foto: JoRGe LoPeS
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do uniBh ano 37 • número 209 • Setembro de 2018 • Belo horizonte • MG
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Sinfonia das ruínas fotoS: DIVULGAção
Fantasia e militância social, peso e delicadeza: conceitos opostos se unem em novo fenômeno do metal brasileiro
Luiz Vila Real Cabelos longos que chicoteiam conforme cabeças balançam vigorosamente. Camisas pretas, com estampas mostrando logos repletas de ângulos agudos, que lembram lâminas e figuras funestas, como esqueletos e monstros, ou imagens apologéticas à violência. Acrescente alguns adereços, como braceletes de couro, que podem conter rebites pontudos - chamados spikes. Essa é a descrição do estereótipo de um metaleiro, nome usado para generalizar grupos de pessoas que apreciam as várias vertentes e subgêneros do metal. A imagem que o senso comum criou dos headbangers (“batedores de cabeça”, em inglês) permanece a mesma desde a década de 1980 – quando o estilo ganhou adeptos em todos os continentes. Contudo, esta subcultura cresceu e desenvolveuse de forma peculiar ao redor de todo o globo,
continuando a evoluir até os dias de hoje. As origens do metal são, na maior parte, proletárias. Assim, muitos artistas e bandas do gênero vão além dos temas clichês do “sexo, drogas e rock’n’roll”, abordando os anseios e indignações de uma população farta com as adversidades políticas e econômicas de um mundo que vivenciava as tensões da Guerra Fria, a crise do petróleo e o surgimento do neoliberalismo. Os membros da banda Black Sabbath - considerada de forma quase unânime como o primeiro grupo de heavy metal - eram originários da classe trabalhadora de Birmingham, um dos principais parques industriais da Inglaterra, e já traziam abordagens distópicas e críticas sociais em seus primeiros trabalhos, como a guerra nuclear, a corrida armamentista e a destruição do meio ambiente.
A banda Pouco mais de quatro décadas após
a primeira execução do intervalo trítono de “Black Sabbath” (canção do quarteto homônimo), o metal continua vivo e em constante evolução. Ruins of Elysium, formada em 2013, é uma das bandas brasileiras que mais crescem no cenário do metal brasileiro nos últimos anos. O trabalho mais recente, Seeds of Chaos and Serenity (em português, Sementes de Caos e Serenidade), foi muito bem aclamado pela mídia especializada e pelo público, figurando entre os melhores lançamentos de 2017, em listas feitas por sites como Roadie Metal, Metal Samsara e Comando Noise. Vocalista e idealizador do projeto, Drake Chrisdensen iniciou sua trajetória na infância, influenciado pelo pai, que ouvia clássicos do rock como Queen, Iron Maiden e Metallica, e também cantores líricos como os Três Tenores (Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras), Montserrat Caballé e Sarah Bri-
ghtman. Aos 12 anos, Drake entrou para o coral de sua escola e teve aulas de canto popular, até ser apresentado ao canto lírico, aos 14 anos. “Foi a minha paixão, e eu nunca mais saí. Continuo estudando, fiz alguns intercâmbios para estudar música”, relata o tenor dramático, que já estudou canto lírico na Noruega, Alemanha - onde foi aluno de uma soprano da Deutsche Oper, uma importante companhia de ópera de Berlim - e na Broadway, avenida estadunidense mundialmente reconhecida pelos teatros e superproduções musicais. Drake ainda menciona que não se atém a apenas uma técnica vocal, e aponta o preciosismo que muitos profissionais da ópera têm em relação ao canto lírico. “Quanto mais eu puder aprender e aplicar no metal, para mim, é super válido”, diz o vocalista. Surgido na Europa em meados dos anos 90, com um número significativo de bandas
oriundas da Escandinávia, o metal sinfônico combina elementos estéticos do metal gótico, como a atmosfera sombria e teatralidade, melodias marcantes e compassos rápidos do power metal - em alguns casos, referido como “metal melódico”- e uso frequente de passagens orquestradas e vocais operísticos, típicos da música clássica. Uma das características mais peculiares deste estilo é a presença de sopranos, vocais femininos agudos. Drake, que já estudou com a vocalista Melissa Ferlaak (Echoterra), conta que apesar da existência de tenores no metal, como Rob Halford (Judas Priest), Bruce Dickinson (Iron Maiden) e Geoff Tate (Queensrÿche), nunca ouviu algum cantor do gênero que usasse a técnica erudita. Tal peculiaridade, exclusiva da banda, é orgulhosamente destacada por Vincenzo Avallone. O italiano conheceu Drake através do Facebook. “Há
mais ou menos 5 ou 6 anos, um amigo me disse que havia um projeto chamado Ruins of Elysium, e que estavam precisando de um produtor e engenheiro de mixagem, numa época em que eu já estava trabalhando com outras bandas brasileiras. Começamos a trabalhar juntos, e o resto é história”. Além de se encarregar da produção das canções, como adicionar as linhas de baixo e os efeitos de orquestra característicos da sonoridade do grupo, Vincenzo tornou-se guitarrista da banda. Ele ainda cita como influências os guitarristas virtuosos Steve Vai e o sueco Yingwie Malmsteen, um dos pioneiros do metal neoclássico, e também os compositores barrocos Antonio Vivaldi e Johann Sebastian Bach. Drake descreve o som da banda como “epic symphonic metal”, termo que anuncia a grandiosidade musical das obras. O vasto espectro de climas, desde passagens influenciadas pelo death metal - um dos subgêneros extremos do metal - acompanhadas de orquestração sombria, até atmosferas doces e delicadas são citadas por Vincenzo, que futuramente pensa em explorar os aspectos mais obscuros do metal sinfônico, inspirado pelos noruegueses do Dimmu Borgir e pelos seus conterrâneos, os italianos do Fleshgod Apocalypse. As temáticas líricas são tão variadas quanto a instrumentação: mitologia e ficção fantástica, bastante recorrentes no imaginário do heavy metal estão presentes ao lado de referências à cultura geek. “Lavender”, “Sentinels of the Starry Skies” e “Shadow of The Colossus” tra-
DOSSIÊ música erudita zem, de forma poética, referências a enredos de games; seus títulos referem-se respectivamente a Pokémon, Dragon Quest IX e ao jogo homônimo de Playstation 2. Drake destaca a relevância artística dos videogames: a construção de gráficos e cenários, a minuciosa composição de trilhas sonoras e os trabalhos de dublagem e atuação. “Infelizmente, ainda existe essa visão preconceituosa de achar que videogame é só coisa de criança”. É importante citar a sinfonia que dá nome ao segundo álbum, “Seeds of Chaos and Serenity” inspirada no anime Saylor Moon. “A história é tão grande e complexa, que rendeu uma música de 40 minutos e mesmo assim não tem nem metade da história, pois tive que simplificar muitas partes” completa o frontman.
Metal das Manas Em 1976, o Black Sabbath lançou seu sétimo álbum de estúdio, Technical Ecstasy. Apresentando sonoridade mais experimental e letras menos sombrias que seus antecessores, o disco não fez muito sucesso entre os fãs.
