianças, e apresentarem o show musical com as outras personagens. Simplesmente um sonho! Ao som de músicas da Turma da Mônica, do barulho das vozes eufóricas das crianças, e de sons decorrentes dos brinquedos, éramos novamente dois criançolas. Não tínhamos olhos para ninguém e nada do que não fosse uma atração do local, de modo que nem percebemos a reação das pessoas e dos funcionários diante dos dois adultos desacompanhados de crianças. Sei apenas que foram gentis e amáveis conosco o tempo todo em que estivemos lá, da entrada à saída. Havia muitos adultos com suas crianças. Alguns deles também entraram no clima, tiraram fotos, e brincaram nos brinquedos, como se usassem como desculpa o fato de estarem ali com seus filhos, escondendo aquele desejo de “se jogarem” nas atrações do local, que não eram poucas, pois pelo menos 20 brinquedos compõem o parque.

Para a posteridade Queríamos registrar tudo! Além das inúmeras fotos feitas com celulares, fizemos fotos

profissionais com os fotógrafos deles, e elas eram vendidas à parte, pelo preço de 35 reais, cada. Realmente, não ia dar mesmo para comprá -las. Tudo no Parque da Mônica é caro demais! Pudemos observar que as crianças que frequentam o local eram de classe média alta. Quase todas compravam as fotos, brinquedos e balões com os personagens. Do lado do parque, havia uma loja de enlouquecer qualquer fã da Turma da Mônica, com preços enlouquecedores também. Uma boneca Mônica pequena custava $100 reais. Uma Mônica gigante, fabricada pela Mimo, em 1986, pode ser encontrada em sites da internet, como o Mercado Livre, por menos que isso. Enfim, chegaram Cebolinha e Cascão, com suas atuações perfeitas!

Pena, mas não esperamos o show no palco, com as músicas tradicionais da década de 70. Tínhamos que ir ver outro ilustre personagem da mesma época, lá na TV Cultura: o Garibaldo, do inesquecível programa Vila Sésamo. Fizemos as últimas fotos no Parque da Turma da Mônica, e deixamos o local com uma sensação muito boa. Sim, realizei um sonho antigo, junto com um amigo de anos, e sem pagar nada por isso. Claro, eles têm muito interesse na imprensa. Foi tudo espetacular! Mas ainda viveríamos muito mais emoções à noite, quando fomos ao show da Cláudia, e ouvimos todos os seus antigos e novos sucessos. Aquele 4 de março ficou marcado em nossa história. Não me canso de agradecer ao amigo Matusalém pelo grandioso presente.

Em tempos de crise... No site Mercado Livre Boneca da Mônica, 50 cm, item de colecionador, $100 No sebo Sétima Arte, Ed. Maletta Boneca da Mônica, 15 cm, usada, $30 Na Lojinha da Mônica (física e virtual) Boneca da Mônica, 34 cm, nova, $104 Na loja Ri Happy Boneca da Mônica, 34 cm, nova, $126


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VOCÊ JÁ LEU?

Junho de 2016 Jornal Impressão

Ela realmente existiu? Após 25 anos do lançamento de Hilda Furacão, de Roberto Drummond, permanece o fascínio com a personagem e o livro trama. E o fim da anterior só é exposto nos capítulos seguintes. Ele até brinca: “Me desculpem, tias Ciana e Çãozinha, que devem estar muito curiosas, mas isso, só revelo mais pra frente”. A narrativa também prende a atenção do leitor e leva a reflexões sobre política e moral, ao mostrar a sociedade belo-horizontina às vésperas do golpe militar de 1964, cheia de moralismos, tentando acabar com a zona boêmia da cidade – onde vive Hilda. A guerra é entre os beatos da cidade e aqueles que querem a permanência da Zona. Um ponto positivo para a narrativa é a condução do leitor, pelas histórias emocionantes e intrigantes de Hilda. Por outro lado, o início da trama, recheado de rodeios sobre a vida do autor, pode desanimar. O leitor quer logo saber sobre a personagem que dá titulo ao livro, mas isso só acontece após o décimo capitulo. Outro ponto frustrante da história é o desfecho - desculpeme, mas é inevitável um spoiler– onde é esperado que Hilda, após largar a vida na Guaicurus, vá se encontrar com o Frei Malthus e viver uma linda história de amor. Mas isso não acontece. Uma tensão criada no leitor, pelo fato de a narrativa caminhar para um “final feliz”, mas Drummond quebra as expectativas. Seria um artifício, utilizado para mostrar que na vida real não existem finais felizes? Ao término, em uma conversa com Hilda, em Buenos Aires, para onde ela teria partido após a frustação com o Frei, o autor retoma a pergunta que intriga a todos: “Hilda Furacão continua um mistério. Por que ela foi para a

