Edição 209 - Caderno 1

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH

Ano 37 | nº 209 belo Horizonte | mg

SETEMBRO | 2018

Foto: Jorge lopeS

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Dossiê infância: as várias facetas do que fomos e seremos. páginas 4 a 13

Entrevista exclusiva com Evandro Mesquita, ex-líder da banda Blitz caderno do!s

de volta

para o Futuro


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priMEiras paLavras

Setembro de 2018 Jornal Impressão

para quem ainda É crianÇa thiago Fonseca A infância é uma fase da vida onde tudo é mágico, encantado e colorido. É nela que enxergamos o mundo mais bonito e não existem tantas responsabilidades. Contraditoriamente, quando somos crianças queremos logo crescer e ser adultos. Porém, quando a fase madura é alcançada, o que nos resta são as memórias da nossa meninice. Já dizia Cassimiro de Abreu: “Oh! Que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!”. Por isso, o IMPRESSÃO busca neste dossiê resgatar os aspectos importantes que marcaram nossa infância. Pensando sobre essa deliciosa fase da vida, três repórteres, em meio à nostalgia, retornam a locais significativos de sua infância e encaram as transformações, as

HUMor

lembranças e a saudade desse tempo. Outro grupo de repórteres se dividiu em três programas culturais infantis simultâneos, todos em Belo Horizonte e em apenas uma hora. A super missão era procurar na cidade por lugares onde os pais poderiam levar seus filhos para se divertirem em um programa cultural. ‘Mesma Bat-Hora, 3 Bat-locais’ surge da visita à exposição Jardins Móveis, ao Museu dos Brinquedos e ao cinema do shopping Estação BH. Querido entre as crianças e adolescentes das últimas décadas, Pedro Bandeira é o autor de livros da literatura infantojuvenil mais vendidos no Brasil. Suas histórias clássicas acompanharam o crescimento desses fãs. Ainda no Caderno UM você confere uma matéria exclusiva com o escritor. Nela, Pedro fala de sua experiência e acredita que o encanto

das obras culturais para o público infantojuvenil ainda vive. Você pode conferir ainda um bate -papo com a escritora e roteirista carioca, Flávia Lins, e uma conversa com Marcos Malafaia, um dos diretores do Giramundo. Ainda no universo infantil, existem aquelas crianças que possuem habilidades especiais para determinados assuntos, os chamados pequenos superdotados. Na reportagem ‘Prodígio, Não! Superdotado’ você conhecerá mais sobre as crianças superinteligentes, as suas características e o desafio das escolas brasileiras de identificá-los e de oferecer conteúdo pedagógico adequado. A matéria também mostra um projeto de extensão interdisciplinar que visa auxiliar o progresso das crianças alto-habilidosas. No Caderno DO!S desta edição você encontrará matérias insti-

gantes. Você lembra a última vez em que fez algo pela primeira vez? Na reportagem ‘Impressões sobre Ravel’ uma de nossas repórteres conta como foi estar em seu primeiro concerto apenas com um guia musical em mãos. Em outra entrevista exclusiva para o IMPRESSÃO, o cantor, compositor e ator brasileiro, Evandro Mesquita nos conta sobre sua história: a ascensão musical, a carreira com a banda Blitz, o trabalho em novelas e séries e experiências marcantes de sua vida, como conversar com Bob Marley e estar no mesmo palco que Tina Turner. Confira também uma reportagem sobre a Musicoterapia e sua aplicação no tratamento do TEA (Transtorno do Espectro Autista). Renúncia: negar ou rejeitar determinado hábito. Esta palavra tão forte foi a escolha de seis jovens que enfrentaram o desafio

de ficar trinta dias em abstinência de prazeres. Se já é difícil esquecer os fones de ouvido em casa e ficar o dia sem ouvir música, imagina escolher ficar um mês inteiro sem ouvir suas canções favoritas? Os jovens entrevistados relatam como é a vida antes, durante e após a abdicação de coisas valiosas para a vida deles. E você, conseguiria ficar um mês longe daquilo que vocês mais gosta? Por fim, o clima das eleições influenciou o IMPRESSÃO a fazer uma reflexão sobre o posicionamento político dos brasileiros. Conheça os famosos Coxelas e Mortadinhas. E assim como a imaginação fértil de uma criança, por aqui temos espaço de sobra para vários assuntos. Música, fotografia, literatura, comportamento, reportagens especiais. entrevistas e mais. Vem embarcar essa aventura com a gente!

eXpeDIente

VICe-reItor prof. rafael ciccarini

DIretora Do CampUs BUrItIs profa. cinthia tamara V. rocha

DIretor aDJUnto Do CampUs BUrItIs prof. pedro cardoso coutinho

CoorDenaDor Do CUrso De JornalIsmo prof. João carvalho

laBoratÓrIo De JornalIsmo eDItores prof. leo cunha prof. maurício guilherme Silva Jr. Daniel macieira

DIagramaÇão mia rodrigues Isabela beloti

proJeto grÁFICo laboratório de experimentações gráficas (legrA)

estagIÁrIos Isabela beloti mariane Fernandes mia rodrigues Vitória ohana

IlUstraÇão gustavo Santos márcio cotta

parCerIas Agência Jr. de criação publicitária (Da Vinci) laboratório de Jornalismo online laboratório de Fotografia laboratório de experimentações gráficas (legrA)

márcIo cottA

Impressão/tIragem Sempre editora 3.000 exemplares

eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009 e o 2º melhor na expocom 2003 o jornal ImpreSSão é um projeto de ensino coordenado pelos professores maurício guilherme e leo cunha com os alunos do curso de Jornalismo do unibH. mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do centro universitário. espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. participe do Jornal Impressão e faça contato com nossa equipe: Av. mário Werneck, 1685 bH/mg cep: 31110-320 tel.: (31) 3207-2811 unibh.impressao@gmail.com


3 o racismo reverso que nunca existiu Agência De criação publicitáriA da VINCI

visão crítica

Racismo reverso?

NÃO!

Well Mendes Após completar pouco mais de um ano de lançamento da primeira temporada, a série “Dear White People” já tem uma data para retornar – e a renovação da obra premiada do catálogo Netflix reanima debates controversos que só se aprofundam desde sua estreia. A série acompanha um grupo de estudantes

negros, alunos de uma universidade renomada e elitista nos EUA. Com humor, a narrativa explora os debates sobre racismo e desigualdade, dentro do campus, e também, no cotidiano. Ao ser anunciada, a série recebeu críticas de grupos conservadores, antes mesmo do lançamento. Pessoas afirmaram que a séria era anti-brancos e que fomentava o “racismo

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reverso” na forma de encaminhar a temática. Assinantes do serviço de streaming contrários à temática promoveram um boicote à Netflix, cancelando a assinatura e pedindo a outras pessoas que fizessem o mesmo. Em resposta, Justin Simien, criador da série, agradeceu os cancelamentos, pois isso expunha a quantidade de assinantes que possuíam discursos racistas e preconceituosos, que não eram necessários na plataforma. A crítica se dá, em parte, porque, historicamente, a narrativa é dada por quem está no topo e detém privilégios. Quando a narrativa é criada pela parte oprimida, causa incômodo ao outro lado da relação de poder. Justin diz que a igualdade parece opressão a quem tem privilégios e pede para que o cinema saia da zona de conforto e comece a contar as verdades inconvenientes que nos assombram desde antes de alguém como eu poder escrever

um texto como esse. É interessante – e preocupante – ver como discursos assim distorcem os debates necessários sobre as construções sociais de raça e sobre as relações de poder que as envolvem e que constituem o racismo como um sistema de opressão. Logo, o “racismo reverso”, termo utilizado com frequência por pessoas brancas que foram ofendidas com associações raciais, não existe. Djamila Ribeiro, negra, ativista, e pesquisadora na área de Filosofia Política, diz que, para que o racismo reverso exista, seriam necessários navios “branqueiros”, escravização da população branca por séculos e negação de direitos. Assim, além da desinformação, o uso do termo revela outro problema grave: muitas pessoas ainda não sabem o que é o racismo – ou possuem uma ideia distorcida e incompleta sobre o tema. Ofensas de caráter racial, por exemplo, são só uma

das várias facetas do racismo. Como população, enquanto entendemos o racismo somente como a ofensa racial, dá-se legitimidade a discursos distorcidos. É necessário entender que o racismo não é só sobre ofensas. É um sistema opressor onde existem relações de poder de uma raça em relação à outra. Dentro desse sistema, existem inúmeras formas efetivas de opressão, que mudam a abordagem para alcançar a pessoa negra em qualquer espaço que ela ocupe na sociedade. Como a população negra nunca teve poder institucional, não existe racismo que parta do negro para o branco. Entender como funciona a relação de poder dos brancos sobre negros é importante para a promoção da igualdade racial – e é essencial que o cinema também se aproprie dessas narrativas. O cinema brasileiro tem poucos negros dirigindo ou atuando. Segundo a pesquisa “A