Foi o penúltimo gravado com o vocalista Ozzy Osbourne antes da sua saída da banda, em 1979. Esquecida em meio à vasta discografia da banda, a faixa 5, “All Moving Parts (Stand Still)”, narra a trajetória de um travesti que se torna presidente dos Estados Unidos. Quatro décadas depois, a Ruins of Elysium aborda questões de gênero e orientação sexual em grande parte do seu repertório, com maior liberdade, proximidade e aprofundamento que o quarteto de Birmingham. Drake alega que um de seus compromissos enquanto artista é promover causas que lhe interessam e abarcam, sempre buscando representar pessoas que lutam por reconhecimento e garantia dos direitos na sociedade. Ele ainda completa: “Falar sobre homofobia, as questões e o empoderamento LGBT me fazem sentir uma grande completude, tanto porque é uma causa que me afeta diretamente, quanto pelo fato de não ser uma pauta abordada pela maioria das bandas”. Vincenzo também compreende a dor e segregação que os
Capas dos discos da banda remetem a um universo de fantasia e sensualidade
LGBTs enfrentam em suas vidas, e sente-se orgulhoso que as músicas da banda fazem pessoas se sentirem melhores e mais aceitas. O vocalista ainda relembra que alguns dos alicerces do metal é o questionamento dos dogmas e o desafio às “regras” sociais. Apesar de sentir-se incomodado pela falta de expressão e representatividade dos LGBTs no estilo, ele fica feliz em ver grandes ícones do metal se posicionarem a favor da luta, como as vocalistas Sharon den Adel (Within Temptation) Simone Simons (Epica) e a banda de thrash metal alemão Kreator, que nos versos da canção “Side By Side”, de 2017, convoca os ouvintes a “esmagarem a homofobia, lado a lado”. O single “The Birth of a Goddess” (“O Nascimento de Uma Deusa”) faz uso de metáforas visando exaltar a comunidade LGBTQ de forma épica , e apresenta alegorias delicadas, em contraponto à brutalidade e machismo clichês do metal. O vídeo traz informações relacionadas à comunidade LGBTQ ao redor do mundo: número de
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países que condenam os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, torturas, crimes de ódio e massacres contra homossexuais, transgêneros e transsexuais. Também vale citar a faixa “No, You’re Not”, do álbum de estreia, por sua peculiaridade: a canção apresenta um som mais cru, e a letra não faz uso de metáforas, já que foi baseada no caso de João Antônio Donati, assassinado em
2014. Embora a polícia tenha alegado que a motivação do crime não foi homofobia, alguns veículos noticiaram que o garoto foi encontrado com um bilhete na boca escrito “Nós vamos acabar com sua raça”. Em resposta, militantes LGBT de todo o Brasil colocaram os dizeres “Não, vocês não vão” em suas fotos de perfil no Facebook. Drake afirma que não teve intenção de
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romantizar a situação. “Nós perdemos empregos, somos expulsos de casa. Existem pessoas que se surpreendem ao saberem que isso ainda acontece” declara, citando que foi expulso de casa pela mãe, por ser homossexual. “Exceção são aqueles que são bem aceitos e recebem apoio da família. A gente ainda apanha e sofre muito. Precisamos falar disso. Não é bonito” finaliza.
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UMA ESCOLA DE PERSISTÊNCIA Isabela Beloti “Quando vai falar as primeiras palavras?” “Quando serão os primeiros passos?” “E o primeiro sorriso?” “Vai gostar de funk, sertanejo ou música clássica?” Ao nascer, uma criança traz um turbilhão de expectativas vindas dos pais, da família e da sociedade, em relação ao seu desenvolvimento. Na esperança de que esteja “tudo bem” com o bebê, todos fazem apostas sobre as suas primeiras vezes e o que vai marcar novos ciclos para ele. Mas e quando as primeiras palavras, passos e sorrisos demoram para chegar? E quando a música nem é, no primeiro momento, algo atrativo para a criança? Artur (12), filho de Meiry e irmão gêmeo de Sara, com diferença de idade de apenas 1 minuto, conta uma história marcada por um desenvolvimento diferente das demais crianças, mas pautada por superação, inspiração e, com certeza, muita música. Com um ano e oito meses, Artur foi diagnosticado com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Um grande susto. Meiry conta que, devido a sua formação acadêmica em Musicoterapia, começou a perceber sinais do autismo quando ele tinha um ano e quatro meses, mas o diagnóstico só foi dado quando consultou um neurologista meses depois. “Mesmo assim, foi muito difícil de aceitar”, desabafa. Após o diagnóstico, Artur, que até então não andava, começou a fazer fisioterapia e deu seus primeiros passos. Foi adotada também uma nova rotina com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas e instrutores de natação;
FOTo: isabela beloti
Quando a música ressignifica o diagnóstico de autismo em estímulo e motivação tudo para estimular o menino e seu desenvolvimento. E Meiry, que sempre cantou e tocou para seus filhos, começou a enxergar a música como instrumento diário indispensável no tratamento. “Durante toda minha gestação, cantei para ele e para sua irmã. Após seu nascimento, a música sempre esteve presente”, lembra a mãe. Ela conta ainda que, hoje, Artur ama música de quase todos os estilos, incluindo a erudita, que foi introduzida durante sua infância, quando ele assistia ao Baby Einstein Baby Mozart Music Festival, no YouTube.
Primeiros sinais Assim como Meiry, diversas mães e familiares começam a perceber sinais do TEA nos primeiros anos da criança. Porém o medo e, muitas vezes, a falta de informação geram dúvidas e, em certos casos, um possível diagnóstico tardio do transtorno. A psicóloga Nilmara Teixeira, que atende pacientes com o Transtorno do Espectro Autista há mais de 20 anos, explica um pouco do que estudou e aprendeu sobre o cérebro autista. “Pessoas com autismo apresentam pouca ou nenhuma comunicação, e grande dificuldade de interagir socialmente. Esses sinais são apresentados na infância, com tendência a persistir na adolescência até a idade adulta. Cada um é único, não existem exatamente dois iguais”, conta a psicóloga. Ela explica, ainda, que o cérebro da pessoa com TEA é hiperexcitado, sendo capaz de executar várias atividades ao mesmo tempo, não alternando entre elas, e é isso que gera as crises comportamentais, as agressões e os movimentos repe-
Musicoterapeuta Simone Presotti em seu espaço no bairro Buritis
titivos. A música, nesse caso, pode ser vista como uma escola de persistência. “O processo de ouvir música desenvolve a coordenação motora, a concentração, o raciocínio lógico e a socialização. (...) Por meio da música, as pessoas com TEA podem se comunicar, expressar seus sentimentos, melhorar seu humor, o contato visual, diminuir os movimentos repetitivos e a hiperatividade. A música contribui para o desenvolvimento social e uma melhor qualidade de vida”, explica a psicóloga, que orienta as famílias de pessoas com autismo a reproduzirem o que aprendem durante as intervenções, como a musicoterapia, em todos os lugares que frequentam.
Processo de ressignificação Pioneira no trabalho de Musicoterapia em Minas Gerais, autora de artigos sobre a utilização do recurso musical no processos
de neurorreabilitação e palestrante em eventos nacionais e internacionais, a psicóloga Simone Presotti completa, em 2018, 30 anos acreditando no poder da música como terapia. Em seu espaço, o Musicoterapia BH, ela atende crianças, adolescentes e adultos, não somente com autismo, mas com outras deficiências. Simone afirma que, para os autistas, a música é um fator de motivação diferencial em suas rotinas e explica como é feito o processo terapêutico musical. “(...) O musicoterapeuta vai começar as interações sonoras a partir dos sons de interesse do indivíduo e depois introduzir, de maneira consciente, terapêutica, novos estímulos para que o paciente seja capaz de lidar com todos os demais estímulos que existem na sua vida, na sua rotina diária”, diz. No caso da música erudita, Simone explica que ela apresenta características peculiares,
como, por exemplo, o uso de muitos instrumentos com timbres diferentes e características sonoras bem marcantes. “Só de pensar nesse aspecto, já vemos como a música erudita se destaca como forma de estimulação neurológica. Porque o ouvinte, voltando sua atenção para a escuta musical e buscando perceber cada um desses instrumentos e seu movimento sonoro, necessita recrutar um número de estruturas neurológicas diferenciadas”, diz a musicoterapeuta. Entretanto, Simone deixa claro que, por não fazer parte da cultura brasileira e do nosso degrau sonoro, como outros estilos musicais, a música erudita necessita ser introduzida de maneira lúdica, trazendo uma nova perspectiva para o paciente.
