JORGE LOPES
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH Ano 35 • Número 205 • Junho de 2017 • Belo Horizonte • MG
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Tramas contemporanêas
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Ascendente em mistério Para além das tensões entre Astronomia e Astrologia, o que há, afinal, por trás dos signos?
Érica Rodrigues (Leão) Pâmela Andrade (Capricórnio) Renata Rodrigues (Gêmeos) Thaís Nascimento (Gêmeos) Ciência é conhecimento; conhecimento, ideia. Você tem ideia do que é Astronomia? E Astrologia? Uma é ciência; a outra, não. Uma é arte, mas a outra não? As atividades astronômicas influenciam a sua vida? Como? E os estudos astrológicos? Você é daqueles que lê o horóscopo antes de sair de casa? Não confunda o “Astro”, não confunda
as estrelas, não confunda os signos. Segundo o dicionário Melhoramento, Astronomia é a ciência que se ocupa da constituição e do movimento dos astros, de suas posições relativas e das leis de seus movimentos. Na visão popular, a área estuda os fenômenos físicos fora da Terra. E qual seria a relação com a Astrologia? Nenhuma! Isso mesmo: “nenhuma”. Astrologia é a arte divinatória, que consiste em determinar a influência dos astros no destino e no comportamento dos homens. Ops! Não entendeu nada? Fique tranquilo, pois nós explicamos: trata-se, tão somente, do estudo da influência dos astros, especialmente de signos, no destino e no comportamento dos ho-
mens – mas isso sem comprovação científica. Tudo isso serve para que vocês entendam que a Agência Espacial Norte-americana, a Nasa, divulgou o surgimento da décima terceira constelação zodiacal, chamada de Ophiucus (Ofiúco), que deu origem a especulações astrológicas sobre o décimo terceiro signo do Zodíaco, o Serpentário. E aí, o que muda? Nada. Isso mesmo, nada. Na verdade, a descoberta da constelação se deu em 1925, em Cambridge, durante uma assembleia da União Astronômica Internacional, e a Nasa afirma que eles não alteraram quaisquer sinais do Zodíaco. Isso é apenas matemática. Segundo a Astrologia, isso acontece por-
que os planetas não emitem luz, e precisam que as estrelas o iluminem. Apenas agora é que aparelhos de precisão puderam detectar tais variações. Por isso, quem sabe a gente encontra outros planetas por aí?
Características Para quem segue, fielmente, os signos do zodíaco, não se preocupe. Apesar da ciência não reconhecer a Astrologia como tal, o astrólogo e professor Lagam Santos afirma que “apesar da existência de 13 constelações zodiacais, existem apenas doze signos”. Ele explica que o Zodíaco é um círculo que abrange a esfera celeste, formado por 13 regiões e constelações: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem,
Libra, Escorpião, Serpentário, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Depois que Libra passa por Escorpião, o sol cruza o Ofiuco, entre 30 de novembro e 17 de janeiro, antes de entrar em Sagitário. No entanto, segundo palavras do professor, “essa passagem não é considerada pela Astrologia”. Então, acalmem-se! Quem é de Áries continua a comandar as coisas. Quem é de Touro, permanece metódico. Gêmeos continuará se comunicando; enquanto Câncer vai continua com a família; Leão, dominador; Virgem, humano; e Libra não perderá a balança, ops... o equilíbrio; Escorpião continuará extremista; e Sagitário, com energia total. Já Capricórnio
continuará introvertido; Aquário, intelectual; e Peixes, com muito amor pra dar!
Autoconhecimento É bom avisar: Astronomia e Astrologia não se bicam! Conversar com um astrônomo, sobre Astrologia, é pura perda de tempo. O astrólogo Lagam Santos diz que sua área não segue metodologia, a exemplo da Astronomia. Além disso, estudos comprovam que o “horóscopo não tem relação estatística com a personalidade de um indivíduo”. Como o Brasil é um país cheio de crenças, é difícil deixar de acreditar em algo inserido na cultura. Para Lagam Santos, “uma em cada quatro pessoas no Ocidente acredita no poder Foto: Renata Rodrigues
Daniela Terezinha (Capricórnio)
Tramas contemporanêas mosia, da rigidez e da insensibilidade. Dentro do elemento ar, temos os signos de Gêmeos, Libra e Aquário, que representam a mente, o intelecto e a respiração. São signos da razão, da comunicação, do entendimento. O corpo percebe que tem uma mente que capta informações para compreender o mundo à sua volta. Em excesso, significa rebeldia, dispersão, mentira e frieza. O último elemento água, com os signos de Câncer, Escorpião e Peixes. A característica principal é a emoção e o coração. Tais pessoas vão além do entendimento da mente. O excesso dessas características diz respeito à infantilidade, à chantagem e à manipulação.
