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POLÍTICA, LIVES E DIREITOS AUTORAIS: CULTURA BRASILEIRA NA PANDEMIA Área que emprega mais de 5 milhões de pessoas luta por representatividade e revela alternativas online
Por Isabela Santana A cultura é, certamente, uma das áreas que mais está sofrendo com os impactos da pandemia. Isso se deve ao fato do setor cultural necessitar significativamente da aglomeração de pessoas, seja em festival de música, em teatro ou em uma sala de cinema, tanto nos bastidores da produção, quanto ao público espectador. Com isso, uma das consequências da Covid-19 foi o enorme prejuízo financeiro para a indústria cultural, entre cancelamentos de shows, pausa nas produções e adiamentos de lançamentos. Desde 2016, no governo Michel Temer (PMDB), o cenário cultural brasileiro já vinha enfrentando um período conturbado, em que sofreu com a instabilidade do Ministério da Cultura. Foram 34 dias de cadeira vazia no cargo, saída e troca de ministros, transferência das atribuições da pasta para a Educação, cortes de apoio às produções e, ainda, a breve extinção do ministério por meio da Medida Provisória n° 726. Temer ignorou a importância da autonomia do setor cultural, o que gerou diversas manifestações de artistas, como as ocupações da Funarte em várias cidades por todo o Brasil em protesto. Após as ocupações, o ex-presidente voltou atrás e reativou o Ministério da Cultura. Contudo, no governo Bolsonaro, o fim do Ministério da Cultura foi confirmado, e a pasta se transformou em uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania. A instabilidade piorou no país. Regina Duarte assumiu, no dia 4 de março, o cargo de secretária de cultura do governo. O presidente repassou um orçamento de R$ 366,43 milhões para 2020, valor 36,6% menor que os R$ 578,3 milhões do ano anterior. Além disso,
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Regina Duarte publicou as exonerações de cinco servidores em cargos de chefia. Vale ressaltar que a ex-funcionária da Rede Globo foi a quarta a ocupar o cargo em pouco mais de um ano de governo. Já no dia 20 de maio, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a saída de Regina Duarte da função e afirmou que ela assumirá a Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação da produção audiovisual nacional, também vinculada à pasta. A exoneração foi publicada no dia 10 de junho e a Secretaria de Cultura ganhou novo representante apenas no dia 19, o também ex-funcionário da Rede Globo, Mário Frias. ASPECTOS ECONÔMICOS
Muitos artistas questionaram a demora de um auxílio do governo ao setor cultural em meio a quarentena. Regina Duarte elaborou a primeira medida, que demorou mais de um mês para publicação. A normativa, publicada no dia 22 de abril no Diário Oficial da União, flexibiliza as regras da Lei Rouanet. Projetos culturais apresentados por meio do incentivo do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) poderão receber, mesmo que captem menos do que 20% do total permitido. Os projetos que possuem prazos de captação e execução inferiores a dezembro de 2020 poderão prorrogá-los automaticamente até 31 de dezembro de 2020. No dia 4 de junho, o Plenário do Senado Nacional aprovou o projeto de lei que libera R$ 3 bilhões em auxílio financeiro a artistas e estabelecimentos culturais durante a pandemia da Covid-19 (PL 1.075/2020). Contadores de histórias e professores de capoeira também poderão ser alcançados pelo programa. O dinheiro será repassado a estados, Distrito Federal e municípios, que vão aplicá-lo em renda emergencial para os trabalhadores do setor, subsídios para manutenção dos espaços e instrumentos como editais, chamadas públicas e prêmios. O projeto seguia para a sanção presidencial até o fechamento dessa reportagem. A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) divulgou o Edital Arte Salva – Fundo Estadual de Cultura, publicado no dia 2 de junho, no Diário Oficial do Estado. Serão destinados R$ 2,5 milhões em premiações para artistas independentes, bandas, profissionais do circo e demais realizadores que compõem a cadeia cultural em Minas Gerais. Sandro Dornelas, cantor, foi um dos artistas que sofreu fortemente com os impactos da pandemia. “Abandonei o ramo. Comprei uma moto econômica para fazer entregas por aplicativo. Parei de fazer lives, porque precisei cancelar o wi-fi. A perda de renda foi drástica, pois eu não tinha outra fonte.” Alguns músicos também estão enfrentando muita dificuldade. De acordo com o baixista Beethoven Júnior, a live exige mais dos músicos, uma vez que qualquer erro se torna mais perceptível por estar sendo filmado. “Então, a live dá mais trabalho ainda e querem te pagar menos por isso. Os grandes cantores, com grandes patrocínios, às vezes ganham mais fazendo uma live do que um show. Mas os músicos estão ganhando menos e com um número menor de trabalho. Os grandes artistas estão conseguindo manter o padrão de vida legal, agora os músicos estão na miséria”, disse Beethoven.
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A pandemia atingiu todas as áreas da cultura: música, museus, teatros e o audiovisual. Cinemas foram fechados e gravações de filmes e novelas foram suspensas temporariamente. Segundo a revista americana Hollywood Reporter, mundialmente, estima-se um prejuízo de US$ 5 bilhões no cinema. De acordo com dados do IBGE de 2018, cerca de 5,2 milhões de pessoas trabalham no setor cultural brasileiro, movimentando R$ 226 bilhões em 2017-2018 no Brasil. Representam 5,7% dos ocupados do país e, segundo estimativa de 2017, parte do “Atlas Econômico da Cultura Brasileira”, a cultura foi responsável por 2,64% do PIB (Produto Interno Bruto). A dupla sertaneja Vitor e Guilherme, de Belo Horizonte, acredita que o primeiro impacto foi o econômico, pois ele trouxe o cancelamento total na agenda de shows. Vitor, primeira voz da dupla, ainda afirmou que a readaptação e busca por novos formatos foi uma iniciativa dos próprios artistas e que, infelizmente, a ajuda do governo ao setor cultural não é boa. O CENÁRIO MUSICAL
O DATA SIM São Paulo realizou uma pesquisa online, entre 17 e 23 de março, sobre os impactos da Covid-19 no mercado de música do Brasil. Os dados apresentam um levantamento do setor a partir de 536 empresas de diversas áreas, como produtoras de festivais, agências de booking, que trabalham na comunicação de artistas com contratantes, casas de show, além de fornecedores e parceiros, que vão do aluguel de equipamentos à logística de transporte e hospedagem, envolvendo milhares de profissionais em suas operações. A pesquisa aponta resultados como: 8.141 eventos afetados, para um público de 8.060.693 diretamente afetado, e um prejuízo estimado de mais de R$ 483 milhões. Esse panorama revela o quanto os artistas e todos os profissionais en-
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volvidos na música estão vulneráveis a esta pandemia, sendo um dos primeiros setores a parar e um dos últimos setores a normalizarem suas atividades por conta das aglomerações. Uma das conclusões do levantamento do DATA SIM é que, se os resultados dos 285 MEIs (Microempreendedores Individuais) representados na pesquisa fossem projetados para os cerca de 62 mil MEIs registrados no Ministério da Fazenda, como empresas de produção, sonorização e iluminação, o prejuízo estimado dos “MEIs da Música ao Vivo” no país seria de 3 bilhões de reais, impactando cerca de 1 milhão de profissionais.
