Edição 211 - Caderno 1

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH

Ano 38 | Nº 211 Belo Horizonte | mg

Abril | 2019

FOTO: vITórIA OHANA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

ALERTA: quem são os responsáveis pelos desastres ambientais? páginas 4 a 15

Como as novas tecnologias modificaram os hábitos de leitura Caderno dO!s

QUanTO TempO ainda nOs resTa?


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priMEiras paLavras

Abril de 2019 Jornal Impressão

ediTOrial Fernanda Cris gomes Os recursos naturais podem acabar? Há algumas décadas, a resposta para esta pergunta seria óbvia: não. Mas, cada vez mais, vemos que nossas ações interferem de forma significativa no meio ambiente, prejudicando a forma natural das coisas. Então, a resposta para essa pergunta mudou: sim, os recursos naturais podem acabar. Ou melhor, vão acabar, caso não mudemos nossa forma de utilizá-los. Não escovar os dentes com a torneira ligada, não jogar lixo no chão ou nos rios, são formas de cuidarmos individualmente do meio ambiente. E elas são importantes, até porque, devemos fazer a nossa parte. Mas será que a culpa é só nossa? Somos os únicos responsáveis por toda a degradação causada

ILUSTrAÇÃO: SAmUkArT e rIcArDO THOmÉ

HuMor

ao meio ambiente? Ou será que há um outro CARA envolvido? Alguém que cause mais danos do que todas as torneiras de Belo Horizonte ligadas ao mesmo tempo? Nesta edição, o jornal IMPRESSÃO busca “dar nome aos bois”, como diz o ditado popular. O Dossiê Alerta pretende discutir quem são os culpados pelos desastres ambientais que aconteceram e, infelizmente, ainda acontecem em Minas Gerais. Mas o que são desastres ambientais? Ao contrário dos desastres naturais, ambientais ou ecológicos, eles são eventos catastróficos e muitas vezes irreversíveis, causados pela atividade humana. Desastres como a explosão nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e o Incêndio na Vila Socó, na cidade de Cubatão, São Paulo,

ExPEDIENTE

em 1984, deixaram marcas que duram até os dias atuais, tanto no meio ambiente, quanto na memória do povo. Mas, não é necessário ir tão longe: desde sua criação, Minas Gerais foi palco de vários crimes ambientais. E é sobre alguns deles que esta edição irá falar. Os repórteres Marcelo Gomes e Denys Lacerda foram atrás de informações sobre o rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, pertencentes a empresa Vale, que romperam em 2015 e 2018, respectivamente, causando desastres imensuráveis nas áreas que as rodeavam. Eles também visitaram a barragem de Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), perto do bairro residencial Gualter Monteiro, que possui risco de romper. Mas, desastres am-

bientais não envolvem apenas barragens. O dossiê também discutirá outros tipos de crimes ambientais, como o abandono de animais domésticos nas ruas das cidades, que configura não somente um crime ambiental, mas um crime contra a saúde pública. Abordaremos as ONGs que se dedicam a resgatar e cuidar desses animais, e as leis que os protegem. E falando em leis, discutiremos as que se referem às licenças e fiscalizações a que as empresas devem se submeter para continuarem atuando e se aproveitando dos recursos naturais. Explicaremos os perigos que a utilização de agrotóxicos trazem ao meio ambiente, à saúde humana, e o por quê deles ainda serem utilizados, mesmo que seus malefícios sejam cientificamente comprovados.

Caminhando para mais perto do nosso cotidiano, abordaremos o assunto da coleta seletiva, e discutiremos os benefícios que a destinação correta do lixo traz para a cidade e para o meio ambiente. Assim como os crimes devem ser punidos, as boas ações devem ser recompensadas. Por isso, aproveitamos essas páginas para divulgar iniciativas como o da Cooperativa dos Catadores da Região Oeste (Coopemar), que recebem, armazenam, embalam e comercializam diversos tipos de materiais recicláveis. A distribuição dos recursos provenientes dessas atividades faz diferença na vida dos associados e cooperados. Sem mas spoilers, o IMPRESSÃO o convida a desbravar as páginas deste dossiê e descobrir conosco “de quem é a responsa?”!

rEITor Prof. rafael ciccarini

DIrETorA Do CAMPuS BurITIS Profa. cinthia Tamara v. rocha

CoorDENADor Do CurSo DE JorNALISMo Prof. João carvalho

LABorATórIo DE JorNALISMo EDITorA Dandara Andrade

DIAgrAMAÇÃo Isabela Beloti

ProJETo grÁFICo Laboratório de experimentações gráficas (LegrA)

ESTAgIÁrIoS Isabela Beloti vitória Ohana

ILuSTrAÇÃo comunidade de Aprendizagem em comunicação e Audiovisual (cAcAU UniBH)

PArCErIAS curso de Fotografia - UniBH Laboratório de experimentações gráficas (LegrA)

IMPrESSÃo/TIrAgEM Sempre editora 3.000 exemplares

Eleito o melhor Jornal-laboratório do país na Expocom 2009 e o 2º melhor na Expocom 2003 O jornal ImPreSSÃO é um projeto de ensino coordenado pela cAcAU - comunidade de Aprendizagem em comunicação e Audiovisual do UNIBH. mesmo como um projeto vinculado ao curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do centro Universitário. espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divulgar suas produções neste espaço. Participe do JorNAL IMPrESSÃo e faça contato com nossa equipe: Av. mário Werneck, 1685 BH/mg ceP: 31110-320 Tel.: (31) 3207-2811 jornal.impressao@unibh.br


3 VOCÊ Vai mesmo deixar para amanhã? visão crítica

Nos dois primeiros meses do ano, o Brasil passou por momentos trágicos que chocaram a população, principalmente na região sudeste do país. A começar pela barragem de rejeitos de minério da mina Córrego do Feijão que se rompeu, em Brumadinho-MG, no dia 25 de janeiro, e pertencia à mineradora Vale. Além de deixar 216 mortos e 91 desaparecidos, até o momento que esse texto foi escrito, o acidente devastou boa parte da área ambiental da cidade e atingiu o rio Paraopeba. Em seguida, o CT do Flamengo, no Rio de Janeiro, pegou fogo no dia 08 de fevereiro e matou 10 adolescentes da equipe sub17 do time. Por fim, outro acidente foi o helicóptero que caiu em São Paulo, no dia 11 de fevereiro, e matou o jornalista Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quatrucci. Fatos, dias, horas,

locais, formas, vítimas diferentes. Mas, todos com uma coisa em comum: são resultados do mal que está impregnado na sociedade, a chamada “cultura da procrastinação”. Procrastinação, segundo o dicionário Aurélio, é o hábito de “deixar para depois”. É aquela famosa frase: “amanhã eu faço”, que nos faz retardar decisões que precisam ser tomadas hoje, agora. E, por influência dessa cultura, Brumadinho foi atingida pelo mar de lama. Se a Vale tivesse reformado todas as barragens construídas no sistema a montante, e mantivesse uma boa comunicação com os moradores da região, a tragédia poderia ter sido evitada. Foi preciso reviver o terror de Mariana, que aconteceu em 2015, para que a empresa decidisse iniciar a reforma das barragens. Já o CT do Flamengo não tinha o alvará de funcionamento da

prefeitura e nem o certificado de aprovação dos bombeiros. Durante dois anos, o clube carioca recebeu mais de 30 multas por irregularidades e foi preciso ver a morte de 10 adolescentes para que o governo tomasse medidas mais rigorosas. Se não fossemos procrastinadores, tais medidas teriam sido imediatas, e o local teria sido fechado. E, na sequência, a morte do jornalista Ricardo Boechat e do piloto Ronaldo Quatrucci. A empresa contratada pelo jornalista não tinha autorização para trabalhar com táxi aéreo e foi multada, em 2011, por praticar a atividade irregularmente. Durante 8 anos, medidas mais enérgicas poderiam ter sido tomadas, mas, novamente, foi preciso acontecer um acidente fatal para que alguma providência fosse, finalmente, executada. Isso nos leva a pensar: mesmo que a responsabilidade por esses acontecimentos não seja

FOTO: JON TYSON/ UNSPLASH

Stéffane Nascimento

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diretamente nossa, nos tornamos cúmplices quando alimentamos a cultura da procrastinação. A verdade é que nós fazemos muito barulho, mas agimos pouco. Dizemos: “sou brasileiro e não desisto nunca!”, mas desistimos quando procrastinamos a mudança do nosso cotidiano. Desistimos quando pensamos apenas nos

nossos próprios interesses e não pensamos nas necessidades do outro. Já pensou o quanto a sua procrastinação tem afetado as pessoas ao seu redor? Sentamos na frente da televisão, ouvimos o noticiário do dia, desligamos o aparelho e vamos dormir. Falamos que queremos um posicionamento dos responsáveis por tantas

tragédias, mas acabamos transferindo uma responsabilidade que também é nossa. Lute pelos seus direitos e seja um cidadão ativo. Ajude o próximo, desenvolva algo no seu meio social que provoque a mudança, comece no seu dia a dia a prática de hábitos sustentáveis e pare de esperar que os outros façam aquilo que você pode fazer.

rodapé rITMO DE TODA BANDA

Sociedade da Imagem

Beatriz Fernandes

Allysson Aguiar

365 dias. 12 meses. 52 semanas. Todos já sabem o ritmo da vida. Primeiro a escola, depois a responsabilidade adulta iminente, o medo do futuro e aí a correria. Então, se vem o conforto, o ritmo desacelera e as coisas parecem tomar o seu lugar. Entre esse meio tempo, talvez, apareça alguém. Tomando as escolhas certas, essa pessoa ficará, criará raízes e construirá a vida junto a ti. Então, se “sortudos o bastante”, vêm os filhos. Essa nova etapa balança um pouco tudo o que já era

calmo e sereno. O frio na barriga agora não é mais de adrenalina, mas sim de responsabilidade. Até que você vai se adaptando a esse novo capítulo da vida. Calmaria e serenidade se instalam novamente. Você passa a projetar seu futuro neles, seus filhos. Então, você se vê ali, não mais como o autor da sua própria obra, mas como tutor do destino do outro. E cada dia que passa, parece que as últimas páginas vão se tornando mais reais, o livro cada vez mais fino à direita. E você se conforma. Calmaria branda, serenida-

de quase que palpável. Não acabei de descrever a vida de muitos? Não digo todos, para não ser demasiadamente crítica, e ao mesmo tempo utópica. O que farei com esses pensamentos, se eles não são capazes de estremecer fortemente o leitor por dentro, a ponto de fazer desviar desse ritmo quase que viciante que o sistema nos oferece? Espero que essa cosmovisão maximizada que acabei de ter seja fruto das minhas leituras de Clarice Lispector. Se for, logo passará. Importa-me, porém, se não sair de mim.