Signos do poder Quem nunca se pegou lendo um horóscopo, para verificar se suas características batem e até se enxergam no papel de um Libriano, Sagitariano ou Ariano? Bruna Rezende, de 22 anos, geminiana e com ascendente em Capricórnio, diz que é um pouco dos dois. Ela é versátil, comunicativa, vendedora de ideias (Gêmeos), mas bem pé no chão. Firme, ela preza pela segurança (Capricórnio). Segundo Bruna, por meio da Astrologia, é possível observar melhor as pessoas. Desse modo, você acaba por entender o outro. A opinião da Isabelle Telles, de 24 anos, aquariana com ascendente em Câncer, é muito parecida com a de Bruna. Ela conta que, em determinados períodos, evitou iniciar projetos e relacionamentos por causa de determinados trânsitos em seu mapa astral. Além disso, crê que estudar o mapa astral das pessoas relevantes em sua vida é impor-
3 fotos: Reprodução
dos astros”. A Astrologia é considerada um conforto emocional, uma ferramenta de autoconhecimento e de tomada de decisões. Lagam ainda faz certas observações sobre os signos: Áries, Leão e Sagitário são regidos pelo fogo. O elemento representa chama do espírito, ânimo, energia, entusiasmo, vontade, paixão e ação. Geralmente, pessoas desses signos são proativas e enérgicas, mas têm o defeito da agressividade e da arrogância. Touro, Virgem e Capricórnio são do elemento Terra, famoso pela praticidade, pela concretização e pelo impulso criativo. Podemos dizer que têm a materialidade da energia dos signos de fogo, e o defeito da tei-
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tante para saber lidar com as dificuldades de cada um. A Astronomia é importante; a Astrologia, também importante. Porém, para nós, pobres mortais, apegados a crenças populares, um conforto emocional nunca faz mal. Ainda mais com a atual situação do país. Quem sabe o juiz leonino Sergio Moro, dominador, sincero e desconfiado possa provar as suspeitas de que o escorpiano ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi corajoso demais, e, apesar de detalhista, pode ter deixado furos para trás. Já a sagitariana Dilma Roussef só observa, guarda energias para cumprir seu ideal e provar que foi golpe! Enquanto isso, o libriano Eduardo Cunha perdeu o equilíbrio, mas não é bobo, não. Chegado em um mistério, pode saber que ainda há muita coisa para acontecer. Ao contrário de nosso pisciano Aécio Neves, que, romântico, entregou-se de corpo e alma
e acabou se estrepando. Acalmem-se, porém, pois ele é, definitivamente, otimista. Por fim, nosso atual Presidente da República
Federativa do Brasil, excelentíssimo Sr. Michel Temer, um libriano que não gosta de trabalhos pesados (olha o Golpe!), também tenta,
Sagitariana, Dilma Rousseff guarda energia para usar no momento certo
a seu modo, manter o equilíbrio. Os librianos são conhecidos pelo charme. Agora, pois, está explicado porque a taurina
(e bela e recatada e do lar) Marcela Temer, que faz tudo para subir na vida, escolheu o presidente como marido! Realmente, foi golpe!
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OUTROS PAPOS
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início, meio e a corrida para o fim FOTO: WIVER ANDRADE
Fundador e ex-líder da Galoucura, Paulo César Ribeiro, o Melão, relembra seus tempos de glória e de caos
Wiver Andrade Quem o vê andando, tranquilamente, não imagina que ele já se escondeu de gangues rivais. Melão, como gosta de ser chamado, prefere manter a imagem de “bom moço” do presente. O passado há de ser esquecido. Foram anos dedicados à torcida da qual é fundador, e não doas à família. Nesse período, brigou, sofreu ameaças, viajou, cantou, vibrou e foi preso. Ali no sofá, junto aos amigos, transbordava sintonia e alegria. A primeira pergunta não poderia ser diferente: sua caminhada na Galoucura: – Foi diferente de tudo que passei na vida; até hoje, alguns episódios bailam em minha memória. Já se vão 17 anos desde que Melão largou a Galoucura, mas seu convívio com ela é permanente, já que muitos amigos ainda participam da organizada do time. – Quando o Melão falou que seria seu último jogo, a geral deu risadas –, garante Carlinhos. – Ele sempre foi bem sincero, mas, na-
quele dia, não teve um que acreditou –, confirma Pitanga. Na chegada da caravana a BH, Melão tinha o semblante diferente, algo raro em seu dia a dia, ainda mais após uma vitória. Disse para os amigos que daria um tempo, para ver os pais e dedicar-se à família. – Eu estava ficando cansado daquele mundo, precisava respirar novos ares. Foram seis meses distante da torcida. Melão não tinha emprego e as contas chegavam diariamente. Achou que era o momento de voltar à torcida. – Pedi uma nova oportunidade e a galera me recebeu com um abraço coletivo que jamais esquecerei. Voltou com tudo.– Parecia um integrante novo – comenta Pitanga, aos risos. – Queria ser destaque em tudo – Voltei em um jogo contra o Flamengo, no Maracanã – conta Melão. – Naquele dia, falei com a galera que estava na caravana: hoje vamos entrar para a história, preparem-se! Horas antes o jogo, a Galoucura estava em
todos os jornais do país, após provocar um tumulto generalizado, na sede do Flamengo. – Foi a coisa mais louca que já vivi – lembra Carlinhos. – Do nada, Melão falou: estão prontos? Vamos invadir a sede da urubuzada. Parecia um batalhão, uma missão impossível. Todos os presentes na confusão foram presos. E, a partir daquele dia, a Galoucura nunca mais foi a mesma. – Foi a maior burrada da minha vida. O conceito que implantamos durante 13 anos foi jogado por água abaixo por uma pessoa que pregava a disciplina. Na volta a BH, a torcida se desculpou publicamente. No centro de treinamento do Galo, o clube não atendeu a organizada, fez apenas um comunicado, que pedia respeito e exigia que a Galoucura não repetisse aquilo. A partir de então, o clube não arcou com compromissos que tinha com a organizada. – Foi difícil segurar a onda –, diz Pitanga. A maior organizada do Atlético começava a perder seu pódio. To-
dos os envolvidos passaram a procurar algo para fazer, pois aquela fonte de renda estava na corda bamba.– Alguns saíram e não voltaram, alguns arrumaram emprego, e outros ficaram para ver no que ia dar, como foi o meu caso. – explica Pitanga. Melão foi um dos que arrumou bom emprego. No início dos anos 2000, o Atlético, onde tinha bons amigos, lhe ofereceu trabalho. – A proposta foi irrecusável. Minha vida mudou da água pro vinho. Mas como nem tudo é festa, Melão recebia ofensas diariamente, pois carregava a culpa de ter “acabado” com a estrutura da Galoucura. – Tudo o que eles falavam era verdade... Sua primeira tarefa foi reconciliar o clube com a torcida, o que levou alguns anos. A amizade entre torcida e clube, agora, era administrada por uma pessoa que um dia foi o líder da organizada. Após alguns anos dentro do clube, foi a vez de dar um salto além: criar uma escola de samba. – O Galo tinha volta-
do para a série A e precisava ganhar destaque nacional novamente. No ano seguinte, o clube fez diversas contratações de peso, para euforia dos torcedores. Bandeiras e bandeirões foram feitos, mas as cobranças da torcida também aumentaram. – Foi um ano tumultuado. A expansão da Galoucura em regiões foi a pior coisa que inventamos. Perdemos o controle, a torcida triplicou. – lamenta Pitanga. – Um dia, numa mesa de um bar, escutamos que tinha ocorrido a morte de um atleticano próximo ao Horto. Naquele instante, virei para meus amigos e falei que estava dando medo de sair de casa. O conceito de organizada estava virando crime organizado. – lembra Melão. – Cheguei a falar que largaria tudo que construí e não voltaria mais a um estádio. A angústia se repetiria quando um torcedor do Cruzeiro foi brutalmente agredido e morto por membros da Galoucura, dias depois, na zona sul de BH. – Minha decepção
foi enorme, passavam mil fitas em minha cabeça. Cheguei a me perguntar o porquê de ter alimentado aquilo, de ter dado mais uma oportunidade para a torcida. – afirma. Tal decepção fez Melão desligar-se totalmente da Galoucura. – Todos fomos pegos de surpresa com a tragédia. Aquelas pessoas que foram presas não representavam nossa agremiação – afirma Carlinhos. – Foi o momento de pensar o quanto o tempo é precioso. E dar um adeus à Galoucura. Foi meu último ano como defensor de organizada – completa Pitanga. E Melão, largou a organizada? – Se eu falar que sinto firmeza na Galoucura, estarei mentindo. Mas vejo que o time, mais uma vez, está com a torcida, e vice-versa. O momento é bom, estamos implantando o sócio na organizada, tem tudo para dar certo. Se acontecer algo estrondoso novamente, a Galoucura certamente acabará. Vamos aguardar o próximo capítulo.