INFOGRÁFICO: MATHEUS ROCHA
Mateus Costa, técnico operador de áudio, afirmou que um mês antes da pandemia, a agenda de shows estava melhorando, chegando a fazer 13 shows no mês, e o seu cachê girava em torno de R$300 por evento. “Todos os encarregados em executar algum evento musical estão sofrendo com a falta de shows, desde os profissionais dos bastidores, até o próprio artista. Muitos prestadores de serviços estão sem trabalhar, como seguranças e carregadores. No meu caso, como técnico de som, ainda consigo trabalhar em lives, porém, além de serem poucas lives, o cachê costuma ser o mesmo ou até reduzido”, disse Matheus. Silas Santos, que trabalha como roadie, acredita que o cenário está mais complicado para os profissionais da produção, que estão sem atividade, uma vez que alguns músicos ainda conseguem fazer gravações. Sem previsão para a volta dos
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shows, Silas se preocupa com o futuro incerto da música. “Acredito que vai piorar o cenário musical, pois terão poucos lugares para shows e muitos músicos precisando tocar, com isso, os contratantes irão abaixar o valor dos cachês. E, nessa hora, a produção é sempre cortada ou reduzida”, afirmou. Esses impactos geram consequências estruturais no setor para além de prejuízos financeiros. Além dos cancelamentos e adiamentos de shows, a grande preocupação é com a perspectiva do cenário cultural, uma vez que vislumbra-se uma nova realidade, um período de crise, na qual promotores e produtores independentes, de menor porte, precisarão muito da colaboração dos grandes produtores que possuem maior capital de giro. O grande receio quanto ao retorno da cena cultural é de que essas pessoas não regressem à música e que os eventos voltem em intensidade menor, com investimento menor ou capacidade de público reduzida. Portanto, é necessário que os principais agentes do segmento, como editoras, associações, distribuidoras digitais, plataformas de streaming e mídia especializada assumam a responsabilidade de apoiar e alavancar o setor. “Não consigo imaginar um mundo sem música. É como imaginar um filme sem trilha sonora, uma comida sem tempero, um céu bonito sem sol. A música tem seu papel fundamental na sociedade, a música é usada em terapias, então é de extrema importância a música na vida do ser humano”, disse o técnico Matheus Costa. Guilherme, da dupla Vitor e Guilherme, ainda ressaltou que a música é necessária para o nosso bem-estar, para nossa saúde mental e social. “Isso é tão real que podemos ver o quanto o mercado cultural foi valorizado com essa atual pandemia e crise financeira. As pessoas em casa, assistindo conteúdos interativos, ouvindo música, assistindo lives, vídeos engraçados, etc. Nosso bem-estar depende totalmente da música, cultura e do entretenimento”. LIVES E DIREITOS AUTORAIS
Os artistas têm procurado se adaptar e uma das formas encontradas para exercer a profissão e levar a arte para o público durante a quarentena foram as lives. Ou seja, a transmissão ao vivo e online de apresentações, festivais de música e outras manifestações artísticas. Para além de proporcionar entretenimento, melhorar os ânimos nesse momento de confinamento e manter o relacionamento com seu público, as lives também têm papel fundamental por garantir a arrecadação de muitas doações para os mais necessitados, com a parceria de muitas marcas patrocinadoras dos artistas que também estão contribuindo com a arrecadação e oferecendo diversas promoções. Por enquanto, no cenário musical, esse é o formato mais utilizado para divulgação de trabalhos e incentivo à essa contribuição. As lives começaram em formato reduzido, mais acústico, com pouco investimento e produção improvisada, normalmente transmitidas pelo Instagram. Com o tempo, os artistas foram quebrando paradigmas e transformaram as lives em grande espetáculos com mega produções que, hoje, atingem milhões de espectadores, sendo transmitidas pelo YouTube, em sua grande parte e, às vezes, com transmissão simultânea em canais de televisão. Jackson Vhiana, primeira voz da dupla Jackson e Alessandro, de Campinas, São Paulo, confia na internet como a maior aliada dos artistas nesse momento. “A saída
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é criar novos canais sólidos com o nosso público, através das plataformas de streaming e redes sociais, para não perder o contato total. As lives ajudam a alcançar mais pessoas, apesar de não serem suficientes, pois o artista precisa do corpo a corpo com seu público. O cenário musical já se renovou, os artistas e grandes empresas de show business realmente viram o quanto a internet é transformadora. No meu trabalho não está sendo diferente, temos que ser mais digitais do que antes”, concluiu. Os acessos aumentaram consideravelmente e as transmissões ao vivo e online se tornaram mais profissionais, sendo um espaço também para lançamentos de novos trabalhos. As lives agora possuem cenários, sorteios de prêmios, bandas completas e grandes estruturas de som e iluminação. O que levantou uma polêmica é a quantidade de pessoas envolvidas nos bastidores da produção de uma live dessa proporção e os cuidados perante a proliferação do vírus, mas aparentemente, essas grandes equipes têm realizado, antes das gravações, os testes para Covid-19. IMAGEM: REPRODUÇÃO DO YOUTUBE
Live da cantora Marília Mendonça arrecadou mais de R$ 400 mil reais. De acordo com a audiência divulgada pelo YouTube, que se refere ao pico de visualizações simultâneas, ou seja, quantas pessoas assistiram à live ao mesmo tempo, as cinco maiores audiências no Brasil ainda são de lives do mês de abril. O ranking é liderado pela cantora sertaneja Marília Mendonça, que contabilizou 3,31 milhões de acessos e arrecadou mais de R$ 400 mil, além de 100 toneladas de alimentos e produtos de higiene e limpeza. Em segundo lugar, a dupla sertaneja Jorge e Mateus, com 3,24 milhões espectadores, seguida pelo cantor Gusttavo Lima, com 2,77 milhões de visualizações. Em quarto lugar, com 2,55 milhões de acessos, vem a live de Sandy & Júnior e, depois, a transmissão do cantor Leonardo, com 2,52 milhões de espetadores.
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Segundo levantamento feito pelo Metrópoles, junto ao PicPay, aplicativo muito utilizado pela maioria dos artistas para arrecadação de doações, as 10 lives que mais captaram, entre abril e 9 de maio, renderam R$ 4,7 milhões, o suficiente para comprar cerca de 10.195 cestas básicas. Um dos grandes desafios enfrentados pela classe artística se refere aos cuidados recomendados pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária para a publicidade de bebidas alcoólicas, regulamentado pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), e aos direitos de obras autorais, fazendo com que algumas lives sejam tiradas do ar por conta das diretrizes da comunidade do YouTube. O CONAR abriu, no dia 14 de abril, uma representação ética contra ações publicitárias nas lives do cantor Gusttavo Lima que ocorreram nos dias 29 de março e 11 de abril. A representação foi aberta a partir de denúncias recebidas de dezenas de consumidores. A denúncia cita a falta de mecanismo de restrição de acesso ao conteúdo das lives a menores de idade e a repetida apresentação de ingestão de cerveja, em potencial estímulo ao consumo irresponsável do produto. O mesmo aconteceu com a live da dupla Bruno e Marrone. Já a live da Ivete Sangalo, que aconteceu no dia 25 de abril, ficou fora do ar no YouTube por 20 minutos devido a uma falha técnica no sistema de detecção de conteúdo ilegal da plataforma. A live foi suspensa sob a acusação de estar violando direitos autorais do Grupo Globo. Logo a falha foi solucionada e a transmissão retomada, uma vez que estava acordada a transmissão simultânea do show no Youtube e nos canais do Multishow e da cantora. O ECAD é o órgão responsável pela arrecadação dos direitos autorais, amparado pela Lei Federal 9.610/98. Quando uma obra musical é tocada publicamente em emissoras de rádio e TV, shows, eventos, internet, bares, restaurantes, casas de show, lojas, boates, cinemas, academias, hotéis, plataformas de streaming, entre outros, o artista deve receber uma retribuição autoral, assim acontece também com as músicas tocadas nas lives. “A arrecadação de direitos autorais também teve uma queda, pois com esse cenário em que estamos vivendo, os lançamentos estão sendo feitos com menos frequência, como gravações de clipes e dvds, tudo isso diminuiu e acabou interferindo nos números da arrecadação. Também arrecadávamos direitos autorias nos shows, e como não estão tendo shows, tudo isso também caiu. Mas não podemos parar, vamos nos reinventando a cada dia e buscando novas formas de continuar o trabalho”, disse Guilherme, músico que faz dupla com Vitor. Porém, segundo Jackson Vhiana, no digital, o direito autoral ganhou força. “O direito autoral também ganhou voz, lives de grandes artistas foram derrubadas por não respeitarem a lei. Além disso, os ganhos também se elevaram no digital, através dos acessos nas plataformas”. Uma música só pode ser tocada em uma live quando se tem a permissão para ser divulgada ou monetizada, com a arrecadação correta dos direitos autorais para o compositor da obra. Caso não haja essa permissão, o algoritmo do YouTube reconhece a obra e envia um aviso para conta que está fazendo a transmissão. Quando algum vídeo é removido da plataforma, é porque violou alguma diretriz do YouTube, no caso dos direitos autorais, acontece quando o detentor de direitos autorais envia uma solicitação oficial válida, formalmente alegando que não há permissão para postar o conteúdo dele no site, e então, o YouTube é obrigado, por lei, a remover o vídeo. As lives e o cenário atual, em que muitas pessoas estão com tempo ocioso, modificaram os hábitos de escuta e até mesmo o perfil de música mais consumido. O que tem instigado uma nova tendência no cenário musical para lançamento de artistas, gravação de novos estilos musicais e em novos formatos. Muitas gravadoras, editoras e plataformas digitais estão aproveitando para fazer uma melhor leitura do seu público em relação à essas tendências. O mais interessante é o surgimento de plataformas de streaming e plataformas para transmissão exclusiva de lives relacionadas à movimentos culturais, que só comprovam mais uma projeção dessa pandemia para o futuro da cultura: as transmissões online foram muito bem aceitas e vieram para ficar.