Cara do Cinema Nacional”, somente 2% dos filmes lançados entre 2002 e 2014 foram dirigidos por negros – nenhum deles por uma mulher negra. Dos 59% de atores homens, 14% eram negros. As mulheres negras foram somente 4% do todo. Em outro estudo divulgado pela Ancine, com a amostra de 142 longas-metragens lançados comercialmente em salas de cinema, somente três foram dirigidos por pessoas negras. Quanto ao elenco, de 827 artistas, os negros representaram somente 14% dos papeis. A representatividade no cinema começa a deixar de ser utópica, mas permanece embrionária. A discussão criada com a presença da série reforça a importância de produções que dão o protagonismo de temática às questões relacionadas à pessoa negra, que estimulam o debate e expõem as ideias racistas que se camuflam diariamente em nosso convívio.

rodapé Suave, e com martelos

rOMEO SEM JULIETA

Caio Sôlha

Isabela Beloti

Agora, é o martelo, que bate em 88 peças. Já não se usa o bico de pena para tal função, pois ele está ultrapassado. Foi 1700 o ano da criação do motivo de tanto sentimento no mundo da música. Forte, frágil, sereno e bruto. O que nós sentimos, no dia a dia, é transmitido a uma grande caixa, feita de cerejeira, pinho, ou de carvalho. O som é gerado pelo acionamento dos martelos de madeira, que percutem as cordas em seu interior. Quem diria que um

martelo poderia gerar sintonia, e não barulhos violentos? Já não bastasse ser uma caixa tão linda e poderosa nas mãos de quem conhece, ela tinha de ser modificada no fim do século XVIII. Agora, sim, perfeita do jeito que está. Mas dá para melhorar? De Ludwig a Claude, essa caixa tomou formato, espaço... e o coração do mundo. Popularizouse, de forma tão rápida, que ninguém podia escapar daquela cauda, daquelas curvas. Pedal é lei. Uma corda despoleta. Nos de cauda, um mecanis-

mo desvia, muito ligeiramente, a posição dos martelos. Sostenuto faz vibrar, livres, as notas cujas peças são acionadas por pedais. Em caixa tão grande, cabem milhares de sentimentos, e todas essas peças. Imagine se ela pudesse falar por si?! Quem a ouve sabe que transmite mais sentimentos do que palavras. Hoje, esse conjunto de peças, martelos, cordas e pedais formam uma única coisa. Seu significado é “suave”, mas você o conhece como “piano”, belo instrumento, capaze de produzir o seu conceito.

Após uma crise de sua ex-dona por não conseguir lidar com a hiperatividade e inquietação semelhantes as de uma criança de 3 anos, Romeo ganhou uma nova casa aos 4 meses. Desde pequeno demonstrou sua fissura por ganhar cafuné e brincar com bolinhas azuis. Inclusive, o tempo em que ele não está dormindo pode ser resumido na alternação entre essas duas atividades. Quase deixou sua segunda dona enlouquecida após estragar quatro pares de chinelo,

três celulares, um óculos de proteção e muitas outras coisas. Mas seu temperamento amável fez com que ele recebesse o perdão dela. Durante o dia, basta ele escutar o barulho da chave do portão, que já sabe que é hora de ir à casa da avó. À noite, não suporta ficar sozinho. Faz de tudo para driblar quem tenta pegar o lugar mais quentinho da sala de estar. No quesito amizade, Romeo gosta de conhecer novas pessoas, mas não aprendeu a dividir a atenção dos seus amigos. Gosta mesmo é de exclusividade. E quando

tem visita em casa, mal consegue segurar a empolgação. Seu coração ansioso não aguenta e ele corre na intenção de pedir carinho. Romeo gosta mesmo é de ser amado e, de fato, isso não é coisa difícil de acontecer. Ele sabe conquistar corações. É um Golden Retriever caramelo de quase 5 anos. Tem uma personalidade forte e gentil, é companheiro e com uma alma sempre jovem. Se ele gostar de você, e ele provavelmente vai, pode chamá-lo de querido Romeluco.


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dossiÊ iNFÂNcia

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visitas nostÁlGicas três repórteres retornam a locais marcantes de sua infância e encaram as transformações e a saudade mariane Fernandes mia rodrigues sarah izabel portal do paraíso Rua plana. Segunda casa depois da esquina. Calçada desnivelada. Portão de grades pretas e descascadas. Muros de cimento chapiscado. Pingos-de-ouro enfeitavam a entrada. De um lado, a garagem; do outro, a gruta de Nossa Sra. Aparecida. Duas janelas, com grades brancas, manchadas pelo tempo. Uma porta madeira. Outra de ferro, branca, com vidros quadrados na parte de cima, davam acesso a meu paraíso, conhecido como casa do João, meu pai. Três quartos, sala, cozinha, banheiro, área, quintal e, nos fundos, a casa da vó Hélia. Ah, como eu amava esse lugar! Ali, passei 17 anos da minha vida. Eu era caseira, não gostava muito de correr pela rua, mas às vezes escapava de casa para brincar nos vizinhos, andar de bicicleta ou tocar a campainha e sair correndo para me esconder... aquelas coisas de criança. Porém, na maioria das vezes, eu brincava no quintal, com Matheus, meu único irmão, de basquete, vôlei, futebol. Ou fuçávamos o quartinho de ferramentas do meu pai, com a ajuda de minha avó. Tadinha, era ela quem aguentava minhas brincadeiras de cabeleireiro e casinha. Mas o tempo

a levou cedo demais. Com nove anos, tive que me acostumar à falta daquela grande companheira. Muitas pessoas e histórias marcaram minha infância. Benylla, minha irmã do peito. Crescemos juntas fazendo bagunça, jogando pedra de barro na casa da vizinha e contando histórias de terror que me deixavam acordada a noite inteira. João Pedro, meu caçulinha: vivia na casa dele jogando videogame, brincando de espião ou lutinha. E Malu: com ela era mais calmo, só boneca e brincadeira de cozinha. Mas nada se compara à família. Sempre fui grudada com meu irmão, apelidado, cari-

nhosamente de Ninho. Minha alegria era ve-lô chegar da escola. Eu corria e gritava “Ninho, Ninho, Ninho... de passarinho” e corria para abraçá-lo. Minha mãe, rainha da paciência, escutava meus “batuques” pela casa, com panelas, baldes e colheres de pau para fazer uma bateria. Meu pai, muito ocupado trabalhando – não o critico por isso –, sempre procurava tempo para jogar peteca comigo. Em 17 anos aconteceu muita coisa naquela casa. Festas de aniversário, brincadeiras, grandes perdas, da minha amiga e da minha avó. Tivemos um período difícil, com problemas de saúde, do meu pai e da minha mãe.