Um fenômeno nada distante. Está acontecendo agora e vai tomar conta do futuro. Atualmente, somos motivados pelo melhor status, melhor look, pela melhor foto. Queremos ser os mais espertos, inteligentes, descolados e empoderados. A todo momento temos que nos adaptar para sermos os melhores em tudo. Não para nós mesmos. Mas, infelismente, para os outros. Você está na Sociedade da Imagem, onde você não pode ser você mesmo. Aqui, você ser-

ve apenas para alimentar pessoas com a sua infelicidade, solidão, ansiedade e depressão disfarçadas em um lindo sorriso estampado nos seus perfis das redes sociais. Vemos diariamente pessoas vazias, das quais a única motivação é ser bem vista pelos outros, uma demonstração exagerada de uma felicidade produzida e editada. Somos uma geração marcada por máscaras. Na Sociedade da Imagem, esse hábito de se mascarar é comum e reflete as nossas frustrações interiores. E mesmo fazendo milhares de

atividades, apenas por engajamento na web, continuamos reclamando do constante tédio que nos assola. Será que estamos mesmo vivendo? Já pensou em acordar todos os dias pela manhã e dizer “esse sou eu” sem precisar de máscaras ou de atualizar os status da felicidade? Até quando seremos uma sociedade voltada para imagem? Como diz um trecho da obra de Ludmila Clio: “Somos uma bela geração de fotos sorridentes e de travesseiros encharcados.”


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DOSSIÊ ALERTA

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O perigo mora ao lado Marcelo Gomes 16 de março de 2019: “papéis da CSN têm alta de 75% no ano”, noticiou o Estado de São Paulo. “O valor da CSN passou de R$ 12,2 bilhões, no fim do ano passado, para mais de R$ 21 bilhões nesta semana”, informaram Cristian Favaro e Niviane Magalhães, jornalistas autores da notícia. Um dia antes: “Minha filha foi embora daqui de casa. Não esperava ficar sem ela”, disse emocionada Selma Viana Azevedo. Adiante, você verá o quão íntimas são ambas as situações. Foi sob forte chuva que a cidade do quadrilátero ferrífero, Congonhas, me recebeu. “Quando chove, o medo aumenta ainda mais”, reportou Josiane da Silva. A poucos passos da porta do açougue, onde aguardávamos a trégua da tempestade, estava a origem do medo: 84 metros de altura e 65 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro estocados. A barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fica localizada a poucos metros do bairro Residencial Gualter Monteiro. Qualquer impacto sobre a barragem, que pode ser gerado pela chuva, aumenta ainda mais o medo dos 1.499 moradores de Gualter. Desde 2017, riscos e alertas relacionados à barragem vêm sendo informados. Eis a esperada trégua da chuva. A apreensão, porém, continuava. Imagens de satélite, que circularam na internet naquele dia (16/03), mostravam pontos de rachaduras na barragem. O fato tomou conta das con-

versas nas ruas. Essas notícias, algumas sem fundamento, tiram o sono da dona de casa Selma Viana Azevedo. “Só durmo à base de remédio”, contou a senhora de 58 anos, dos quais os últimos 35 foram somente morando no Gualter. “Moro com meu marido, meus netos e filhos, junto com seus companheiros. Mas ontem minha filha foi embora com a família dela, com medo de acontecer qualquer coisa com a barragem. Eu fico feliz por ela estar longe e protegida. Mas não esperava ficar longe dela”, disse Selma emocionada. “Durante o dia, qualquer barulho que escutamos me deixa com pavor”, apontou a moradora, que tem sua casa no “pé” da barragem. “Com um provável rompimento, a vizinhança teria cerca de 30 segundos para correr”, informou Warley Ferreira Costa, presidente da associação do bairro. “Desse jeito, daria para a gente chegar só até a porta”, destacou a dona de casa. Segundo Warley, a tensão em relação à estrutura vizinha redobrou em virtude do desastre com a barragem da Vale em Brumadinho-MG, o qual resultou na morte de 216 pessoas, até o momento que as informações foram concedidas pela Defesa Civil, no dia 26 de março. “Depois do ocorrido em Brumadinho, nós decidimos que seria necessária a desativação da barragem e a nossa realocação por parte da empresa”, explicou Warley. O Ministério Público de Minas Gerais deu à CSN, desde meados de março, um prazo de 10 dias para retirar os moradores do local. A prefeitura

Fotos: marcelo gomes

Barragens de rejeitos de minério são “bombas-relógios” que podem acabar com o abastecimento de água da região de BH

Visivelmente não existe risco, mas atrás do amontoado de árvores ao fundo está a barragem da CSN

de Congonhas interditou as aulas na creche e na escola do bairro, para salvaguardar os jovens de um desastre. Os estudantes foram transferidos para outra creche e outro colégio mais distantes do barramento. Além disso, já existem moradores que saíram por conta própria da região. “Gostaria de ir para uma outra casa e ficar mais segura. Apesar de que custei tanto para construir a minha casa. Porém, se for para eu pagar um aluguel, não tenho condições”, pontuou Selma.

“Com um provável rompimento, a vizinhança teria cerca de 30 segundos para correr”, informou Warley Ferreira Costa, presidente da associação do bairro. Após a conversa com ela, um de seus netos me levou até uma área onde poderia visualizar melhor o barramento. À medida que íamos caminhando, a extensão da barragem me inspirava um enorme medo, sobretudo, quando eu imaginava

que do outro lado são estocados 65 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Causava-me angústia o fato dessa barragem ser aproximadamente cinco vezes maior do que a rompida em Brumadinho. Uma provável tragédia poderia acabar com o Gualter e outros bairros vizinhos em segundos, constatei do alto da serra. A percepção da vizinhança é de que a CSN não está prestando a devida atenção ao caso. Por ora, o que deve ser o foco de prudência é a contabilidade de seus lucros, que nas últimas semanas surpreendeu o mercado financeiro. Como noticiou o Estado de São Paulo, a companhia vale hoje R$ 21 bilhões, sendo que, no fim de 2018, não passava de R$ 12,3 bilhões. Atuação forte na mineração, é o principal motivo da subida nos lucros, apontou o jornal. “Eles não têm conosco um mínimo de comunicação. Não ficamos sabendo de nada que eles fazem naquela barragem. Enquanto eles ganham

seus lucros, somos nós que perdemos”, sentenciou Selma. A empresa, privatizada em 1993, salienta em seu site que “Barragem de Casa de Pedra, com método de construção a jusante, é segura”. O método ao qual se referem é um dos usados na construção de barragens. O mais utilizado, pelo menos em nosso estado, é o alteamento a montante. Em linhas gerais, ele se caracteriza por ser erguido com terra, aos montantes; é, ainda, o mais barato e o menos seguro. Já o a jusante caracteriza-se quando o maciço (“a parede da barragem”) é construído ou elevado sobre o chão. Ele é mais seguro e mais caro. “Os modelos de construção não importam. Todos também têm potencial de rompimento”, afirmou o Júlio Grilo, atual superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão responsável pela conservação do ambiente. Sobre esse potencial

rompimento, muitas vezes eles podem nem ser percebidos pela sociedade, o que é problemático. Segundo Julio, “as barragens são uma bomba relógio na cabeça das pessoas”.

Abastecimento de água Ao voltar para Belo Horizonte, a minha sensação foi de choque. A poucos quilômetros daqui existem centenas de pessoas preocupadas com seus bens e, em especial, com suas vidas. Na capital, percebo a falta de sensibilidade para um outro perigo, cujo algoz é o mesmo que atazana a vida dos moradores de Gualter: as barragens de rejeitos de minério. De acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente, existem 690 barragens em Minas Gerais. Dessa quantia, 428 são usadas pela atividade minerária. Nos 34 municípios componentes da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), cujo agregado de pessoas chega a 5 milhões, existem nessa modalidade, pelo o que conseguimos apurar, 131 barramentos.


DOSSIÊ ALERTA

5 Fotos: marcelo gomes

um quarto afluente, construído em face à crise hídrica vivenciada pelo estado em 2015. “A construção dele custou cerca de R$ 130 milhões. Dinheiro jogado fora. Isso porque os rejeitos rompidos com Brumadinho o atingiram”, afirmou Paulo Rodrigues, geólogo, pesquisador e ambientalista. De acordo com a Copasa, o ponto em questão está localizado no próprio rio Paraopeba, em Brumadinho e, desde o rompimento da barragem na cidade, a captação de água nele está suspensa. Ainda segundo a empresa, cerca de 20% do abastecimento de água da RMBH depende desse manancial. “Por que não estamos em uma situação crítica? Porque está chovendo muito. Os rios estão razoavelmente cheios. Até o momento, aquela quarta captação, perdida pelo rompimento, não está fazendo diferença. Mas poderá fazer”, estipulou Paulo Rodrigues. Por sua vez, Julio Grilo chamou atenção para o fato de uma cidade da RMBH, Rio Acima, possuir uma barragem que tem como seu método de construção o à

Placa que indica o caminho que os moradores do Residencial Gualter Monteiro devem fazer, caso a barrragem da CSN rompa

montante. Um desastre ali jorraria na natureza metais pesados como o arsênio. Das barragens da RMBH, quatro não possuem estabilidade garantida. Duas estão em Brumadinho, uma em Itaiuçu e a outra está em Rio Acima, a qual não sabemos informar se possui metais pesados.