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TURISMO COM FRONTEIRAS FECHADAS Setor que mais cresceria no Brasil em 2020, agora prevê recuperação da crise causada pelo novo coronavírus apenas em 2023
Por Beatriz Fernandes e Letícia Sudan
O setor turístico, responsável por 3,71% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estava em ascensão, sendo considerado o setor que mais cresceria no Brasil em 2020. Entretanto, assim como o setor cultural, foi um dos primeiros a sentir o baque do isolamento social, com fronteiras aéreas e terrestres fechadas e viagens e grandes eventos cancelados. Uma pesquisa feita pela FGV Projetos mostra que, considerando o período de 3 meses de isolamento, a recuperação do setor durará 12 meses no âmbito nacional e 18 meses no âmbito internacional. Ainda assim, o valor aproximado de R$ 116,7 bilhões em perdas, se comparado ao ano de 2019, só começará a ser efetivamente recuperado em 2023. Para isso, o setor precisará crescer 16,95% ao ano em 2022 e 2023, o que não é tarefa fácil. Aqui em Minas Gerais, por exemplo, cidades históricas que têm o turismo como principal gerador de renda, como Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes, foram profundamente afetadas. Diamantina, por exemplo, disponibilizou uma pesquisa no site da prefeitura para quantificar o impacto para as mais diversas áreas do turismo. As perguntas, abertas para a contribuição da população, vão desde previsão de receita anual até sugestões de ações para empreendimentos turísticos e/o para o poder público municipal tomarem em função da pandemia de COVID-19. OS GRANDES EVENTOS
Em Tiradentes, o Festival de Fotografia, que aconteceria logo no início da pandemia, entre os dias 18 e 22 de março, teve que ser cancelado. O fotógrafo e produtor cultural do evento, Eugênio Sávio, afirmou que a decisão pelo adiamento foi tomada antes mesmo do decreto oficial da prefeitura. A princípio, a organização optou por não remarcar o evento presencial. Porem, seguindo a agenda orientada pelo Conselho Municipal de Turismo de Tiradentes, o festival tem previsão para acontecer em setembro. Eugênio conta que, em
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relação à segurança, se sente confortável com a data proposta, mas teme pela baixa adesão do público e também, agenda de convidados e palestrantes. Além disso, o produtor explica que a escolha pelo mês de março para a realização do evento tem uma estratégia econômica, já que se compreende entre o Carnaval e a Semana Santa. Dessa maneira, a cidade está mais vazia, possibilitando maior conforto para os viajantes e contribuindo para o turismo local em um período que, a priori, estaria sem movimento. O festival, segundo a Prefeitura de Tiradentes, atrai um público médio de 8 mil pessoas durante os 5 dias de sua realização. A estrutura organizacional do Festival de Fotografia conta com cerca de 50 funcionários diretos e 15 contratados pontuais, como organizadores, produtores locais e arquitetos. IMAGEM: REPRODUÇÃO DO YOUTUBE
Evento da 8º edição do Festival de Fotografia de Tiradentes, 2018. “A gente imagina que, fazendo o evento em setembro, o público será menor do que seria em março. São cenários para os quais a gente ainda não tem resposta. O cenário que eu imagino é esse: uma adaptação com menos palestras, uma programação menor, etc”, aposta Eugênio. Ao ser perguntado sobre a possibilidade de migração do conteúdo para uma realidade virtual, o produtor confessa que não pensam como primeira saída, porque, para ele, “a experiência Tiradentes é muito forte, não é só você assistir uma palestra. Mas é assistir, depois caminhar pela cidade, desfrutando da natureza do entorno. Todo esse conjunto de oportunidades faz parte do conteúdo do evento.” Ele contou que a medida virtual que tomaram foi ativar mais as redes sociais do festival, com conteúdos de edições passadas e lives. A Bienal Mineira do Livro, que aconteceria entre os dias 22 e 31 de maio, no BH Shopping, região Sul de Belo Horizonte, também teve sua data adiada para setembro. Levando em consideração o número de parcerias e escolas que confirmaram presença no evento, o público esperado era de 200 mil pessoas nos 10 dias de Bienal. Só das escolas públicas, já havia confirmação de 50 mil alunos. Além disso, a organização optou por disponibilizar a gratuidade do evento para 60% do público. Como alternativa, a organização também elaborou um conteúdo online, que chamaram de Bienal Mineira do Livro em Casa. A primeira versão aconteceu em abril, como um teste, mas com o atual cenário, substituiu o evento físico. “A gente investiu em uma plataforma digital e criamos uma vitrine dos livros dos nossos expositores. Então, aqueles que adquiriram estandes na bienal presencial puderam expor seus livros. Aqueles com estandes maiores, mais livros, e aqueles com estandes menores, menos livros”, contou Marcos Ferreira, Diretor Geral da Bienal Mineria do Livro. Marcos revela que a aceitação do público foi grande, por isso, pensam em transformar essa alternativa em algo permanente na programação da Bienal, mesmo após a pandemia. A plataforma atraiu olhares de investidores que pretendem firmar parcerias para venda de livros. Além disso, por meio de uma parceria com o programa Eu Faço Cultura, patrocinado pela Caixa Econômica Federal, a plataforma da Bienal foi vinculada ao programa e, hoje, comemoram um número expressivo de mais de 2500 livros distribuídos gratuitamente para todo o Brasil. “O público principal são pessoas com deficiência, idosos e microempreendedores. Eles fazem o cadastro, recebem um cupom e escolhem os livros. Então, os nossos expositores entregam gratuitamente, na casa dessas pessoas e entidades, e ainda recebem por isso”, destaca Marcos.