EU ESTAVA LÁ...
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Do estúdio à arquibancada FOTO: ANA LUÍZA Araujo silva
Repórteres assistem ao clássico Flamengo X Galo em ambientes distintos e narram suas (apaixonadas) experiências
Com a camisa rubro-negra nos ombros, o repórter atleticano Guilherme Egydio acompanha o jogo entre os flamenguistas
O futebol é a paixão de milhares de brasileiros. Sorrir, chorar, sofrer e se emocionar são apenas algumas das ações que expressam as alegrias e tristezas de um torcedor apaixonado. Quando se trata do clube do coração de um fanático, então, a emoção revela-se, literalmente, sem fronteiras. Fomos ao Rio de Janeiro presenciar, de maneiras diferentes, o jogo entre Flamengo e Atlético-MG, válido pela primeira rodada do Campeonato Brasileiro, para sentirmos a experiência de acompanhar um time de futebol longe de seu terreno – e na torcida adversária –, além de saber sobre os bastidores da transmissão da partida, realizada pela rádio Globo/CBN, no estúdio da emissora. Com o término dos estaduais, a verdadeira competição se inicia com um pedido de paz. Os torcedores que comparecem ao Maracanã, no primeiro jogo do Campeonato, acreditam no título nacional: “cheirinho de hepta”, “87 é nosso” e “nós vamos ao Japão” estão
entre as frases mais ouvidas no entorno do estádio. Mesmo com grande confiança, os flamenguistas mantem respeito pelo grande time montado pelo clube mineiro para 2017. O grande clássico começa com um duelo entre as torcidas. E com muita velocidade em campo. Contudo, o clima de paz, exaltado antes do jogo, se encerra com o tempo. Enquanto o Setor Norte do Maracanã pulsava, os estúdios da Rádio Globo respiravam ares mais tranquilos. Referência ímpar em transmissões esportivas, o Sistema Globo de Rádio também entra em campo com sua “seleção de craques”, para dar início a mais uma cobertura.
Ar X Caldeirão Se, no Maracanã, a bola rolou apenas às 16h, no “Futebol Globo no Rádio”, a pelota já percorria o tapete verde do estádio desde 15h, com a abertura da jornada esportiva. O repórter Hugo Lago, juntamente aos profissionais escalados para aquela transmissão, esquentava o pré-jogo com todas as informações do espe-
táculo, do público e das expectativas para o Campeonato. As análises do comentarista Dé Aranha a respeito da partida, a participação do apresentador e jornalista Francisco Aiello com o plantão – em que apresenta destaques e resultados do mundo esportivo –, as entrevistas dos jogadores aos repórteres antes do jogo e a reprise de gols entre as duas equipes no passado tornaram-se o combustível a inflamar o torcedor flamenguista. Cinquenta mil vozes entoam cânticos de apoio ao clube no caldeirão, que ferve com a grande festa, além das provocações habituais entre as duas torcidas. A transmissão esportiva no rádio se alimenta de improvisação. Segundo Aiello, “o mais difícil é narrar”. O narrador, na ocasião, é Luiz Penido, que, com sua ginga, “joga com o jogo” e mexe com a imaginação de quem o ouve, tendo, claro, as participações de repórteres e comentaristas, que também dão toques de classe acerca do que se transmite. O rádio se destaca dos demais meios de
comunicação pela capacidade de entreter o ouvinte e lhe proporcionar a oportunidade de imaginar o jogo. Por mais que os profissionais ajudem a florear a peleja, ao se transformar nos olhos de quem escuta, é o ouvinte o responsável por gerar a imagem em sua mente. Desse modo, a cada lance de perigo narrado pelo “garotão da galera”, Penido, um turbilhão de emoção consumia por inteiro o torcedor flamenguista, que não via a hora de seu time marcar um gol. E ele veio. Lance protagonizado pelo jogador Matheus Sávio, aos 23 do primeiro tempo, foi o ápice da narração. O orgasmo. A bola
Apagar das luzes No começo da segunda etapa, sai o gol de Elias, meio-campista atleticano. Os olhos esbugalham, a cara de indiferente fica visível, mas a felicidade interna é inimaginável. Com o gol do adversário, a torcida rubro-negra apoia o time, mas, com os erros de “Berrío!”, e as reclamações ao árbitro baiano Jaílson Macedo Freitas, inicia-se uma revolta de grande parte dos torcedores no setor Norte do Maracanã. Ouvem-se gritos de
“macaco” destinados ao juiz da partida. Infelizmente, o clima pesado, nas arquibancadas, se estende ao gramado. Disputas acirradas pela bola e entradas violentas não faltam por parte dos dois clubes. Com a entrada de Vinicius Jr., “joia” de 16 anos, o clima de guerra diminui no setor Norte. A entrada do garoto em campo é comemorada como um gol. Fim de papo. O placar do jogo não se altera. O empate prevaleceu. Enquanto os alvinegros voltam a Belo Horizonte, felizes pelo empate, os rubro-negros saem com o gosto de “quero mais”. Mesmo com a igualdade no score, a confiança dos dois lados não diminui. Ambos acreditam no título nacional: para o atleticano, uma obsessão; para o flamenguista, apenas mais um para a história. No estúdio, a sensação de dever cumprido é evidente. É o momento de juntar os ingredientes da partida e colocá-los em pauta, com a “Central da Bola”. O bom futebol praticado pelas agremiações é exaltado pelos profissionais. Sinal de que o pontapé inicial para a competição foi dado com o pé direito e, claro, com a emoção inigualável do rádio. FOTO: João victor costa
Guilherme Egydio João Victor Costa
estufa as redes do Atlético e o “Penidaço”, como carinhosamente conhecido pelos ouvintes, rasga seu grito de gol, em consonância clássica vinheta “Flamengo, go, go, go...” e ao som ambiente da torcida presente no Maracanã, que não se contém ao festejar. O gol de Sávio, no entanto, não foi comemorado calorosamente por todos os torcedores. Com atuação digna de Oscar, um infiltrado comemora apenas vibrando, timidamente, os punhos, e sofre com a derrota, até então, do time de coração. Metade do jogo se encerra... e um verdadeiro alívio põe fim aos momentâneos 45 minutos de sofrimento. Afinal, o pior estava por vir.