Monitoramento Geólogos e os resultados das investigações sobre o caso de Brumadinho apontam que tudo foi resultado da falta de monitoramento na barragem.

Chama atenção para essa questão, o engenheiro de minas, geólogo e professor dos cursos de Geologia e Engenharia de Minas de uma instituição de ensino privada em BH, Geraldo Majella. Ele explicou que, para o monitoramento, é necessário, sobretudo, verificar o piezômetro e os drenos. O maciço (a parede da barragem), além de suportar o peso dos rejeitos, tem a função de reter a água que deve sair pelo dreno. Quanto ao piezômetro, trata-se do local na barragem onde se mede a quan-

GRÁFICO: PAULO RODRIGUES

A altura deles, em média, é de 21,72 metros. Se considerarmos que todas as barragens da região metropolitana da capital estão com toda a capacidade de armazenamento de rejeitos utilizada, estão estocados, nas serras e vales próximos a nós, cerca de 135 milhões e 225 mil metros cúbicos de rejeitos de lama. A estabilidade da maioria está garantida. “Mas isso não certifica totalmente a segurança das estruturas. Isso porque quem audita são empresas contratadas pelos donos das barragens, que podem estar sujeitos às pressões para mentir na auditoria”, afirmou Julio Grilo, do IBAMA. Um exemplo disso é o caso da estrutura de Brumadinho, que apresentava estabilidade garantida. Na hipótese de alguma barragem da RMBH se romper, a principal complicação seria o abastecimento de água da região. Os dois maiores sistemas de abastecimento são o Rio das Velhas e o Paraopeba, ambos rodeados por centenas de barragens. Este último é compostos pelos afluentes Céu Azul, Rio Manso e Vargem das Flores. Havia também

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Estudo, com base em dados da Agência Nacional de Águas (ANA) mostra algumas barragens de rejeitos localizadas no entorno do Rio das Velhas, na RMBH

tidade de água retida, e que, se ficar acumulada na estrutura, pode provocar seu rompimento. O professor ressaltou que, caso for detectado no piezômetro algum volume de água estocado, ao invés de sair pelo dreno, uma boa solução seria o bombeamento dela. Dessa forma, seria feito uma espécie de poço artesiano. Majella também ressalta que muitas vezes os técnicos que ficam cotidianamente na barragem não possuem poder de decisão no que diz respeito a algum reparo necessário. Além disso, embora não estejam na ativa, isto é, não estão recebendo rejeitos, as barragens devem ser monitoradas, destaca.

Complicações A caminho de Congonhas, um ponto específico me chamou a atenção: uma área gigante totalmente degradada. Pareceume que houve ali uma raspagem do morro. É mais ou menos isso que a mineração realiza para extrair o minério de ferro da natureza, explica o geólogo Paulo Rodrigues. E, com esses locais “pelados”, a capacidade deles armazenarem água se enfraquece. “Isso é um enorme problema, pois a água da chuva começa a não infiltrar na ter-

ra, construindo assim os aquíferos. Nossas reservas de água debaixo da terra”, explicou Paulo. “Diante disso, o problema da falta de água não é só a falta de chuva”, acentuou. Outro fator que causa espanto nas atividades minerárias, segundo o geólogo, é a quantidade de minério exportada diariamente de forma bruta. Para quem é de Belo Horizonte isso, às vezes, pode ser visível, quando um trem com vários vagões passa próximo às estações de metrô. São toneladas de material que vão embora, na forma bruta. Ou seja, o Brasil é um grande exportador de minério, porém, o próprio país não consegue agregar valor a ele. “Por que que nós temos tantas barragens? Se eu exporto muito, com certeza, a quantidade de rejeitos é muita. Rejeitos esses que, muitas vezes, necessitam de barragens para serem estocados”, afirmou Paulo. Por fim, cabe a mim somente ressaltar que o minério de ferro, conforme a Constituição Federal, pertence à Nação. Seu uso, portanto, não caberia à decisão das mineradoras. O Sindicato que as representa foi procurado para expor seus posicionamentos. Não obtivemos resposta.


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DOSSIÊ ALERTA

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DA RIQUEZA À CRISE Fotos: Rodney costa

Diante dos recentes rompimentos de barragens, atitudes de mineradoras colocam ares de insegurança na economia mineira

Denys Lacerda “Libertas Quae Sera Tamem” é a frase que estampa a bandeira de Minas Gerais. O estado, que é o segundo mais populoso do Brasil e produz 9% do PIB nacional, recebeu este nome oficialmente em 1720, com a criação da Capitania de Minas Gerais. O território do Estado ganhou relevância, principalmente, por conta da vasta quantidade de recursos minerais que possui. Em especial o ouro, que foi descoberto no final do século XVII. Hoje, mais de 400 anos após a descoberta da primeira jazida de ouro no Estado, um clima de instabilidade relativo à atividade mineral ronda o estado de Minas Gerais. Os rompimentos das barragens de Fundão em Mariana, em 2015, e recen-

temente, do Córrego do Feijão, em Brumadinho, colocaram em xeque a atual relação entre o Estado e a exploração mineral. A atividade mineradora é responsável por uma parcela significativa da economia do Governo de Minas e também dos municípios mineradores, tanto em arrecadação quanto em produção e geração de emprego. Segundo o Panorama da Mineração em Minas Gerais, documento do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e do Sindicato Nacional da Indústria da Extração do Ferro e Metais Básicos (SINFERBASE), publicado em 2016, a Indústria Extrativa Mineral, sem petróleo e gás natural, respondeu por 24,4% de toda a Indústria e 8% do Produto Interno Bruto (PIB) de Minas

Gerais em 2011. No mesmo ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mineração em Minas Gerais empregava 60 mil pessoas, das quais pouco mais de 56 mil eram assalariadas.

Os recursos minerais são meus, são seus, são de todos nós, brasileiros. E a mineradora ganha esse recurso natural. E tem que pagar apenas 2% de CFEM, que é uma compensação.” A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 20, estabelece que todos os recursos minerais encontrados em terras brasileiras pertencem à União. “Os recursos minerais, são meus, são seus, são de todos nós brasileiros. E a mineradora ganha

esse recurso mineral. E tem que pagar apenas 2% de CFEM, que é uma compensação”, explica Magno André de Oliveira, professor do instituto de engenharia e tecnologia de uma universidade particular de Belo Horizonte. CFEM ou Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, é o imposto compensatório que toda e qualquer pessoa física ou jurídica habilitada a extrair substâncias minerais, para fins de aproveitamento econômico, deve pagar à União. Cabe ao Departamento Nacional de Produção Mineral (ANM), baixar normas e exercer a fiscalização sobre a arrecadação da CFEM, que deve ser realizada e calculada mensalmente e calculado sobre o valor do faturamento líquido total, quando o produto

mineral for vendido ou utilizado. Esse cálculo é feito com base no tipo de material extraído, sendo obrigatória a devolução de 3% para a União, no caso do minério de alumínio, manganês, sal-gema e potássio; 2%, no caso do ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias; 1% no ouro e 0,2% no caso das pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonetos e metais nobres. Apenas a atividade garimpeira fica isenta dessa taxa. No dia 29 de janeiro, quatro dias após a tragédia de Brumadinho – que já culminou na morte de 216 pessoas e no desaparecimento de outras 91 –, a Vale anunciou que apresentou às autoridades brasileiras um plano para descomissionar 10 barragens inativas construídas no

método de alteamento a montante – o mesmo utilizado nas barragens que romperam. Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas (FIEMG), a estimativa é que essa decisão da Vale impacte negativamente o PIB de Minas Gerais entre 1,2% e 1,8% em 2019. “Com isso, nossa estimativa para o crescimento do PIB (em Minas Gerais) cai de 3,3% para 1,65% em 2019, com viés de baixa”, afirma a instituição. Ainda de acordo com esse estudo, a indústria extrativa é responsável por 25% da produção industrial no Estado. Além de corresponder a 2,1% do PIB de Minas Gerais. Porém, a influência da mineração se estende por toda sua cadeia produtiva. “Para


DOSSIÊ ALERTA tudo sobre a Atividade de Mineração e Desenvolvimento Econômico e Social diz que “parece existir evidência relevante sugerindo que há maior potencial de desenvolvimento econômico e social nos municípios onde predomina a atividade da mineração. O reflexo disso é mais qualidade de vida, com menos violência, mais educação e melhor infraestrutura nessas cidades”.

INSTABILIDADE Localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, a cidade de Raposos era tida como próspera por conta da mineração. Na cidade, foi explorada a primeira mina de ouro subterrânea do país, a mina de Morro Velho, em 1834. Há 21 anos, quando a Mina Espírito Santo, que pertence ao complexo de minas Morro Velho, foi desativada, instaurou-se uma crise sem precedentes na cidade, que deixou seus tempos “de ouro” para tornar-se uma cidade-dormitório. Hoje, a prefeitura é a maior

empregadora da cidade, na qual a maioria dos moradores trabalham, mas, consomem em Belo Horizonte e Nova Lima. A 133 quilômetros de Raposos, a cidade de Mariana também sofre consequências da paralisação da produção de minério de ferro pela mineradora Samarco. Desde 2015, as atividades na região estão suspensas por conta do rompimento da barragem de rejeitos, Fundão. Após essa paralisação, os moradores viram a economia da cidade mudar de maneira vertiginosa. Segundo o Sistema Nacional de Emprego (Sine), a taxa de desemprego em Mariana está em 22,7%. É quase o dobro da média brasileira em 2018, que foi de 12,3%, segundo o IBGE, e é quase o triplo de antes de novembro de 2015, quando não passava de 6% o número de desempregados. Outros dados do IBGE, mostram que o PIB de Mariana caiu de R$ 5 bilhões em 2014 para R$ 2,1 bilhões em

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Principais Produtores de Minério de Ferro do Brasil

Conheça os cinco estados brasileiros que mais produzem minério de ferro e a quantidade bruta do produto retirada, em toneladas: • • • • •

Minas Gerais: 440.563.389 Mato Grosso do Sul: 8.581.928 São Paulo: 4.885.669 Ceará :284.019 Amapá: 281.435