Zona Boêmia num dia 1º de abril, quando era a Garota do Maiô Dourado e por que saiu cinco anos depois, também num primeiro de abril?”.

Como resposta, Roberto ganha as últimas linhas do seu livro: “Por que você não diz aos leitores que, tal como contou no seu romance, eu,

Hilda Furacão, nunca existi e sou apenas um primeiro de abril que você quis passar nos leitores? Por que não diz isso?”. reprodução

“Boato festivo, colorido, maravilhoso...”, dizia Roberto Drummond, quando indagado sobre a existência, ou não, da Garota do Maiô Dourado. Seria uma ficção, ou realmente existiu Hilda Furacão a mulher que mexeu com o imaginário nacional? Há 25 anos, o jornalista e escritor Roberto Drummond (19332002) mergulhou no universo do desejo e saiu de lá com uma personagem envolta em nuvem de mistério e sensualidade. daí nasceu Hilda Furação. Jovem de beleza tentadora, era figura frequente na piscina e nas missas dançantes do Minas Tênis Clube. De família tradicional e da Zona Sul de Belo Horizonte, Hilda tinha uma vida desejada pela maioria das moças daquela época. Desprezava todos os pedidos milionários de casamento e, por algum motivo secreto, decidiu trocar o clube, no dia 1º de abril de 1959, pelo quarto 304 do Maravilhoso Hotel, na zona boêmia da cidade. Por lá ficou até 1º de abril de 1964. Por duas vezes, no dia da mentira. Coincidência ou destino. Foi desejada por pobres, ricos, santos e pecadores. Conhecida na classe média alta belo -horizontina, ela desnorteou a tradicional família mineira ao se tornar a prostituta mais famosa e mais desejada da zona boêmia da capital, nos anos 1960. Para a nova moradora da Guaicurus havia filas, os homens a veneravam, coronéis lhe prometiam vida luxuosa, outros muito dinheiro, e até mesmo um frei foi contaminado pelo que Drummond denominou de Mal de Hilda. No romance, a vida

de Hilda cruza-se com a de três rapazes vindos de Santana dos Ferros: Malthus, que queria ser santo, mas se tornaria frade dominicano, e o grande amor da Garota do Maiô Dourado. Outro, Aramel, o Belo, queria ser ator em Hollywood — tornase Don Juan de aluguel. O terceiro, aquele que queria ter sua Sierra Maestra, é o próprio Roberto, narrador da história, que também tenta, como repórter da Folha de Minas, desvendar o segredo da personagem principal: O que levou a Garota do Maiô Dourado, de classe média a largar a vida com os pais na Pampulha e os estudos no Colégio Tiradentes, a passar a dedicar a vida aos desfavorecidos? Após passar por diversos locais onde viveu Hilda; conversar com seus familiares, amigos e conhecidos; e tentar tirar da própria boca da personagem, o motivo de sua ida para Guaicurus, Roberto não consegue decifrar o enigma. E esse ar de mistério repercute durante toda a narrativa. Além de abordar a história da personagem que dá nome ao romance, o lugar da protagonista é dividido pelo narrador que conta a sua história, que gera várias outras histórias. E essas ações que transcorrem no texto conferem uma dinâmica que prende o leitor à narrativa. Os capítulos são expostos no modelo de folhetim, e enumerados de forma crescente em números. Dessa maneira, cria-se um suspense, que buscamos desvendar com a leitura do próximo. Um artifício utilizado por Roberto é narrar diferentes histórias, sem revelar o desfecho, e passar para o próximo, já com outra

reprodução

Thiago Fonseca

Ícone em Belo Horizonte, Hilda foi retratada em livro e na TV

Ficha técnica Título: Hilda Furacão País de origem: Brasil Autor: Roberto Drummond Editora: Geração Ano de publicação: 2008 (Originalmente em 1991) Páginas: 295


VOCÊ JÁ VIU?