O jornalista Francisco Aiello, nos estúdios da Rádio Globo/CBN
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Ensaio
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TEMPO NUBLADO EM BRASÍLIA Fotos: Thainá Silveira
Manifestação na capital federal pede “Fora Temer” e “Diretas Já”
Com o olhar em todas as direções, a juventude busca ocupar o Congresso Nacional
Sorrisos em meio ao caos: pausa para selfies
Brasília não é só fumaça a subir dos ministérios, mas, também, o colorido da nação diversa que clama por respeito
Os black blocs parecem gigantes sob o céu azul de Brasília
Ensaio
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Céu e terra se unem em busca de novos tempos para o país
Sempre preparados, para o que der e vier
Em nome da esperança, manifestantes seguem, a pequenos passos, sob a imensidão
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TRAMAS CONTEMPORÂNEAS
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Um dia no “Império” Buscamos pela linhagem da suposta Família Real brasileira em SP, para discutir suas duas vertentes: Vassouras e Petrópolis
meia-idade descia as escadas com uma sacolinha plástica na mão, e me perguntou se eu precisava de ajuda. Apresentei-me, dizendo que havia marcado uma entrevista com o dono da casa. Notei o broche com o Brasão Imperial no blaser do senhor. “Dom Bertrand não chegou ainda. Ele chegará amanhã”. Respondi que me foi dito que ele chegaria no dia 30. O senhor, de nome Luiz Augusto, me levou até a recepção do lugar. Disse que estava de saída, precisava resolver algumas coisas para a chegada do príncipe de Orléans e Bragança, após uma viagem à Europa. Aguardei no sofá de couro da sede da Casa Imperial do Brasil. O lugar não era nada imponente. Para falar a verdade, devia ser menor que a casa onde moro. Decoração bastante discreta. Olho para um quadro na parede. Presumi que era de D. Pedro I. À época, D. Pedro IV de Portugal ainda era criança e não
havia proclamado a independência do Brasil. Havia imagens sacras, um altar dedicado a Nossa Senhora Aparecida, e a imagem de um cavaleiro santo com um pergaminho aberto.
Difícil acesso Uma assessora da Casa Imperial me atendeu. Hayley perguntou o que eu estava fazendo ali. Expliquei que havia entrado em contato com a Casa Imperial duas semanas antes, com o objetivo de entrevistar Dom Luiz Gastão de Orléans e Bragança, herdeiro imediato do trono brasileiro, caso a monarquia voltasse. Me disseram que Dom Luiz não falava com a imprensa, e quem me daria a entrevista seria seu irmão, Dom Bertrand. A assessora relatou que Dom Bertrand só voltaria no dia seguinte, e apenas na quintafeira, dia 1º de junho, é que retomaria sua agenda, afinal, ele tinha que se readaptar ao fuso-horário brasileiro.
Conversei então um pouco sobre a família imperial, afinal, não poderia sair dali de mãos vazias. Para os que desconhecem a história da família, ela é dividida em dois ramos: o ramo de Petrópolis e o ramo de Vassouras. O primeiro deles era o sucessor original do trono, mas perdeu o direito após o primogênito de princesa Isabel, D. Pedro de Alcântara, casar-se com a condessa tcheca Eli-
sabeth Dobrzensky de Dobrzenicz, que era da Boêmia, na época dominada pelo Império Austro-Húngaro. A mãe de D. Pedro exigia que ele se casasse com alguma mulher de casa dinástica reinante, ou então renunciasse à sucessão. Dito e feito. O talvez Pedro III desistiu de carregar a coroa na cabeça, sem peso na consciência, e quem ficou com o direito foi Dom Luis Filipe, do ramo de Vassouras, nome dado devido a cidade do interior do Rio de Janeiro onde Dom Pedro Henrique, o pai de Luiz Gastão, o atual herdeiro, se estabeleceu num sítio até a morte. Perguntei se dentro do ramo de Vassouras existiam divergências quanto a ideologia e pensamentos de seus membros. Hayley me respondeu que todos seguiam a mesma linha de pensamento, criação nos moldes do conservadorismo católico apostólico romano. Já os do ramo de Petrópolis eram mais abertos – os irmãos D. Pedro Carlos e D. Francisco haviam se declarado republicanos em entrevista a um jornal espanhol público, em 2008.