Fonte: Anuário Mineral Brasileiro de 2018

2016, o que representa uma queda de 58%. Segundo o prefeito de Mariana, Duarte Junior (PPS), a cidade tinha uma receita em torno de R$ 307 milhões e hoje arrecada em torno de R$ 240 milhões, o que representa uma queda de aproximadamente 30%. “A gente sabe que a mineração é necessária, tem que minerar. Só que minerar de uma maneira mais sustentável, dando oportunidade aos engenheiros”, defende o professor Magno André. “O princípio da engenharia é o planeja-

mento. E quando você tem um planejamento, você consegue remediar antes de acontecer. Por isso o termo: prevenir é melhor que remediar”, completa. Mesmo com a paralisação das atividades de exploração mineral da Samarco, a indústria continua sendo a principal atividade econômica do município, apesar da queda em sua participação, que foi de 70% para 48% entre 2014 e 2016. A Samarco informou, em agosto do ano passado, à Agência Reuters, que planejava o retorno das

atividades na cidade em 2019. Porém, segundo reportagem do Portal R7, de outubro de 2018, mesmo com a conclusão da Cava Alegria Azul, local que receberá os novos rejeitos da atividade mineradora da região, e que já começou a ser construído, a Samarco não garante o retorno das atividades antes de 2020. É necessário que a empresa conclua o processo de licenciamento da Cava e que receba, também, uma Licença de Operação Corretiva para todo o complexo minerário de Germano. Fotos: Rodney costa

cada 100 milhões de reais a menos de receita do setor extrativo mineiro, há perdas adicionais de R$ 25 milhões em outros segmentos”, aponta. No mesmo estudo, a FIEMG defende a importância da atividade mineradora, presente em mais de 400 municípios. “É interessante notar que municípios mineradores possuem distribuição de renda mais igualitária do que a maioria dos demais municípios brasileiros. O Índice de Gini, [...] mostra que, desde 1991, a distribuição de renda nos municípios mineradores de Minas Gerais era mais igualitária que a média do Estado e do país”. Ainda é dito que “é importante destacar que nove entre os 10 municípios mineiros de maior relevância na atividade de mineração aparecem entre os 80 municípios mineiros com melhor qualidade de vida medida pelo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal – IFDM”. A conclusão do es-

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Rio Gualaxo de Baixo, na cidade de Paracatu de Baixo, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana


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Made in Latino America Rita Luiza Victória Farias Em qualquer lugar no mundo que for, você vai encontrar um pedacinho da América Latina. Seja na forma de um café quentinho, de uma comida um pouco mais apimentada ou de uma folha de papel, cujo o látex é extraído das florestas tropicais do Brasil. Desde que o mundo se tornou aquilo que conhecemos hoje, a região latina, como um todo, vem sofrendo os danos da exploração dos seus recursos naturais. Tudo isso começou quando essa terra foi “acidentalmente encontrada” pelos europeus. “Acidentalmente” porque ela nunca saiu do lugar. “Encontrada” porque os povos indígenas já estavam por aqui muito antes de qualquer viagem de navio. Desde então, a extração de pedras preciosas, petróleo, madeira, e tudo o que pode ser usado como valor de commodity, vêm sendo explorado constantemente, culminando em esgotamento das terras, conflitos sociais e, até mesmo, em guerras civis. A situação da exploração chegou ao ponto de, em 2004, colocarem a madeira que batizou o país, o Pau -Brasil, na lista nacional de espécies ameaçadas de extinção. Segundo o site Global Forest Watch, uma plataforma que reúne dados mundiais sobre o meio ambiente, entre 2001 e 2017, houve uma perda total de 337 milhões de hectares de cobertura arbórea em escala global, o equivalente a 168 milhões de campos de futebol. O Brasil ficou em segundo lugar entre os cinco países que tiveram uma perda mais acentuada

durante esses anos. As causas para o sumiço do “verde” são inúmeras, sendo as mais comuns os incêndios, a urbanização e o desflorestamento para produção das commodities. O que seriam essas commodities? Segundo Gabriel Pimenta, professor de Relações Internacionais de uma instituição privada, em Belo Horizonte, as commodities são produtos homogêneos voltados para a exportação, e que são usados como matéria-prima para a maioria dos produtos industrializados. Podem ser exemplos de commodities o minério de ferro, o café e o boi gordo. Como são produtos primários, relativamente fáceis de se obter, o mercado funciona numa espécie de livre concorrência, porque, na maioria das vezes, têm-se muitos vendedores e muitos compradores. Em 2017, os 24 países que compõem a América Latina exportaram um total de 982 bilhões de dólares em produtos. Desses 24, dez deles têm a economia baseada na exportação de produtos minerais, o equivalente a 172 milhões de dólares em exportação. De acordo com um artigo publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 2018, é possível relacionar a redução da pobreza na América Latina com o boom das commodities. No período entre 2000 e 2014, em que os preços de produtos como petróleo e metais cresceram de forma constante, também foi registrada uma queda de 27% para 12% na taxa de pobreza, e o recuo de 11% na taxa de desigualdade nos países latinos. “E muitos dos países sul -americanos, exporta-

ILUSTRAÇÃO: RICARDO THOME

Os filhos da América Latina viajam pelo mundo

dores de commodities, como a Bolívia, o Brasil e o Peru, também registraram as maiores diminuições da pobreza e da desigualdade”, confirma o estudo. Com a expansão da atividade, houve um aumento na necessidade de mão de obra, resultando tanto no aumento de empregos, quanto de salários. Ainda segundo o estudo, “os exportadores de commodities obtiveram ganhos reais significativamente maiores em termos de renda e emprego em comparação com os exportadores de outros produtos”. Além

disso, com o aumento das arrecadações, o repasse do governo para programas sociais também aumentou. A ajuda para o Bolsa Família, no Brasil; o Renta Dignidad, na Bolívia; e Pensión 65, no Peru, contribuíram para a diminuição da pobreza e da desigualdade nesses países. Porém, é de suma importância destacar que, o que gera essas melhorias é o aumento da renda do trabalho, uma vez que ela corresponde mais para o total de renda de uma família, do que as transferências do governo.

O problema começa Segundo o site The Observatory of Economic Complexity (OEC), uma ferramenta desenvolvida para a visualização de dados do comércio exterior, o Brasil exportou 219 bilhões de dólares em produtos em 2017, tornando-se o 22° maior exportador do mundo. Dentre os produtos mais vendidos estão os minerais, como o minério de ferro, correspondendo a 20% do total das exportações (43.5 bilhões de dólares), os produtos hortícolas, como a soja, correspondendo

a 17% (38 bilhões de dólares) e alimentos, como o açúcar bruto, que são responsáveis por 12% (26 bilhões de dólares) do total de exportações. A estabilidade do preço e a procura pelas commodities são muito importantes para qualquer país que tenha sua economia investida na atividade. No Brasil, isso não é diferente. Segundo dados do Banco Mundial, as exportações correspondem a 12,5% do PIB brasileiro. A conta é simples: a redução da demanda mundial faz o preço da commodi-


DOSSIÊ ALERTA estado natural, a maior parte das commodities é produzida do jeito extrativista simples. Você pega esse recurso que está na natureza, ou faz uma adaptação muito básica do meio natural, para produzir esse recurso e depois extraí-lo”, afirma. Ainda assim, temos muitas coisas negativas que envolvem esse processo, tendo os dados mais variados: desde o uso de agrotóxicos - que poluem tanto o solo como as bacias hídricas -, quanto o uso elevado de monocultura - que compromete a biodiversidade, empobrece o solo e contribui com o desmatamento -, até a queima de determinados reagentes, que também emitem poluentes atmosféricos. Contudo, a preocupação com o meio ambiente só se tornou pauta de discussão recentemente, visto que, por muitos anos, o foco total se resumia no trabalho e no capital. Em 2011, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentou problemas sociais que também são resultados de setores que produzem commodities no país. Dentre os casos apontados pelo estudo estão: o êxodo rural, a contaminação de comunidades rurais por agrotóxicos, as condições inadequadas de trabalho em colheitas e a exposição a poluentes atmosféricos no setor siderúrgico, que resultam em problemas de saúde para os trabalhadores e comunidades envolvidas.

Arroz, feijão e agrotóxico Os agrotóxicos, defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, biocidas, agroquímicos, produtos fitofarmacêuticos ou produtos fitossanitários são designações genéricas para os vários produtos químicos usados na agricultura. Alguns são usados para o rápido crescimento dos

9 FOTO: Peter kleinau/ unsplash

ty cair, o que diminui o valor agregado do produto, tirando o lucro dos produtores e aumentando a inflação sobre a economia. Alta na demanda mundial faz o preço subir, dificultando a compra dos produtos por outros países, e até mesmo pelo país de origem, o que pode levar o país a escassez de alimentos e, consequentemente, a uma crise. Por isso, é preciso ter cuidado. “Os países que exportam produtos estão sempre mais sujeitos às flutuações de preço por que essa matéria -prima, geralmente, se encontra com facilidade no mercado. Então, se o preço do petróleo ou do minério de ferro, que é decidido por uma dinâmica muito ampla de mercado, cai, o país que vende esse produto não tem muito o que fazer. Ou ele vende mais barato ou ele não vende nada e perde”, afirma Gabriel. A extração de insumos voltados para a exportação é a principal causa de conflitos socioambientais conhecidos, tanto no Brasil, como na maioria dos países latinos. É possível destacar casos como a tentativa de extração de ouro na Argentina, em 2012, comandada pela empresa canadense Osisko Mining Corporation que, após protestos acirrados da população, teve o projeto cancelado. Mas, não precisamos sair do nosso território para entender como essa prática afeta o meio ambiente de um país. Temos, no Brasil, grandes áreas que são devastadas para dar espaços a campos abertos para a pecuária, além de desastres ambientais causados pela exploração de minério de ferro para exportação. Mas, ainda segundo o professor Gabriel, essa destruição do meio ambiente em busca de matéria-prima não precisaria necessariamente acontecer. “Estando próxima do