Resposta de esperança Artur, que é uma criaArtur, que é uma criança autista não-ver-
bal, tem maiores dificuldades de comunicação e Meiry compartilha que, não somente a música erudita, mas a música no geral, o ajuda a se organizar, a se comunicar, deixando-o mais feliz e tranquilo. “Ter um filho autista é uma transformação! Hoje sou uma pessoa muito melhor... É um grande desafio, um grande privilégio! É aprender todos os dias, lutar, superar, ser humilde, valorizar cada conquista e momentos que passamos com ele. É crescer rumo ao verdadeiro sentimento: o amor”, completa a mãe. Meiry se inspirou em Artur e criou o Galeria Aut, um site que reúne desenhos, pinturas, esculturas, vídeos e outras artes produzidas por mais de 70 autistas. Ela também promove concursos de arte, música e faz alguns trabalhos em parceria com a psicóloga Simone Presotti e o Musicoterapia BH.
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impressões sobre RAVEL FOTO: Foca lisboa
O primeiro concerto a gente nunca esquece
Vitória Ohana Tudo o que eu sabia sobre concertos tinha visto em filmes norte-americanos; grandes teatros, plateia vestida em trajes formais, preços altos na entrada e um gênero musical distante da minha realidade. No Ensino Médio, um colega de classe me recomendou ouvir música clássica durante os estudos, para melhorar a concentração. Confesso: essa técnica não serviu para mim, sou mesmo fã do silêncio na hora de aprender. Música erudita não seria uma das minhas opções para sexta-feira à noite, com certeza. Mas a aventura cultural surgiu como oportunidade e encarei com certa relutância, no início. Não sabia o que esperar do evento, das obras ou dos artistas, apenas confiei que vivenciaria algo diferente. Na hora marcada, 19:30h, meu namora-
do, Vinícius, e eu, chegamos ao Conservatório da UFMG, local do concerto. Nomeado de Sarau em Homenagem ao Dia das Mães, teria a apresentação do duo Alvim e Canton, formado por Heron Alvim e Junia Canton. Os dois apresentariam peças de Mozart, Ravel e SaintSaëns no piano. Chegando ao conservatório, Vinícius pediu que eu fosse na frente e encontrasse o local do show, enquanto ele estacionava o carro. Não sabia por onde ir, e, no impulso, segui um casal que entrava no mesmo momento que eu, na esperança que estivéssemos indo para o mesmo lugar. Por sorte, estávamos. O auditório estava cheio. Grande parte das primeiras fileiras estavam totalmente ocupadas, fui obrigada a sentar um pouco mais atrás. Nesse momento, comecei a reparar no perfil das pessoas que
compunham a plateia. Apesar do evento ser gratuito e de livre acesso ao público em geral, percebi que a maioria dos presentes era de classe média para alta. Quase todos na terceira idade. As mulheres vestiam blazers e conjuntos formais de terninho, os homens usavam camisa social. Era possível ver um ou outro ali usando bermuda e camiseta, mas, poucos. A coordenadora responsável foi até a frente do palco, agradeceu a presença de todos, apresentou a dupla da noite e então o show começou. Luzes apagadas e holofotes no duo que trajava vestes formais. A primeira peça, mais curta, foi Mozart. Gostei imensamente das obras do artista, a delicadeza e o conjunto de notas mais singelas e agradáveis foi algo muito gostoso de se ouvir. A primeira impressão foi a melhor possível. Como Vinícius ainda
não tinha chegado ao auditório, mandei uma mensagem perguntando por onde ele estava, preocupada que não tivesse encontrado a sala. Rapidamente, ele me respondeu que estava na porta, esperando. Algo que não sabíamos, não era permitido entrar durante os atos, somente no curto intervalo entre as peças. Isso normalmente não ocorre em manifestações artísticas populares, sempre podemos entrar em qualquer momento durante as apresentações. Certamente, se estivéssemos um show, não precisaríamos esperar.. Ao final de Mozart, todos aplaudiram e os artistas saíram do palco. Os remanescentes que esperavam a vez de entrar, vieram completar o recinto lotado. O duo voltou para a segunda parte, aplaudido mais uma vez. Ravel talvez tenha sido minha peça favorita da noite. As
notas lentas e a dramaticidade das obras me emocionaram diversas vezes, nunca pensei que seria capaz de chorar em um concerto de música clássica. Por último, a peça mais longa da noite, com obras de SaintSaëns. Heron Canton, antes de dar início a essa parte, nos contou que essa peça fora toda escrita para satirizar e ironizar diversas situações. O compositor pediu que a obra não fosse publicada, nem reproduzida por ninguém, enquanto fosse vivo. Só foi divulgada após o seu falecimento. Foi divertido escutar as sátiras de SaintSaëns, e assim, como foi dito pelo intérprete, era possível identificar a despreocupação com as métricas e a perfeição das notas. A obra Personagem de Orelhas Compridas da peça O Carnaval dos Animais, por exemplo, satiriza os críticos rígidos que dão
importância demais aos detalhes mencionados acima. As luzes se acenderam ao final, a plateia ficou de pé e aplaudiu por longos minutos a dupla clássica. Permaneci sentada e observei o lugar; alguns foram embora, outros tiraram um tempinho para esperar o duo descer do palco e abrir cumprimentos para o público. A experiência foi incrível, me surpreendeu positivamente. Apesar de a música clássica ser vista como um gênero ainda elitizado, acredito que, para a arte, não há fronteiras. A intensidade das obras e a interpretação dos artistas é perfeitamente capaz de nos transmitir as mais diversas emoções; felicidade, tristeza, saudade, calma. Gostaria de ir mais vezes, ouvir outros artistas e diferente peças. Sem dúvidas, é um programa que eu indicaria para todas as pessoas que conheço.
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Back in Bach fotos: Luizz VILA REAL
Repertório, instrumentos, afinação: Orquestra 415 tenta replicar a música barroca em todos os seus detalhes Camila Marques Luiz Vila Real Orquestras, violinos, arcos, maestro, música de grande qualidade e finesse. Estas são algumas das palavras que descrevem a imagem do senso comum sobre a “música clássica”. A expressão foi cunhada para nomear os estilos de música de concerto majoritariamente produzidos entre o século XVI e o início do século XX. Embora compositores como Tchaikovsky, Mozart e Bach sejam apontados como grandes referências da música erudita, apenas o prodígio austríaco pertence, de fato, ao período denominado “clássico”. A obra do compositor russo é oriunda do período romântico, no século XIX; já Johann Sebastian Bach - JS Bach, para os mais “chegados” - é apontado como um dos maiores expoentes do período barroco - tanto que sua morte, em 1750, marcou o fim do período.