“Todas a declarações dadas pela Casa Imperial são feitas com o consenso do resto da família, não é algo autoritário”, me explicou a assessora. Em seguida, me entregou um envelope com a Cartilha Monárquica, três edições do boletim Herdeiros do Porvir, que é lançado a cada três meses e disponibilizado no site do Instituto Pró-Monarquia. Fui conduzido por Hayley até a saída, pois já havia cumprido minha missão naquele singelo recanto pintado na cor verde – cor que representa a casa de Bragança, e a grande maioria dos brasileiros não sabe. Pedi para fazer fotos do lugar, e ela me mostrou o jardim da frente, cuidado por Dom Bertrand, ornado de plantas tipicamente brasileiras, e onde fica um pau-brasil que Dom Bertrand plantou e checa todos os dias quando está no instituto. Outro exemplar da árvore-símbolo do Brasil também pode ser visto no canteiro frontal da casa. Lembrei-me de Dom Pedro II, que no seu leito de morte, quis deitar-se numa almofada com terra brasileira no interior. LUIZ VILA REAL
Manhã de terça-feira, dia 30 de maio de 2017. Desembarco do Terminal Rodoviário do Tietê, à procura da estação de metrô. Se fosse em meu habitat natural, Belo Horizonte, não precisaria me preocupar. Afinal, nosso metrô possui apenas uma linha. Não há como ficar perdido. Na maior cidade da América do Sul, não. Peço referências de como chegar ao Pacaembu, bairro que abriga o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, cujo apelido é o mesmo do bairro. Depois de pegar duas linhas, desço na Barra Funda, perto do Memorial da América Latina. Caminho da estação até a Avenida Pacaembu, e sigo até uma lanchonete, onde tomo o merecido café da manhã. Uma hora já se passou desde minha chegada à capital paulista. O relógio marca 9h30. Para minha sorte, a cidade não tem morros esdrúxulos como minha cidade natal. Continuo a caminhada, e, dessa vez, sei exatamente o destino de minha missão: rua Itápolis, 873. Subo o morro (primeiro que encontrei naquela topografia predominantemente plana), e chego à rua em questão. Aquela é uma zona nobre da cidade: prédios de luxo, lojas de produtos destinados à classe média alta. Lembra-me um pouco a Pampulha e as redondezas do Mineirão. Começo a procurar o número do local, e vejo algumas casas um tanto imponentes, com SUVs caras nas garagens. Então, encontro o número 873. Estranhei a princípio. Fui olhar o número no celular, e era aquele mesmo. Um senhor de
reprodu’ão
Luiz Vila Real
Jardim da atual sede do Império dos Bragança, em São Paulo
Um dia no...
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“Todo dia”, Pabllo Vittar Thiago Fonseca Do alto de uma pilha de manequins usados, Pabllo Vittar capricha no carão de diva pop. A imagem é capa de seu primeiro disco, Vai Passar Mal, que viralizou nas plataformas digitais, desde que chegou ao mundo, nas primeiras semanas deste ano. Com o mesmo poder, a estrela aterrissou em BH, para abalar as estruturas do Mercado das Borboletas, no hipercentro da capital. Eu estava lá e conferi um dos shows mais surpreendentes do ano. Em menos de dez dias, os 1800 ingressos da festa VHS Sem frescuras BH se esgotaram. Em seguida, centenas de fãs enlouquecidos sacudiram a internet atrás do passaporte para ver de perto a cantora. A estudante Helena Ariela, de 20 anos, foi uma das que encontrou dificuldades. “Procurei ingresso em todos os grupos da cantora. Até para a organização eu apelei. Com muito custo consegui. Paguei R$ 70,
fotos: ALEXSANDER RODRIGUES
A drag viu sua vida assumir ritmo frenético em poucos meses e arrastou milhares de fãs em BH num convite que custava apenas R$ 30”.
Ousadia Teve gente que, para ficar mais próximo da estrela e tirar uma foto, fez um vídeo e jogou fora a vergonha. Foi o caso da barbeira Tacyana Santos, que passou maquiagem no rosto, vestiu peruca e fez um vídeo onde gritava RESSUSCITA – single de co-autoria com o rapper Rico Dalasam. Quem produzisse o vídeo mais criativo ganharia uma foto com Pabllo. “Há anos não passava maquiagem. A última vez foi aos 15. Hoje estou com 29. Faria tudo para ver a Pabllo. E consegui. Venci a promoção do meet e hoje vi a mais maravilhosa do mundo”. Horas antes de começar a festa, centenas de pessoas enchiam o pátio do local, palco de uma das festas mais diversificadas e emocionantes que já presenciei. Já na porta, uma drag charmosa recebia os convidados. Ousado, perguntei o nome: “Pe-
João Pedro não perde uma apresentação de sua ídola
Todos querem estar bem pertinho do talento e do carisma de Pabllo Vittar
nélope Fontana, a mais conhecida da capital. Há dez anos trabalho na noite, meu bem”. Nesse dia, fora escolhida como anfitriã da festa. “Sou comunicativa, divertida e um arraso. Minha identidade é a cara desse show, por isso estou aqui recebendo a todos, para entreter e dar aquela sensação do pessoal ficar na fila sem perder muito tempo”. Explicou Penélope, balançando incessantemente o leque cor de rosa para afastar o calor em meio à multidão. E foi no meio da muvuca que conheci um dos “vittarlovers”– como são conhecidos os fãs mais fieis da cantora – o confinense de 20 anos João Pedro Ferreira. Ele é amigo íntimo da estrela pop, já tomou café e almoçou com ela. Tem até seu número pessoal. “Eu amo a Pabllo, ela representa muito para nós da comunidade gay. É um exemplo a ser seguido, vai muito além de um produto cultural. Ser amigo dela é incondicional e toda vez que ela vem aqui, eu tenho que vê-la”, conta João Pedro,
que dias antes já estava ansioso para o show. Mas esse anseio só acabou quando Pabllo surgiu no palco, ao som de “Amante”. Os ponteiros marcavam 1h30 e o público foi ao delírio. Ovacionada ao cantar “K.O”, nova música que em menos de 24 horas alcançou milhões de visualizações e fez com que a cantora ficasse em top1 do Youtube. A cada música, os fãs iam à loucura. Em meio ao espetáculo, os refletores e as lâmpadas se apagaram, e à luz de lanternas de celulares a jovem levou a plateia ao choro ao cantar a música “Indestrutível’. Para despedir, nada melhor que “Todo dia”. A canção foi hit do carnaval e fez Pabllo estourar em todo o Brasil. Na parceria com Rico Dalasam, o primeiro rapper assumidamente gay do País, a Drag canta “Eu não espero o carnaval chegar para ser vadia / Sou todo dia, sou todo dia”. Na letra, a estrela mostra que a música é a verdade de muita gente que não espera o carnaval chegar para se
divertir e ser feliz. O videoclipe “Todo Dia” chegou à marca de 19 milhões visualizações na internet, ultrapassando o da canção “Sissy That Walk” da Drag americana RuPaul, que ocupava o posto até então. A música também alcançou o terceiro lugar na lista Viral 50 Global do Spotify. Não é à toa que Pabllo é a Drag com mais visualizações no Youtube em todo o mundo.