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produtos hortícolas, outros para o controle de pragas que atacam a plantação. Mas, embora deixem as colheitas mais vistosas e cooperem com o crescimento da plantação, os agrotóxicos são mais negativos do que positivos para a saúde humana causando, por exemplo, intoxicação, e para o meio ambiente, causando a degradação do solo em que é aplicado. Em 2017, foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o país, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Ministério da Saúde. Segundo a engenheira ambiental, especializada em segurança do trabalho, Karolina Rodrigues Teixeira, os reagentes presentes nos agrotóxicos se acumulam no nosso organismo, podendo acarretar várias doenças. O contato direto ou cumulativo com esses tipos de químicos pode ser fatal. “Em comunidades rurais, na maioria das vezes, não são utilizados equipamentos de proteção adequados, o que traz riscos à saúde. Quando se trata do consumidor, o alimento tratado com agrotóxicos também pode trazer doenças, desde uma intoxicação alimentar até um câncer,

dependendo do produto utilizado. Em relação ao meio ambiente, existe a contaminação do solo e da água trazendo prejuízos ao meio e a quem convive com ele” afirma Karolina. Mas, como nem tudo está perdido (ainda), existem possibilidades para contornar as complicações do uso exagerado dos agrotóxicos na saúde humana, assim como no meio ambiente. A opção mais correta é: não use agrotóxico. Mas, como isso não é viável no sistema de agronegócio capitalista no qual vivemos, pequenas mudanças como dar preferência ao pequeno produtor, cultivar seus próprios produtos hortícolas para consumo e se conscientizar sobre os cuidados do meio ambiente e da sua própria saúde, podem ser uma saída.

Estamos em guerra Mesmo sendo o maior país da América Latina, e o quinto maior do mundo, todos os problemas não se concentram apenas no Brasil - embora às vezes pareça que sim. Por todo lado sul do equador, problemas relacionados ao meio ambiente, exploração e economia apoiada na exportação podem ser encontrados. O Peru é um dos

principais produtores de cobre do mundo. Um dos grandes conflitos decorrentes da atividade mineradora aconteceu na cidade de Cajamarca, envolvendo a empresa Yanacocha. As denúncias contra ela vêm sendo feitas desde 1993, por causa da poluição dos recursos hídricos e do derramamento de mercúrio. Outro projeto de mineração que se tornou alvo de vários protestos contra os danos ambientais aconteceu no Uruguai. A mineradora Aratiri, filial local do grupo Zamin Ferrous, previa a extração de ferro no centro -leste uruguaio. Dentre as reclamações, destacam-se os danos nos pastos que são fundamentais para a atividade pecuária, uma das principais do país. Mesmo com manifestações e alertas de especialistas sobre os muitos riscos de contaminação na região, a Ilha Riesco, no Chile, estava cotada para a exploração de uma mina de carvão a céu aberto. A ilha contém um vasto ecossistema marinho e terrestre, com pelo menos 24 espécies de mamíferos e 136 de aves, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Já na Colômbia, a ideia era explorar Santurbán e extrair tanto

ouro quanto prata. Contudo, com argumentos científicos, ficou comprovado que tanto a vegetação quanto os lençóis de água ficariam contaminados com tal atividade. Com os protestos de moradores e especialistas o plano acabou sendo suspenso. No final das contas, a grande parte dos produtos, alimentos e roupas que são consumidos pelo mundo, são construídos por elementos que saem de terras latinas. Uma blusa da seleção brasileira made in Vietnã, um café consumido na Alemanha e colhido no sul de Minas Gerais, um celular construído com minério de ferro explorado de Brumadinho. Com plantação de árvores em áreas de desmatamento, cuidado com os córregos e rios, e principalmente, com a população, porque além de exportar material e matéria-prima, a América Latina é uma das regiões que mais exporta mão de obra barata para o resto do mundo. Então, meu caro leitor, que sonha em ir ao exterior para fugir do Brasil, se eu te contar que o café que você encontrará em cada esquina é o mesmo café que se planta em qualquer quintal do sul de Minas Gerais, você dispensaria?


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a culpa não é deles Lucas Maia Luísa Áurea Previsto na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98 Art. 32), o abandono de animais é também uma questão importante de saúde pública. Fatores como alimentação incorreta, a presença em via pública e a procriação descontrolada, além de ameaçar a vida dos próprios bichos, colocam em risco, também, a saúde e a segurança dos seres humanos. Segundo o Ministério da Saúde, dentre as zoonoses (doenças típicas de animais que podem ser transmitidas aos seres humanos) de relevância no Brasil, estão a esporotricose, a toxoplasmose e a ancilostomíase. Essas patologias, se não cuidadas, podem levar o doente a óbito. Por isso, uma solução para evitar a proliferação dessas doenças é o controle e a diminuição do abandono de animais. Entretanto, as iniciativas governamentais que buscam solucionar esse problema, como programas de castração e Leis de Proteção, não funcionam de maneira eficiente. De acordo

com pesquisas da OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 30 milhões de cães e gatos estão desabrigados no Brasil. “Leis de proteção são sancionadas a todo o momento, mas na prática, não funcionam. E, ainda assim, não se fala em punição principalmente por se tratar de animais, que na maioria das vezes são deixados em segundo plano”, observa a advogada Larissa Fernandes. Larissa explica, ainda, que cabe à sociedade cobrar do Poder Público o cumprimento de suas obrigações, uma vez que não há auxílio destinado às entidades privadas que visam erradicar o abandono e maus-tratos dos animais. Um levantamento feito pela ONG de proteção animal ARCA Brasil, mostrou que apenas 10% dos cachorros e gatos são castrados no país. Esse baixo número, que gera a procriação descontrolada, é uma das causas do aumento de animais abandonados. Alguns exemplos de programas de castração para tentar evitar o crescimento do número de animais de rua são, por exemplo, o Projeto

FOTO: LUÍSA ÁUREA

Para sanar o problema do abandono de animais e da saúde pública, será preciso muito mais que Leis de Proteção Ambiental

O abrigo Isabela Freitas oferece alimentação, abrigo e cuidados médicos aos animais resgatados, mas precisa de ajuda financeira para continuar os trabalhos.

Castração da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Projeto Félix da Associação Bichos Gerais, que controla a população de felinos no Parque Parque Municipal Américo Renné Giannetti, em Belo Horizonte.

Nas ruas Segundo dados da

LEI DE CRIMES AMBIENTAIS Nº 9605/98

Com o surgimento da Lei de Crimes Ambientais em 1998, o crime ambiental, pela primeira vez no Brasil, passou a ser tipificado, com possibilidade de sanção a quem agride o meio ambiente. De acordo com essa lei, os crimes ambientais são classificados em cinco tipos diferentes: • Contra a fauna (art. 29 ao 37) • Contra a flora (art. 38 ao 53) • Poluição e outros crimes ambientais (art. 54 ao 61) • Contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (art. 62 ao 65) • Contra a Administração Ambiental (art. 66 ao 69)

Universidade Federal de Lavras (UFLA-MG), cerca de 15 animais morrem por segundo nas estradas brasileiras, o que configura até 475 milhões de mortes por ano. Muitos dos animais desabrigados que sofrem algum acidente ou são vítimas de maus-tratos, são resgatados por centros de proteção que, mesmo superlotados, cuidam incessantemente de todos os bichos no esforço de promover uma melhor qualidade de vida a eles e de contribuir para a população com um serviço de saúde pública. A protetora Isabela Freitas, responsável por um centro de proteção, em Contagem-MG, que recebeu o seu nome há 20 anos, relata como os animais chegam ao seu abrigo: “Eles chegam em estado crítico total. Animais atropelados, animais cegos. A gente precisa contratar caminhões para buscá-los.

Às vezes a gente prende uma máquina numa árvore e levantamos o animal porque ele não tem condições de parar em pé. Ou então, eu vou para o local onde ele está, e ali eu fico, dando os primeiros socorros, pelo menos para a gente conseguir colocar esse animal em pé, para aí fazer o deslocamento”, conta. A alimentação de um animal de rua é, também, bastante desregrada e incorreta. Por não terem acesso a nutrição adequada, esses bichos vivem atrás de qualquer alimento que eles possam encontrar, em lixeiras, por exemplo. Isso coloca em risco a saúde do animal, deixando-o vulnerável à ação de patógenos que podem causar diversos males, entre eles, a intoxicação alimentar. Como os bichos desabrigados não são acompanhados por tutores, eles agonizam em vômitos e diarreias

pelas ruas, por causa da intoxicação. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há aproximadamente dois cães e dois gatos para cada domicílio no Brasil. Já imaginou se todo tutor destes animais resolvesse abandonar seu bicho de estimação devido a uma ninhada inesperada ou mudança de endereço? Pois esses são dois dos principais motivos que causam o abandono de animais domésticos, segundo o Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). Com os abandonos, o meio ambiente sofre mais, os riscos de acidentes nas estradas aumentam e mais bichos têm suas vidas ameaçadas. A verdade, porém, é que não é necessário imaginar um mundo cheio de animais desabrigados, já que ele já existe. Portanto, é de suma importância


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fazer um planejamento antes de adotar um animal e pensar várias vezes como você irá fazer para mantê-lo feliz e saudável para o resto de sua vida. Afinal, ele tem o direito de viver bem assim como você.