Das tripas, canção “Uma nota forte, tocada em um violino com cordas de aço, fica muito mais estridente, mais áspera que na corda de tripa”. É assim que o flautista barroco André Salles Coelho descreve a diferença de sonoridade entre uma orquestra moderna e uma orquestra barroca. O músico iniciou-se no meio aos 12 anos, com a flauta transversal, mas só aos 40 adquiriu o traverso que toca na Orquestra 415 de Música Barroca. A delicadeza dos instrumentos barrocos é explicada pelo silêncio e calmaria do mundo pré-industrial em que foram concebidos. As
Cada região seguia os próprios parâmetros de afinação. Após muitas pesquisas, convencionou-se que a música barroca é melhor exe-
cutada na afinação de 415 Hz - daí a origem do nome da orquestra barroca. Os cobiçados Stradivarius - violinos constru-
ídos pelo luthier Antonio Stradivari - seguiam, muito provavelmente, o padrão de 415. André denuncia uma “heresia” cometida por alguns
sopros de madeira são uma das peculiaridades mais marcantes da música barroca. “A partir de um certo momento, as diferenças de cada naipe (as “famílias” de instrumentos) começam a se evidenciar” conta o flautista, que também se aventura no tambor, em algumas das apresentações.
Formação O flautista conheceu Eduardo Fonseca, que toca viola da gamba, numa oficina do também gambista Sérgio Álvares. A partir das conversas e da ideia comum de tocar música barroca, os dois fundaram o Grupo Arandela de Música Barroca,
Orquestra 415 é a única orquestra barroca no Brasil que mantém uma temporada regular
cidades tinham baixa densidade populacional, se comparadas às atuais. Leipzig, importante centro urbano da época, onde Bach viveu até sua morte, tinha 30 mil habitantes - o que, nos dias de hoje, seria a população de um município interiorano. A música contemporânea utiliza a afinação
padrão de 440 hertz, baseado na nota Lá. Ou seja, nos instrumentos atuais a nota Lá vibra 440 vezes por segundo. Esta padronização foi instituída por volta dos anos 1940. Antes disso, cada construtor de instrumentos tinha como principal referência o órgão da igreja de suas localidades.
músicos: “Hoje em dia, qualquer instrumentista que toca música em 440 e tem um Stradivarius, tem um instrumento que foi aberto e reforçado por dentro, para aguentar a tensão das cordas”. A fusão dos timbres das cordas de tripa feitas das entranhas de ovelha ou bode - e dos
DOSSIÊ música erudita que originalmente variava entre dois e seis instrumentistas. O Arandela ainda está ativo, contando também com Eduardo Ribeiro na espineta. É importante destacar que a música de câmara exige mais dos músicos, para que o som fique “preenchido” da mesma maneira que se tocado por uma orquestra. “A música de câmara e a de orquestra são muito diferentes, é uma outra literatura. É como a diferença entre os gêneros textuais”, conclui o músico. Em 2012, André e Eduardo Fonseca convidaram, via e-mail, musicistas barrocos de Belo Horizonte e região. Após uma apresentação bem-aclamada na Igreja São José, em dezembro daquele ano, a orquestra foi se constituindo ao longo de 2013, quando apresentaram uma ópera no formato de concerto - sem as cenas, apenas com a execução das músicas. O ano seguinte foi fundamental para o grupo, que concentrou-se na arrecadação de fundos para adquirirem uma espineta,
considerada a âncora da orquestra; a referência para o ritmo e afinação dos demais instrumentos. Além de conseguirem recursos suficientes para o instrumento de teclas, a 415 foi ganhadora de um prêmio da Funarte de apoio a orquestras. Assim, conseguiram violinos, violoncelo, guitarra
barroca, alaúde e uma flauta doce tenor, além de estantes para partitura e cordas de tripa.
Regularidade Desde 2015, a Orquestra 415 é a única orquestra barroca no Brasil que mantém uma temporada regular - com um repertório novo a cada mês
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- mesmo sem contar com patrocínio. André afirma que apesar do curto faturamento e da má remuneração dos músicos, não reclama da situação, ressaltando o reconhecimento do grupo no estrangeiro: “Um artista plástico espanhol que visitou a sede da orquestra e uma ex-professora mi-
nha que mora na Alemanha se impressionam que nós mantemos uma orquestra barroca aqui, algo que é raro até mesmo na Europa”. O co-fundador da orquestra aponta a pouca divulgação do projeto por parte da grande mídia e revela que envia releases para grandes veículos todos
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os meses, mas quase nunca é noticiado. “Apenas em ocasiões esporádicas” ele declara, e ainda completa que acredita que o grupo não precisa estar ligado a instituições, projetos ou patrocínio, apenas que a mídia tenha um “carinho maior pelas coisas interessantes da nossa cidade”.
experiências que a vida nos proporciona O final da vida do compositor Cláudio Monteverdi e as formas de contar a história, que fazem toda a diferença Para quem está acostumada somente com os grandes festivais de música, uma ópera, ainda mais barroca, pode ser algo totalmente fora da caixa. Bom, como sou o tipo de pessoa que gosta de se submeter às mais variadas experiências, fui lá mais para a curiosidade do que para a própria apreciação. “Já que eu gosto muito de teatro, será um pulo para gostar de ópera”, pensei. Cartas de Monteverdi aborda o final melancólico da vida do músico italiano Claudio Monteverdi (15671643). Considerado o pai da ópera, Monteverdi foi o precursor da
transição da técnica de monofonia para a polifonia; dando assim uma textura sonora específica para duas vozes. Mesmo com uma vasta obra musical e a responsabilidade por ter passado a tradição polifônica do Renascimento para um estilo mais leve e livre, o fim de sua vida foi marcado pela solidão, com a perda da esposa, filhos e o ingresso na vida religiosa. Embora nos palcos a emoção esteja à flor da pele e nítida, antes do espetáculo os músicos realizam um ensaio técnico, acertando detalhes sobre o texto e até o momento em que
cada violinista faz o seu acorde. Tudo muito intimista. “Raíssa, lembra que as pessoas vieram te ver, olhe para o público”, diz André Salles, coordenador. Na coxia, músicos e atrizes acertam detalhes como maquiagem e cabelo. Um clima – bom, diga –se de passagemmistura de expectativa e uma certa ansiedade gostosa. “Está assim de gente lá fora”, diz alguém. Na plateia, aos poucos, chegam muitas senhoras, mas a presença de casais e jovens também é expressiva. A expressão das pessoas também entregava o clima de expectativa.
Contagem regressiva. Antes, aqueles recados básicos sobre celular. Começa a apresentação. A cada timbre ou toque do violino, o público é submetido a uma imersão de sentimentos. Ainda que a perfeição da técnica e harmonia estejam presentes, o fascínio, a melancolia e o mergulho acompanham durante toda a apresentação. Ao longo de 50 minutos, a história de um homem à espera de uma promessa de dinheiro jamais cumprida sensibiliza a todos os presentes. É inegável que a interpretação teatral tem uma intensidade maior.
Quando a gente assiste a uma interpretação teatral, não consegue ficar indiferente. O olhar, os gestos, a caracterização, tudo envolve. A forma como uma história é contada pode potencializar, ou não. Cartas de Monteverdi se passa na Veneza do século XVII, em um período de enormes mudanças na arte e, consequentemente, no modo de fazer música. O músico, que chegou a ocupar o cargo mais cobiçado da Itália como mestre da Capela de São Marcos, foi um dos músicos mais importantes do mundo teve um final de vida triste e solitário.
Toda essa trajetória de saudosismo é marcada também pela interpretação de Sarah Lugon e Raíssa Brant que, apesar do tom lírico usado na ópera, cantam MPB. Cantoras há nove anos, elas contam que a identidade com as músicas foram fatores decisivos na escolha do repertório. “Quando eu piso no palco, é como entrar em um altar, você se prepara para o personagem. Não dá para separar o sentimento do texto. Na música barroca, o que melhor podemos fazer é expressar o que vamos fazer, com o corpo e a voz”, conta Sarah.