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Com o trabalho em equipe de 12 a 14 horas por dia, e sem acesso a crédito e financiamento, Marcos acredita que a iniciativa conseguiu dar uma resposta muito consistente com aquilo que tinham em mãos. Prova disso é que, antes da pandemia, a equipe era composta por 10 funcionários. Hoje, são 12 profissionais contratados em razão da grande demanda online. SETOR HOTELEIRO
Antes do isolamento social, o cenário era otimista para a capital mineira, pois havia sinais de recuperação no setor hoteleiro. Entretanto, esse início de superação de crise precisou ser adiado. O Diretor de Políticas de Turismo e Inovação da Belotur - Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte, Marcos Boffa, contou que tinham um planejamento e que foram obrigados a repensá-lo em função da queda de arrecadação do município. “Estamos trabalhando toda hora em um cenário diferente. É uma crise mundial e a gente tem que se ajustar a ela. Certamente, vai ter um impacto sobre o nosso planejamento, mas não quer dizer que não vamos tentar viabilizar o máximo de coisas possíveis, ainda mais nesse momento em que o setor do turismo precisa de todo apoio necessário. O que mais queremos é ver a cidade retomando o processo em que se encontrava”, afirma Marcos Boffa. Em Ouro Preto, outra cidade histórica de Minas Gerais que, antes da pandemia tinha um grande fluxo de turistas de todo o mundo, o setor hoteleiro também ficou bastante prejudicado. Paulo Lemos, dono da pousada “Casa do Chá Ouro Preto”, contou que as reservas de abril, maio, junho e julho estavam praticamente fechadas, mas que foram canceladas assim que a pandemia começou. Dessa forma, foi inevitável dispensar os seus funcionários, por mais que tenha tentado segurar ao máximo. “A princípio, muitos hóspedes tentaram mudar a data, mas na medida que as informações foram ficando mais precisas, cancelaram. Até porque, muitas pessoas vinham a Ouro Preto, de março a julho, para as formaturas dos alunos da Universidade Federal de Ouro Preto e, com o cancelamento das formaturas, o cancelamento das reservas ficaram mais evidentes”, disse Paulo Lemos. MUDANÇA DE PLANOS
Como iniciativa de fomento ao turismo local e nacional, principalmente em razão da pandemia, campanhas como #NãoCanceleRemarque e #OBrasilEsperaPorVocê, do Ministério do Turismo, mostram incentivo não só para o local de destino dos turistas como para o setor em geral. A turismóloga Isabella Guerra, de 31 anos, expressou sua opinião a respeito da projeção da área após a pandemia dizendo que “com as moedas estrangeiras em alta, o turismo nacional pode vir a ganhar força, e o Brasil, talvez, seja, o principal destino escolhido pelos brasileiros.” Isabela Guerra foi diretamente afetada pela pandemia não somente por atuar no setor como turismóloga e escritora de livros de viagens, mas como turista. Antes de ser decretado o fechamento das fronteiras aéreas e terrestres, a turismóloga estava viajando pelas Filipinas com o marido. Como o quadro de pandemia ainda não havia se alastrado pelo mundo, estando concentrado na China e começando a chegar à Europa, o planejamento de viagem não havia sido afetado e os voos estavam todos mantidos. Ela conta que, faltando apenas 3 dias para o retorno ao Brasil, a situação mundial
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começou a mudar drasticamente, fechando aeroportos nacionais e internacionais. O casal ficou preso em uma das ilhas das Filipinas até conseguirem ir para a capital, Manilla. A turismóloga conta que, entre contatos com a Embaixada Brasileira e o Departamento de Turismo das Filipinas, a viagem durou 30 dias a mais que o programado. Enquanto um casal “sofreu” por estar preso em seu destino de viagem, outro sofreu por não poder embarcar. É o caso do advogado Júlio César Máximo, de 38 anos, e da fisioterapeuta Ruana Máximo, de 31, que embarcariam para uma eurotrip no dia 18 de maio. Em conversa com a redação, o casal contou como foi o processo de remarcação da viagem para setembro. “Nós viajaríamos dia 18 de maio, fechamos tudo em fevereiro. Se tivéssemos parado para refletir, pela China ter uma relação comercial aberta com vários países, era inevitável que isso acontecesse. Basicamente, por não vermos o reflexo desse vírus em outros lugares, acabamos fechando a viagem. Aí, acabou que não deu para viajar e começou a maratona para resolver a situação”, explicou Júlio César. O casal contou detalhadamente sobre complicações que tiveram na remarcação das estadias, por exemplo, e como estão lidando com as incertezas ao remarcar a viagem para setembro. Para conferir a conversa na íntegra, acesse aqui.
ARTE URBANA EM CONFINAMENTO Impedidos de expressarem suas inquietudes nas ruas, artistas urbanos migram para o ambiente virtual e almejam maior valorização de seus trabalhos no período pós-pandemia Por Eduardo Almeida e Letícia Sudan
Durante o período de isolamento social, motivado pelo novo coronavírus, a distância das ruas transformou a realidade de muitos artistas urbanos, mudando não só a rotina, como também reinventando o formato de seus trabalhos.
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“O meu trabalho sempre foi divulgado pelas ruas, onde as pessoas passam e vêem. Eu estou me mantendo com trabalhos de ilustração, trabalhos que eu possa vender, como telas. Meu projeto é minha rede social, o que eu vou fazer agora é aumentar a popularidade, fazendo vídeos mais interessantes, com os quais que eu possa ajudar as pessoas, como videoaulas. Minha visão sobre tudo isso que estamos vivendo, e como vamos sair disso em relação a arte, é que muitos artistas vão também evoluir seus trabalhos e, de certa forma, seus desenhos, pois estão com mais tempo para eles mesmos, podendo estudar, pensar e fazer outros cursos. Os artistas em si vão estar melhores e vão estar com mais vontade de fazer (arte). A gente sempre consegue ver um lado positivo das coisas.” - Ed-Mun, 38 anos, grafiteiro, Belo Horizonte.
“Antes da pandemia, eu já usava as redes sociais para divulgação, mas também utilizava muito o cartão de visita, estava presente em festivais e nesses encontros de networking. O isolamento social muda tudo, pois meu trabalho é essencialmente a arte urbana, é estar na rua e pintar. Eu tive que repensar a forma do meu trabalho e investir em outras, como produção de telas, desenhos, esquetes e coisas que sou capaz de fazer em casa. Está ficando óbvio o tanto que precisamos de arte agora, do tanto que a gente consome filmes, séries, desenhos, quadrinhos, músicas. Já é um momento para a valorização da arte e eu espero que, depois, as pessoas sejam capazes de valorizar monetariamente também, de entender que têm pessoas que vivem dessa produção.” - Kawany Tamoyos, 23 anos, artista urbana, Belo Horizonte.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
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‘‘Acabou aquele escape que tínhamos de sair na rua, poder distrair a cabeça com alguma coisa. É um momento complicado, mas creio que é um momento de aprendizado. Eu, por exemplo, perdia muita coisa de família por causa dos trampos. Sempre estava em batalha em dias específicos, como Dia dos Pais e almoço em família. A quarentena veio aproximando a gente dessas pessoas. A arte é o único meio de escape que a gente tem nesse momento, eu que sou uma pessoa bastante ansiosa, o único jeito que eu estou tendo de expressar, de explodir, é em meio a minha arte mesmo, na minha música. Eu acho que isso é o que restou pra gente, a arte está em todas as partes, até no jeito da gente aprender e entender o próximo. Talvez, depois da pandemia, as pessoas comecem a ver isso, a importância de um artista independente.’’ - Drizzy , 19 anos, músico, Belo Horizonte.