Fui muito feliz nessa casa, que hoje está alugada e bem diferente. Os pingos-de-ouro e a gruta não existem mais. O portão agora é marrom. As grades das janelas estão bem brancas, pintadas recentemente. A casa onde vivia minha avó agora está separada por um muro. Confesso que não foi fácil sentar na calçada e relembrar momentos de alegria e tristeza. Deu frio na barriga, ri muito e chorei muito com Benylla, que, ao meu lado, me ajudou a relembrar tantas coisas. E mais difícil está sendo colocar isso no papel. Confesso que chorei. É um misto de satisfação e saudade. Mas um conselho: viva com muita intensidade, porque o

mais gostoso é passar por todos os momentos da vida e lembrar o quanto sua infância foi feliz e gostosa de ser vivida. (MF)

revivendo infância Eu cresci em Belo Horizonte, e muitos lugares da cidade fizeram parte e marcaram minha vida. Alguns desses locais eu frequento desde cedo, e, de tão nova, nem tenho consciência das primeiras memórias. O Parque Municipal é com certeza um desses. Assim como o Zoológico, é um dos ambientes aonde mais fui, nas muitas fases da minha infância, sendo filha única, e, depois, quando meus irmãos nasceram. Algumas memórias são tão fortes que pa-

recem fotografias em minha mente. Brincar no minhocão, que, por muitos anos, foi a monta russa mais radical que experimentei. No Twister, a prova de que eu já estava ficando grande para viver aventuras mais perigosas, voando por cima das árvores. Mas tem duas atrações com as quais construí história. Perto da entrada da avenida dos Andradas, havia um brinquedo especial: uma roda de carros e de caminhões baús. Minha família mudou algumas vezes de casa, e, sempre que ia ao parque, eu tinha que ir nesse brinquedo para brincar de “fazer a nossa mudança”. Lembro-me de abanar os bracinhos e per-


DOSSIÊ INFÂNCIA

guntar a meu pai para onde mudaríamos. Até parecia que eu estava prevendo nossas quase 20 mudanças. Do outro lado do parque, perto do Imaco e da avenida Afonso Pena, nas atrações gratuitas, estava o outro brinquedo que tanto fez parte de mim. Não sei bem como descrevê-lo: uma espécie de trepatrepa gigante, com obstáculos, e um cano para descer. Aquele era meu castelo. A diversão era garantida. Meus pais podiam brincar comigo, podíamos correr nos corredores, nos pendurarmos e, mesmo assim, eles sempre tentavam me convencer a descer pelo cano. Levei anos para ter coragem. Durante a adolescência, poucas vezes voltei ao parque. Fui para fazer uma parte

das fotos do meu book de 15 anos. Hoje, eu o frequento bem mais, seja para um refresco no meio da tarde ou um piquenique com os amigos. Às vezes, eu o atravesso só para fugir da feiúra do centro da cidade. Voltar ao parque e ver todos esses lugares que me marcaram e fizeram parte da minha infância traz um mix de sentimentos. Tem a saudade de ser criança e me divertir tanto; tem a tristeza de ver como o parque está perigoso, nem sempre bem cuidado; tem a nostalgia das memórias felizes com a minha família. É muito engraçado perceber como muda nossa percepção da vida e das coisas. Meu antigo castelo ainda é um brinquedo grande, mas nem de perto tão imponente quanto em minhas me-

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mórias. O minhocão é só uma voltinha, e muitas emoções ali vividas eram apenas coisa de cabeça de criança. (SI)

Domingo Setembro de 1999, era o último fim de semana de inverno – precisamente um do-

mingo – mas já estava com aquele semblante expressionista da primavera. Combinava com o clássico piquenique no Parque Municipal, lugar ideal para entreter quatro crianças loucas cheias de devaneios e que se importavam apenas com a doçura do momento (claro, eu era uma delas). Foi um dia típico de criança, daqueles em que sentimos todo o entusiasmo da infância; de vivenciar a pureza das coisas mais simples, ficando abertamente entregues à ociosidade, apenas apreciando o momento em que o sol tange a nossa pele; experienciando aquela sensação gostosa de tirar um sapato apertado e colocar os pés na grama fresca em meio ao caos e asfalto. Mas, refletindo sobre as minhas memórias infantis e afetivas, creio que os meus queridos pais não pensaram em nenhuma das “superficialidades” acima. Para eles, sem toda a delicadeza da poesia, foi apenas um dia perfeito para deixar as crianças gastarem as energias acumuladas durante

os longos dias frios de inverno. Para mim, sobretudo, era ideal para comemorar o meu aniversário de cinco anos – que caiu em um dia útil. Isso bastava. Talvez meus pais, principalmente a minha querida mãe – que ainda está ao meu lado – não tenha ideia de como aquele dia foi maravilhoso para a pequena Mírian. E que toda vez que o Parque Municipal vem ao encontro de meu olhar, é neste dia que eu penso, recorto e costuro todos os detalhes. Me lambuzo novamente nas minhas lembranças. Eu me lembro das crianças, todas suadas – com seus cheiros particulares, que iam do cítrico ao adocicado – de tanto correr do carrossel para o minhocão. Das pequenas mãos meladas de algodão doce rosa, das camisetas de meus irmãos sujas de sorvete. Lembro-me do rosto afável da minha mãe, com aquele semblante de cansaço da maternidade, cuidando de quatro pestinhas e às vésperas de parir a sua caçula. Ela ali, sempre sorrindo, tentando dar

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atenção a todos e conciliar qual seria o próximo brinquedo – nunca entrávamos em acordo, todos tinham uma preferência, um brinquedo específico. O meu encanto era a roda-gigante. E nenhum dos meus irmãos compartilhavam comigo essa empolgação de estar no alto. De sentir aquele friozinho na barriga, de dar tchau de lá de cima para os transeuntes. De apontar para o pipoqueiro e para o senhor do algodão doce apertando aquela buzina vermelha. O meu apelo foi aquele olhar maroto de criança, que quer o mundo em uma tigela bem grande de chocolate, para o meu memorável pai. E na recíproca do seu amendoado olhar em que nunca havia recusa, lá estávamos, no alto, no silêncio poético. Nada mais me importava além de vivenciar a ludicidade daquele momento com o meu pai. De apertar suas mãos gordinhas e sorrir com o olhar. Ali era minha eternidade, de tatear a nossa sensibilidade afetiva. Era o meu doce domingo azul no parque. (MR)


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mesma bat-hora, 3 BAT-locais Ana Luiza Silva Marianne Ribeiro Tássia Silva Uma cidade, três locais, uma hora. Isso te faz lembrar alguma coisa? Talvez um filme de ação, uma série de televisão na qual o mocinho tem a missão de ir a três áreas diferentes da mesma cidade, cumprir seu dever e ainda salvar a garota? Tudo em apenas uma hora. Nossa missão era procurar, em BH, lugares onde os pais poderiam levar seus filhos para um programa cultural. Escolhemos três locais para a realização dessa tarefa: a exposição Jardins Móveis, o Museu dos Brinquedos e uma sala de cinema. Como não temos o poder da ubiquidade, nos dividimos e escolhemos os locais onde cada uma estaria durante uma hora. Nosso desafio era vivenciar as atividades e observar o comportamento das crianças nesses locais, suas reações e o que gostaram ou não. Aos pais, foi questionada a razão de terem escolhido aquela opção cultural para seus filhos.

Um jardim diferente Parada número 1: Praça da Liberdade. Enquanto eu observava a exposição Jardins Móveis, feita pelos artistas Felipe Barbosa e Rosanna Ricalde, escolhi Bruna, de cinco anos, como personagem. As esculturas que compunham a exposi-

ção eram feitas de esqueletos metálicos, recobertos por infláveis de cores variadas e representavam diversos animais: megassauro, zebra, pássaro, entre outros. As crianças, atentas às obras, resistiam à tentação de tocar, admiradas com as cores e as formas dos bichos. Puxavam as mãos dos pais, chamavam atenção para suas obras favoritas e corriam entre elas.

