WILLIAM ARAÚJO
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH Ano 35 • Número 203 • Novembro de 2016 • Belo Horizonte • MG
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UM DIA NO...
Novembro de 2016 Jornal Impressão
FILMES DO CORAÇÃO PARA O MUNDO FOTOS: DANILO SILVEIRA
Produtora mineira coleciona prêmios com obras peculiares
Cinema é arte de produção coletiva
Danilo Silveira Luiz Vila Real Em meio a tantos aparatos técnicos, assistentes de produção, produtores, diretores e atores, cenas do filme No coração e no mundo estavam sendo rodadas naquele instante, na rua das Acácias, no bairro Jardim Laguna, em Contagem. – Gente, vamos dispensar a Carolina agora – disse Thiago Macedo, produtor executivo, em alto e bom som, para que todos (a equipe técnica e os transeuntes) escutassem. Era a primeira vez que ela participava de um filme. Natural do Rio de Janeiro, Carol – como é chamada carinhosamente – sempre quis participar de uma produção cinematográfica. Ela interpretou Brenda. “A Brenda é muito parecida com a Carol: alegre, engraça-
da e irônica. Ela foi presa e voltou ainda mais irônica e debochada. As coisas acontecem com ela, mas não se deixa abater”, disse. Carol falava na terceira pessoa tanto de sua personagem, quanto da pessoa que realmente é, como se estivesse despida de identidade. No início, Carol achou que decorar as falas fosse difícil. Mas tudo se resolvia quando ensaiava com a pessoa com quem iria contracenar. Ainda teve liberdade para colocar as gírias que usa, pois, por ser carioca, o dialeto urbano mineiro era estranho para seu vocabulário. Para interpretar a ex -encarcerada, Carolina já tinha a vantagem de vestir-se habitualmente com roupas largas e masculinas, como as das detentas. Por outro lado, teve que lidar com a experiência de aprender a fumar
e beber. E de trançar o cabelo, o que achou legal. Mas, com pesar, confessou que teve que cortar as unhas, para sua caracterização parecer mais realista. No início, segundo o diretor e roteirista Gabriel Martins, a personagem era masculina, mas foi transformada especialmente para a atuação da célebre carioca. Carol ainda se preocupou em perguntar à produtora se o que estava fumando era cigarro mesmo. Na cena, filmada dentro de um carro, foi usada fumaça artificial, por isso a atriz ficou meio desconfiada, quando soube que o fumo era feito de umas ervas mais fracas – aromáticas. A fumaça incomodava um pouco, mas nada que comprometesse sua atuação. Quanto a uma nova experiência como atriz, Carol vai esperar o lançamento do filme, pois
ainda não sabe se vai curtir a sua imagem na telona. Enquanto isso, continua no Funk, como a MC Carol.
Ação! “Vamos fazer um filme?”, disse o roteirista Maurílio, anfitrião da gravação – o set do filme estava em frente à sua casa. Depois de uma pequena demora na preparação dos envolvidos para gravar, houve silêncio e o famoso: “Ação!” A primeira tentativa não foi tão boa assim. O responsável pelo áudio reclamou algo com o operador do boom. Ajeitado o microfone, refizeram a cena. Novamente o silêncio: ação! Começaram a regravar. Seu Alcides dialoga com um policial. É possível ouvir um “eu poderia ser seu pai” do homem para o militar. Dentro de uma viatura da guarda municipal
de Contagem (a fim de simular a da PM) estava dona Sônia. Por não falarem alto o bastante, era impossível ouvir o diálogo – mesmo sem burburinho ambiente. Ao finalizarem o take, todos os responsáveis pelo filme correram logo para o retorno, para verem nitidamente (e em bom som) o que foi gravado. Lá estavam, além de Thiago, Maurílio e Gabriel, o produtor André Novais. Longe do alvoroço para saber se o take foi um sucesso, estava seu Alcides, interpretado pelo octogenário Delardino Caetano. Apesar de ter decorado algumas falas e interpretado seu papel, Delardino não entende muito de cinema. “O que eles mandam a gente fazer, a gente faz”, disse. Entretanto, foi uma experiência boa para o ator, que pôde, segundo ele, “conhecer pessoas no-
vas, fazer amigos e tocar uma música (no acordeão) sobre o amor de Deus”. Engana-se quem acha que essa é a primeira aparição de Delardino no cinema. Pelo contrário: é a segunda vez que interpreta o mesmo personagem – a outra foi no curta Dona Sônia pediu uma arma a seu vizinho Alcides, de 2010. Para atuar nos filmes, Delardino recebeu o convite de Maurílio, seu vizinho. Segundo o ator, ele viu o roteirista nascer, crescer e conhece toda a sua família. “Seria até uma injustiça não aceitar o convite para participar do filme”, afirma. O ator torce para que sua atuação não tenha absolutamente nada que desagrade a seu Deus. Quanto à próxima aparição em um filme, só espera ter vida para receber um novo convite.
UM DIA NO...