Representação Com 22 anos, conhecida como vocalista da banda do programa “Amor e Sexo”, a cantora até poderia ser uma novidade descartável, mas sua voz aguda incomum, que não deixa de rebolar mesmo quando canta sobre amores platônicos, garante o caminho inverso. Pabllo proporcionou um show completo. Nada de pocket show de boate, de aperitivo para casa LGBT ou “meia-performance”. A jovem deu tudo que seu público — e muitos curiosos — esperava, e fez tudo isso com uma surra de humildade.
Durante todo o show, uma pergunta martelava minha cabeça: por que tanta adoração? Ao olhar para o lado e ver alguns jovens chorando e completamente entregues à atmosfera do local, foi fácil perceber. Pabllo é o apogeu da representatividade gay. Suas músicas são inspiradoras, bem produzidas e suprem as necessidades do público. “As músicas dela mostram o espaço de luta LGBT e que você pode ser quem quiser. As canções não são só diversão, são política e aceitação”, pontua Gustavo Gereide, produtor do Papel Pop e organizador do evento. Isso explica a diversidade da festa. Drags, travestis, trans, bissexuais, gays, lésbicas e héteros, todos envolvidos na mesma atmosfera em um show que esbanjou representatividade e igualdade. “Encontramos na Pabllo o que precisávamos. Uma cantora politizada, que canta e compõe para nós. Isso explica o sucesso dela. E esse é só o começo”, celebrou uma fã.
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Poesia em verde e rosa Segundo disco de Cartola foi gravado quando o sambista carioca já beirava os 70 anos Morador do Morro da Mangueira, Angenor de Oliveira, o Cartola, era um dos mais renomados compositores do samba carioca. Apesar disso, as dificuldades financeiras forçavam o músico a vender suas letras para cantores de grande fama. A situação só foi alterada em 1974, quando Cartola, já com 66 anos de idade, lançou seu primeiro disco. A glória máxima, porém, viria dois anos depois, com o álbum Cartola II. As letras dolentes, uma das mais marcantes características do sambista, estão muito presentes no álbum, aberto com a magistral “O Mundo é um Moinho”. Com os famosos versos “Ainda é cedo amor/ Mal começaste a conhecer a vida/ Já anuncias a hora de partida/ Sem saber mesmo o rumo que irá tomar”, Cartola lamenta o adeus precoce da mulher amada. Na faixa inaugural,
o sambista é acompanhado por Guinga, que empunha um violão de sete cordas. Logo depois, a singela “Minha”, com apenas 13 versos e pouco mais de dois minutos, mantém o tom de lamento presente na faixa anterior. Em “Sala de Recepção”, que conta com a participação de Creuza, sua filha adotiva, Cartola canta seu amor pela Estação Primeira de Mangueira. A faixa posterior, “Não Posso Viver Sem Ela”, apesar de mais animada em termos melódicos, também tem traços de lamento amoroso. A letra é fruto de uma parceria entre Cartola e Alcebíades Barcelos, o “Bide”, um dos fundadores da “Deixa Falar”, reconhecida como a primeira escola de samba do Brasil. “Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar/”. Composto por Candeia, o fragmento inicia “Preciso Me Encontrar”, que aborda as angústias de
curiosidade Em 1963, Cartola abriu, ao lado de Dona Zica, cozinheira de mão cheia, um restaurante no Rio de Janeiro. Batizado de “Zicartola”, o local era conhecido por suas animadas rodas de samba, onde “batiam ponto” nomes como Paulinho da Viola, Zé Keti e Clementina de Jesus. Apesar do sucesso inicial, o casal tinha muitas dificuldades para administrar o empreendimento, que funcionou por apenas dois anos.
Ficha Técnica Título: Cartola II Artista: Cartola Lançamento: 1976 Duração: 34:45 País: Brasil Produção: Juarez Barroso Gravadora: Discos Marcus Pereira Trilha: Pharrell Williams e Hans Zimmer Produção: Theodore Melfi/Peter Chernin Estúdio: Hawaí
alguém sem rumo ou perspectivas. O belíssimo samba é, na minha opinião, a principal obra do disco, por todo o simbolismo que a letra carrega. Ao lado de Elton Medeiros, o sambista compôs “Peito Vazio”, música que fecha o Lado A do LP.
“Ainda é cedo amor Mal começaste a conhecer a vida Já anuncias a hora da partida Sem saber mesmo o rumo que irá tomar” O Lado B do vinil começa com “Aconteceu”, que assim como “Peito Vazio”, fala sobre desilusões amorosas. Com “As Rosas Não Falam”, Cartola declama sua paixão por Zica, esposa e fiel companheira nas rodas de samba. Em entrevista ao falecido jornalista Geneton Moraes Neto, Roberto Carlos contou quase ter regravado a faixa, algo que era, inclusive, desejo de Cartola. Segundo Roberto,
isso só não aconteceu por ele “achar que as rosas falam”. A singela poesia, que começa com o icônico trecho “Bate outra vez/ Com esperanças o meu coração/ Pois já vai terminando o verão/ Enfim”, está presente no repertório de artistas consagrados como Beth Carvalho, Ney Matogrosso e Alcione. “Sei Chorar” e “Ensaboa” são, respectivamente, nona e décima faixa do disco. Esta última, aliás, tem nova participação de Creuza. “Senhora Tentação”, penúltima música do álbum, é muito conhecida pelos versos “Oh! Minha romântica senhora tentação/ Não deixes que eu venha a sucumbir/ Neste vendaval de paixão”. A obra é uma composição solo de Silas de Oliveira, histórico baluarte do Império Serrano. O disco é encerrado com mais uma música assinada por Cartola. Como o nome já sugere, “Cordas de Aço” é uma
homenagem do cantor ao seu maior companheiro: o violão. Além dele, outros instrumentos marcam o compasso das músicas. Ao longo dos quase quarenta minutos de álbum, é possível ouvir sons de trombones, ganzás e flautas. Há ainda a presença de uma caixa de fósforo para ritmar algumas das faixas. Cartola II, apesar de gravado com todos os requisitos de um disco profissional, é conhecido por possuir traços simples, que podem ser vistos nos improvisados duetos entre Creuza e seu pai adotivo. Tal característica também está presente na foto escolhida para ilustrar a capa do álbum, que mostra o casal “Zicartola” na janela de sua casa. Como se estivessem contemplando o morro, a histórica imagem é um chamado aos ouvintes, que são convidados a entrar na casa para apreciar uma autêntica roda de samba. Por este motivo, o ál-
bum recebeu a alcunha de “Disco da Janela”.