IMPRESSões NO erudito
Alunos do curso de fotografia, inspirados por artistas da música erudita, produziram obras que externa suas impressões e emoções. O projeto é resultado do contato intimista com melodias do gênero musical. Veja a seguir: 1. A face escondida do Fantasma da Opera A foto foi inspirada na famosa opera do fantasma com suas densas canções, cheias de misterios, loucuras e paixões. 2. Nessun Dorma A partir da intepretação do tenor lírico Pavarotti, a obra tenta retratar o sentimento de grandeza, força e agitação que uma grande orquestra trsnsmite. 3. A Valsa das Flores Influnenciado pela composição de Pjotr Llich Tchaikovsky, Valsa das Flores, a obra tenta captar a essencia dos grandes palcos de teatro onde acontecem as apresentações de músicas clássicas e músicais, assim como esta peça. 4. A realidade melancólica em “Quasi una fantasia” de Beethoven. A arte traz as emoções blues da peça sinfônica de um dos maiores compositores da música clássica. 5. Experience Sensibilizado por Ludovico Einaudi, a fotografia externiza a agitação, o movimento, angústia e tristeza presente na composicão do Italiano. 6. Hedwig’s Theme Na sonoridade do compositor americano, Jonh Willians, a fotografia carrega emoções como a nostalgia, magia e mistério.
fOTO: lAYS kAROLINE
EXERCÍCIO fotográfico fOTO: anna luiza
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fOTO: Amanda, félix e lídia
fOTO: milene cristine
fOTO: stella rodrigues
fOTO: rafael souza
EXERCÍCIO fotográfico Setembro de 2018 Jornal Impressão
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OUTROS PAPOS
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A GENTE VAI LEVANDRO
Criatividade e cores nas capas dos discos - de Blitz à carreira solo
Caio Fabio Dentre tantos artistas e rostos conhecidos no Rio de Janeiro, conversamos com um sujeito muito interessante. Músico, ator e surfista nas horas vagas, Evandro Mesquita faz sucesso desde os anos 1980. Ele nos concedeu uma breve entrevista, na qual fala sobre sua história: a ascensão musical, a carreira com a banda Blitz, o trabalho em novelas e séries, além de experiências marcantes de sua vida, como conversar com Bob Marley e cantar com Tina Turner. IMPRESSÃO– Quando você tomou conhecimento de seu talento para a música? Evandro Mesquita – Acho que desde garoto. Meu pai tocava violão clássico e eu tentei começar por aí, mas achava difícil ficar fazendo aqueles exercícios todos. Queria aprender um Beatles, um Roberto Carlos, que era mais fácil e mais imediato. Na adolescência, eu ouvia muito rádio. Moreira da Silva teve um impacto muito grande, com o “Rei do Gatilho”.
Era uma história engraçada que tinha efeitos sonoros, então isso tudo foi juntando pra música que eu comecei a fazer depois, mais a sério. Além de músico e compositor, você é um ator com muita experiência. Como foi essa entrada nas Artes Cênicas? Na hípica do meu pai, eu tinha aulas de atuação. Gostei bastante da experiência, dos exercícios de improvisação e posteriormente, conheci o pessoal do Teatro Ipanema. Era um tipo de teatro diferente do tradicional, que me instigou muito e me fez querer ir também por esse caminho, já que a música era uma coisa distante, difícil de ter acesso à gravadoras etc. A Blitz completou 36 anos. Quais foram os fatos que mais marcaram sua vida neste período? Pois é, 36 anos de estrada. O primeiro show, no Circo Voador, e os comentários na praia no dia seguinte, depois a gravação do primeiro LP, o disco de ouro em uma época de crise
de mercado, o Rock in Rio. Vários momentos. Difícil selecionar alguns, mas foi por aí. Há fotos e muita história sobre quando Bob Marley veio ao Brasil. Como você se sentiu ao ser convidado para jogar bola com ele? A pelada com o Bob Marley foi sensacional, a convite do PC Lima. Marley era meu ídolo na época, então fiquei “besteirão” conversando com ele um pouquinho. Foram momentos inesquecíveis. Você teve uma parceria com a Tina Turner; como e quando se deu isto? Com a Tina Turner foi um comercial da Pepsi, gravei com ela em Los Angeles. Foi surreal estar no mesmo palco que ela, cantando. Sensacional. A Blitz vendeu mais de 100 mil cópias, em apenas três meses, da música “Você Não Soube Me Amar”. Você imaginava que isto pudesse acontecer naquela época? Não, eu não ima-
ginava que o sucesso de “Você Não Soube Me Amar” fosse uma coisa nacional e lembrada anos depois. Mas foi muito bacana sentir que a música que, no começo era pra agradar aqueles 25 amigos da praia, de repente estava batendo na cidade toda e em outros estados. É o poder da música. Os filmes consagraram você como ator. Dos que participou, qual te traz melhores lembranças e por que? O filme que eu mais gostei de fazer foi Não quero falar sobre isso agora, ganhador de quatro Kikitos no Festival de Gramados. Era naquela época do Collor, do final da Ancine, então, quase ninguém viu, mas é um filme que eu adoro. Fiz o roteiro com o Mauro Farias [as fichas técnicas do filme apontam, como roteiristas, Evandro, Mauro e Melanie Dimantas], fiz a trilha sonora com o Celso Fonseca e atuei com a Marisa Orth e a Eliana Fonseca. É um filme pelo qual tenho muito carinho e ainda penso muito
em fazer alguma coisa com ele. Hoje, aos 66 anos, como você consegue ter juventude para atuar nos palcos? Eu gosto de arte e arte me motiva. Eu gosto de fazer o que eu
quero com prazer. Quais são as perspectivas da banda para o futuro em um momento de produções cada vez mais passageiras? Temos um estúdio agora e estamos experimentando várias coisas. Nosso trabalho de estúdio foi indicado ao Grammy Latino, é uma época legal. Estamos sem pressão de gravadora, é um momento novo. Acabaram as lojas de disco e tudo , então estamos fazendo o que a gente gosta e sempre vai ter umas surpresas aí. Estamos trabalhando num outro álbum que deve ser lançado aos poucos. Agora, não esperamos mais ter 12, 13 músicas, cada uma que a gente termina já vai subindo para o Spotify e essas coisas todas aí. foto: divulgação
REPRODUÇÃO
Ator, músico, ex-líder da Blitz, Evandro Mesquita segue “fazendo o que gosta”
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AGÊNcIA De cRIAção PUbLIcItÁRIA DA VINcI
PuBLIcIDaDe
ˆ A infancia que Nao ˜
esta´ no porta retrato
De acordo com dados do Unicef, no Brasil, 80% dos casos de agressões físicas são causadas por parentes próximos, e a cada sete minutos uma criança ou adolescente morre por causa da violência no mundo. A criança que sofre algum tipo de agressão, demonstra sinais em seu comportamento. Esses traumas podem ocasionar graves sequelas emocionais e psiquiátricas.
DENUNCIE, disque 100!