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A veracidade que liberta Scorsese e Saramago lançam outras luzes sobre a vida de Cristo

As obras O português José Saramago, no alto de seu ceticismo, quebrou, pela literatura, os paradigmas temporais e morais do Cristo, o deus, e de Jesus, o terráqueo. Em O evangelho segundo Jesus Cristo, o autor equivale o herói de uma personalidade só, o humano que se tornou santo após a morte. Fruto de uma matinal relação sexual entre os jovens Maria e José, ele teve irmãos e puberdade. Conviveu lado a lado com o diabo, que o instigou. Deus era uma presença distante para o futuro rabi. Só apareceria para projetar o enredo do jovem Jesus, a fama de ser lembrado por gerações. O Cristo, por um acaso, viveu os passos do pai – herdando até as sandálias do genitor. Teve a arte de José, amou uma mulher de mesmo nome e morreu da mesma morte, idade e jugo. Saramago compara dois extremos de feminilidade naquela sociedade: a dona de casa e a prostituta. Maria, longe de ter sido virgem e mãe de um filho único, é a imagem feminina em uma sociedade patriarcal, inferiorizada intelectualmente, sem voz moral, mulher de um homem só e de

Ficha técnica Título: A última tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ) País: Canadá; EUA Diretor: Martin Scorsese Roteiro: Adptado da novela The Last Temptation, de Nikos Kazantzakis Gênero: Drama; Ano: 1988 Duração: 164 min

muitos filhos. Maria Madalena, a prostituta, é dona de sua vida e de seu dinheiro – o qual, aliás, lhe escraviza. Com base em Freud, Saramago aproxima Jesus e Madalena. O Cristo viu na mulher o que seria sua mãe, pelos cuidados e pelo carinho prestados a ele. Outra paráfrase do Messias nas artes é o filme A última tentação de Cristo, de Martin Scorsese, de 1988. Baseado na novela do grego Nikos Kazantzakis, o longa retrata a vida de um jovem que fabrica cruzes para o Império Romano, Jesus, perturbado por vozes divinas. A imagem carismática do Cristo – fabricador de um instrumento de tortura de judeus – contrasta com a figura de Judas, zelote e guerrilheiro que tenta salvar seu povo das crueldades. O que viria a ser o traidor era apenas um rebelde que combateu o domínio romano na Judeia. Já Jesus conduzia-se pelo amor ao próximo (respeito), sentimento desconhecido pelos costumes da época. A amizade de Jesus e Judas continha ambivalências. Iscariotes acreditava que alguém – o Messias – libertaria o povo de Israel do jugo romano. Já o Cristo esperava compreensão e abrigo, tanto que confiou no amigo para traí-lo. Após crucificado, Lúcifer, em visão (ou delírio), deu a Cristo o que ele tanto sonhava:

uma vida normal. Viveu amor platônico com Madalena e amou-a como se fosse a última. Deus viria tirar a vida dela e transferir o filho que esperavam para o ventre de Maria, a irmã de Lázaro, a qual amou como se fosse a única. Depois de estabelecer família e moradia, Jesus deu-se ao luxo de Jacó e se deitou com sua cunhada, e com ela povoou, ainda mais, a Terra. Na visão ideológica da tentação, Jesus seria o traidor, a usufruir de bens e amores, enquanto seus discípulos ardiam e combatiam por sua causa. Os desfechos aproximam as duas obras. Em ambas, Cristo agoniza na cruz. Nenhuma, porém, o revela ressuscitado. A vida eterna, para ambos os “autores”, é a forma como a história de Cristo se perpetua – o que fica evidente nas cenas finais do filme, e, indiretamente, no acordo que deus firma com Jesus, no romance. No livro, deus fornece poderes ao Messias, a fim de provar e angariar seguidores. No longa, os milagres eram naturais: Jesus expulsava demônios, curava cegos, transformava água em vinho e era tentado por serpentes com vozes demoníacas.