Relançamentos Em abril deste ano, a Polysom Discos anunciou o relançamento, em vinil, dos dois primeiros discos da carreira de Cartola. No ano passado, a Universal Music já havia disponibilizado, em CD, uma coletânea com três trabalhos do cantor, falecido em 1980. No ano de 2008, em meio às comemorações do centenário de Cartola, o mundo do samba esperava que o cantor fosse homenageado pela Estação Primeira de Mangueira. Contudo, contrariando todos os prognósticos, a escola resolveu homenagear os cem anos do frevo, em um enredo bancado pelo Governo de Pernambuco. Mesmo tendo recebido inúmeras honras, nunca ter sido tema-enredo de sua escola do coração é uma enorme lacuna na biografia de Cartola. Reprodução
Guilherme Peixoto
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bem-humorado MÉnage à 3 Aléxia Barbosa Janaína Simão Leonardo Amorim Warley Fernandes A compilação A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto reúne as melhores crônicas de futebol, cinema e literatura de Luis Fernando Veríssimo, com textos ora afetivos, ora mais críticos. Em linguagem literária e coloquial, o livro convida o leitor a uma viagem pelas memórias e intimidades do cronista, que se desvela em três facetas: um torcedor apaixonado por futebol, um cinéfilo sensível e um admirador nato das narrativas literárias. A obra abarca majoritariamente a temática futebolística. Algumas crônicas trazem à tona a paixão voraz que o autor nutre pelo esporte. No capítulo inaugural, “Fome de Bola”, provam que a relação do autor com o futebol transcende o mero gostar. Em “A Primeira”, o enredo gira em torno da primeira bola que o autor ganhou quando criança. Em “Arrasador”, o filho de Érico Veríssimo relembra o tempo em que viu o craque Domingos da Guia jogar (em meados dos anos 40). Veríssimo buscou na crônica “O Fim de um Mito” a inspiração para o titulo da coletânea. Nela, relata que, historicamente, a Seleção Brasileira nunca teve um bom zagueiro que soubesse marcar: “Vivemos eternamente essa privação do zagueiro absoluto, como os portugueses esperando a volta de Dom Sebastião, e ela se integrará ao nosso caráter”. No capítulo “O que elas têm a ver com isso”, a pauta ainda é a maior paixão nacional. Verís-
simo, porém, passa a bola para o narrador observador. O mote central dos textos são as mulheres. Aquelas que são obrigadas (ou não) a lidar com a loucura dos companheiros pelo futebol. Em suma: a representação do futebol como um dos conflitos nos relacionamentos. Sob a ótica humorística, jogadores e técnicos são apresentados em crônicas do capítulo “Homens em campo”. Aqui, a tonalidade em primeira pessoa emerge novamente. O cronista assume a posição de comentarista e distribui “pitacos” sobre funções e performances dos personagens, assim como faz em “Imarcavéis” e “Duas Velas”. Nomes como Raí, Edmundo e Zagallo passam pelo crivo analítico do sensato futebolista. No capítulo “Um brasileiro na Copa”, ele rememora momentos que vivenciou assistindo às partidas da maior competição do mundo.
Divas e diretores Mas o futebol não é o único prazer na vida de Veríssimo. A arte cinematográfica também reacende boas memórias do autor. Em “O melhor começo”, primeiro capítulo voltado para o tema, o cronista deleita-se em lembranças de divas que o fascinaram, como Rita Hayworth em Gilda. O autor não esconde, tampouco, a admiração pelo trabalho de diretores como Akira Kurosawa e Stanley Kubrick. Já no tópico “Sobre comédias e vilões”, o destaque vai para os malvados favoritos de Veríssimo, como Al Pacino e José Lewgoy, que ganham dedicatórias pelas atuações brilhantes ao encenarem o lado negro da força. Se dizem que em
FOTOS: Reprodução
Antologia de crônicas de Veríssimo mistura bate-bola, sessão pipoca e sarau coração de mãe sempre cabe mais um, com Veríssimo isso ocorre em relação à literatura. Honrando o ofício, o cronista compartilha suas preferências literárias nos capítulos “Realismo Fantástico”, “Secos e Suculentos” e “O Feitiço do Livro”.
Ironia e emoção Uma sacada das crônicas de Veríssimo é bem conhecida: o uso da ironia no tratamento de questões políticas e sociais. Na obra, o autor faz isso em diversos momentos, independentemente do tema. Em “O Ponto de Ruptura”, por exemplo, o cronista reporta o hábito do ator italiano Marcello Mastroianni de soprar balões até estourá-los. A justificativa era de que “precisava descobrir o ponto exato que antecedia a ruptura dos balões, o exato ponto em que um sopro, um hálito a mais faria o balão estourar na sua cara. A princípio, parece se tratar de um hobby do galã. Mas genialmente, Veríssimo faz uma transposição para a realidade ao sul dos trópicos: “Às vezes acho que o Congresso brasileiro está atrás do mesmo ponto de ruptura, do mesmo limite de até onde pode ir”. Apesar de tocar em feridas da sociedade, como corrupção e racismo, Veríssimo contraprõe a amargura com o sentimentalismo. Em crônicas como “A Primeira”, o escritor embrenha-se a fundo na memória para tornar o fato afável e palatável. “Nenhum prazer do mundo se igualava ao cheiro do couro de uma bola de futebol recémdesembrulhada latejando em suas mãos”. Os textos são verdadeiras declarações sentimentais no que
se refere aos deleites da vida. O autor ressignifica as lembranças em expressões amenas e detalhadas. “Minha geração deve muito as coxas da Silvana Mangano e aos seios da Martine Carol. Os seios da Martine Carol foram os primeiros que muitos de nós vimos numa tela, no tempo em que cada terceira palavra de filme americano não era “fucking” e só havia sexo em filme europeu”. Ler as crônicas de Veríssimo nos âmbitos esportivo, cinematográfico e literário é circundar o universo intimista de um dos maiores escritores brasileiros da contemporaneidade. Não seria difícil imaginar Veríssimo deitado em um divã e recontando tais histórias. A trilogia de paixões do cronista o denuncia como um ser mundano. Assim como nós, reles mortais.