Proteção e Cuidado Os serviços de saúde pública para os animais costumam ser tratados com fórmulas burocráticas inviáveis de serem realizadas. De acordo com as informações contidas no site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em audiência pública realizada pela Comissão Extraordinária de Proteção dos Animais, concluiu-se que falta muito para que as políticas públicas atendam satisfatoriamente à proteção animal no Estado. Isso ocorre por diversos fatores, entre eles a falta de verba ou de melhor utilização da mesma, falta de infraestrutura, e até mesmo de pessoas capacitadas para o trabalho. Nesse cenário, as ONGs de proteção

vêm se tornando cada vez mais eficientes e reconhecidas por serviços como o recolhimento dos animais de rua e equipes de profissionais voluntários que oferecem gratuitamente castração, reabilitação e adoção. O abrigo Isabela Freitas, localizado no bairro Nacional, município de Contagem -MG, é um exemplo de ONG que realiza esse tipo de serviço. Com o intuito de reduzir o número de animais sofrendo de maus tratos nas ruas, Isabela Freitas abriga gatos, cachorros, pássaros, cavalos e um bode, o Chifronésio. Todos passaram por inúmeras situações de abandono ou violência. Com três anos de operação oficial e mais de 38 dedicados ao cuidado dos bichinhos, o abrigo já acolheu mais de cinco mil animais. A impotência diante dos maus tratos sofridos por aqueles que vivem nas ruas, muitas vezes debilitados, ou em situação de calamidade, é o que impulsiona Isa-

bela, dona do abrigo, a continuar lutando pela causa. Esse trabalho é essencial para contribuir com o equilíbrio sanitário das cidades, já que, ao retirar os animais das ruas, eles tratam as feridas e outras doenças.

Às vezes, é atribuída uma visão fofa e romantizada desses abrigos, imaginando que eles recolhem os animais abandonados e cuidam deles dando amor e carinho. Eles realmente fazem isso, mas também sofrem muito para realizar cada resgate e para dar o apoio necessário, proporcionando o bem-estar do animal. Apesar de reconhecidamente fundamental, existe um custo elevado que dificulta a ampliação dos atendimentos nesses abrigos, o que contribui também para o aumento do endividamento das ONGs. De acordo com a tabela de preços existente no site da Es-

cola de Veterinária da UFMG, os custos dos serviços básicos oferecidos variam entre R$ 110,00 as consultas em animais pequenos nos dias úteis, R$ 150,00 aos finais de semana e feriados, R$ 160,00 as consultas especializadas, e R$ 200,00 as consultas de emergência. Além disso, existem exames como o raio X que custam R$ 60,00 por posição, e o ultrassom, que custa R$ 100,00. Caso o animal necessite de cirurgia ou internação, os preços podem ser ainda mais altos. Esses valores multiplicados pela quantidade de animais abrigados se tornam representativos e comprometem as outras despesas de manutenção dos abrigos. “Então hoje meu nome se encontra no vermelho, com débitos aí acima de dez mil reais. [...] Tenho uma dívida de 14 mil reais junto à Copasa, luz eu nem sei quanto que está de débito em atraso”, afirma Isabela Freitas a respeito das

despesas da ONG que ela administra. Essa difícil realidade dos abrigos de animais não é conhecida por todos. Às vezes, é atribuída uma visão fofa e romantizada desses abrigos, imaginando que eles recolhem os animais abandonados e cuidam deles dando amor e carinho. Eles realmente fazem isso, mas também sofrem muito para realizar cada resgate e para dar o apoio necessário, proporcionando o bem -estar do animal. Protetores que trabalham nesses resgates, como os associados do Instituto Luisa Mell, não recebem nenhum salário ou outra remuneração pelo trabalho realizado. Toda alimentação e cuidado dos animais, em abrigos independentes como o da Isabela, vêm de doações e parcerias. Farmácias cedem mensalmente medicamentos, materiais para curativos e auxiliam nas necessidades básicas do abrigo. As rações, em grande parte das vezes, são

adquiridas por meio de colaborações sociais. Mas, isso não é nem de perto o suficiente. Então, é comum que o abrigo procure alimentos que seriam descartados por grandes mercados ou distribuidores como o Ceasa. A parceria com os hospitais veterinários possibilita as cirurgias e tratamentos necessários aos animais que demandam esses tipos de cuidados. É importante que a sociedade se mobilize para auxiliar o serviço desses abrigos, dispondo-se cada vez mais a ajudar, seja com doações em dinheiro para quitar dívidas de contas de luz, água, telefone, consultas entre outras, ou, até mesmo, doando rações, medicamentos, brinquedos, material de limpeza e cobertores. Isso diminui o valor monetário que o abrigo precisa ter à disposição do animal. Além disso, é necessário que sejam feitas denúncias para qualquer crime de maus-tratos ou abandono, ligando para o disque-denúncia 181.


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O HOMEM MORRE PELA BOCA Vítoria Ohana Edwin Haderman, 70 anos, jardineiro no estado da Califórnia, EUA, foi diagnosticado com um linfoma não-Hodgkin. Após 26 anos usando o pesticida Roundup, da Monsanto, na sua propriedade, o jardineiro decidiu processar a empresa e acusá-la de não alertar adequadamente os consumidores de que seu produto causaria câncer. Segundo informações do The New York Times, publicadas em março deste ano, o júri composto de 6 membros, referentes a primeira fase do julgamento, determinou por unanimidade que o Roundup, cujo principal ingrediente ativo é o Glifosato, foi o causador do linfoma de Haderman. O Glifosato é o agente mais usado no Brasil e no mundo. Nos EUA, Edwin Haderman foi a segunda pessoa a abrir queixa contra a Monsanto entre milhares de processos já formalizados na corte norte-americana. No primeiro processo, também na Califórnia, o júri determinou por unanimidade que o Roundup causou o câncer terminal de Dewayne Johnson. A Monsanto foi condenada a pagar cerca de $289 milhões ao queixoso, segundo informações do The Guardian. Murilo Mendonça, coordenador do grupo de trabalho Agrotóxicos e Transgênicos, da Universidade Estadual do Goiás, afirma que os agrotóxicos, de forma geral, são biocidas, ou seja, são produtos criados para matarem. Entre os perigos para a saúde humana, Murilo define que existem dois tipos: intoxicações agudas e crônicas. As agu-

das se caracterizam por reações mais brandas, como dor de cabeça e coceira, já as crônicas podem influenciar o desenvolvimento de câncer e, consequentemente, levar a óbito. Enquanto nos EUA a Monsanto parece estar encurralada com tantos processos a serem julgados, no Brasil, ainda este mês, a Anvisa, órgão regulamentador de alimentos, medicamentos e agrotóxicos, concluiu sua reavaliação toxicológica do Glifosato. O parecer mais recente reafirma que o uso do produto pode continuar no país, já que não causa danos à saúde. Um estudo publicado pela The International Agency for Research on Cancer (IARC), em 2015, confirma que existem evidências suficientes para comprovar a relação entre a exposição ao Glifosato e o desenvolvimento de câncer, especialmente o linfoma não -Hodgkin. Os estudos foram provenientes de exposições nos EUA, Canadá e Suécia e também revelam que o Glifosato pode danificar células e cromossomos humanos. Questionado sobre os episódios nos EUA, Murilo diz achar pouco provável que a justiça brasileira acate denúncias e condene as empresas por má conduta, mas que, sem dúvidas, há muitos casos em que trabalhadores desenvolveram algum tipo de intoxicação pelo uso de agrotóxicos. Os trabalhadores rurais, entretanto, não são os únicos na linha de risco dos agrotóxicos. Murilo alerta que todo o ecossistema sofre com as contaminações, além dos alimentos, a água, a partir dos lençóis freáticos, e o ar,

fotos: vitória ohana

Do campo à mesa: como os agrotóxicos podem impactar a saúde humana

por meio da contaminação aérea, também está contaminado. O acúmulo desses produtos no corpo humano, portanto, não se dá somente por meio da ingestão de alimentos com alto teor de contaminação, mas está intrínseco ao cotidiano. Na América Latina, um dos casos mais memoráveis e assustadores é do argentino Fabián Tomasi. Após trabalhar por anos com pulverização por aeronaves, Fabián desenvolveu uma neuropatia que causou complicações nos nervos periféricos, perda de massa muscular e dor crônica nas articulações. O argentino morreu aos 53 anos, no final de 2018, e se tornou símbolo da luta contra o uso de agrotóxicos. Apesar desses casos, empresas, como a Monsanto, continuam a afirmar que esses princípios ativos não são danosos à saúde se forem usados corretamente em paralelo ao uso de equipamentos de proteção individu-

al. Em contrapartida, Murilo diz que o posicionamento da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), por meio do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Transgênicos, é que não existe, de forma alguma, uso seguro para os agrotóxicos, e que os EPIs não são adaptados para essa situação de trabalho, o que pode potencializar os riscos de intoxicação. Porém, Murilo Men-

donça ressalta que a desinformação, sem dúvidas, é um fator agravante para os casos de intoxicação: “Se nós, pesquisadores e militantes, estudiosos da temática, temos pouco conhecimento dos produtos, porque [as informações] não são repassadas de forma ampla e aberta pelas empresas, imagina o trabalhador (rural) que tem um cotidiano árduo, pesado e extenuante.”

Murilo relata o incidente envolvendo a empresa Syngenta, em Rio Verde, Goiás; a empresa Aerotex pulverizava uma lavoura de milho por via aérea, o sistema de liberação do produto estava aberto enquanto a aeronave passava por cima de uma escola. Quase cem pessoas foram intoxicadas, entre elas, crianças e adolescentes. Mais de cinco anos após o ocorrido,

Você sabe como os agrotóxicos foram criados?

Os agrotóxicos, como conhecemos hoje, foram desenvolvidos na Primeira Guerra Mundial e usados amplamente na Segunda Guerra como arma química. Com o fim dos conflitos, os agrotóxicos passaram a ser usados como defensores agrícolas. O primeiro agrotóxico, o composto orgânico DDT, foi sintetizado em 1874, mas foi somente em 1939 que o químico suíço, Paul Muller, descobriu as propriedades inseticidas do produto. Em honra à suas descobertas, Muller chegou a receber o prêmio Nobel de Química. O DDT era usado, principalmente, contra os insetos transmissores da Malária. Após uma série de incidentes, ficou comprovado que o DDT era cancerígeno, teratogênico (capaz de provocar deficiências fetais) e cumulativo no organismo. Hoje, o uso do DDT é proibido.