As repercussões À época do lançamento do livro, em 1991, Portugal vivia em plena democracia, longe dos anos de salazarismo. Ainda assim, Saramago – que já sofrera

Ficha técnica Título: O evangelho segundo Jesus Cristo País de origem: Portugal Autor: José Saramago Editora: Companhia de Bolso (Cia das Letras) Ano de publicação: 2005 (Originalmente em 1991) Páginas: 376

censura na função de editorialista do Diário de Lisboa – teve o romance reprovado pelo governo português, por ofender os princípios cristãos. Saramago se exilou em Lançarote, nas Ilhas Canárias, onde viria a falecer em 2010. A última tentação de Cristo também sofreu retaliações, mas de civis. A mais marcante foi o atentado,

em 1988, ao teatro Saint Michel, por um grupo fundamentalista cristão francês armado de coquetéis molotov. Espectadores ficaram feridos e o cinema, danificado. O filme ficou proibido em alguns países, inclusive, na América Latina – Argentina, Chile e México. Quanto ao ateu Kazantzakis, foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Grega. reprodução

Longe da figura divina do profeta, Cristo é, para as artes, um personagem fascinante. Sua “vida humana” é permeada de dúvidas sobre a veracidade dos fatos (milagres, tentações, visões). Como foi seu envolvimento com Maria Madalena? O que houve dos 12 aos 30 anos do Messias? Por que desapareceu da história seu pai? Jesus teve irmãos? Renata Pallottini, no livro Dramaturgia, alega que “o autor, na criação de um personagem, desenha um esquema de ser humano”. Criar uma personalidade verossímil não significa investir em seres comuns ou realistas. Peter Berger e Thomas Luckmann, no livro A construção social da realidade, lembram que “a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente”. Cristo foi filho de deus e de uma virgem? Morreu na cruz e ressuscitou três dias depois? É uma realidade dentro do campo imagético em que habita. Talvez seja a bíblia um grande romance, seguido, erroneamente, de forma literal. Como afirma Pallottini, é possível haver verossimilhança nas fadas que voam – salvo que existem apenas em seu mundo (o con-

to de fadas). Segundo Ítalo Calvino, todas as realidades e fantasias só tomam forma por meio da escrita.

reprodução

Danilo Silveira


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crônicas

Junho de 2016 Jornal Impressão

Imprevistos de trânsito

Todo mundo tem uma rotina. Às vezes, achamos ruim quando ela sofre reviravoltas. Mas, nessa ida e vinda de ônibus, quando buscamos lugar ao sol, deparamos com situações que podem ser revigorantes para seguirmos mais atentos ao que estamos nos tornando. Sei que, nos coletivos, é onde eu mais aplico meu papel como cidadão, e paro para pensar na forma como a sociedade é ingrata. Certo dia, quando ia me divertir, vi um menino vendendo balas. Calças jeans surrada, blusa xadrez, tênis da Nike e cabelo arrepiado. Me pareceu contraditório o fato de ver uma vítima do capitalismo vestida de capitalismo. Ele pedia para que comprassem balas para ajudar a família. “Por favor, gente!”, suplicou o garoto. Algumas pessoas levaram uns chocolates, mesmo que não quisessem no momento, enquanto outras torciam o nariz, fingindo não ver o garoto de aproximadamente 13 anos que, num sábado, vendia suas mercadorias. Mas, enquanto uns vendem, outros pedem. Estava eu de pé, indo para a faculdade, quando um rapaz, bermuda

jeans rasgada, blusa de frio surrada e um chinelo barulhento, sentou no chão ao lado de minhas pernas. Ele, então, disparou: “Vou ser sincero com vocês. Preciso de dinheiro para comprar minhas drogas. Eu não roubo, não mato. Eu sou mais um drogado”. Comovidas com a sinceridade e receosas com o motivo, senhoras mexiam em suas bolsas enquanto cochichavam. Uma delas procurava algo, mas uma menina disse: “Ele não quer