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TRAMAS CONTEMPORâneas
Renúncia e prazer Um mês pode passar muito rápido. Mas não quando se abre mão de algo que lhe satisfaz
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Por acaso, o leitor já ouviu alguém dizer que parou de fumar, ou de beber, mas sempre voltou à prática? Trata-se de pessoa, em suma, que não obteve sucesso em um processo de abstinência, o ato de se privar de algo – geralmente, ligado às drogas, ou a atitudes que afetam a vida do indivíduo. Pois bem...Você já parou para pensar que evitar alguma coisa de que aprecie muito pode afetar seu desempenho? Que tal, então, não comer carne e compreender, na pele, a prática alimentar dos vegetarianos? De outro modo, já pensou em beber apenas água? Ou em parar de comer doces e de ouvir músicas? Por fim, e se não pudesse sair de
casa para se divertir ou deixar de acompanhar seu time do coração? Confira, nesta reportagem, os efeitos, sobre 5 repórteres, da privação de tais “vícios” cotidianos. Durante um mês, eles se propuseram ao sacrifício da abstinência. Segundo a psicóloga Mariana Tavares, os benefícios da abstinência autoproposta pode advir de novas formas de olhar, que não sejam a da repetição, e confronta as próprias escolhas da pessoa. “Achar esse justo caminho entre o que causa prazer e o que, dele, em excesso, nos conduz ao desprazer é tarefa cotidiana. Abrigamos, em nós, todas as tendências. E nosso prazer corre ao lado do fracasso”, analisa.
Carne fraca Guilherme Rabello Cheguei em casa com o gosto do hambúrguer de picanha. Se soubesse o quanto sentiria falta daquela maravilha, teria demorado para escovar os dentes e dormir. Fui inocente. No primeiro almoço sem carne, fui incentivado pelos amigos – junto
aos estímulos, claro, havia as piadas. Duvidaram que eu conseguiria. Afinal, não me lembro de um dia na vida em que fiquei sem carne. As palavras de apoio me deram forças, mas logo se foram. No primeiro churrasco, comi, tão somente, macarrão. Doeu. Nas semanas seguintes, os almoços se tor-
naram um martírio. O almoço já não era uma hora esperada. Ao término das refeições, sentia falta de algo. Para me saciar, abusei dos doces, embora nunca satisfeito. Esses foram os 30 dias mais longos que já vivi.
Gol contra Aidan Rocha É possível abster-se de futebol? Foi o que eu, amante do esporte, perguntei-me, após receber a proposta da reportagem. Imaginei que não seria um suplício: eu substituiria tal assunto, naturalmente, por outros tantos. Nos primeiros dias, o
sacrifício de abstinência me conduziu a certa reflexão sobre socialização. Nada de brincadeiras com o vizinho que torce para o time rival. Com o ascensorista, necas das breves e diárias resenhas sobre o desempenho do Cruzeiro. Até mesmo nos relacionamentos pessoais, em que há maior compatibilidade de as-
suntos, ficou certo vazio. Percebi que, por estar enraizado em nossa cultura, o futebol – assunto mais sério dentre os não sérios – é, por isso mesmo, pretexto ideal para socialização. Afinal, ele permite interação com a maioria das pessoas, sem o peso e a responsabilidade de outros assuntos.
Bala doce Débora Gonçalves A partir daquele momento, não comeria doces durante um mês. Ela fitou os bombons à sua frente, e, como se tirasse o curativo da ferida ainda não cicatrizada, mastigou e os engoliu como se tentasse pular aquilo tudo. Durante os primeiros dias, não conseguia
acreditar como pensava em doce tantas vezes por dia. Na primeira quinzena, chorou. Afinal, além de ser o principal vilão de sua luta contra o peso, o açúcar era o primeiro abrigo que procurava ao atormentar de sua ansiedade. Contudo, para não pirar, encontrou um meio de se distrair: Tess Gerritsen.
Os suspenses médicos eram agora seu novo vício. E, ao fim da pior das experiências, veio a melhor recompensa: liberdade. Assumira o controle novamente. Preparada, dessa vez, para se abster de forma voluntária e progressiva.
VIDA SECA Felipe Figueiredo Café com açúcar”, “um salgado e um refresco” e “traz um refri” eram meus mantras. Definidas as abstinências, ficou acertado que eu poderia tomar, durante um mês, apenas água. Na primeira semana, senti que algo havia mudado. Meu desejo por açúcar foi abruptamente despertado e me levou a uma peregrinação pelas padarias do bairro, em busca de doces, na tentativa de substituir as bebidas. Aquela ausência fomentava meu estresse.
No período, envolvime em inúmeras discussões, e, até mesmo, em uma briga física. Sonhei, por diversas vezes, que tomava alguma bebida que não fosse água, destruindo a pauta – e o meu sofrimento. No final, os 2 kg a menos e a qualidade do sono me deram forças para aguentar o restante do mês. Fui ao posto de saúde... e a surpresa: minha glicose voltou ao nível saudável. Saí ganhando com a abstinência! E estudo uma forma de continuá-la, é claro, de maneira menos extrema .
Faxina Lucas Soares Como sou taxado de “urbano” e “boêmio”, ficou clara a minha pena. Não poder sair de casa foi, de alguma maneira, um cárcere que me atormentou durante um mês: dias em que teria de passar em meu quarto, repleto de penduricalhos motivacionais, livros, e uma TV com acesso à Netflix. “Não vai ser tão difícil”, tentei me enganar, enquanto olhava o catálogo. Embora os amigos netflixianos, de minhas séries preferidas, tentassem me animar, era
solitário aquele frio lugar onde me acomodei. Alguns familiares, preocupados com minha ausência em reuniões, suspeitaram que estivesse jogando Baleia Azul. Indignados com a pauta, faziam súplicas inconformadas sobre a sã loucura na qual eu estaria envolvido. Sentia a falta da brisa da noite, da cerveja servida em copo sujo. O pensamento de burlar me perseguia. Eu perdia momentos. E, no entanto, ganhei: descobri que estar comigo mesmo é fundamental – em qualquer lugar.
Sintonia Luiz Trigueiro Nem comida, bebida, cigarro ou qualquer outra substância. Minha penitência nesta “quaresma” pós-páscoa seria algo bem difícil de fazer, principalmente, para quem é instrumentista: deixar de ouvir música e tocar violão. Desde o início, senti que seria quase impossível me controlar.
Adiei o início da abstenção por causa de uma viagem ao Rio de Janeiro. Acreditei que seria minha despedida da música. E foi, por um tempo. No entanto, quebrei o pacto. Não consegui deixar de ir a um festival de música pop oitentista e de jazz. Muito menos, prestar homenagem ao Belchior, que nos deixou. Falhei como pessoa.
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Você já viU?
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Narrativas de tunga As transformações fluídas nas obras do artista Márcio Júnior José de Barros Carvalho e Mello Mourão, mais conhecido como Tunga, foi um dos maiores artistas brasileiros e, também, um dos mais importantes do mundo. Sua trajetória foi marcada por um estilo único que abrangeu diversas áreas como filosofia, psicanálise, biologia, química, sexualidade, astrofísica e até misticismo. Tunga nasceu em 1952, na cidade de Palmares, Pernambuco, mas teve contato com o cenário artístico quando foi estudar Arquitetura e Urbanismo na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. No começo, o desenho e a escultura foram suas principais plataformas de experimentação e, mais tarde, encontrou na performance uma forma de “ativar” seus trabalhos, o que possibilitou uma conexão mais corporal e fluída em suas obras de arte. A partir da inserção do corpo na obra, o significado de seus objetos de arte nunca mais foi o mesmo. Aliás, significado é algo que, para Tunga, está em constante transformação, assim como o próprio corpo. Para o artista, em cada época (ano, dia, mês), sua obra ganha uma interpretação diferente. A sua própria identidade passou por mudanças. Em entrevistas, quando era perguntado de onde vinha, Tunga respondia que era de Marte, ou do Rio de Janeiro, ou de Palmares, e por aí vai. O processo que inicia toda a relação entre homem e objeto é nomeado por ele como instauração (instalação+ação). O momento da instauração é essencial para a instalação de
seu trabalho em algum espaço porque é partir dela (instauração) que sua obra poderá ser “ativada” para outras transformações vindas do público ou do próprio espaço. Como se fosse um ritual.Para cada trabalho há uma instauração diferente, uma narrativa diferente, uma conexão diferente. De um jeito descentralizado, essas relações podem ser observadas nas obras, seja pela repetição de objetos ou pelo conceito.