‘Estou fazendo uma ação solidária. Não estou ganhando dinheiro nenhum com isso, mas eu estou colocando meu nome pra rodar com essas máscaras. Estou buscando apoio de empresas para bancar ou trocar por alimento não perecível, como cestas básicas, para doar para as pessoas carentes. Esse momento que estamos passando é uma mudança muito grande na cabeça das pessoas, na economia, no bolso de todo mundo, então temos que nos reinventar todos os dias. Acho que temos que pensar muito no outro, como podemos ajudar quem está precisando, mesmo também precisando ganhar dinheiro. Pós-pandemia a arte vai entrar com um novo processo para as pessoas pensarem em outras coisas, para ter outros valores, não só o consumismo no bem material, mas também no bem artístico e estético, no poder ajudar.’’ - Marcus Pascualini, 41 anos, artista visual, Belo Horizonte.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
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‘‘Estamos fazendo tudo a distância, cada um na sua casa e fazendo sua parte parte. A arte é um lugar que você pode se encontrar, tanto pelo público e por quem está fazendo mesmo. Quando você está triste, faz uma música, mesmo que ela seja triste, ela te faz se sentir bem, porque você conseguiu expressar o que estava sentindo, além de mostrar para o outro que também pode estar sentindo isso. Para ser bem sincero, eu acho que agora, na pandemia, as pessoas já estão enxergando o valor maior na arte. Há mais tempo para você escutar um artista fazendo uma live, falando sobre a dificuldade, ajudando e vendo que não é uma simples música que você escuta na balada.’’ - Breno Duarte, 18 anos, Músico, vocalista do grupo 26:15, Belo Horizonte.
‘‘Antes da pandemia, eu trabalhava muito presencialmente em tudo que envolvesse cultura. Profissionalmente o que mudou foi que eu tive que concentrar e me adaptar a tudo que eu já fazia, intensificando nas redes sociais. Como seres humanos, vamos valorizar mais uns aos outros e as coisas simples que a gente tinha de fartura antes da pandemia. Nesse período, talvez entenderemos o poder e a urgência que a arte tem na vida das pessoas. Temos a música, os poemas e os filmes, tudo isso é arte. Talvez as pessoas entendam como a arte está presente na vida e como ela é importante. Nós entendemos que a arte é um segmento urgente também na sociedade. Pós-pandemia eu imagino que as pessoas consigam ser gratas e valorizar mais, seja estando presente, indo em eventos, consumindo mais.’’ - Cesar, 23 anos, músico, Morro do Quadro - Espírito Santo.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
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‘‘O momento é de reflexão mesmo, da gente pensar outras formas de trabalho e divulgação. Como autônomo, eu vivo disso, e se você não tiver uma certa visibilidade, é bem complicado. Como seres humanos, vamos evoluir, estávamos passando momentos de transformação desde a era da internet, que mudou os meios de comunicação. Hoje em dia a gente não só vê pela TV e escuta, hoje em dia a gente tem o poder da voz. A pandemia vai fazer com que a gente evolua, é um momento de crescimento, de reflexão, para todos os ramos. Acho que vai ter muita empresa que vai adotar o home office, até em questão de economia e de poluição. Então, eu acho que como a gente está no olho do furacão não percebemos essas coisas, mas estamos fazendo história, não só os artistas, mas no geral.’’ - Ataíde Miranda, 49 anos, artista plástico, Belo Horizonte.
‘‘A rua é o motivo pelo qual eu não estava na minha casa. É tempo de pensarmos o quanto precisamos melhorar e entendermos os nosso privilégios, entender que o nosso mundo, o nosso planeta, tem recursos maravilhosos, mas que são finitos e estão acabando. E olha que legal: precisa de uma pandemia para os pais entenderem a importância dos professores, porque agora eles que estão tendo que ensinar seus filhos. É hora das pessoas pararem pra enxergar quais, de fato, são os valores que importam para gente, todos precisam melhorar. A galera só está segurando a onda pois conseguem assistir um seriado na Netflix e etc. Tudo precisa de um artista, designer, produtor, músico, tem toda uma estrutura. A arte é fundamental e a esperança é que a galera e que os artistas também se posicionem ainda mais e entendam a importância do seu fazer artístico’’ - Dequete, escritor urbano, artista visual e arte-educador, Uberlândia.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
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DESIGN EM TEMPOS DE CRISE SANITÁRIA Da embalagem à sinalização, da informação à reconfiguração da vida em sociedade
Por Sarah Aquino e Thayane Domingos Olhando atentamente ao redor é possível perceber a influência do design no cotidiano. Nas embalagens do supermercado, na disposição das gôndolas, nos veículos que dirigimos, nas placas de sinalização, nos sinais de trânsito e no sinal vermelho que nos foi enviado em dezembro de 2019, obrigando as pessoas a ficarem em casa, devido à pandemia do novo coronavírus. Com múltiplos processos acelerados, o mundo em que tudo era para ontem teve que parar e focar no hoje. Com isso, a empatia e o pensar no outro tornaram-se fundamentos para enfrentarmos mais esse desafio, o que leva designers, guiados pelo princípio da resolução de problemas, a adentrarem o universo do design social para suprir as necessidades humanas. O PAPEL DO DESIGN SOCIAL
O design social é uma área do design que se preocupa com a responsabilidade social da profissão para com a sociedade, e que usa do design e seus processos para trazer mudanças sociais benéficas a todos. Este braço do design nunca se permanece neutro. Mesmo em lugares onde não se vê essa forma de pensamento social, podemos encontrar aspectos que remetem à soluções e oportunidades para quem mais precisa. Consciente do mundo em que vive e empático às questões humanas, o profissional desse âmbito do design usa de métodos extremamente colaborativos, como o Design Thinking e o Human-centered Design (ou design centrado no ser humano). O Design Thinking é uma metodologia que aborda a empatia, a colaboração e a experimentação com o objetivo de resolver problemas complexos com foco nas pessoas. Seus processos de imersão, de ideação e de prototipação permitem qualquer segmento profissional ou educacional realizá-lo. O DESIGN GRÁFICO NA HISTÓRIA
Com o grande objetivo de comunicar visualmente, o design gráfico tornou-se de suma importância para trazer informações complexas de maneira simples para a sociedade. O design gráfico abrange a área de conhecimento e a prática profissional específicas relativas ao ordenamento estético-formal de elementos textuais e não-textuais, que compõem peças gráficas destinadas à reprodução com objetivo de comunicar. Entre as produções desenvolvidas pelos designers, estão os cartazes informativos
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criados para alertar as populações do mundo sobre guerras e graves doenças. Anderson Horta, doutor em design e professor do Centro Universitário de Belo Horizonte – UniBH, afirma que os cartazes são poderosas formas de significação. “Basta lembrar daqueles utilizados pelo governo inglês durante as invasões nazistas e veremos que há um efeito comunicacional de profundo impacto nessas peças. Comunicação visual, que inclui, claro, os cartazes, tem o poder de sintetizar sentidos dos mais diversos, fazendo com que as pessoas se reconheçam nessas peças gráficas. Além disso, há algo quase sempre esquecido quando se produz design dentro de um contexto tão crítico: estamos produzindo registros para a história”, explica o professor. IMAGEM: DUDLEY S. COWES
ARTISTA DESCONHECIDO
Cartazes produzidos durante a Segunda Guerra Mundial. CARTAZES DA PANDEMIA
A pandemia da COVID-19 permitiu que cartazes históricos de doenças pandêmicas e epidêmicas viessem à tona e influenciassem ilustradores e designers a fazerem o mesmo, mas usando as redes sociais online como forma de compartilhamento do que precisa ser dito. Para muitos, os cartazes vão além da técnica comunicacional e se revelam como uma forma de expressão, uma arte. Matheus Leite, diretor de arte da Agência Vison, acredita que “qualquer levante é válido, ainda mais nesse período. A informação se torna maçante e rotineira. Como é um assunto seríssimo, a atenção e as angústias são muito presentes, e a arte dá um tom diferente, porque entretém, gera reflexão e, claro, pode informar”.