Na exposição, esqueletos metálicos, recobertos por infláveis de cores variadas, representavam diversos animais: megassauro, zebra e pássaro, dentre outros. Eu me aproximei dos pais da criança, Wanderci e Danielle, e perguntei se poderia acompanhá-los à exposição e ao Memorial Minas Gerais Vale. Eles aceitaram e observei enquanto eles visitavam o museu, respondi algumas perguntas sobre o lugar e suas obras. A família reclamou, porém, da insuficiência de informações sobre as peças, da localização dos nomes e da dificuldade de entender as intenções dos artistas. Depois da visita ao memorial, fiz perguntas para Bruna, sobre o passeio e que bichos ela teria gostado mais. “Gostei do dinossauro, mas, do pombo, não. Gostei do museu, dos

Fotos: ana luiza silva

Grupo de repórteres se divide em três programas culturais infantis simultâneos, em Belo Horizonte bichinhos, de ter vindo visitar. Só não gostei de uma, que era escura e com pedras altas; fiquei com medo e pedi à mamãe para sair”, disse Bruna, sobre a exposição da Arte Rupestre de Minas Gerais. Perguntei a Wanderci, pai de Bruna, os motivos pelos quais escolheram a exposição Jardins Móveis: “Eu recebi um convite, e resolvi vir. Até então, eu não sabia da exposição, triste que eu não soube antes. Uma pena descobrir tarde demais, pois não vai dar tempo de trazer meu filho mais velho”, lamentou. Sobre a importância de cultura estar inserida desde cedo na vida de Bruna, Wanderci acredita que esse tipo de passeio é fundamental para o crescimento da filha. Afirma que ela pôde aprender muita coisa e que indicaria a visita para outras pessoas. “É diferente e muito interessante”, contou. (ALS)

De volta ao passado Parada número 2: A poucos quilômetros dali, o Museu dos Brinquedos. Ao entrar no local, instantaneamente voltamos no tempo. Ninguém conseguia segurar sua criança interior. Era evidente a felicidade nos rostos dos pequenos e dos adultos que ali estavam. Com entrada parecida à de uma casinha de bonecas, o imóvel parece sorrir para você. Nos sentimos acolhidos pelo ambiente, com a sensa-

Exposição Jardins Móveis na Praça da Liberdade


Foto: tássia silva

Bonecos relíquias no Museu dos Brinquedos

ção de voltar à infância. Na primeira sala, podemos descobrir a origem dos brinquedos do mundo com a ajuda de um mapa. Sobre ele, há diversas bolinhas, de diferentes cores e texturas. Cada uma estampa uma das gavetas dentro da sala. Quando um compartimento é aberto, descobertas são feitas. Em uma delas, estava escrito: “Você sabia que o jogo da velha foi criado no Egito?” Ao andar pelo museu, deparei com um armário de vidro que contém videogames “pré-históricos”. Um garotinho parou ao meu lado e disse, para minha surpresa: “Você conhece a origem do Pac Man? Ele foi criado por uma empresa japonesa, a Namco, e lançado em 1980”. O designer Toru Iwatani, cansado de jogos de tiro do tipo Space Invaders, teve a ideia de criar um game que agradasse tanto meninos e meninas, e não fosse tão violento e previsível. O Museu dos Brinquedos conta com um espaço chamado “Pátio das Brincadeiras”, local aberto, para que

as crianças possam soltar a imaginação e se divertir. Uma parte da parede é coberta com tinta que imita quadro negro, permitindo que os pequenos escrevam o quanto quiserem. Há, também, cordas amarradas a uma tenda. Algumas crianças se atrevem a subir por elas e se sentem verdadeiros equilibristas. No local, há também um espaço com diversas fantasias, de super-heróis e princesas.

escola onde o filho estuda pediu que os pais levassem os filhos ao museu. “Eles solicitaram que fizéssemos um passeio cultural”, conta Flávia. “O meu passeio foi uma bela escolha, mesmo tendo lugares mais populares, como shoppings, praças e o Parque Guanabara. O Museu dos Brinquedos é bem legal, valeu a pena trazer as crianças”, reforçou o pai de Arthur. (TS)

Com entrada parecida à de uma casinha de bonecas, o imóvel do Museu dos Brinquedos parece sorrir para você.

Cinema e historietas Parada número 3: cinema do Shopping Estação BH, na região de Venda Nova. Fui assistir ao longa Historietas Assombradas – O Filme. Olhares curiosos, atentos, esboços de sorrisos. Era assim que os pequenos reagiam quando chegavam ao último piso do shopping para assistir à sessão. A animação conta a história de Pepe, de 12 anos, que mora com a avó, uma bruxa-empresária. A trama se desenvolve quando o menino descobre que foi adotado, mas seus pais estão vivos. A descoberta faz

Em seguida, me aproximei de Arthur, garotinho de sete anos, com um sorriso contagiante, que, pela primeira vez, pulou corda. Ele estava vidrado com a brincadeira, mas não conseguia passar de cinco pulos. Porém, foi persistente e não desistiu, até conseguir dar vinte pulos sem errar. Sua mãe contou que a

com que ele parta em uma aventura para encontrá-los, ao lado de seus amigos. Porém, nosso pequeno herói, na sua jornada, chama atenção de Edmundo, um vilão biomecânico que se alimenta das energias das crianças para alcançar a imortalidade. Entrei para a sala de cinema e, quando o filme começou, olhei para o rosto de cada um ali presente: adultos e crianças. O longa agradou aos pais e, principalmente, aos pequenos, com quem conversei ao final para descobrir o que acha-

ram do passeio. “Fiquei feliz quando minha mãe disse que íamos ao cinema. Gosto de passear. O filme é legal, gostei muito”, disse Bia. Sua mãe, Jaqueline, aprovou a experiência: “Fico feliz toda vez que levo minha filha para passear. A alegria dela me deixa emocionada”.

Olhares curiosos, atentos, esboços de sorrisos. Assim os pequenos reagiam ao chegar ao último piso do shopping, para assistir à sessão. Fernanda, mãe da pequena Júlia, relatou a

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conversa que teve com a filha: “Perguntei se queria levar as amigas ao cinema. Ela disse que sim, então eu as trouxe, e é bom que me divirto também”. Júlia me contou como foi realizar esse pedido: “Eu e minhas amiguinhas ficamos brincando e vendo desenho. Minha mãe trouxe a gente para o cinema e eu gostei”. Sobre a escolha do cinema como opção cultural, as mães disseram que a comodidade, a segurança e o conforto oferecidos pelos shoppings sempre têm peso maior na escolha. (MR) Foto: divulgaçÃo

DOSSIÊ INFÂNCIA

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DOSSIÊ INFÂNCIA

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Isabela Beloti Autor de dezenas de livros para crianças e adolescentes, como A marca de uma lágrima, O fantástico mistério de Feiurinha e A Droga da Obediência, Pedro Bandeira fala de sua vivência como escritor e possui razões para acreditar que a vida e o encanto das obras culturais para este público ainda existe. Com maturidade, Pedro fornece um sopro de esperança num mundo onde a criança é o futuro. Qual a diferença de criar uma obra cultural para crianças? De criar algo para adultos comparado a criar para crianças? É a mesma de quando nos dirigimos oralmente para uma criança, adolescente ou adulto. Se este adulto, por exemplo, for uma autoridade muito importante, procuramos falar de um modo mais cerimonioso, enquanto, para uma criança pequena, falamos bobagens como “qual é seu nominho?”, “cadê mamãe?”, etc. Ao escrever, fazemos a mesma coisa. Você tem uma longa trajetória na produção cultural para crianças. O que mudou no seu processo criativo e no mercado ao longo do tempo? Apenas fiquei mais velho, menos sanguíneo, menos arrebatado. De resto, sou o mesmo, só espero que meu texto tenha melhorado, pelo menos um pouco. Em que medida a recente onda de conservadorismo, patrulhamento e censura afeta o seu trabalho?

espera início d

A tecnologia mudou todas as esferas da sociedade e não criados, desde os primeiros caminhos. Mas como essas tra Conversamos com o escritor Pedro Bandeira, a roteirista Igor Moreira