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FILMES DE PLÁSTICO André, Gabriel e Thiago se conheceram na Escola Livre de Cinema, nos idos de 2005. Em 2006, Gabriel e Maurílio fizeram parte da primeira turma de Cinema do Centro Universitário UNA (coincidentemente moravam em bairros vizinhos, em Contagem). O primeiro filme que fizeram juntos foi Filme de sábado, de 2009, com equipamentos emprestados e a locação feita da casa do André. “O financiamento dos filmes, no início, era feito do próprio bolso da produtora. Mas eram filmes mais baratos, com equipamentos emprestados e com equipe trabalhando de graça”, relembrou Gabriel. Após rodar o curta Fantasmas, lançado em 2010, o grupo sentiu necessidade de profissionalizar os trabalhos. Então, no mesmo ano, foi criada a Filmes de Plástico – nome que surgiu na fila de um banco, da conversa entre Gabriel e Maurílio. No ano seguinte, após reuniões, a produtora passou do virtual para se constituir como empresa. A princípio, segundo Thiago, não tinham ambições de serem cineastas. “A ideia inicial era fazer vídeos institucionais para pagarem as despesas”, afirmou. Para Gabriel, trabalhar com amigos é fundamental. “Ser profissional é uma busca diária de entender a melhor forma de fazer tudo, respeitando todo mundo, cumprindo tempo, entendendo até que ponto essa amizade
ajuda. Acho que sempre ajuda, mas não pode mascarar honestidade, franqueza na hora de opinar nas coisas dos outros. Ser amigo torna tudo muito saudável e leve nos momentos mais difíceis”, disse. Os filmes que a produtora desenvolve surgem de situações espontâneas dos diretores e roteiristas (Gabriel Martins, Maurílio Martins – que não são parentes – e André Novais). Em Dona Sônia pediu uma arma a seu vizinho Alcides (2010), a inspiração veio das histórias que são manchetes em jornais populares. Em 2015 vieram o longa Ela volta na quinta (2015), que contou com os pais de André nos papéis principais. Aproveitando a oportunidade, o diretor bolou o inusitado O Quintal (2015). “A gente tenta pensar ideias que sejam mais originais o possível. Mesmo que atores e locações se repitam, a gente sempre tem ideias diferentes”, disse Gabriel. Os nomes dos filmes também nascem da mesma forma – espontânea. O casting da produtora foge do convencional: não trabalham com atores que sejam aclamados ou que estejam no circuito. MC Carol, que atua em No coração e no mundo, foi exceção, mas sua fama vinha da música e não do cinema. Geralmente, amigos e familiares atuam nos filmes, como o cineasta Leo Pyrata e o crítico e professor de cinema Nísio Teixei-
ra. Uma das primeiras atuações cinematográficas de Bárbara Colen foi no curta Contagem, de 2010. Em 2016, a atriz atuou como a jovem Clara (interpretada por Sônia Braga na fase adulta), no filme Aquarius. Raramente fazem testes para a escolha de atores. Muitas vezes, constroem personagens e pedem amigos que indiquem atores para aqueles arquétipos.
Contagem é o mundo Em 2010, a Filmes de Plástico lançou dois curtas, Contagem e Dona Sônia pediu uma arma a seu vizinho Alcides, com verba do edital de 2009 do Filme em Minas. “Ambos foram um marco para a produtora, pois a partir deles começamos a trabalhar com estrutura mais profissional e ‘circular’ bastante em festivais”, diz Thiago Macedo. Os filmes foram ambientados na periferia de Contagem, o que se tornou marca reconhecida pela crítica e recorrente nas obras. Os diretores e roteiristas já pensavam na prequel dessas duas histórias. “Surgiu a ideia de contar a história anterior aos dois curtas, adicionando uma nova gama de personagens aos já apresentados. É uma síntese de tudo que já produzimos, em termos de trabalho, pessoal envolvido e dinâmica do bairro”, disse Thiago. Mesmo que queiram que o filme estreie logo, os responsáveis não estão com pressa para finalizá-lo.
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LEITURA
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VIAGEM AO MUNDO EM 1001 LEITURAS FOTOS: RITA LIMA
Para além de livros, projetos reservam múltiplas surpresas mensais a seus assinantes
Kit literário deve ser apreciado com muita calma e prazer
Clarisse Antunes Rita Lima Certos livros, de tão cativantes, fazem com que o leitor, depois de poucas linhas, e sem se dar conta, mergulhe na história de outro mundo – até então fictício – e se esqueça da realidade ao redor. Quem nunca se envolveu com a leitura a ponto de querer entrar na trama e viver suas aventuras? Imagine-se, por exemplo, com os hobbits de Senhor dos Anéis, ou, se preferir, tomando um chá de “feliz desaniversário” com o Chapeleiro de Alice. Os clubes de assinatura de livros se popularizaram recentemente no Brasil e trouxeram aos leitores uma nova experiência: assinar
um kit mensal, com livro surpresa e “acompanhamentos especiais”. Receber um livro desconhecido e inesperado é uma oportunidade para o leitor descobrir novos gêneros e autores. Na TAG Experiências Literárias, um grupo de curadores é responsável pela seleção de obras clássicas e contemporâneas. O preço médio dos kits varia entre 70 e 80 reais, mas há projetos com custos bem menores. O Pacotão Literário, por exemplo, oferece livros digitais de autores nacionais independentes, por preços superacessíveis, que você pode receber por apenas 1 real. As editoras não ficaram para trás e aderiram a essa forma
inusitada de vender seus livros, oferecendo o serviço de assinatura mensal. A editora Brinque-Book, especializada em literatura infantil, tem propostas de assinaturas de acordo com a idade da criança. Os planos variam de três meses a um ano e buscam incentivar a leitura desde cedo.