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Para ele, o mais importante ainda é informar, mas também é estar atento a levar a informação a quem mais precisa, por isso criou o seu próprio cartaz. “A ideia inicial era combater a desinformação, tentar levantar um pouco do que eu acreditava sobre a COVID-19, do lance de ficar em casa. Aí, depois, eu tinha que ter um ponto para fazer a visibilidade e, por isso, eu usei o signo do sabonete do filme Clube da Luta”, revela o designer.
IMAGEM: MATHEUS LEITE
Cartaz de @leiauterino
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A pandemia da gripe conhecida como espanhola, causada pelo conhecido vírus influenza H1N1, em 1918, foi de longe a mais mortal das pandemias do século XX, causando aproximadamente 40 milhões de mortes em todo o mundo. O retorno de um subtipo do influenza também causou uma pandemia século XXI, com a conhecida gripe suína. Já a pandemia do HIV, que desencadeia a AIDS, iniciada na década de 1960 e que ainda perdura até os dias de hoje, matou mais de 30 milhões de pessoas. Todas essas crises sanitárias, além das epidemias de ebola, dengue, chikungunya, zika, febre amarela, cólera, tuberculose e malária, tiveram e ainda têm o uso de cartazes com o objetivo de comunicar a população sobre as doenças trazendo, por exemplo, quais são os sintomas e as formas de prevenção.
IMAGEM: RL HIGIENE
Peça publicitária sobre a H1N1.
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IMAGEM: COLEÇÃO WELLCOME
Pôsteres de 1950 compartilham a mesma mensagem usando layouts tipograficamente dinâmicos.
IMAGEM: DEPARTAMENTO DE SAÚDE DE NY
Boletim de 1918. Departamento de Saúde da cidade de Nova York incentiva os cidadãos a usarem lenços e evitarem multidões.
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IMAGEM: BIBLIOTECA NACIONAL DE MEDICINA
Cartazes indianos, da década de 1960, sobre a malária.
IMAGEM: DEPARTAMENTO DE SAÚDE DE NY
Cartaz informativo sobre o zika vírus
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DOSSIÊ CULTURA IMAGEM: GOVERNO DO PARANÁ
Cartaz informativo sobre a dengue
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A HISTÓRIA SE REPETE COM O NOVO CORONAVÍRUS
Com a atual pandemia do novo coronavírus, em um planeta extremamente conectado, os cartazes informativos sobre a doença, feitos por designers e ilustradores, circulam pela internet e em redes sociais online a todo momento. Perfis na rede Instagram, como @DesignAtivista e @Covidesigners, publicam artes gráficas abordando a situação da doença e suas consequências, como o isolamento social.
Imagem de @caminarua
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Imagem de @carloslzro
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Imagem de @bel.maju
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Para a professora Akemi, os cartazes se repetem na pandemia da COVID-19, mas algumas mudanças aconteceram. “As imagens e os cartazes, as comunicações, passam por um desenvolvimento até mesmo da forma de como apresentar. Visualmente, hoje, têm mais um caráter educativo e de infográfico, onde misturam a imagem com a informação. Os infográficos acabam apresentando melhor a informação. Eles mudaram ao longo tempo. Se pesquisar os da gripe espanhola, eram mais textuais e, hoje, é uma linguagem mais visual”, explica Akemi. O DESIGN NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
Ainda que a pauta tenha o intuito de mostrar, principalmente, o papel do design em situações de crise, para o professor Anderson Horta, é importante destacar a relevância do design para uma reconfiguração da sociedade no momento pós-crise. “Basta pensar em um de seus conceitos mais nucleares, que trata da área do conhecimento responsável por dar sentido aos bens, assim como estudar esses mesmos sentidos. Um momento sensível como o que vivemos pede ressignificação em diversas esferas, incluindo seus objetos, peças de comunicação e ambientes. Dar novo sentido às atividades cotidianas será um dos desafios no novo cenário que pode vir a durar anos. Sendo assim, repensar os instrumentos que usamos nesse cotidiano, será, também, repensar seus sentidos”, reflete o professor. Com a pandemia do novo coronavírus rondando o planeta, mudanças serão implementadas para evitar novos surtos da doença no futuro. Dessa forma, a distância entre os objetos e as pessoas no espaço serão bem diferentes do que conhecemos hoje. Para Marcos Andrade, proprietário da agência 8Dpro, as empresas também precisarão se reposicionar por meio do design e da comunicação. “O mais importante é se colocar no lugar do outro, do cliente, do fornecedor, do devedor, e encontrar o melhor caminho para o cenário. O famoso ‘agindo local, pensando global’”, explica Marcos.
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
MINHA QUARENTENA Exercício fotográfico dos alunos de Jornalismo do UniBH, ministrado pelo professor Rodney Costa, com o tema “minha quarentena”
Lave as mãos, use máscaras, faça cursos online, redescubra um dom, ocupe o tempo livre, aproveite a família, ressignifique a vida. Em tempos de pandemia e isolamento social, essas são algumas das expressões imperativas que lemos e ouvimos por aí. Para os alunos do UniBH, a quarentena não tem sido fácil. Estar com os colegas e tomar sol no campus já não é possível, a rotina precisa ser mudada e as aulas de fotografia adaptadas. As fotos a seguir são resultado do exercício “Minha Quarentena”, proposto pelo professor Rodney Costa aos alunos de Jornalismo da instituição. “Duas regras: fique em casa e, se quiser, pode usar o celular”. FOTO: EMMANUELLY GOMES
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
FOTOS: DÉBORA NASCIMENTO
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FOTO: ANDRÉ DE PAULA
FOTO: NILTON LUCAS
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
FOTO: GLYCIA LORRAINY
FOTO: LEONARDO GARCIA
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
FOTO: LUDMYLA BELTRÃO
FOTO: THAYANE SOUZA
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PRECISAMOS SER PRODUTIVOS O TEMPO TODO? Como a cultura da produtividade pode afetar nossa saúde física e mental, principalmente em momentos de isolamento social
Por Jéssica Helen e Laura Mourão Vivemos em uma época digital, onde tudo é mostrado nas redes sociais online e a sensação de disputa entre as pessoas cresce cada dia mais. Ser produtivo deixou de ser uma vantagem ou qualidade e se tornou uma obrigação. E com o isolamento social, devido à pandemia da Covid-19, a necessidade de mostrar “quem produz mais” se intensificou. Segundo o Google Trends, ferramenta que mostra as palavras mais buscadas no Google, os termos “como ser produtivo na quarentena” e “curso online” tiveram aumentos repentinos de busca nos meses de março e abril de 2020. Vários conteúdos digitais exaltam uma repentina fartura de tempo que nos foi “dada”. Nessa nova realidade, onde não precisamos ir ao escritório ou ficarmos presos no trânsito, nos vemos, de repente, frente à possibilidade de cumprir todas aquelas tarefas para as quais sempre estamos muito cansados: arrumar o armário, ler uma pilha de livros, começar aquele curso online que sempre deixamos para depois, aprender um novo idioma, um novo instrumento. Mas, não é porque temos “mais tempo” agora que obrigatoriamente precisamos produzir o tempo todo. Estar no meio de uma pandemia afeta a sociedade como um todo e não apenas na adaptação para trabalhar e estudar em casa, como também na saúde mental. A CULTURA DA PRODUTIVIDADE
A procura incessante pela produtividade é consequência de uma ideia enrustida na sociedade de que qualquer momento não aproveitado para criar uma oportunidade de lucro ou de avanço pessoal é um momento desperdiçado. E agora, com “mais tempo” em casa, a ideia do desperdício pesa cada vez mais.