O vai e volta, o ciclo, são elementos pertinentes na identidade do artista. Dentro desse entendimento aparece o uso da alquimia, voltada para seu processo orgânico, como acontece na digestão de alimentos.
lares entre nós.A cidade se deu em ruínas assim que surgiram os sinais públicos. Em meio à desavença, a facção mais forte deliberou que o corte deveria ser efetuado e por vontade das meninas, caso contrário, elas seriam sacrificadas. Frente à recusa das jovens, elas foram condenadas, sendo honradas com um simples pedido: nenhum fio deveria ser dividido. Foram então decapitadas, decepadas por um só golpe e suas cabeças penduradas numa árvore.” Trecho retirado das narrativas do Tunga. A narrativa ainda termina com a figura de um forasteiro conhecedor de mitologia que encontra os fios de cabelo das irmãs xifópagas na floresta e leva-os para sua casa. Lá, sua esposa se encanta com o par de fios e começa a bordá-los em uma seda. Durante a confecção, ela percebe que os fios estavam se metalizando, e tornaram-se dourados. Com o bordado pronto, os fios reluziam como ouro para sempre. Essa história mostra um contraste entre
Uma história que consegue perpassar vários trabalhos de Tunga é a narrativa “Xifópagas Capilares Entre Nós”. Segunda essa narrativa, em um povoado isolado e distante, duas gêmeas nasceram conectadas pelo cabelo. Esse acontecimento foi uma aberração para os moradores, um sinal que poderia trazer infortúnio e mau agouro. “Resolveram então, aceitá-las unidas até a puberdade, quando enfim seriam separadas. E para evitar qualquer resistência ao acordo, das próprias meninas ou de qualquer outro, decretaram que do contrário, as irmãs seriam sacrificadas”. “Elas passaram os anos fingindo-se desapercebidas. As meninas, caladas, já haviam se decidido: jamais se separariam. Nas ruas, só se ouvia o mesmo ruído: há xifópagas capi- Xifópagas Capilares entre Nós (1984)
Palíndromo Incesto (1990 - 1992)
a pureza (a inocência das irmãs e o ouro) e a blasfêmia, uma situação recorrente nos trabalhos de Tunga. Aliás, se existem fios de ouro ou cobre nas obras do Artista, é por causa das irmãs xifópagas, como pode ser visto na obra Palíndromo Incesto (199092). O incesto, sugerindo algo proibido, e o palíndromo mostram um jogo de vai e volta. Os dedais fazem alusão ao ato de costurar como foi apresentado na narrativa. O vai e volta, o ciclo, são elementos pertinentes na identidade do artista. Dentro desse
entendimento aparece o uso da alquimia, voltada para seu processo orgânico, como acontece na digestão de alimentos. O alimento passa pelo organismo, transformase e é expelido. Saindo na forma de fezes, suor, urina etc. O excremento vem de uma pureza, termina como uma impureza e o ciclo não para. Na obra Cooking Crystals (2010), temos massas que lembram fezes, líquido amarelo (urina), cristais, ímas entrelaçados pelo tipiti (instrumento usado para tirar o sumo da mandioca). O tipiti é o que cobre / guarda es-
Cooking Crystals Exanded (2010)
ses objetos fazendo uma alusão a um corpo que expele. Uma outra referência à alquimia está presente na obra A Prole do Bebê (2002). Em sua instauração Make -up Coincidence, pessoas nuas manipulam taças, caldeirões envoltos em uma massa. O objetivo é transformar aquela massa em algo novo usando bastante maquiagem. Os recipientes (taças, caldeirões) representados no trabalho guardam fluídos como nosso corpo, por isso a referência. A reflexão sobre estes e tantos outros trabalhos mostram a pertinência e singularidade da narrativa de Tunga. Mistura e transformação marcam sua identidade estética e pessoal na história da arte mundial. Apesar de seu falecimento prematuro em 2016, sua importância é celebrada ainda hoje como um novo pensamento poético na arte contemporânea. O pernambucano rompeu barreiras e foi o primeiro artista contemporâneo a expor no museu do Louvre. Sua marca nunca será esquecida porque sua vida, agora, faz parte do ciclo do seu próprio trabalho.
Você já OUviu?
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Bem vindo à vida de electra heart Arthur Scafutto
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Desde a primeira audição, é perceptível o cunho dançante do álbum Electra Heart – assim como o amor é visto por muitas pessoas; uma dança ou um jogo – mas, analisando a fundo cada composição, a história de Electra Heart se desenvolve em uma tragédia cheia de altos e baixos. Marina Diamandis, compositora que atende pelo nome artístico de Marina and The Diamonds, assume a forma de seu mais famoso alter ego, nomeado Electra Heart, e mergulha de cabeça na vida fictícia de sua personagem, a fim de expor estereótipos vividos por mulheres. O dark dance-pop do disco Electra Heart, em conjunto com o vocal lírico de Marina, torna a ambientação da trajetória de Electra mais sombria e vazia. Muitas músicas trazem a sensação de se estar sozinho, em algum lugar amplo e escuro, com vários ecos e nenhuma escapatória –o que vivencia a per-
sonagem durante toda a sua história. Diferente de outros álbuns da indústria mainstream, este possui uma cronologia que busca contar a história de Electra em cada uma das músicas, transmutando os sentimentos da personagem como uma montanha-russa. A introdução do álbum, presente apenas na versão deluxe, apresenta quatro “arquétipos” em que se baseiam a história: Idle Teen, Beauty Queen, Housewife e Homewrecker – na tradução literal ‘Adolescente Desocupada’, ‘Rainha da Beleza’ ou ‘Rainha do Baile’, ‘Dona de Casa’ e ‘Destruidora de Lares’. Marina interpreta a progressão de uma vida conturbada, uma mulher que vive para alcançar padrões impostos pela sociedade, seja ganhando a coroa como rainha do baile de primavera ou arranjando um marido. O álbum suscita o seguinte questionamento: O que sobrará dessa “conquista do amor”? Em Electra Heart, Marina reflete sobre o
FOTO: divulgação
Marina and The Diamonds expõe a catástrofe do amor em seu segundo disco
que realmente significa amar: a diferença daquilo que somos submetidos a entender como amor – ou um “jogo do amor” – e a dor de amar alguém de verdade dentro dessa situação. O que resta sempre é o vazio, o fracasso interno, a vergonha por não alcançar determiando patamar tão almejado por tantas pessoas. Também podemos ver as mudanças de humor
e trejeitos da personagem de uma música para a outra, sempre seguindo a cronologia das conquistas vazias e do fracasso. Electra termina sua história tirando a própria vida, assim como Marilyn Monroe – uma clara referência visual e substancial para a confecção do álbum. Imageticamente inspirada nos anos 50, 70 e 80, Marina declarou que usou referências do filme Valley of The Dolls (O vale das bonecas, 1967) para construir sua personagem, além de batizar uma das músicas mais profundas do álbum com o mesmo nome. O filme carrega a mesma figura metafórica do “vale das bonecas”, um lugar onde apenas mulheres de sucesso habitam como bonecas: lindas por fora, vazias por dentro, sem identidade, manipuláveis e expostas a quem quiser usufruir de suas imagens – assim como o coração desenhado na maçã de seu rosto que diminui de tamanho a cada clipe da era. A decepção ao enxergar o que realmente significa conquistar o mais alto patamar – no caso, um casamento abusivo
com base em aparências -, põe Marina na mais intensa crise de identidade, passando de uma garota sonhadora e conquistadora da beleza para uma destruidora de lares fria e calculista. Por fim, ao perceber o quão vazio é seu coração, Electra se vê presa dentro de si mesma, sem percepção de futuro, vendo que tudo o que fez foi planejar uma vida que não pertencia a ela, mas sim a uma pessoa que ela queria ser, tendo o mesmo fim de Marilyn Monroe. “Morrendo como um estrela-cadente”, uma das frases ditas por Marina em seu álbum, representa claramente sua personagem: brilha
de forma incandescente e desaparece na escuridão. Electra Heart representa o que há de mais perverso e destrutivo nos ideais hollywoodianos, fazendo-nos sempre lembrar das personalidades puramente visuais com tendências suicidas dos anos 20 e 30, e da tragédia do “sonho americano”. As lições duras sobre como o amor é vivenciado na sociedade faz com que nos identifiquemos com a história de Electra Heart, além de proporcionar uma experiência musical inédita na qual podemos chorar enquanto dançamos até que nossos joelhos se desfaçam, e que “ela nos faça cair”.