Malas literárias O Turista Literário, criado por Tereza Sigwalt e suas filhas Mayra e Priscilla, surge, justamente, com a proposta de fazer o leitor imergir ainda mais na leitura. O serviço consiste em uma caixa-surpresa, enviada mensalmente aos “turistas” assinantes. Além do livro (do gênero jovem -adulto), a mala contém
itens sensoriais para ambientar a experiência do leitor: algo para tocar (um objeto que aparece na história); algo aromático ou de sabor; uma playlist exclusiva no Spotify, com músicas escolhidas com base na história; e um souvenir de viagem. Na primeira malinha, o assinante recebe um passaporte e, a cada kit recebido, um selo do respectivo local onde se passa a história. Um cartão-postal de boasvindas é enviado, e o próprio design da caixa – uma mala – colabora para a experiência do leitor. Assim, a cada balão lançado – símbolo do Turista –, o leitor é levado a se aventurar nos mais diversos universos fantásticos da literatura.
Em um dos vídeos de seu canal no Youtube, “All About that Book”, Mayra contou que sua irmã mais velha, Priscilla, costumava criar um ambiente especial para entrar ainda mais no clima da leitura. Usava incensos, velas aromáticas, trilha sonora e até uma iluminação diferenciada. O público reagiu de forma animada, dizendo que também queria experimentar algo parecido. “Foi quando pensei: e se a gente pudesse ampliar a relação das pessoas com a leitura, oferecendo isso? Assim nasceu o Turista Literário”, afirma. Depois da leitura, a equipe seleciona os elementos da história aptos a se transfor-
mar em brindes. Esses objetos, portanto, são criados a partir da experiência de leitura de cada livro. “Depois nos reunimos, discutimos ideias e criamos os itens feitos por uma rede de artesãos, sob coordenação de nossa mãe, Tereza Sigwalt”, conclui Mayra. A divulgação do trabalho foi realizada por meio das redes sociais e com a mobilização de booktubers – youtubers que dão dicas e fazem críticas sobre livros –, além do contato com blogs de literatura. O retorno do público foi bastante positivo. “As pessoas têm reagido de forma muito carinhosa, empolgada e encantada pela inovadora proposta de leitura”, comenta.
GASTRONOMIA
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DESAFIOS DO CHEF FOTOS: REPRODUÇÃO
Profissão de respeito até debaixo d´água BOMBA, BOMBA, BOMBA!
SAIBA COMO FAZER O FAMOSO... Ingredientes 100g de carne de siri desfiada 10g de cebola picada 25g de farinha de pão Hamburguer de Siri! 1 ovo 10g de cebolinha picada 1 pão de hambúrguer Folha de alface Rodela de tomate Bacon em fatia 1 grama do ingrediente secreto secretíssimo inviolável. Modo de fazer: Junte a carne de siri, a cebola picada, a cebolinha, o ovo e a farinha de pão em um bowl e misture. Tempere com sal e pimenta a gosto e salpique com o ingrediente secreto secretíssimo inviolável. Faça molde de hambúrguer com as mãos ou com o auxílio de algum equipamento. Resfrie a carne de siri, no freezer, por 10 minutos. Regue a frigideira com um fio de óleo e espere a panela esquentar. Coloque o hambúrguer na panela e aguarde dourar dos dois lados. Abra o pão e acrescente alface, tomate e bacon já tostado e frito. Por fim, ponha o hambúrguer de siri.
Yan Fraga No dia 1o de maio de 1999, foi ao ar o episódio inicial da série norte-americana de animação Bob Esponja – Calça quadrada, que conta a rotina do personagem e de seus amigos Patrick (uma estrela do mar), Lula Molusco, Sandy (um esquilo) e o senhor Siriqueijo (um caranguejo), proprietário do célebre restaurante Siri Cascudo. Bob Esponja é o cozinheiro-chefe do Siri Cascudo, situado na Fenda do Biquíni. Ele prepara, diariamente, o lendário Hambúrguer de Siri, ao seguir a receita com um ingrediente secreto, guardado a sete chaves pelo dono do restaurante. A vida de um cozinheiro não é fácil,
como se vê no desenho Bob Esponja. Porém, há muito mais a ser mostrado do que apenas o preparo de um só alimento, como na animação. Um cozinheiro, hoje, precisa dominar diversas técnicas e ter vários cuidados para sobreviver no mundo gastronômico dos estabelecimentos “chiques”. A sociedade tem evoluído e comer bem tornou-se uma obsessão, o que leva à busca por bons restaurantes e cozinheiros. Trabalhar no ramo exige 100% de dedicação do profissional, que busca fazer sucesso na área e adquirir experiência e novas técnicas para, futuramente, montar seu próprio negócio. Os horários e as jornadas exaustivas de
trabalho estão sempre presentes na vida dos cozinheiros, que trabalham nos feriados, nas festas de fim de ano e nos fins de semana. Mas há um lado bom de trabalhar em cozinhas profissionais, hoje. Os salários têm aumentado, há proMas... e o ingrediente secreto? cura por profissionais formados na área e percebe-se melhores estruturas. No mais, o jovem e alegre Bob Esponja pode servir, sim, de exemplo Infelizdo que seja mente, Patrick, um cozinão tenho autorização nheiro: espara responder essa ponja feliz, nebulosa pergunta. sorridente e altamente Senão... criativa. Ah! E que busca o melhor para si e nunca desiste de seus grandes sonhos.