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Segundo o médico psiquiatra Tasso Amós, a produtividade revela a capacidade de organização e execução de tarefas, de solução de problemas e é, portanto, uma forma de avaliarmos a funcionalidade do indivíduo. Entretanto, não é, necessariamente, um indicador de bem-estar. “É impossível garantirmos produtividade o tempo todo, já que diversas variáveis são envolvidas e algumas delas sempre fugirão do nosso controle. Alterações do humor, da concentração, perturbações do sono, essas são algumas funções orgânicas que modulam nossos rendimentos social e laboral. Variações climáticas, interações com as outras pessoas, pressão pelos resultados e atividades de risco, são inúmeras as influências externas”, afirma Tasso. Além das tarefas obrigatórias, nos forçamos a desenvolver novas habilidades. A sensação de que fomos produtivos é realmente satisfatória, mas quando não atingimos o objetivo, sabemos lidar com a frustração? Pois se a resposta for não, acabamos entrando em estado de vulnerabilidade. Uma vez que queremos produzir o tempo todo, mas isso não dá certo, se não soubermos lidar com isso, vamos nos sentir culpados, aumentamos a nossa cobrança e tudo isso vai se acumulando. Como consequência, ficamos em estado de estresse, ansiedade e culpa. A psicóloga Talita Pupo Cruz, especialista em terapia cognitivo-comportamental, diz que transformar um tempo “extra” em produtividade não tem que ser uma regra. “Sempre gosto de dizer que precisamos ter equilíbrio em tudo que fazemos. A autocobrança é importante para poder lidar com as tarefas diárias e podermos manter nossas responsabilidades sobre aquilo que assumimos conosco e com o outro, porém, é necessário um equilíbrio. Uma dica é fazer uma reflexão sobre você: será mesmo que isso faz sentido? Faz sentido para quê? Será que é saudável para você se manter nesse lugar?”, reflete Talita. O que muitos não sabem é que há uma diferença entre estar cheio de coisas para fazer e ser produtivo. Ser produtivo quer dizer que suas atividades estão planejadas com início, meio e fim. Que você conhece a prioridade entre elas. E, sobretudo, que é capaz de dizer não, com explicações racionais, para atividades novas que possam interferir no seu planejamento. É generalizado o quanto as pessoas estão tentando ser produtivas, vivendo jornadas exaustivas que afetam negativamente a saúde mental. No Brasil, 9,3% da população sofre com transtornos de ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão será a doença mental mais incapacitante do mundo no ano atual, 2020. E isso já está se tornando realidade. Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro aponta que os casos de ansiedade tiveram um aumento de 80% e os de depressão dobraram no período de quarentena. Para a psicóloga Talita, conseguir gerenciar bem o próprio tempo é fundamental para organizar as tarefas do dia a dia e aumentar a capacidade produtiva. Mas, nem todas as pessoas conseguem fazer uma boa gestão do tempo e acabam se cobrando em questão de produção. “Nós não damos conta de tudo e tudo bem não dar conta de tudo. Precisamos de ser mais leves, a cobrança em excesso nos prejudica e muito”, finaliza Talita. Por conta da pandemia, sofremos alterações no nosso estilo de vida, no trabalho, na escola, faculdade, e em outros hábitos diários. Hábitos estes que fomos obrigados a adaptar como podemos, tudo de forma remota. E, para aqueles que, infelizmente, não
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podem trabalhar de casa, as preocupações com o futuro aumentam ainda mais. Quem está passando por momentos difíceis vê as pessoas que “estão produzindo” sendo criativas, trabalhando, alcançando objetivos, e acabam se comparando e entrando em um looping sobre o que deveriam estar fazendo. Esse looping acaba se tornando algo prejudicial e cria uma relação tóxica entre os indivíduos e seus anseios. A estudante Ana Clara Piedade, diagnosticada com depressão e ansiedade, afirma que a pressão da quarentena teve vários impactos negativos em sua vida. “Hoje, não consigo fazer nada que não seja obrigada a fazer, não consigo prestar atenção nas aulas, meu desempenho tem caído muito. Faço acompanhamento psicológico semanalmente e psiquiátrico quinzenalmente. Tenho mania de me controlar o máximo e estourar, meu medo mesmo é do estouro. Me sinto estressada, ansiosa, apática, explosiva, exausta, sinto que tenho que fazer tudo e me organizar, tudo confuso”, conta Ana Clara. A principal exigência que deve ser ajustada é a interna, a autocobrança. Entender o nosso potencial é essencial. Analisar com cuidado a urgência, tendência e importância do processo sob nossa responsabilidade. Quando há expectativa externa, da chefia ou de um cliente, por exemplo, é importante analisarmos a intenção de quem cobra, diferenciar necessidade e demanda pode ajudar o indivíduo a entregar o produto final sem tanto envolvimento emocional. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E A ADAPTAÇÃO
O termo de inteligência emocional foi registrado pela primeira vez em 1966, por Hanskare Leuner, um psicólogo americano. Este termo pode ser definido como a sabedoria de saber administrar as emoções. Para isso, é necessário compreendê-las e, só assim, saberemos como lidar com as mesmas. De acordo com Rodrigo Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional, existem 5 pilares para atingi-la: autorresponsabilidade, percepção das emoções, gerenciamento das emoções, foco e ação. Ao aprendermos a lidar com nossas emoções, podemos usar isso em benefício próprio, principalmente em momentos de crise. E isso não quer dizer que precisamos estar o tempo todo felizes, mas é necessário que saibamos entender as nossas emoções e também nos adaptar ao momento que estamos vivendo. Adaptabilidade é a capacidade que um indivíduo tem de se adaptar, de acordo com as necessidades, situações e circunstâncias. Trata-se da aptidão de viver em condições diferentes daquelas às quais está naturalmente acostumado. Mudar pode ser assustador, mas é bom porque a adaptação aumenta a velocidade de raciocínio, ajuda na tomada de decisão e torna as pessoas mais resistentes à frustração. Diante da situação atual que estamos vivendo é muito importante cuidar da saúde emocional. A psicóloga Talita Pulpo separou algumas dicas de como cuidar da mente durante a pandemia: INFOGRÁFICO: MATHEUS ROCHA
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SAÚDE FÍSICA
Esse excesso de cobrança não afeta apenas a nossa saúde mental, mas também a nossa saúde física. Algumas doenças clínicas se associam ao estado de estresse crônico, como hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares, alterações gastrointestinais, cefaleias e outras dores crônicas pelo corpo, além de algumas doenças infecciosas oportunistas, devido a piora da imunidade. Você já ouviu falar do cortisol? O cortisol é o hormônio presente no corpo humano que nos prepara para as nossas atividades do dia a dia. Com o cortisol transitando pelo corpo, ele vai ativando nossa capacidade produtiva. Maior necessidade de atenção, consequentemente, maior nível de cortisol e maior capacidade produtiva. Mas, diferente do que muitos pensam, se os níveis de cortisol continuarem subindo, ou se eles continuam lá no alto, o seu nível de produtividade não vai continuar subindo. A curva da produtividade para de subir e começa a despencar. O que era atenção vira estresse, e o estresse começa a te prejudicar. A memória passa a falhar, os sintomas de ansiedade aumentam (pressão alta, taquicardia), o sistema imunológico abaixa e nossa resposta racional fica prejudicada. É nesse ponto em que a gente começa a ter dificuldade pra fazer as coisas, pra raciocinar e, portanto, a produtividade cai e sobem todos os sentimentos de frustração e ansiedade. INFOGRÁFICO: PAULO HENRIQUE SANTOS
A liberação repetida do hormônio de estresse diminui a liberação de serotonina, uma substância importante para a sensação de bem-estar. Certamente, o estresse diminui a qualidade de vida, reduzindo os sentimentos de prazer e realização, e os relacionamentos são freqüentemente prejudicados. Essa expectativa do desempenho criada pela atual maneira de viver na sociedade pode ser muito prejudicial para saúde, tanto mental quanto física, do ser humano. Devemos sim ser produtivos, mas não é nos mantendo sempre ocupados e cheios de tarefas que isso será possível. Organização, planejamento e dedicação aos seus objetivos é o que pode fazer a diferença. “Manter a saúde e mental é, sim, possível no contexto da pandemia. A redução das interações sociais saudáveis e a sobredose de relacionamentos desgastados, o prejuízo econômico, incertezas relacionadas à um possível adoecimento - do próprio indivíduo e de seus amados -, a limitação da prática de atividades em grupo e ao ar livre, todos esses fatores nos aproximam do estresse. Entretanto, se organizarmos bem o nosso dia e montarmos uma rotina que combine trabalho, descanso e “brincadeiras”, podemos passar por esse deserto e sairmos com impressão de vitória. Aos pais, momento de se aproximar dos filhos, de conhecê-los melhor. Mesmo os que estão sozinhos podem desenvolver a solitude, ao invés da solidão”, finaliza o psiquiatra Tasso Amós.