Há poucas décadas, o mundo era muito mais conservador do que hoje. Apenas os meios de comunicação são mais ágeis e os protestos repercutem com mais estridência. No entanto, um artista sempre tem de ter em vista que suas obras nunca poderão agradar a todo mundo, porque, felizmente, nem todo mundo é igual e pensa do mesmo modo. No meu caso específico, pelo menos que eu saiba, há pouquíssimos protestos conservadores, apenas alguns bem engraçados. Como o caso em que uma professora protestou, furiosamente, porque em um livro meu aparece a palavra “calcinha”, e o divulgador da editora perguntou-lhe se ela não usava essa peça de roupa... A introdução de elementos tecnoló-

gicos pode afetar o consumo de textos literários pelo público infanto-juvenil de hoje? Meus livros continuam os mesmos. Você está falando em livros digitais, lidos em tablets etc.? É difícil dizer, porque até hoje o livro digital “não pegou”. Mesmo em países adiantados o público ainda prefere os livros em papel. Creio que o livro digital só será predominante em um futuro que não sei a que distância está, mas creio que está próximo. Qual a diferença entre as histórias escritas antes e depois da internet? Por exemplo, em A Marca de uma Lágrima, Isabel, a protagonista, colocava em poesia todos os seus sentimentos, escritos a lápis no papel. Escrevia cartas de amor e conversava com os amigos pelo

telefone fixo de sua casa. Hoje, com celulares, tablets e com a internet, o que mudaria na história? Certamente haveria diferenças em muitos detalhes de minhas histórias que foram escritas na década de 80, quando não havia celular e internet. Mas os meus livros desta época continuam vivos e lidos, pois as questões que neles eu abordo não tratam desses meios, e sim das emoções humanas, e isso nunca muda. Por último, a pergunta de uma amiga: acha que Crânio e Magrí [personagens da série Os Karas] estão juntos até hoje? Depois do sexto livro da série, já recebi e-mails de leitores que acham que a Magrí casou-se com o Miguel, mas que o traiu com o Crânio... Eu não acredito nisso!

A arte de escrever livros e roteiros não é para qualquer um, principalmente, quando está ligada ao público infantil. Conversamos com Flávia Lins, escritora e roteirista carioca, com mestrado em Roehampton University, de Londres. Ela tem 10 livros publicados e escreve os roteiros, para TV e cinema, da série Detetives do Prédio Azul (DPA). Qual a diferença de criar uma obra cultural para crianças? Quando escrevemos para crianças, na verdade, acho que escrevemos para todas as idades. Adoro quando as crianças curtem e os pais também. Você tem uma longa trajetória na produção cultural para crianças. O que mudou no seu processo criativo e no mercado ao longo do tempo? Eu sempre tentei fazer uma aproximação entre o mundo literário e o mundo audiovisual. Acho que um pode ajudar muito o outro e, por muito tempo, caminharam distantes. Quem sabe agora

se aproximam? Claro que são processos de escrita bem diferentes. Nos livros, os personagens têm espaço para fluxo de pensamentos, há algo muito mais intimista. Nos roteiros, tudo leva à ação. E acho que o cinema e a TV influenciam a literatura desde sempre. Antigamente, era preciso descrever mais, pois muitos lugares ou objetos mesmo não eram conhecidos. Nos dias de hoje, o conhecimento das crianças é imenso. Elas sabem do mundo pelo computador, são informadíssimas. O que


DOSSIÊ INFÂNCIA FTOTO: LUCAS EDUARDO SOARES

anÇa no o tÚNEL

Setembro de 2018 Jornal Impressão

modo muito objetivo. O Giramundo passou por várias fases dessa relação da produção artística com uma regra social sobre a produção. Por um lado, um desejo de liberdade suprema. Do outro, uma tentativa de controle desse impulso que, em alguns casos, tem efeitos destrutivos, e, em outros, positivos. O difícil é a negociação social para se definir o que é uma proposição artística de mal gosto.

DIVULGAÇÃO

o deixaria de fora a maneira como crianças e jovens são ansformações afetam a produção cultural para a infância? Flávia Lins e Silva e o diretor teatral Marcos Malafaia dizer “meninas podem sim usar rosa, azul, verde ou até Flicts (livro do Ziraldo que conta a história de uma cor que não se encaixava em lugar nenhum) O DPA já envolveu a série de TV, três livros e dois filmes. Qual foi a inspiração? Ah, eu e meus primos sempre brincamos muito de detetives na infância. Eu amava ler os livros de uma série chamada A inspetora e depois os livros de Agatha Christie, na adolescência. ocorre é uma troca cada vez mais rica. Em que medida a recente onda de conservadorismo, patrulhamento e censura afeta o seu trabalho? Puxa, isso é um empobrecimento triste que está acontecendo. Tantas regras, tantos nãos…eu gostaria que as pessoas acordassem e dissessem sim para uma coisa nova todos os dias. Sim para uma pessoa nova, sim para uma sopa de beterraba… Em vez de dizermos “meninas não podem usar rosa”, que tal a gente

Você se vê na personagem dos Diários de Pilar, uma menina que adora viajar? Certamente eu amo viajar, mas a Pilar vai muito além de mim. Ela é muito mais atirada e corajosa do que eu. E me leva para lugares que eu amaria conhecer, certamente. De onde veio a ideia para as capas usadas pelos personagens principais do DPA? Ah, todo super herói curte usar capas, não acha? E as capas clássicas, estilo capa de chuva inglesa, acho um charme.

Lucas Eduardo Soares Há cerca de 50 anos, o Giramundo – considerado por muitos como um patrimônio vivo de Minas Gerais – dava as caras, prestes a mudar o cenário, o figurino e as brincadeiras que perpassam a infância dos mineiros. Desde aquela época, no entanto, o grupo passou por mudanças na forma de contar histórias e nutrir a imaginação da meninada. Quem conta o processo criativo, os melindres, as mudanças e perspectivas do reconhecido grupo é Marcos Malafaia, um dos diretores do grupo. Qual a diferença de criar uma obra cultural para crianças? O público infantil tem uma maior tolerância pelo fantástico, pela criação mais desprendida de lastros sobre o que é real e o que não é. A criança tem uma natureza, até pelo próprio estágio de compreensão da realidade, de socialização e de

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instrumentalização dos aparatos cognitivos para entender a realidade. A medida em que a gente vai crescendo e a sociedade vai nos treinando sobre o que é certo e errado, entramos em um aspecto moral de definição das regras, de como viver junto com outras pessoas. Vamos enrijecendo e esse processo acontece não só no âmbito da imaginação, mas também fisicamente. As articulações ficam menos elásticas, o nosso corpo fica menos flexível. Os adultos precisam reaprender a imaginar, enquanto a criança já nasce com o aparato imaginativo pela própria natureza dela. Você tem uma longa trajetória na produção cultural para crianças. O que mudou no seu processo criativo e no mercado ao longo do tempo? A princípio, a literatura, ou as propostas artísticas para as crianças, sempre tem um alvo comum que é essa propensão a abordar o

surreal, o fantástico. As crianças gostam dessas alterações realidades, pelo menos na nossa sociedade. Por outro lado, me parece que, sim, as coisas mudaram um pouco. Hoje em dia, o que eu acho que aconteceu, e que é mais explícito na TV, é uma espécie de “dobra sobre dobra”, como se fosse um rocambole linguístico, onde a matéria deixou um pouco de ser essa instrução moralista e passou a ser uma criação metalinguística. A criança de hoje é submetida a um fluxo muito mais complexo do que anteriormente. Em que medida a recente onda de conservadorismo, patrulhamento e censura afeta o seu trabalho? Interfere, e é um paradoxo. Ao mesmo tempo temos assuntos polêmicos sendo tratados, fazendo parte do cotidiano das crianças, e também uma espécie de polícia ideológica atuando permanentemente na produção cultural de

Qual é o futuro esperado pelo Giramundo? Sou muito confiante com o Giramundo. Nós temos uma base muito forte deixada por Álvaro Apocalypse. Por isso, nossa baliza é muito rígida, de muito preparo, disciplina. E somos reconhecidos por isso, afinal, nosso legado artístico indubitavelmente influencia a produção atual. Levamos o Giramundo para o mundo digital e estamos transpondo os limites. Caminhamos a passos largos e rápidos para esse futuro. Certa vez, você disse que o Giramundo funcionava em um sistema parecido com o de um pentágono, isto é, em cinco faces. Poderia me explicar melhor esse sistema? Sempre uso formas geométricas para explicar algo. É uma característica particular. Recorro à matemática, afinal, tenho um gosto pelos gregos, por Pitágoras. Portanto, esses cinco lados seriam: teatro, museu, escola, animações e produtos. Recorro às figuras como um artifício didático e, particularmente, por um gosto pela matemática.