Seria o plâncton, Bob Esponja?
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ENSAIO
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GUERREIROS, MAS INVISÍVEIS “Lutar” é verbo empregado diariamente na Ocupação Dandara Sair todos os dias, às 5h, para buscar latinhas na região central de Belo Horizonte, em troca de pouco mais de R$ 10 dez. Eis a realidade de um dos moradores da Ocupação Dandara, localizada nas imediações do bairro Trevo, também na capital mineira. Como se não bastassem as dificuldades impostas por uma rotina desgastante, o trabalhador enfrenta problemas na coluna, que o impedem de se abaixar, o que faz com que as próprias esta-
ções de reciclagem forneçam a ele o material de alumínio. Esse é um cenário comum na Dandara. Nascida em 2009, com cerca de 150 famílias, o local abrange área de 40 hectares (400 mil m2) e abriga, hoje, cerca de cinco mil pessoas. Diante do panorama de vulnerabilidade social, de descaso do poder público e intensa resistência dos moradores – percebida desde o nome da ocupação, alusivo a Dandara, companheira de Zumbi e determinada em manter o Quilombo
dos Palmares durante o período colonial brasileiro –, em momento algum há tristeza no olhar das pessoas. E nem desesperança. Ao contrário: o que se vê é a incessante luta por direitos humanos básicos, como saúde, educação, moradia, saneamento, segurança, transporte etc. Trata-se, enfim, de uma característica do trabalhador brasileiro. Por mais que ele esteja abandonado, sem perspectiva de melhoria econômica, social e política, não lhe falta garra para lutar por condições de
vida, ao menos, dignas. Apesar de garantidas pela Constituição Federal, promulgada em 1988, tais conjunturas não são respeitadas pelo poder público, que se nega a enxergar as carências ali expostas. O mesmo vale para a população, uma vez que apoderações como a Dandara existem em todas as grandes cidades brasileiras, em número muito maior do que a maioria possa imaginar. Basta analisar onde se localiza a ocupação, situada na região Norte de Belo Horizonte, onde ficam bairros de classe
média, como Planalto, Céu Azul e Floramar. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, em pesquisa desenvolvida em 2010, a cidade de Belo Horizonte conta com 98,62% da população em domicílios com coleta de lixo – o que, porém, não se é o caso da Dandara. O mesmo vale para água encanada, presente em domicílios de 98,88% da população da capital. Dados como esses escancaram o quão esquecidas está a periferia. Apesar de próximas de todos, elas não
fazem parte da agenda pública. A luta por reforma urbana no Brasil existe desde a década de 1960, quando segmentos progressistas brasileiros começavam a demandar uma série de reformas estruturais, que fez parte, inclusive, das medidas do governo João Goulart, a partir das chamadas Reformas de Base. Ainda que sejam conflitos de décadas, aglomerados como a Dandara continuam a resistir às injustiças sociais, que, apesar da força de vontade dos habitantes, estão longe de ser resolvidas. FOTOS: WILLIAM ARAÚJO
Gabriel Ronan
ENSAIO
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MUSEOLOGIA
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MEMÓRIAS EXPOSTAS FOTO: JULIA AMORIM
Museu de Quilombos e Favelas Urbanos, o Muquifu, reúne histórias e sentimentos da periferia
Objetos representam vivências, experiências, desafios e conquistas de centenas de anônimos repletos de sonho
Igor Moreira Julia Amorim Lugarzinho simples, com um singelo sino na entrada. Ao subir as escadas de cimento, uma representação de Monalisa, de Leonardo Da Vinci (1452-1519), com uma favela ao fundo, nos chama a atenção. No fogão, o chá ferve. Somos recebidos pelo padre Mauro, de 49 anos, curador do museu, um senhor calmo e de bom humor, que faz questão de nos explicar tudo. O Museu de Quilombos e Favelas Ur-
banos (Muquifu) fica no bairro Vila Estrela (rua Santo Antônio do Monte, 708), e funciona às terças-feiras, de 14 às 17 h. Às 20h, realizase uma missa na capela Maria Estrela da Manhã, localizada no mesmo espaço, mas sem relação com o Muquifu. O nome do Museu é um acrônimo da palavra “muquifo”, cujo significado é “lugar sujo e mal frequentado”. O espaço é a primeira instituição, em Belo Horizonte, que se propôs a preservar a memória de vilas, favelas
e quilombos urbanos. Trata-se de lugar que se sustenta por conta própria, sem auxílio do governo, e com a ajuda de voluntários. Ali, também somos apresentados a Cleiton Gós, de 43 anos, professor de português e um dos artistas do Museu, que, após conhecer o Padre Mauro, em um congresso em Recife, se interessou pelo projeto. Ele saiu de sua terra, Pernambuco, e se tornou um dos colaboradores. “O mais fascinante do Muquifu é a reprodução da vida real,
junto às referências históricas. Fazemos a união dessas duas realidades. Aqui, afinal, as pinturas são feitas por meio de projeções fotográficas da favela e dos moradores do local”, explica.