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“Se nós, pesquisadores e militantes, estudiosos da temática, temos pouco conhecimento dos produtos, porque [as informações] não são repassadas de forma ampla e aberta pelas empresas, imagina o trabalhador [rural] que tem um cotidiano árduo, pesado e extenuante.” Abelhas Em apenas três meses do governo vigente, 86* agrotóxicos já foram liberados no Brasil. Entre renovações de licenciamentos e produtos inéditos, o Sulfoxaflor, que atua como uma neurotoxina, é um dos que mais causam preocupação aos especialistas. Liberado ainda durante o governo de Michel Temer, o composto foi proibido em alguns países da Europa após inúmeros estudos relacionarem o seu uso ao extermínio de abelhas, inseto fundamental para manutenção do ecossistema mundial. Os produtos a base de neonicotinóides, derivados da nicoti-

Transgênicos Alvos de uma série de críticas, os transgênicos são organismos geneticamente modificados (OMG) e que

INFOGRÁFICO: CINTYA DIAS / CACAU UNIBH

na, como Clotianidina, Imidacloprid e o Tiametoxam, e a base de Fipronil, usados para controle de pragas, intoxicam as abelhas por meio da polinização e atacam o sistema nervoso do inseto. Segundo levantamento feito pela Agência Pública, divulgado em março deste ano, foram constatadas as mortes de 500 milhões de abelhas somente em quatro estados do Brasil. Em 2018, o engenheiro agrônomo Aroni Sattler analisou os casos de mortalidades das abelhas no Rio Grande do Sul e constatou que 80% delas morreram devido a ingestão do Fipronil. No mundo, 75% dos cultivos destinados à alimentação humana dependem da polinização das abelhas, Segundo a Organização da Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Além dos produtos derivados da nicotina, o Glifosato pode estar contribuindo para o extermínio desses insetos. Segundo estudo publicado no Proceedings of National Academy of Sciences, da Universidade do Texas, nos EUA, assim como os humanos, as abelhas dependem de bactérias no trato digestivo para a manutenção do sistema imunológico. O contato com o Glifosato pode destruir algumas dessas bactérias e deixar as abelhas suscetíveis à infecções. De acordo com Murilo, a liberação de produtos que afetam a população de abelhas demonstra total falta de preocupação dos governantes com a saúde das pessoas, e principalmente, com a saúde ambiental, que de uma forma ou de outra, também impacta a saúde humana

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podem ser aplicados a vários setores de produção, como Agricultura, Saúde, Alimentação, Indústria Química e Indústria Têxtil. Hoje, no Brasil, 97% da soja produzida na agricultura já é transgênica,

no caso do milho, esse número é de 89%. No Brasil, os produtos transgênicos e alimentos que contenham esses produtos, devem ser rotulados pelo símbolo de alerta amarelo com um T dentro, tais

como soja em flocos, óleos de soja, farinhas de milho, amidos de milho etc. Apesar de estar diretamente relacionado ao desenvolvimento de câncer e até de autismo, não há estudos

científicos suficientes que comprovem o consumo maléfico ou seguro dos transgênicos. É importante que o consumidor tenha a possibilidade de escolher entre integrá-los ou não na alimentação. fotos: vitória ohana

os intoxicados ainda enfrentam problemas relacionados à exposição ao produto Engeo Pleno, como problemas no fígado e no sistema reprodutor. Os moradores da região ainda lidam com água contaminada e altas taxas de incidência de câncer. A informação que faltava no rótulo era de que esse produto não poderia ser aplicado em lavouras de milho por via aérea. Na ocasião, o Ministério Público abriu uma ação civil contra a Aerotex e a Syngenta, condenando as empresas a pagarem R$150 mil por danos morais. Para Murilo, a condenação é simbólica, já que empresas de grande porte dificilmente são atingidas nesses tipos de caso, mas defende que seja feito um trabalho de responsabilização das grandes empresas.

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De acordo com a Anvisa, os pimentões são os alimentos com maior teor de agrotóxicos


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DOSSIÊ ALERTA

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nome aos bois

Isabela Beloti “É algo pra lá de desumano, o que fizeram e o que fazem com o meio ambiente, com vidas humanas, animais e vegetais. (...) É uma situação muito triste e constrangedora. No fundo, no fundo, a gente sabe que não acontece nada com o culpado disso tudo.” É com esse desabafo que o médico veterinário Marcos de Mourão Motta, presidente da ONG Asas e Amigos, especializada no resgate de animais silvestres, expressa o que a maioria da população brasileira sente: indignação. Ao longo da história, muitos desastres ambientais causados pela negligência humana ocorreram no mundo. No Brasil, acidentes como o vazamento de radiação com o isótopo Césio-137, em Goiânia (1987), o derramamento de óleo na Bacia de Campos (2011) e o rompimento das barragens da Vale, localizadas em Minas Gerais, nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), tiveram uma grande repercussão pelo grande impacto ambiental que causaram ao meio ambiente e na vida das pessoas atingidas. De acordo com o Mapa de Acidentes Ambientais comunicados ao Núcleo de Emergência Ambiental em 2018, só em Minas Gerais, 365 acidentes e emergências ambientais foram comunicados à Diretoria de Prevenção e Emergência Ambiental da Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Isso equivale a um acidente ambiental por dia no Estado. Marcos, que esteve presente nos dois últimos rompimentos de barragens em Minas

Gerais para fazer o resgate dos animais atingidos pela lama, conta que é triste chegar no local e encontrar vidas destruídas. “A gente fica muito emocionado, porque é uma situação muito triste. (...) E a gente sabe que o cara só vê dinheiro na vida dele, só vê ganho material e esquece do lado humano das coisas”, fala emocionado. Afinal, quem é o culpado? Quem é o cara que Marcos aponta em seu depoimento? Essas são perguntas que milhares de brasileiros se fazem todos os dias. São muitos os nomes apontados nas grandes mídias e canais de comunicação. Mas eles são os únicos responsáveis? Quem são os grandes poderes que fazem o controle e a fiscalização das atividades ambientais?

Licenciamento Ambiental São chamados responsáveis pelos acidentes causados, aqueles que exercem e implantam qualquer tipo de atividade que utilize recursos naturais ou que seja considerada potencialmente poluidora ao meio ambiente. Mas, a professora e bióloga Fernanda Raggi, que é profissional da área de Consultoria Ambiental desde 2004, e tem experiência nas áreas de Planejamento Ambiental, Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental, explica que, para que tais atividades sejam autorizadas, acompanhadas e implantadas, é necessário o licenciamento ambiental, procedimento realizado pelo Poder Público e representado por órgãos ambientais. “O licenciamento concilia o desenvolvimento econômico com o uso sustentável

fotos: VINÍCIUS REZENDE

Desastres ambientais despertam a população sobre os responsáveis pelo controle e licenciamento ambiental

Dr. Marcos Mourão cuidando de um papagaio que não pode retornar a natureza

dos recursos naturais e o controle da poluição”, esclarece Fernanda. Indústria têxtil, de papel, borracha, obras civis, transporte, terminais e depósitos, atividades agropecuárias e a extração de recursos naturais são alguns exemplos de operações que precisam de licenciamento ambiental. É por meio desse documento, de licenciamento, que o empreendedor inicia seu contato com o órgão ambiental responsável e passa a conhecer suas obrigações quanto ao adequado controle ambiental de sua atividade. A professora Fernanda explica, ainda, que a qualquer momento a licença de uma empresa pode ser cancelada, bastando, para isso, que a fiscalização ambiental constate irregularidades, como falsa descrição de informações nos documentos exigidos pelo órgão ambiental para a concessão da licença, graves riscos ambientais ou à saúde e alteração do processo industrial sem que o órgão ambiental seja informado. “É dever do empreendedor manter

as informações de controle ambiental corretas, atualizadas e disponíveis”, completa.

Fiscalização Ambiental É entendido, então, que o responsável por evitar esses desastres ambientais é aquele capaz de fiscalizar as condutas das atividades listadas: o Poder Público. A fiscalização ambiental é, assim, uma outra forma de garantir a preservação do meio ambiente para a coletividade, podendo ser preventiva, educativa,

corretiva ou punitiva. No Brasil, diversos órgãos ambientais são responsáveis pela fiscalização do bom cumprimento das exigências do licenciamento de atividades ambientais. O IBAMA é o órgão competente para fazer o processo de fiscalização, lavrar auto de infração ambiental e instaurar o processo administrativo de apuração da infração na esfera federal, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

Mas, para garantir uma efetiva defesa do meio ambiente, a fiscalização ambiental é compartilhada com outros entes da federação: estados, municípios e distrito federal, integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Em Minas Gerais, a Superintendência de Fiscalização Ambiental Integrada tem por finalidade planejar, organizar e executar as atividades de controle e fiscalização referentes ao uso dos recursos ambien-


DOSSIÊ ALERTA ação ou decisão estratégica, mediante as entregas de resultados ligados a esse conceito. Sustentabilidade é um ativo muito positivo e que permite trazer para o mundo tangível o ganha-ganha, tanto para as empresas como para os consumidores. Acredito que um ponto fundamental para a construção da responsabilidade compartilhada na fiscalização e controle ambiental, é o respeito das diferentes realidades para, assim, manter a perenidade das ações e gerar valor compartilhado. Aliados ao que tem sido cada vez mais essencial: o beneficiário como o real protagonista do impacto positivo.

tais no Estado. “Não há uma hierarquia entre os órgãos ambientais nas escalas municipal, estadual e federal, pois trata-se do cumprimento da função pública de prestação de serviços à população”, explica Fernanda Raggi.