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DOSSIÊ INFÂNCIA

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PRODíGIO, Não! SUPErdotado O universo das criancas com altas habilidades

Crianças superdotadas são conhecidas e “definidas” pela alta capacidade natural, com extrema facilidade e rapidez de desenvolver dotações que, necessariamente, precisam de uma aptidão superior. Em outras palavras, são crianças que têm um desenvolvimento natural acima da média em uma área específica – a verticalização do gosto –, e, em alguns casos, em mais de um campo. De acordo com pesquisadores da superdotação, algumas características são evidentes para identificarmos esses pequenos gênios, como pode ser visto no box ao lado. Elas são propensas a problemas emocionais, em razão de serem supercríticas e sensíveis. São crianças que vivenciam todas as relações pessoais de maneira intensa – ou, numa reação oposta, se distanciam dos outros. Partem de valores psicológicos extremos, como o altruísmo e o egocentrismo. Possuem, às vezes, forte senso de justiça e de honestidade. Em outros casos, dificuldades na socialização e na interação com os colegas. Por conta dessas características específicas, é necessário que a criança tenha o acompanhamento de um pedagogo ou monitor, para

foto: Jorge pereira

Mariane Fernandes Mia Rodrigues Vitória Ohana

auxiliar o desenvolvimento e enriquecimento dos seus potenciais e habilidades. Coloca-se um fim, dessa forma, no mito de que elas são autossuficientes. Esta orientação pode ser tanto nas atividades curriculares e extracurriculares, como no contexto da sua aprendizagem. Uma adequação da linguagem pedagógica – a procura de estratégias que sejam estimulantes para os pequenos. Cada criança tem um foco distinto para ser trabalhado.

Desafio no Brasil Entretanto, essa não é a realidade encontrada nas escolas brasileiras. A psicóloga Raquel Del Monde, especializada em terapia infantil, alerta

que “não há preparo dos educadores para identificar superdotação e para oferecer conteúdo pedagógico diferenciado e motivador para o aluno superdotado”, assim como não há apoio institucional para os educadores. Crianças superdotadas demandam conteúdos acadêmicos diferentes. Por conta do nível mais elevado de conhecimento, elas perdem facilmente o interesse na atividade apresentada. Acabam, portanto, desenvolvendo resistência a realizar simples tarefas e a permanecerem atentas às aulas. Raquel acrescenta que, em casos de dupla excepcionalidade – crianças que apre-

sentem altas habilidades ou superdotação e também déficits em outras funções (TDAH, autismo ou deficiências sensoriais) –, “essas dificuldades se acentuam, pois a sobreposição de particularidades que podem parecer tão discrepantes entre si exige reconhecimento e suporte específicos para ambas as condições”.

Ações pedagógicas Há, em uma universidade particular de Belo Horizonte, um projeto de extensão interdisciplinar que visa a auxiliar o progresso de crianças alto-habilidosas. Durante o horário, são fornecidas atividades de cursos variados; Engenharias Química, Elétrica e Mecânica,

como são os superdotados • Afinidades peculiares

• Altas habilidades ou competências cognitivas e/ou motoras • Perguntas com nível alto de elaboração e insistência para obter respostas • Desajuste ao sistema educacional apontado pela escola e preferências por brincadeiras individuais ou com amigos mais velhos • Muita energia, o que às vezes pode ser confundido com hiperatividade


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fotos: mia rodrigues

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Crianças brincam e excitam o conhecimento nos laboratórios de anatomia e química

Biologia, Fisioterapia, Matemática e Educação Física. Para serem oferecidas, todas as oportunidades dependem de alunos voluntários, que participam do projeto naquele semestre. A professora do curso de Psicologia responsável pelo projeto, Karina Fidelis, explica que há momentos de “pequenos grupos em que são realizadas atividades de interesses das crianças, e depois é priorizado o coletivo para otimizar as inter -relações e a socialização”. Dessa forma, as crianças matriculadas

podem trabalhar, além das competências intelectuais, a capacidade motora e emocional. É o caso de Pedro Arthur, 6 anos, fã do jogador de futebol Cristiano Ronaldo. Muito falante, o garoto conversou com os monitores sobre o ídolo e a posição favorita de atuar em campo. No mesmo momento, comentou sobre o clássico espanhol Real Madrid e Barcelona, que tinha acontecido no dia anterior. Pouco antes da atividade programada para o dia, Pedro chorou em

frente o laboratório de química por seu jaleco ser de manga comprida, maior que a maioria dos seus colegas. O problema foi resolvido quando os orientadores dobraram o tecido excedente, o que acalmou a criança, que aceitou participar da atividade em seguida. Apesar de serem muito inteligentes e conversarem sobre os assuntos de interesse de maneira quase “adulta”, percebemos que ainda continuam sendo crianças, independente do grau de sabedoria. Birras, choros, gritos,

implicância, necessidade de chamar atenção, correrias, brincadeiras e provocações com os colegas são algumas características do universo infantil notadas pela reportagem. Em um momento, os pequenos de 6 a 10 anos identificam todos os ossos do corpo humano e suas funções, Em seguida, apostam corrida pela pequena área de convívio. Entre as atividades do projeto, são oferecidas aulas práticas nos laboratórios de Química, visitas a museus, oficina de pintura e projetos de Engenharia Mecânica,

como a construção de um arduíno (plataforma de prototipagem eletrônica). Há também atividades que buscam trabalhar a socialização e o emocional de forma lúdica, como pega-pega e esconde-esconde, mais próximas do cotidiano infantil. Em certa aula do curso, foi ofertada às crianças a brincadeira de girar pratos em palitinhos de madeira, e, apesar da facilidade de se completar a ação, alguns pequenos ficaram extremamente frustrados por não conseguirem brincar. Tentaram

buscar explicações físicas para o prato não permanecer equilibrado e sugeriram até colocar um motor na haste de madeira para fixar as duas partes. O objetivo do projeto de extensão não é apresentar um diagnóstico, nem mesmo aos pais. O curso, disponível somente para crianças e jovens de até 15 anos de idade, procura ser uma “válvula de escape”, tanto para os pequenos, quanto para os parentes, que muitas vezes chegam ao projeto de Karina como último recurso de ação.


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sensibilidade que desafia Quando surgem programas direcionados a atender crianças superdotadas, investese muito em propostas pedagógicas voltadas para o desenvolvimento de suas habilidades e pouco se trabalha as questões voltadas ao crescimento emocional. Conforme pesquisadores, é necessário atentar para o acompanhamento psicológico. Percebe-se que, em muitos casos, ocorre desajustamento social e até mesmo dificuldade emocional de lidar com as contrariedades provenientes de seu desenvolvimento das habilidades e com os rótulos que vêm junto. Elas se diferenciam emocionalmente das crianças “comuns”, pois lidam, o tempo todo, com essa sensação de desconcerto no mundo, afetando suas relações afetivas e seu desenvolvimento moral. Por isso, sofrem diante da pedagogia proposta pela escola onde estão matriculadas. A frustração pode perseguir as crianças superdotadas, que, muitas vezes, esbarram em cobranças de um alto padrão de desenvolvimento. São colocadas, sobre seus ombros, tanto por parte da família quanto de tutores, muitas expectativas e metas para seus futuros. O motivo é a ideia tóxica de raridade e de que necessitam

ser extraordinários em todas as atividades que lhes propõem fazer, tornando-os excessivamente autocríticos, sempre em busca da perfeição em seus projetos. Por outro lado, podem reagir apontando um desinteresse a algumas atividades que não lhes apetecem. Deste modo, é comum a ansiedade se fazer presente no seu cotidiano, pois muitas vezes a maturidade emocional não vem junto com a “maturação precoce” de suas habilidades. A especialista em terapia infantil Raquel declarou que ‘’é extremamente frustrante para um aluno superdotado permanecer várias horas ao dia sendo obrigado a executar tarefas pelas quais não tem o menor interesse”.

foto: jorge pereira

Mariane Fernandes Mia Rodrigues Vitória Ohana

foto: Mia Rodrigues

Criancas superdotadas apresentam, frequentemente, um quadro de fragilidade emocional