Memórias O museu é local para preservação histórica e cultural dos moradores da favela. Nas exposições, encontram-se objetos pertencentes aos moradores, mas os maiores patrimônios e acervos são as histórias e memórias por eles contadas. Giullana
Tomasella, doutora em História da Arte pela Universidade de Pádua-Itália, diz que o Muquifu é “resultado de uma paixão, criado para derrubar estereótipos e clichês, além de se opor à injustiça social”. As origens do museu remontam a uma invasão da polícia na favela. Em nome do pedido por paz na comunidade, foi criado um evento que representava três semanas de paz e cidadania. A cada ano, discutia-se um tema diferente. Em um deles, o destaque ficou por conta da ques-
tão da memória. Nesse período, foi proposta a criação do memorial do quilombo, para guardar documentos, fotografias e registros. Pode-se dizer que o Muquifu é um “museu de território”, já que está presente no espaço da favela, com várias sedes e outros locais para exposições e preservação do acervo, espalhados pelo Aglomerado Santa Lúcia. Também se aplicam nele ideais da chamada “museologia social”, que busca transformar o lugar onde se instala a instituição.
OUTROS PAPOS
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DEDÉ SANTANA NO ESPELHO Ana Borges Em setembro, fui ao Teatro Alterosa e conheci um ídolo de infância. Quem é? Dedé Santana. Diferentemente da época dos Trapalhões, que era só de palhaçada, o ator se apresentou em um espetáculo teatral dramático, intitulado A última vida de um gato, no qual interpreta um personagem que não tem nada na vida e pensa em se suicidar. Dedé divide o palco com o jovem ator Filipe Cunha, que atua como o “gato” do título. Ao término da peça, Dedé tirou fotos com os fãs e distribuiu autógrafos. Obviamente, não perdi tempo. Levei a capa do álbum Os Saltimbancos Trapalhões e ganhei uma dedicatória. Durante todo o tempo, o ator foi extremamente delicado com todos, o que não me surpreendeu. Afinal, nas telas, é isso mesmo que ele mostra. Atualmente um senhor de 80 anos, Dedé atendeu a todos os fãs, mesmo com o cansaço – que era perceptível em sua voz. Arrisco dizer que foi uma das maiores emoções por que passei. Quando pedi que ele autografasse o disco, senti que tinha se emocionado. Lógico! Na capa, estavam os quatro Trapalhões. Como foi apresentar ao vivo o programa “Criança Esperança”, exatamente no dia seguinte à morte do Mussum? Na realidade, não queríamos apresentar o programa naquele dia. Estávamos muito desolados. Porém a produção disse que era um programa para angariar fundos para crianças e que elas precisavam de nós. Com esse pretexto, aceitamos apresentar.
FOTO: WILLIAM ARAÚJO
Em entrevista, ex-Trapalhão fala de sua experiência como ator dramático e relembra momentos da carreira Vocês vibraram no programa, pois a Seleção Brasileira de Futebol havia sido tetracampeã do mundo. O Mussum chegou a ver essa conquista? Acredito que viu, sim, e como era muito ligado a futebol e à seleção, aquele tetracampeonato não deixou de ser uma homenagem ainda em vida para ele. Qual era a ligação do grupo com Belo Horizonte? Além de Zacarias ser da cidade de Sete Lagoas, a dupla Didi e Dedé começou aqui no mesmo Teatro Alterosa. Naquele início, já havia muito alvoroço do público? Lembro que chegávamos para gravar e a fila já estava dando voltas no quarteirão. Como você conheceu seu parceiro de peça, Filipe Cunha? Nós nos conhecemos quando o Felipe me convidou para fazer a peça. Qual é a temática do espetáculo? Ele trata da amizade, já que meu personagem é um senhor viúvo que perdeu o filho e pensa em suicídio. Até que surge o personagem do Felipe Cunha, que é mais novo e mostra que a vida continua e a amizade é tudo no mundo. Dedé como é contracenar com o Felipe? O Felipe é muito generoso e tenho aprendido muito com ele. À época dos Trapalhões, havia muitas improvisações. Como é agora, quando você tem que decorar marcas e textos? Essa foi uma parte muito difícil para mim, já que eu estava acostu-
mado com o humor e o improviso. Mas quando o autor, que é sensacional, me mostrou o texto, percebi que não dava para mexer em muita coisa. Tremi na primeira leitura. Tem novidades sobre filmes? Sim! Rodei cinco longas, como uma nova versão d’Os Saltimbancos Trapalhões rumo a Hollywood, com Renato Aragão e Roberto
Guilherme. Filmei, também, Shaolin do Sertão. Por falar em figurinhas carimbadas em filmes e programas, como era sua relação com a Xuxa?
Somos muito amigos, tanto que trocamos confidências e figurinhas até hoje. Como foi beijá-la em um filme? Eu era o diretor e
tomei todo o cuidado do mundo. Perguntei como gostaria que eu procedesse, e Xuxa disse que eu mandasse brasa. Depois fiquei sabendo que ela tinha achado o beijo chocho.