nada de comer, não, senhora. Quer fumar maconha”. A senhora, que conseguira um pacote de biscoitos, olhou-a e, com doçura, disse que não importava, queria dar o biscoito ao jovem. Só não foi possível porque ele já havia descido em uma estação anterior, sem muito êxito no pedido. Ver aquela senhora com um coração tão puro me deixou com um aperto no meu. Pensei em como há pessoas boas no mundo, em todos os lugares. Noutro dia, uma se-

nhora entrou e deu boa tarde. Não contente com a resposta baixa, cumprimentou novamente. “Lá na Paraíba, o pessoal responde a gente. Boa tarde, pessoal!”, disse mais alto. Com a resposta mais calorosa, lembrou da terra natal e contou sua história. Soropositiva, ela busca em Belo Horizonte uma melhor forma de vida. Reclamou do famoso “sistema” e imediatamente me lembrei da música de Cazuza: “Nas noites de frio, é melhor nem

nascer; nas de calor; se escolhe matar ou morrer”. Nesse dia, a temperatura atingia mais de 30°C. Vestido azul, cabelo branco amarrado com um rabo de cavalo, e uma simplicidade no falar – com sotaque típico nordestino –, a mulher pedia uma ajuda para seus custos. Interagia com os passageiros, contando como contraiu a doença do marido e, sincera, disparou: “Não o perdoo, pois não são Deus para perdoar ninguém”.

Minhas impressões

Mirianne Torres

Hoje em dia, tudo é culpa da crise. Talvez por isso, eu esteja afastado do meu trabalho. Ou não, pois já faz um ano e meio. Estava na ativa desde 2003. Sempre fui um funcionário exemplar. Iniciava meus trabalhos às 8h da matina, mesmo trabalhando em casa, e só parava às

Antes de descer do ônibus, ela agradeceu aos que a ajudaram, assim como aos que não tiveram condições. Ao profetizar que as coisas melhorariam, despediu-se dos viajantes e, em instantes, as pessoas ficaram caladas. Caladas por não saber o que fazer. Caladas por perceber que não dão o verdadeiro valor à vida. Caladas por serem estapeadas por luvas de pelica – mas capazes de agredir tanto quanto as mãos de um homem valente. William Araújo

Lucas Soares

18h. De vez em sempre, fazia hora-extra, mas “tava” de boa: o importante, pra mim, era e é o trabalho. Minhas obrigações sempre foram bem feitas. O dia todo passando para o papel o que meus colegas de trabalho faziam durante horas e horas. Era um saco! De tão cansativo, ficava até divertido. Eu, pelo menos, não

trabalhava tanto assim, só tinha que colocar no papel o que os outros tinham pensado, elaborado e refeito. Às vezes não saía tão bom assim, admito, mas refazia de boa. Era minha obrigação. Até ajudava os outros. Já ajudei a Carmem, a Tereza, o Bruno e o João com seus afazeres, e mais um monte de gente folgada, que nem um “Deus lhe

pague” dava. Às vezes, faltava material na casa e eu ficava de folga. Como vou trabalhar assim? Meu chefe me entendia, e até me deixava morcegar um “tiquim”. Quem não quer uma folguinha de vez em quando? Tinha dia em que eu não exercia nenhuma função profissional. Ficava lá servindo de cabide para ele. Eu se-

gurava de tudo: de camisa a cafezinho coado na hora, me queimava e me sujava... e suportava sem reclamar. Nunca dei problema, a não ser no dia em que a chefia não conseguiu mais me bancar. Poxa, não tenho culpa se o meu vale -alimentação custa R$ 270. Coisa básica, dois cartuchos: preto e colorido. Afinal, sou uma

impressora HP Deskjet 3650 Color Inkjet. Tudo o que eu quero é voltar para minhas atividades normais. Sei que a chefia é estudante e não tem grana para me bancar. Mesmo assim, espero ansiosamente pelo dia em que ele se lembre de mim e me chame de volta para ajudá-lo. Até lá, ficarei no modo standby.


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