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fotos: mia rodrigues

Busca de apoio Em casa e na escola, os superdotados precisam de apoio e atenção. “Em muitos casos, as reações de frustração da criança são interpretadas como oposição e enfrentamento à autoridade, dando origem a diversos conflitos e mal-entendidos no ambiente escolar”, ressalta a psicóloga. Raquel ainda pontua que, neste processo de oposições, as grades curriculares apresentadas durante sua inserção na escola podem gerar situações problemáticas, como, por exemplo, afetar o relacionamento com os colegas; ou tornar mar-

tirizante a interação. Com isso, ela sinaliza a importância, ou a necessidade, de se conscientizar os grupos pedagógicos – professores e tutores –, para lidar com as dicotomias que lhe são apresentadas perante os aspectos sensíveis da superdotação; procurando criar propostas em que o aluno se adeque; quebrando barreiras da não socialização. Entretanto, não somente o superdotado, mas a família dele também precisa de um acompanhamento terapêutico. Assim podem lidar, de forma suave, com as diversidades

Setembro de 2018 Jornal Impressão que seu filho venha a apresentar e com a precocidade do seu desenvolvimento, de modo que a família tenha um discernimento para orientá-lo e apoiá-lo. O apoio da família é essencial, para contribuir com o desenvolvimento do superdotado. Mas não só para este desenvolvimento de habilidade. É ainda mais fundamental para a manutenção de uma saúde mental equilibrada. É necessário que os familiares se mantenham atentos às peculiaridades que seu filho apresenta e as suas relações interpessoais.

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Alguns PROJETOS DE ATENDIMENTO A SUPERDOTADOS no BRASIL

NAAH/S (Núcleo de Atividades de Altas Habilidade) – Superdotação é um serviço de apoio pedagógico especializado, destinado a oferecer suporte aos sistemas de ensino no atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), de Londrina e Região, da rede pública estadual. Instituto Engecred – ligado à Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás (SEDUCE) criou o Talentos de Mãos Dadas. A ação objetiva identificar as potencialidades dos alunos com necessidades educacionais especiais em Altas Habilidades / Superdotação nas mais diversas áreas – intelectuais, acadêmicas, esportivas e artísticas . Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD) – é uma organização com a missão de promover políticas de atendimento, orientação, formação e sensibilização da sociedade sobre os direitos e necessidades de alto habilidosos ou superdotados. Núcleo de Estudos e Práticas em Altas Habilidades/ Superdotação (Nephas) – um projeto com o objetivo de promover a reflexão, a capacitação e a intervenção na área de altas habilidades e superdotação. Resultado de uma parceria entre a UFPR e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O Nephas é o primeiro centro no Brasil dedicado a estudos nas áreas de altas habilidades e superdotação.


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TRAMAS SUBTERRÂNEAS

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barragens por um fio Marcelo Gomes As cadeias de serras que cortam Minas abrigam riquezas demandadas pela humanidade em grande volume, e que, em certas partes do mundo, estão escasseando. São minérios como cobre, ferro, magnésio, manganês, nióbio e ouro, dentre outros elementos que integram o rol de tesouros ostentados em nosso Estado – cujo nome, aliás, remonta a tal preciosidade. Embora isso possa ser positivo, do ponto de vista econômico, é vasto o desafio de extrair os minerais com o menor prejuízo possível à natureza e com boa estratégia de alocação dos rejeitos gerados pela atividade exploradora. As barragens são uma das maneiras encontradas para dispor tais rejeitos, e, se elas vierem ao rompimento, o desastre poderá ser devastador. Haveria, porém, formas mais seguras para construir essas importantes estruturas? Antes responder a essa questão, é importante compreender o que é uma barragem de rejeitos. Trata-se de um maciço – algo similar a uma parede – construído de maneira transversal de forma a confinar e suportar o peso dos restos de minério. Aí o nome “barragem”, que revela no sentido de “barrar”, com água e lama, os minerais pobres. A explicação é de Geraldo Majella, engenheiro de minas, geólogo, professor dos cursos de Geologia e Engenharia de Minas do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), além de vice-presidente da Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas Gerais (ASSEMG). Como

apontou o especialista, nem todos os projetos mineiros envolvem barragens, mas boa parte das atividades do ramo, desenvolvidas em Minas, necessitam desse tipo de barramento. O relatório “Segurança das Barragens”, elaborado pela Agência Nacional das Águas (ANA), mostra que, em 2015, Minas Gerais era o estado com o maior número de barragens de contenção de rejeitos de mineração (315 das 660 existentes no país), seguido por São Paulo e Pará. Em 2016, o estado permaneceu na mesma posição, com ampliação do número de construções para 365. Naquele ano, no Brasil, outras 179 barragens entraram em operação. Quanto às empresas, tanto em 2015 quanto no ano seguinte, a Vale e a Mineração Jundu Ltda foram as companhias com maior quantidade de barramentos.

De perto Dentre as centenas de barragens minerais, tive a oportunidade de conhecer uma, pertencente à Topázio Imperial, empresa que explora o minério presente em seu nome, e hoje encontrado apenas no Oriente Médio e na região de Ouro Preto. A informação é de Antônio Cláudio Barbosa, que me guiou até o local. Sua função, na empresa, é administrar as barragens, o que considera uma “diversão”. À medida que descíamos a serra em sua caminhonete, Antônio, apaixonado pela mineração, me fez perceber como os morros mineiros guardam preciosidades. Quando chegamos à estrutura – que está paralisada há 15 anos – notei aspectos integrantes de um barramento: o piezômetro e o dreno.

foto: marcelo gomes

Pesquisadores discutem soluções para a contenção de rejeitos de minério em barragens de Minas Gerais

Exemplo de dreno encontrado na Mina do Topázio

Quem me apresentou a tais instrumentos foi o professor Geraldo Majella. Ele explicou que o maciço, além de suportar o peso dos rejeitos, tem a função de reter a água que deve sair pelo dreno. Quanto ao piezômetro trata-se do local, na barragem, onde se mede a quantidade de água retida, e que, se ficar acumulada na estrutura, pode provocar seu rompimento. “Qual é o objetivo de uma barragem? Ser maciça e pesada o suficiente para suportar o peso do rejeito, e, ao mesmo tempo apresentar-se como permeável para que a água passe e saia no dreno. É preciso monitorar o volume de água que está ficando no piezômetro e como se comporta o escoamento” apontou. Majella esclareceu ainda que, para realizar as medidas do nível de água no piezômetro, são utilizados desde um tipo de régua com detector de água na extremidade até sistemas eletrônicos online com telemetria.

Outro aspecto que observei foi o modelo de construção da barragem, intitulado “alteamento à montante”. Trata-se de um dos três modos de lidar com os rejeitos de minérios. Em linhas gerais, ele se caracteriza por ser erguido com terra, aos montantes, usualmente a partir de um dique inicial, depois sobre os próprios restos de minério. Geraldo Majella destaca que tal método é um dos mais baratos e “requer cuidados especiais na seleção do local, em seu projeto, construção e manutenção para garantir seus parâmetros de segurança”, pois frequentemente vai se situar acima de locais habitados. Esse modelo foi o usado na barragem de Fundão, da Samarco, que se rompeu em 2015, em Bento Rodrigues. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, órgão que licencia e fiscaliza empreendimentos minerários, informa que,

das 13 barragens que apresentavam alto risco, até dezembro de 2016, conforme aponta relatório da ANA, duas delas usam o modelo de construção com alteamento à montante: a Barragem B1, pertencente à empresa Herculano Mineração Ltda, em Itabirito, na região central; e outra em Mariana, sob responsabilidade da Samarco. Esta última apresenta estabilidade garantida, e é a maior das 13, com 165 metros de altura e capacidade para comportar 69 milhões de metros cúbicos de rejeitos, o que lhe confere a classificação de barragem de “grande porte”. De acordo com deliberação normativa do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), barragens com maior que 30 metros e volume acima de cinco milhões de metros cúbicos são enquadradas em tal categoria. Caso o volume e a altura sejam menores que ambas as medidas, as estruturas são classificadas como

de “médio” e “pequeno porte”. Também conforme a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, seis barragens não têm estabilidade garantida, em Minas. Dessas, foi possível obter informações acerca da Barragem B2, de propriedade da empresa MMX Sudeste Mineração Ltda. Elevada segundo o método alteamento à montante, ela que fica em Igarapé, na região central, é de médio porte, com volume de 1,27 mil metros cúbicos.