PRA QUEM PODE! Felipe Cunha revela como é conviver e contracenar com o ex-Trapalhão: “É uma enorme emoção. Às vezes, no palco com ele, passa aquele filme na cabeça: ‘Estou contracenando com meu ídolo’. Sou fã incondicional do Dedé e de toda a carreira dos Trapalhões. Sinto-me privilegiado, já que poucas pessoas dividiram o palco com ele”.
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VOCÊ JÁ VIU?
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UM AMOR NADA FALSIFICADO Como roubar um milhão de dólares, com Audrey Hepburn, completa 50 anos Honestamente, o que você faria se descobrisse uma fórmula secreta, infalível, para conquistar uma fortuna? Opção 1: roubaria? Opção 2: manteria sua integridade? Opção 3: assistiria a um belo clássico, dos anos 60, com duas grandes estrelas, Audrey Hepburn e Peter O’Toole, numa divertida história investigativa? Se optar pela alternativa 3, além de descobrir a chance de mudar sua vida (será?), você ainda mergulhará num dos sorrisos mais cativantes do cinema, e alçará voo no azul mais intenso que os olhos humanos já conheceram: refiro-me à estonteante beleza dos atores principais.
O filme Audrey Hepburn interpretou, ao longo da carreira, muitas mocinhas indefesas, como a princesa de seu filme de estreia, A Princesa e o Plebeu (1951), ocasião em que contracenou com Gregory Peck, tendo como pano de fundo o belíssimo cenário de Roma, ou mesmo a moça simplória que vendia livros de Cinderela em Paris (1957), no qual desfilava, posava para fotos e dançava compassadamente com Fred Astaire, um dos maiores bailarinos do cinema musical. Por outro lado, fez também personagens ariscas e divertidas, como a garota de programa de Bonequinha de Luxo (1961), a secretária “mil e uma utilidades” de Quando Paris Alucina (1964) e personagens enigmáticas, como a freira em conflito entre a vida religiosa e o amor de Uma cruz à beira do abismo (1959), e a cega perseguida por um psicopata em Um clarão
nas trevas (1967). Neste filme, sua personagem está mais para o segundo grupo. Mr. O’Toole, dentre vários filmes de sucesso, ficou marcado pelo personagem vivido em flashback, tenente do exército inglês, em Lawrence da Arábia. A empatia dos atores foi o segredo do filme, que levou milhares de pessoas ao cinema, depois lançado em DVD nos anos 2000, em várias edições especiais.
A história A bela Nicole Bonnet (Audrey Hepburn) tem a triste sina de ser filha de um dos maiores falsificadores de obras de arte do mundo, Charles Bonnet (Hugh Griffith), que vendia suas fraudes por preços altíssimos, em leilões. A filha não compactua com as atitudes do pai e, até mesmo, sente vergonha de seus atos. Uma bela noite, quando o pai sai para aplicar mais um de seus golpes, Nicole é surpreendida pela visita de um ladrão inesperado, Simon Dermott (Peter O’Toole), que, com muita cautela, quase sem ser notado, retirava algumas lascas das pinturas expostas pela casa, todas supostamente de grandes pintores. Nesse momento, acontece o encontro dos dois personagens centrais da história. Movida pelo susto, Nicole atira de raspão em Simon, dando ela mesmo um jeito no ferimento do rapaz. Ali, naquele primeiro instante, quando
os olhares se cruzam (e que olhares!) já percebemos um clima de romance no ar. Seu pai, um tremendo cara de pau, empresta uma estátua a um museu, dizendo se tratar de uma obra legítima. O pior ainda estava por vir, pois ele assina, ingenuamente, um papel delega aos tutores provisórios da peça, avaliá-la, visando verificar sua autenticidade. O pai, que já aposta no namoro da filha com o novo frequentador da casa, o incumbe de roubar a peça do museu onde se encontra exposta, amparada por um alto esquema de segurança, com a ajuda da filha. Cenas hilárias acontecem a partir deste ponto da película, pois os dois apaixonados tramam as mais variadas estratégias para colocar a mão na estátua, retirá-la do local e consumirem com a peça, que está sendo cobiçada por um milionário colecionador de outro país. A cena dos dois presos em um pequeno cubículo, falando quase que em sussurro, é muito excitante. Os olhos de O’Toole fixados nos de Hepburn, além de suas vozes macias, são a prova de que, independentemente de conseguirem ou não roubar a peça, uma forte história de amor se consolidava entre os dois. Para conseguir a façanha, miss Hepburn veste até o uniforme de faxineira (e mantém a mesma classe), enquanto
FICHA TÉCNICA Título: Como roubar um milhão de dólares Título Original: How to Steal a Million Direção: William Wyler Elenco: Audrey Hepburn, Peter O’Toole, Eli Wallach Gênero: Policial, Comédia, Romance Ano: 1966
O’Toole faz experimentos com um bumerangue, que, se lançado de maneira correta no alvo, aciona os alarmes que protegem a estátua 24 horas por dia. Em meio a alarmes disparados e uma tremenda confusão de pessoas, os dois “ladrões” deixam o local, após tentativas mirabolantes de roubar a peça. Porém, quem é realmente Simon? Um
ladrãozinho de araque, que invadiu a casa da moçoila só para roubar obras de arte falsificadas? Quais as verdadeiras intenções do “mocinho” em relação à delicada senhorita boa de pontaria? Algumas perguntas ficam para que os leitores do Impressão tentem encontrar as respostas: terão os personagens centrais da trama conseguido
resgatar a “famosa” obra de arte do museu mais bem equipado do mundo? (ou seria o mais barulhento?) Terá o pai da jovem deixado a vida de falsificações? Emoções fortes te esperam nesta deliciosa comédia do cinema clássico. Garanto que, por bem menos que um milhão de dólares, e sem precisar cometer nenhum delito, você encontrará a resposta. FOTOS: REPRODUÇÃO
Rodrigo Oliveira
VOCÊ JÁ LEU?