Responsabilidade compartilhada Muitas são as responsabilidades dos órgãos públicos para a regulamentação das leis ambientais, para a fiscalização e para o controle ambiental. Mas, e o setor privado e o terceiro setor? Teriam eles algum papel nessa história? A jovem belo-horizontina Petrina Santos é uma empreendedora cívica e social com atuação reconhecida internacionalmente. Como diretora-executi-

va da Ageeo, empresa que fundou há quatro anos, trabalha com organizações de governo, setor corporativo e terceiro setor. Nesta entrevista, ela nos situa sobre a importância e os desafios para uma atuação intersetorial cada vez mais sustentável e cooperativa. O que são parcerias intersetoriais? Parcerias intersetoriais são parcerias realizadas por atores que compõem os diferentes setores da economia, sendo estes, 1° setor, Governo; 2° setor, Privado e 3° setor, organizações sociais com a finalidade de cooperar em prol de um objetivo em comum que ancore o desenvolvimento econômico social. Tais organizações podem ser denominadas como

negócios sociais, empresas sociais, negócios de impacto, dentre varias outras definições. Qual a importância do apoio do setor privado, das parcerias e da atuação intersetorial com entidades de classe e governamentais na responsabilidade de fiscalização e controle ambiental? Uma recente pesquisa realizada pela PWC (PricewaterhouseCoopers) mostra que 74% dos brasileiros são mais propensos a usar bens ou serviços de organizações envolvidas com sustentabilidade. Esse é um processo cultural e de mudança de hábitos, e é perceptível o quanto o brasileiro tem levado em conta este aspecto, à medida que as empresas também têm escolhido seguir em determinada

Já existem parcerias desse tipo aqui no Brasil? Você pode citar alguma? Como elas funcionam? Sim. A iniciativa The Schools Challenge é um programa do banco J.P. Morgan com foco em preparar jovens do ensino médio da rede pública de ensino para a continuidade dos estudos e preparo para o mercado de trabalho, por meio do engajamento em impacto social e com a agenda de sustentabilidade pautada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O programa acontece em mais 6 localidades no mundo: Paris, Cingapura, Londres, Hong Kong, Milão, Frankfurt e, desde 2018, acontece pela primeira vez na América Latina, no Brasil. O projeto envolve uma parceria intersetorial entre a empresa J.P. Morgan, a Secretaria de Estado de Educação, o Centro Paula Souza e o Pacto Global ONU, com a metodologia e operação realizada pelas organizações Ageeo e o Instituto Ideias de Futuro. A inovação do projeto está no caráter inédito de realização no continente americano, bem como na atuação sistêmica, ao preparar

tanto os jovens no engajamento à agenda de sustentabilidade, como os professores das escolas e voluntários do banco, que atuam como mentores no dia-a-dia do projeto e que conseguem também acompanhar o desenvolvimento da juventude com muita qualidade. Além disso, o projeto inova ao realizar uma robusta parceria intersetorial que promove, de fato, a criação de valor compartilhado dentro da perspectiva de desenvolvimento sustentável. Atualmente o The Schools Challenge contempla a participação de 120 jovens de 14 a 18 anos de 2 escolas da rede de ensino pública na periferia da cidade. Além disso, estão envolvidos 80 professores e 100 voluntários que são funcionários do J.P. Morgan, nas mais variadas hierarqu ias de cargo e atuação. Quais os desafios dessas parcerias? E quais são os pontos positivos? Dentro do contexto de caminho do meio, ficamos com o desafio contínuo de nem só dar o peixe, e nem só ensinar a pescar, mas sim, revolucionar a indústria da pesca, parafraseando Bill Drayton, Presidente e Fundador da Ashoka. Muitas das decisões hoje tomadas em nível

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macro não necessariamente consideram a realidade intrínseca do contexto micro. Assim, é essencial apoiar-se em frameworks e acordos que facilitem a conexão do mundo ao território e do território ao mundo, e que pautem de forma qualificada as oportunidades de cooperação intersetorial. Um importante modelo tem sido a Agenda 2030, que traz os 17 ODS ancorados pela ONU em acordo internacional com demais países. Como pontos positivos, bom, primeiro pode ter certeza que a nossa trajetória, sendo sustentável ou ainda não, é coletiva! O resultado vem e virá para todos. E é pensando nisso que faço o convite de ressignificarmos o entendimento de redes, à luz da perspectiva de propósito, ao compreender que, ampliar o impacto positivo independentemente dos fatores envolvidos, garantem o caminhar e a consolidação de uma jornada mais sustentável. Tudo começa com a intenção e o primeiro passo. Considero que o desenvolvimento local e global só será possível com a concentração no que nos une, não no que nos diverge, e com a consciência do nosso senso de cooperação, e não somente de devolução. foto: reprodução

INFOGRÁFICO: FERNANDO GONÇALVES / CACAU UNIBH

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Petrina Santos foi considerada talento global em inovação social


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Jornal Daqui (Buritis e Região)

foto: breno pataro - pbh

MENOS LIXO, MAIS VIDA Buritis participa da coleta seletiva do bairro desde 2007, mas a abrangência por parte dos moradores ainda é pequena

A coleta seletiva na modalidade ponto a ponto é administrada pela Prefeitura de BH desde 2007 no bairro Buritis

Ney Felipe Você sabia que um espelho pode demorar um milhão de anos para se decompor? Por isso, o assunto Coleta Seletiva é preocupação mundial, uma vez que materiais como o espelho, se descartados de maneira incorreta, levam muito tempo para se degradarem e, com isso, trazem prejuízos à natureza. O hábito da coleta, então, ajuda a reduzir o impacto que a produção de lixo causa ao meio ambiente e vem ganhando cada vez mais destaque. De acordo com a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), no ano de 2017, em Belo Horizonte, a quantidade de materiais recicláveis coletados, como papel, metal, plástico e vidro, foi de, aproximadamente, 7.300 toneladas. Ou seja, quase 608 toneladas por mês. Ainda segundo a SLU, em Belo Horizonte, duas modalidades de coleta seletiva são realizadas atualmente. A primeira modalidade é a “ponto a ponto”, em que se pressupõe que a

população separa os recicláveis como papel, metal, plástico e vidro, em sua fonte geradora (residência ou local de trabalho) e os deposite em contentores instalados pela prefeitura em locais estratégicos da cidade, conhecidos como Locais de Entrega Voluntária, ou LEV. A segunda modalidade é a “porta a porta”, que a população segrega, em seu domicílio, os mesmos recicláveis e os acondiciona juntos no mesmo saco plástico expondo-o no passeio para o recolhimento semanal, em dia e horário pré-determinados pela SLU. No bairro Buritis, desde 2007, acontece o recolhimento de materiais recicláveis por meio da modalidade “ponto a ponto”. Contudo, os moradores, com o auxílio da Associação de Moradores do Bairro Buritis (ABB) compraram esta ideia em 2004, quando fundaram o projeto “Recicla Buritis”. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a Cooperativa dos Catadores da Região Oeste (Coopemar) e a ABB.

A cooperativa que recebe o material fica encarregada da separação, armazenamento, enfardamento e comercialização. Os recursos provenientes dessas atividades são distribuídos entre os associados/ cooperados, de acordo com critérios definidos no regimento interno das entidades a que se encontram vinculados.

A iniciativa Francisco Pimentel, artesão, faz parte da ABB e é um dos idealizadores da coleta seletiva no bairro Buritis. Segundo ele, o WhatsApp é um grande aliado. O morador sempre disponibiliza as cartilhas informativas na rede social um dia antes do caminhão da SLU passar pelas ruas do bairro. “A coleta seletiva é um serviço muito importante, o lixo limpo (material reciclável) é levado ao seu destino correto. Há muitos materiais que podem se transformar e retornar ao nosso dia a dia”, enfatiza. Ele explica ainda que este ato gera uma grande economia, como a de energia na produção de

novos produtos. “Hoje, a produção de material bom cresce dia a dia. O ser humano produz muito mais lixo, mas, em qualquer lugar que você vai atualmente é possível comprar produtos embalados com produtos recicláveis. Se não há coleta, onde

iriam parar estes itens? Precisamos educar e fazer com que a comunidade compre a ideia de trabalhar mais nesta parceria com a Coopemar/SLU”, completa. Para que a comunidade participe mais ativamente desse processo, basta que ela, todas as segundas-feiras, deixe seus materiais recicláveis nas calçadas corretamente. Esse serviço garante o destino correto e transforma a vida das mais de 40 famílias que vivem do trabalho na Coopemar. Muitas dessas famílias, formadas por pessoas ex dependentes químicas e ex moradoras de rua, hoje vivem com a expectativa de terem uma vida melhor. Todo material coletado no Buritis é destinado a essa cooperativa e, quanto maior a adesão, menos lixo os depósitos de compostagem recebem. Para Francisco, o Buritis ainda pode crescer quanto ao assunto reciclagem. O morador aproveita para informar

aos outros moradores da região, sobre como podem participar deste projeto de coleta seletiva: “Deixar seus materiais bons na calçada todas as segundas-feiras é um trabalho de “formiguinha”, de ser passado de boca a boca, e isso a ABB tem procurado fazer. Mas, ainda precisamos melhorar essa coleta. Por isso, estou em contato com a Gerência da SLU para que esse caminhão percorra o bairro Buritis em sua totalidade, uma vez que é preciso ampliar mais essa abrangência. Um detalhe que acontece inúmeras vezes é que, infelizmente, há muitos atravessadores. Essas pessoas muitas vezes chegam antes e recolhem o “filé” dos materiais recicláveis, deixando um material mais inferior. É difícil controlar esses atravessadores, mas faz parte. Afinal, eles também estão dando um destino correto ao material recolhido”, informa.

Quais benefícios da coleta seletiva?

Veja abaixo alguns benefícios da coleta para a população listados pela Superintendência de Limpeza Urbana: • A diminuição e a prevenção de riscos na saúde pública. • A diminuição e a prevenção de impactos ambientais. • A diminuição e a prevenção da exploração dos recursos naturais: com o retorno dos materiais ao ciclo produtivo, não é necessário que novos recursos naturais sejam utilizados. • Redução de gastos: na limpeza urbana, no tratamento de doenças, no controle da poluição, na construção de aterros sanitários, na remediação de áreas degradadas, com a energia elétrica, entre outros. • Inclusão e interação social: a geração de ocupação e renda para a população de baixa renda torna as pessoas agentes sociais que contribuem com a limpeza da cidade e a conservação do meio ambiente. Por outro lado, as pessoas que fornecem o material reciclável podem ser vistas como solidárias e participativas nos programas de coleta seletiva e reciclagem. • Educação ambiental: com a prática da coleta seletiva, as pessoas observam resultados imediatos e mensuráveis de sua ação na busca pelo desenvolvimento sustentável, promovendo a expansão deste compromisso às pessoas a sua volta e também a elas mesmas.


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