Trâmites legais Há um Projeto de Lei (PL), em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), que busca proibir, no Estado, a construção de barragens com o método de alteamento a montante. A medida, segundo o professor Geraldo Majella, já vigora em outros países. O PL 3.676, de 2016, está a poucos passos de se tornar lei: aguarda parecer de segundo turno da Comissão de Minas


TRAMAS SUBTERRÂNEAS

Outros métodos O segundo método a ser usado na construção ou na elevação de uma barragem de rejeitos de minérios é o alteamento à jusante. Nesse caso, de maneira geral, o maciço é construído ou elevado sobre o terreno natural. “Para um mesmo local, usualmente ele é mais seguro, embora mais caro”, confirma Geraldo Majella. Apesar disso, ressalta que se ele for construído sem observar a metodologia correta, o maciço também

pode vir abaixo. O terceiro e último método é chamado alteamento por linha de centro: uma parte é apoiada sobre o terreno natural e a outra sobre o rejeito. Na avaliação de Geraldo Majella, nas mesmas bases e para um mesmo local, o método de construção à jusante normalmente oferece maior segurança, independentemente das especificidades do terreno, por exemplo. Não é o que pensa, porém, o engenheiro civil Joaquim Pimenta de Ávila. “A definição do melhor tipo de barragem ocorre de acordo com a condição específica de cada local”, afirma o engenheiro, que é presidente de uma das maiores empresas de obras de barramento do país, a Pimenta de Ávila, responsável por construir a barragem da Samarco que se rompeu em 2015. No caso de barragens de resíduos (de rejeitos), tenho defendido a ideia de que devemos solidificar os resíduos para facilitar o controle ambiental”, completa Joaquim. E na região do Quadrilátero Ferrífero – que abrange cidades como Brumadinho, Itabirito, Mariana e Ouro Preto –, onde a mineração é

Infográfico ilustra três métodos de contenção de rejieitos de minério em barragens

15 foto: maecelo gomes

e Energia, a qual, se opinar pela aprovação, faz com que siga ao Plenário, onde, se for corroborada por mínimo de 39 deputados, será encaminhada ao governador, que tem o poder de transformá-la lei. Com o mesmo objetivo do PL, tramita, no Tribunal de Justiça de Minas (TJMG), uma ação do Ministério Público (MP), que, na prática, solicita à justiça que revogue o artigo 8° do decreto 46.933 de 2016, editado pelo governo do Estado. O artigo dá aval a construções no método alteamento à montante. Como consta no banco de informações de processos do TJMG, o processo está parado desde 30 de outubro de 2017.

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Caminhonete está localizado sobre o maciço da barragem

intensa, devido à grande quantidade de minério de ferro, pode haver modelos específicos de barragem? Para Joaquim, a melhor tecnologia de disposição dos rejeitos na região seria o empilhamento drenado, outra forma de conter rejeitos. Existem, ainda, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), outras cinco maneiras encontradas pelo homem para abrigar os restos: minas subterrâneas, cavas exauridas

de minas, em pilhas, por empilhamento a seco e por disposição em pasta. “Construção de barragem terá sempre demanda. porque onde houver produção de minérios, rejeitos serão inevitáveis” explica o engenheiro. Portanto sempre será preciso reservatórios. Pode-se dispor os resíduos por meio de barragens, o que é mais comum, ou por pilhas, o que é menos usual, porém é mais adequado do ponto de vista ambiental”, certificou Pimenta de Ávila.

O engenheiro de minas Roberto Galéry, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comenta que o desafio impostos às mineradoras diz respeito, realmente, ao lugar ideal para estocar rejeitos, que, a cada ano, se acumulam. Dados da maior empresa de exploração de minério de ferro do país, e uma das maiores do mundo, a Vale, mostram que a produção se intensificou: de 2015 a 2017 a produ-

ção da empresa cresceu em cerca de 20,6 milhões de toneladas. E, segundo informações do professor Roberto, entre 2010 a 2030, a estimativa é que a produção de rejeitos, no mundo, alcance o patamar de 4,72 bilhões de toneladas. Além de chamar atenção para tal questão, o pesquisador comenta que os minérios de ferro explorados na atualidade, em especial, os do Quadrilátero Ferrífero, apresentam pouco teor da substância, o que aumenta ainda mais a produção. Os minérios ricos, portanto, “não estão existindo mais”. Há, porém, mecanismos para atenuar a quantidade de rejeitos de minérios. Roberto Galéry se refere ao processo de pelotização, pesquisado na UFMG. Esse processo consiste em transformar a lama em brita, para ser usada, por exemplo, na construção civil. O professor Majella insiste que “qualquer que seja o método, é extremamente importante a seleção do local, projeto, construção e manutenção para garantir seus parâmetros de segurança com a supervisão permanente de um profissional habilitado e competente”.


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Jornal Daqui (Buritis e Região)

futebol, diversão e figURINHAS André Zorzin As figurinhas da Copa do Mundo 2018 viraram febre desde o dia que as vendas iniciaram. E em Belo Horizonte, poucos são os lugares fixos para trocá -las. Os colecionadores, porém, usufruem da tecnologia para se comunicarem e realizarem trocas ou vendas dos itens, muitas vezes, em frente bancas de jornal. O Armazém 44, bar que ficou conhecido pelo uso de contêineres, agora se tornou também ponto de troca de figurinhas, com a criação do Clube da Troca, que ocorre todos os domingos. O dono do estabelecimento, Cézar Voguinha, viu a oportunidade, em um bairro populoso como o Buritis, de juntar o ambiente familiar com uma paixão antiga dele: as figurinhas. “Na Copa de 2014 o Armazém ainda não existia. Como colecionador, sempre acompanhei o Brasil. Em 2014, as redes sociais já estavam em ascensão, então o contato com os colecionadores era bem interessante. Mas falta-

va, às vezes, um ponto físico para as trocas”, diz o negociante. Apaixonado pelo esporte desde criança, Cézar coleciona álbuns desde 1994, e camisas de futebol desde 1998. Ele teve a ideia de investir em figurinhas para trocar e vender com seus clientes, com moradores do Buritis e com demais adeptos do hobby, que já é tradição em anos de Copa. Com o investimento necessário para tocar o projeto, Voguinha ficou preocupado em não obter retorno financeiro. “O investimento foi alto. No primeiro momento, eu não tinha certeza se minha ideia de troca daria certo, mas hoje eu já recuperei o valor.” Ele investiu, de início, R$400, comprando 1.000 figurinhas para o acervo, e depois adquiriu mais unidades de acordo com as trocas e vendas. Cézar também contou que a popularidade do negócio ficou tão grande que, um cliente do bairro Pampulha chegou a comprar R$300 em figurinhas de uma só vez. Com o lucro das vendas, o colecionador planeja

fotos: vITÓRIA oHANA

Bar Armazém 44 aproveita clima de Copa do Mundo para criar clube de troca de figurinhas

aumentar ainda mais seu acervo de camisas de times. O negócio funciona da seguinte maneira: o cliente que deseja um cromo contido no acervo do estabelecimento precisa desembolsar R$ 0,75 pela unidade, ou então, dar duas figurinhas pelo desejado. Curiosamente, Cézar diz receber até pedidos de entregas em casa e encomendas de figurinhas por celular, diariamente. Já que possui mui-

tos cromos, e até o momento pelo menos um álbum completo, o comerciante mostra interesse em sortear um álbum completo para crianças carentes, e não tem intenção de ficar com as figurinhas

restantes após o período de trocas e compras. Completando o seu segundo exemplar, o colecionador conta que o Clube da Troca não trouxe somente a oportunidade de lucros com o negócio de figu-

rinhas. A divulgação nas redes sociais e a fidelidade dos clientes aumentaram a movimentação do bar nos outros dias da semana e permitiram até um cronograma especial para a Copa do Mundo.

Clube de trocas e vendas de figurinhas da Copa do Mundo movimenta bar no bairro Buritis


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