FICHA TÉCNICA Título: A eterna privação do zagueiro absoluto País de Origem: Brasil Autor: Luis Fernando Veríssimo Editora: Objetiva Ano: 1999 Páginas: 196
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CRÔNICas
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Herlane Meira Qual a melhor maneira de degustar uma cerveja? Podemos saboreá-la como um refresco num dia de calor; ou escolher um dos tipos – ale, lager, pilsen... – dependendo de como ela irá acompanhar a refeição; ou sempre podemos optar por aquela que mais nos apetece, a preferida... E se lhe dissessem que, antes da sagrada hora de bebericar uma especiaria belga, feita de malte e outros sabores, você precisaria receber um sermão da igreja protestante de sua cidade? O que você faria? A cerveja belga é uma das mais tradicionais do mundo, e considerada umas das melhores também. É tão estimada que, lá na Bélgica, sua apreciação se tornou um evento tradicional nos fins de semana, com hora e local conhecido por todos. E qual a melhor hora de se tomar uma “breja”, senão antes do almoço para abrir o apetite? Pois é! Era o que os habitantes da pequena aldeia belga, em Brielen, costumavam fazer após a missa aos domingos.
Em cidade pequena tudo se torna ainda mais íntimo porque, provavelmente, todos se conhecem. Normalmente são até parentes. E costumam ir sempre ao mesmo local. Até porque, nesse tipo de lugar, há uma única espécie sobrevivente de cada comércio. O mesmo supermercado nos dias de compras, a mesma igreja e com certeza sempre o mesmo bar. E se esse único bar fechasse? Quão desamparados ficariam os pontuais frequentadores dominicais? Foi exatamente isso que aconteceu em Brielen. Como fazer, então, para matar o tempo e esperar o apreciado almoço de domingo?
É hora, afinal, de tirar a batina e vestir o avental de garçom. De trocar os bancos da casa de Deus por diversas mesas redondas com panos brancos, lembrando um charmoso pub. Tudo em um ambiente muito respeitoso, sem piadas, nem danças e nem gracinhas. Afinal, isso é uma igreja! Eis que surge uma grande, vinda do che-
Ludmila Alves
boteco sagrado fe da igreja protestante da região, para salvar a pátria, ou pelo menos a pátria dos frequentadores assíduos do famoso boteco e continuar a manter as mesas montadas, logo após abençoar os fiéis. O tal pastor uniu o útil ao agradável. Pediu liberação para as autoridades regionais e, com sua ideia liberada, decidiu que, após servir o vinho, serviria também a cerveja, tudo ali mesmo, dentro da igreja! É hora, afinal, de tirar a batina e vestir o avental de garçom. De trocar os bancos da casa de Deus por diversas mesas redondas com panos brancos, lembrando um charmoso pub. Tudo em um ambiente muito respeitoso, sem piadas, nem danças e nem gracinhas. Afinal, isso é uma igreja! O botequim sagrado também tem hora para fechar. A comunidade de 700 habitantes se despede dos chopes domingueiros às 13h. Só existe uma condição para ser servido neste “bar celestial”: é obrigatório assistir à missa antes. Acredito, sinceramente, que não sobraram muitos ateus em Brielen.
A graça brasileira Michelle Martins
O circo está armado! Já são 20h14 e o público aguarda ansioso pelo início do espetáculo. A exibição começa. Alguns reclamam da atração principal, contudo esperam para ver no que vai dar. O tempo passa e nada muda. O show chega à metade e vaias são ouvidas na parte direita da platéia. Do lado de fora, escutam-se batidas de panelas anunciando uma
nova apresentação. De repente, todos são obrigados a sair. Uma parte do público protesta, indignada: “Pagamos por esse show. Não vamos abandoná-lo!”. Não adianta, são forçados a ir para o circo ao lado. Para alegria de uns e tristeza de outros, a lona que vai abrigá-los pelas próximas horas não é da cor vermelha, como estavam acostumados, mas verde e amarela, repleta de escudos da CBF na decoração. Enquanto
uma pequena parte se acomoda nos poucos assentos disponíveis no local, o restante tem de assistir de pé à entrada da trupe. “Respeitável público!”, exclama o apresentador fantasiado de mordomo de filme de terror, “apresentarlhe-ei o nosso show de horrores”. Entra, então, no picadeiro, um grupo de homens brancos e velhos, trazendo nas mãos chicotes e vários narizes de palhaço. Os
que estavam sentados acham graça da cena e começam a rir. O restante olha desconfiado o movimento dos sujeitos. “Coisa boa não é”, diz um senhor de meia idade vestindo uma camisa das Diretas Já. Subitamente, tropas cercam o local, bloqueando as saídas. O temido apresentador reaparece anunciando que o circo está quebrado e, se quiserem voltar para suas casas para descansar o resto da noite, to-
dos devem pagar caro pela continuação do espetáculo. “Mas e os que estão sentados? Eles têm dinheiro e escolheram vir para cá. Eles devem pagar por isso, não a gente”, alegam os que estão de pé. Ignorados, todos são levados ao centro do picadeiro e, aos poucos, os narizes vermelhos são entregues, um a um, a cada pobre coitado. Cientes do rombo nas contas, a plateia
percebe que o trabalho não terá fim. “Vamos à luta!”, “queremos nossos direitos!”, “não trabalharemos até a morte!”, brada o povo revoltado, na esperança de que, do alto do trapézio, ouçam seus protestos. A resposta, rápida e derradeira, pega a todos de surpresa: “Esse é o som da aprovação. Todos compreendem que os sacrifícios são necessários. Agora, parem de reclamar, e apenas trabalhem!”