Ficha Técnica Artista: Marina and The Diamonds Título: Electra Heart (Deluxe) Produtora: 679l Artists e Atlantic Records Co-Produtores: Greg Kurstin, Rick Nowels, Dr. Luke e Liam Howe Gênero: Alternativo Ano: 2012 Duração: 1 hora e 17 minutos Venda de cópias: 5.1 milhões Nota: 9/10
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crÔNIcaS
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Bruna Rezende Santos O Brasil passa por uma crise política que vem acirrando os ânimos dos seguidores das mais diversas ideologias. Partidários de esquerda chamam os integrantes da direita e suas ramificações de ‘coxinhas’, que revidam chamando o pessoal da esquerda de ‘mortadelas’. Não sei para que usar nomes de comidas tão gostosas como xingamento. A coisa já começa errada aí. Mas disputas “apelídicas” (acabei de inventar essa palavra) e gastronômicas à parte, voltemos nossos olhares a um ponto muito mais sério por trás da disputa. A partir do momento em que alguém considera que a outra pessoa é sua inimiga simplesmente por conta de posições políticas diferentes da dela, estamos caminhando a passos largos para a desordem e o regresso. Esses antônimos da nossa bandeira brasileira, cuja célebre frase ‘Ordem e Progresso’ vem dos princípios positivistas de Augusto Comte, infelizmente são
cada vez mais comuns. Especialmente porque nenhum dos conceitos do positivismo de Comte são adotados por aqui: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. Repare bem no “amor por princípio”. Você tem visto algo do tipo com frequência aqui no nosso país? Se sim, por favor, me avise onde está. Ou eu sou muito cega ou muito pessimista, porque não consigo ver o amor fluindo pelo Brasil. Fico abismada com as acusações trocadas por certas pessoas presentes nos dois lados. E principalmente, com as tentativas de isolamento entre ambos os grupos. Deixe-me explicar melhor: você provavelmente tem algum amigo que já postou em suas redes sociais algo do tipo “Se você apoia Bolsonaro, peço que me exclua do seu círculo e amigos”. Ou então “Se está lendo essa mensagem e apoia Lula, deixe de ser meu amigo”. Essas coisas me irritam porque enfraquecem e as vezes até extinguem o debate democrático. E além
disso, quando você se declara centrista, como é o meu caso, tem gente que te acusa de “ficar em cima do muro”. Sério mesmo? Ficar em cima do muro é defender uma conversa sadia sobre política e não ficar idolatrando cegamente nenhum posicionamento político? Antes que você pergunte por que eu me defino como centrista, eu respondo: não acredito que nenhuma ideologia em sua “totalidade” seja boa. Talvez, até o próprio centrismo. Mas na minha visão, é mais fácil buscar equilíbrio em uma sociedade com princípios centristas. Minha opinião não é errada nem certa, é apenas a minha opinião. Assim como sou aberta a ouvir a opinião dos outros, também gostaria de que os outros fossem abertos a ouvir a minha. Claro que seria irresponsabilidade da minha parte generalizar. Tanto que eu coloquei acima no texto “certas pessoas presentes nos dois lados”. Felizmente conheço pessoas de direita e esquerda abertas ao diá-
ILUStRAção: GUStAVo SANtoS
CoxELaS x MoRTadinhaS
logo e que não deixam a política interferir nos seus relacionamentos interpessoais. E provavelmente há centristas imbecis que se sentem os reis da verdade. Independentemente
de sua posição partidária, peço apenas que pense no bem comum e entenda que nós não somos inimigos um do outro. A maior parte de nossos inimigos está no Congresso Nacio-
nal, aprovando leis que prejudicam a população em geral. Como dizia o grande Cazuza “Meus inimigos, estão no poder”. É a mais pura e triste verdade ! Só falta a galera perceber isso.
tudo que é lado, carros parados buzinando, luzes dos postes todas apagadas. Minha esposa, então, aproveitou. Ela que costuma chegar em casa às 7 da noite, apareceu lá para as 9 e meia. Isso é que é gostar de nadar! E não foi um dia especial não, isso acontece com frequência na cidade. Você também pode exercitar os reflexos, desviando das árvores que caem a todo instante. Isso exige muito raciocínio e percepção, pois não se sabe de
onde pode vir o tronco. E já falei dos buracos? Crateras surgem no meio da rua para testar sua inteligência. Não basta ser apenas veloz, tem que ter cabeça! Esses perigos são desafiantes, não acha? Nadar contra a correnteza, fugir de árvores caindo, escapar de buracos e muitas outras provas de resistência e rapidez. Isso tudo no escuro, senão fica muito fácil... E daí que não temos praia? Aqui na cidade
riacho não precisa disso, não. Nas cidades litorâneas você precisa ir até o mar. Aqui é diferente. A água vem atrás de você. E não adianta correr, porque você vai acabar se molhando: ela está por todo o canto. Venham para a Veneza brasileira! Mas não se esqueçam de trazer um jet ski, uma lancha, um pé de pato e máscara de mergulho. Mas confira se o seguro do carro – e de saúde – estão preparados para os desafios da cidade riacho.
a CidadE RiaCho Leonardo Crizóstomo Belo Horizonte é conhecida como Cidade Jardim, devido à quantidade de parques e áreas verdes. Mas poderia ser conhecida também como a Cidade Riacho, por conta de um fenômeno da natureza que acontece por aqui quase todo início de ano. Vejam só que maravilha esta cidade! Imagine só. É verão, sexta feira e você está tranquilo andando pela rua quando de repente... Cabrum!
O caminho onde você estava se transforma, em poucos minutos, em um rio e pronto! Já pode nadar e aproveitar a correnteza. Se você tiver uma bóia, melhor ainda: as crianças também poderão se divertir pelas ruas. A cidade, que antes tinha calçada, agora tem água. Onde tinha uma praça, agora tem água. E no rio onde tinha água, agora tem mais água ainda. Que incrível espetáculo! E tudo de graça, ao ar livre, sem precisar
pagar impostos. Se você gosta de aventura e ainda não conhece a Cidade Riacho, está perdendo tempo. Em qual outro lugar você teria o desafio de nadar nas correntezas e ao mesmo tempo desviar de carros, motos, geladeiras, micro-ondas, sacos de lixo e vários outros objetos inesperados? Ah, de vez enquando ainda rola aquele blecaute para deixar as coisas mais emocionantes. Ontem mesmo, foi uma festa! Água pra