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INTOLERÂNCIA ATEMPORAL Rita Lima Mesmo após 56 anos de sua publicação, O sol é para todos não deixa de ser encantador e moderno. Em narrativa leve, Harper Lee nos leva a refletir sobre algo que permeia a sociedade há muito tempo: o racismo.
“Mas antes de ser obrigado a viver com os outros, tenho de conviver comigo mesmo. A única coisa que não deve se curvar ao julgamento da maioria é a consciência de uma pessoa”. Jean Louise, ou simplesmente Scout, vive na pequena cidade de Maycomb, com o pai, Atticus, um advogado, e seu irmão, Jem. Narrado em primeira pessoa, o livro transmite a ingênua e perspicaz visão de Scout sobre os fatos. Apesar da seriedade do tema, por meio da perspectiva da garota, Lee transformou a leitura em algo bem sutil, mas impactante. O lado cômico também se faz
presente com as manias de uma personagem de seis anos – e seus inteligentes comentários. Temos, também, o retrato de uma sociedade retrógrada. Como a história se passa na década de 1930, e no sul dos Estados Unidos, o racismo era algo bem comum. Na história, Tom Robinson, um negro, é acusado, injustamente, de estuprar uma mulher branca. Atticus, então, se torna responsável pela defesa do homem, e tanto ele quanto os filhos viram alvos da discriminação da população. O romance é dividido em duas partes: a primeira apresenta um clima mais descontraído. Scout nos apresenta os moradores da cidade e conta suas diversas travessuras de criança, principalmente aquelas relacionadas a Boo Radley. Um dos personagens mais interessantes da história, Arthur Radley – conhecido como Boo – é o recluso da cidade que desperta a curiosidade das crianças, e sempre se envolve
FOTOS: REPRODUÇÃO
O sol é para todos escancara as faces do racismo norte-americano em histórias misteriosas. Lee o retrata de forma assustadora.
“Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela”. Na segunda parte, passamos a conhecer os traços preconceituosos e tradicionais da sociedade. Atticus Finch se destaca como um grande homem, fiel e digno, que mantém o seu ideal de justiça em meio à discriminação racial. A autora Harper Lee nasceu no Alabama, em 1926. Ao se mudar para New York, nos anos 1950, escreveu O sol é para todos, com o qual ganhou o Pulitzer de Ficção, em 1961. Apesar do sucesso do romance, Lee, reservada, não aparecia na mídia. Em 2014, encontrou-se um manuscrito com a continuação de sua obra de estreia: Vá, coloque um vigia foi lançado em 2015, um ano antes da morte da autora.
FICHA TÉCNICA Título: O Sol é Para Todos Título Original: To kill a mockinbird Autor: Harper Lee Editora: José Olympio Ano: 2016 349 páginas
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CRÔNICAS
Novembro de 2016 Jornal Impressão
UNIVERSITÁRIOS, AVANTE! Marcio Cotta
de dias melhores nos trouxeram ao campus. Recinto em que sábios docentes nos trazem o conhecimento, ouvem nossas querelas e dúvidas. Difícil a disciplina? Cuidado: rumores de monstros secretos tentam nos fazer recuar, debandar, desertar. Sussurros da noite vêm como um sopro: “Você não é capaz, não vai conseguir!” Então: ensurdeçamo-nos perante estes maus agouros! Sigamos o caminho do otimismo, do pensamento positivo, deixemos fluir, vamos em frente. Incorpore a alma de universitário! Quando voltarmos para casa, de novo ao seio da família, será momento de
desligar o lado discente. Mas, ao nascer um novo dia, retornemos, em transe, ao aprendizado. Suportemos até a falsidade de um colega que se diz amigo, mas, a distância, veste a máscara do inimigo. Choremos por uma nota rasa, não desejada. Podemos atrasar por causa do trânsito maluco, perder uma ou duas disciplinas, mas renunciar, jamais! Como combatentes em classe, cada segundo é valioso, cada lição nos engrandece, todo debate soma. Ao fim de um período de labuta, uma missão cumprida, uma peleja vencida! Retroceder, palavra proibida. Sempre em frente! Cair, levantar, curar o
ferimento do desespero e seguir sempre em frente! Se mirarmos os que se foram, os que abandonaram a batalha, veremos: marcharam na contramão da história, perderam o momento mágico e digno da consumação, de mais uma meta realizada. Fuja do argumento de que, no próximo ano, voltará! Seu intelecto poderá lhe trair, para que não volte jamais! Sempre em frente, universitário! Pensamento positivo! A hora é de ir adiante, e de embate. Nada nos vem em berço esplêndido, em mãos beijadas ou em bandejas de ouro. Quanto maior a luta, maior o regozijo da vi-
tória! O júbilo do dever cumprido não tem preço; nenhum alto salário no futuro será maior que a alegria de vencer a “maratona”! Cruzar a linha de chegada é o mais precioso dos fatídicos dias que cognominamos de “sofrimento”! Ao lembrarmos de cada etapa conquistada, veremos que aceitaríamos o desafio outra vez, se nos fosse proposto, novamente. Afinal, sairemos pujantes, e a emoção de estar entre os vitoriosos é inenarrável. Não podemos abdicar de receber nosso troféu: o diploma de grande acadêmico vencedor! Universitários, avante! Pensamento positivo! ILUSTRAÇÃO: MARCIO COTTA
O dia amanhece: precisamos acordar, vestir a roupa e pôr o pé na rua! O trabalho nos espera! Trabalho? Qual trabalho? O que nos sustenta? Não! É o da faculdade! Apresentação no primeiro horário! Bem na manhã! E os universitários que trabalham durante o dia e vão para faculdade à noite? Os que sonham em trabalhar e estudar, mas levam o triste adjetivo: “Estudante desempregado”? Aula, exercícios, provas e banca. Calma, você consegue! Então, aluno, corra para a faculdade! Enquanto isso, seu colega já está na lida, em meio
a tantos afazeres atrasados, cobrados pelo patrão. Serviços que pratica para a sobrevivência, para o próprio soldo. Então? Também acontece com você? Isso o estressa? Seus trabalhos acadêmicos o deixam louco? Lembrese: o tempo não para! O tic tac do relógio lhe cobra aquela tarefa da disciplina na qual você precisa se recuperar? Mais um dos inúmeros exercícios extraclasse? Então? Com tantos compromissos, além da família, como continuar? Correr? Desistir? Retroagir? Resposta correta e objetiva: jamais! Universitários, avante! A sabedoria, o conhecimento e a ambição
UM MESSIAS NO MORRO DE STO. ANTÔNIO Danilo Silveira Há muito tempo, em uma cidadela que chamaremos aqui de Terraboa, viveu um homem no qual Ítalo Calvino poderia ter se inspirado para construir seu Medrardo di Terralba, na fábula O visconde partido ao meio. Mas este não estava partido ao meio; era malícia e bondade em um corpo só. Era possível consternar-se com os descamisados e ser responsável por mantê-los nus. Seu nome permanecerá em sigilo: é covardia
nomear bois que já não fazem mais parte de nosso rebanho. Quando resolveu candidatar-se a prefeito de Terraboa, subiu ao morro, exatamente na comunidade Santo Antônio, onde os desprotegidos pela lei e desamparados de poder sobreviviam. Naquele tempo, a economia alternava-se entre extremos – os que tinham muito se fartavam, os que pouco tinham... se danavam. O homem que pleiteava uma vaga na prefeitura levou seu vice para que lhe servisse de escudeiro e ano-
tasse todas as aflições dos marginais. Na primeiro casebre do morro, resolveu bater palmas e chamar os que dentro estavam. Surgiu uma senhora dos fundos daquele barraco feito de barro e reciclagens. A mulher vinha com a barra da camisa repleta de pregadores e encharcada de água com sabão. A mulher abanou os braços para enxugar a espuma, antes de cumprimentar o candidato a prefeito. – Senhora, venho até aqui hoje para ver o que falta em sua casa. Para que, quando eu for
eleito, não venha a faltar. Meio ressabiada, a mulher pensou duas vezes antes de responder. – Uai, falta muita coisa... Num tem água, num tem esgoto... nem os minino tem o que colocá no pé. Imagina “ês” na escola, os coleguinha fica tudo rindo e... Antes que a mulher fechasse o raciocínio, o homem logo investiu. – Senhora, eis as incompetências do atual governo. Em minha gestão, coisas como esta não acontecerão. Para que promessas não fiquem vazias, aqui está meu vice, que anotará
suas necessidades neste caderno e, futuramente, iremos registrar no cartório, como mostra de nossa lealdade. Como se a mulher visse verdade naquelas palavras, ou estivesse tão sensitiva a quem lhe prometesse salvação, ela logo gritou para a vizinha da frente que o salvador de suas atribulações se fazia presente. Quase todos os moradores da comunidade se aglomeraram para ver aquele que traria renovo aos desfavorecidos – a cada casa que visitavam, a multidão acompanhava
os candidatos. Aos que tinham sede, o homem prometeu água; aos que tinham fome, pão – às vezes, até com fatia de salame. Ali entrou mortal e saiu Messias. Assim que escureceu, os candidatos resolveram ir embora. De um pesadelo, a população acreditou ter acordado para um sonho. No meio do caminho, ja bem longe do morro de Santo Antônio, o vice reparou algo: – Ei, as folhas do caderno acabaram. O que iremos fazer? – Ah, jogue fora, não dá mais para escrever.