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A CULTURA DO CANCELAMENTO E A SUA OBSCURIDADE O perigo da distribuição de ódio gratuito na internet FOTO: THAYNA VALADARES
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Por Isabela Santana Quase diariamente nos deparamos com uma pessoa “cancelada” na internet. Essa prática frequente surgiu com os novos formatos de interação online e se tornou um fenômeno atual, que ficou conhecido como “cultura do cancelamento”. Para o Dicionário Macquarie, o mais popular do inglês australiano, esse é o termo que define 2019. Cancelar significa silenciar alguém, calar uma voz de forma absoluta, muitas vezes como forma de protesto e denúncia a uma posição política, ideológica ou moral. Esse ataque acontece, geralmente, aos artistas, personalidades e influenciadores digitais que estão mais expostos na mídia. Está diretamente ligada à forma como se dão as relações sociais e a algumas lutas e bandeiras ideológicas. De acordo com uma análise publicada na revista americana New Republic, escrita pelo jornalista Osita Nwanevu, internacionalmente, a ideia de cancelamento surgiu com o movimento #MeToo. Em 2017, quando uma série de denúncias de assédio sexual se espalhou pelo mundo contra homens influentes, o #MeToo fez com que esses agressores fossem cancelados e excluídos em uma ação impulsionada pelas redes sociais online. Além disso, segundo o autor da análise, as pessoas que fazem essas críticas são jovens progressistas, minorias e mulheres, que encontraram nas redes sociais um lugar à mesa, onde questões de justiça ou de etiqueta estão sendo debatidas e estão fazendo barulho para recuperar o tempo perdido. Osita ainda sugere um entendimento de que os cancelamentos são como expressões públicas e corriqueiras de desagrado, manifestadas por pessoas comuns em novas plataformas. Porém, o que entra em debate é até que ponto esse cancelamento é, de fato, uma forma de protesto e ativismo, ou passa a ser um linchamento virtual. O que ele diz sobre a pessoa cancelada e o que diz sobre a pessoa que cancela? Quais são os ganhos e perdas? Enxergo o objetivo do cancelamento como algo necessário para a evolução das pessoas, como uma crítica construtiva, uma reclamação pertinente, porém, acredito que deveria ser uma prática mais saudável, com diálogo, para que as pessoas vejam que estão erradas e repensem suas atitudes, com empatia. O próprio nome “cancelamento” já nos remete a uma prática mais radical. Essa prática está acontecendo cada vez mais por motivos banais e por erros pontuais de algúem. Mesmo com a pessoa se retratando, ela continua sendo alvo do cancelamento. A velocidade com que se cancela e “descancela” é assustadora. Mesmo com o “descancelamento”, os danos causados, morais e psicológicos, podem ser irreversíveis. Além disso, a seletividade é um dos seus maiores problemas. Duas pessoas cometem o mesmo erro e, às vezes, apenas uma delas é cancelada. É desproporcional, não é justo. Afinal, quem somos nós para cancelar alguém? Será que não podemos ter a oportunidade de errar e aprender com os nossos erros? Nas redes sociais, essa cultura tem perdido o seu valor no momento em que passa a ser um linchamento virtual, um boicote ou até mesmo um cyberbullying, ferindo a integridade e saúde mental das pessoas. Isso não é legal e não instiga a uma mudança verdadeira, que deveria ser o intuito dessa cultura, mas sim, leva a uma frustração ou possível depressão. Facilmente encontramos na internet muitos comentários ofensivos, desrespeitosos
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e irresponsáveis, ou seja, muitas atitudes já não são mais toleráveis, não são erros pontuais, algumas opiniões não são apenas opiniões, são declarações racistas, homofóbicas, machistas, são crimes. Envolvem lutas e causas fundamentais da sociedade. Esse é o principal motivo que leva os usuários a acreditarem que o cancelamento deva ser uma prática mais dura, um protesto como, por exemplo, apoiar o fim da parceria de um famoso com uma marca patrocinadora, interromper a sua atividade profissional ou removê-lo da internet. O nosso papel como cidadão diante de uma declaração criminosa é denunciar e encaminhar para a Justiça, para que seja feita a investigação da forma correta. As próprias plataformas digitais disponibilizam essa ferramenta para denúncias. SAIBA COMO DENUNCIAR UMA CONTA OU PUBLICAÇÃO NAS REDES:
- Instagram - Twitter - Facebook Em nota, a assessoria de comunicação da Polícia Civil de Minas Gerais afirmou: “A Polícia Civil de Minas Gerais informa que recebe algumas denúncias via suas redes sociais oficiais, mas sempre orientamos ao usuário a procurar uma delegacia de Polícia Civil ou que faça através do meio oficial que é o Disque Denúncia Unificado (fone:181), para que as Autoridades Policiais tomem conhecimento oficial da denúncia e assim possam tomar as providências legais cabíveis. Reforçamos que as redes sociais da PCMG são para divulgar informações da instituição e que não é possível registrar denúncias ou qualquer outro fato, utilizando as plataformas (Instagram, Facebook, Twitter ou YouTube)”. Acredito que ainda não encontramos a resposta do que é certo ou errado nessa história. É uma linha tênue, mas precisamos encontrar o equilíbrio entre lutar pelos nossos direitos humanos e democracia, principalmente nesse cenário político conturbado, e linchar virtualmente uma pessoa, que também necessita desses mesmos direitos. Estamos falando de pessoas. Precisamos reavaliar nossas atitudes e o que elas dizem sobre nós, sobre tudo aquilo que publicamos sem pensar, e àquela nossa impulsividade que provoca reações inapropriadas, um cancelamento desnecessário. Não sejamos um distribuidor de ódio gratuito na internet. Confira o áudio com opiniões de universitários de vários cursos sobre a cultura do cancelamento:
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CASA-GRANDE E SENZALA Pandemia pede sacrifício da população negra e pobre ILUSTRAÇÃO: MATHEUS ROCHA
Por Matheus Rocha Contarei estórias de negação. Pois, os fantasmas do passado ainda caminham entre nós e nada desaparece por completo da memória. Em um país negro e pobre, como o nosso, é dessa maneira que o racismo se mantém na estrutura da nossa sociedade. A história do Brasil foi marcado por quase quatro séculos de escravidão da população africana e afro-brasileira, e apesar da abolição da escravatura, não houve uma ruptura entre a casa-grande e a senzala. Angela Davis (2019), filósofa e ativista afro-americana, nos diz: “Nós proclamamos a abolição da escravidão pensando que os impactos econômicos, culturais e sociais da escravidão fossem desaparecer automaticamente”. Claro, há diferenças gigantescas entre o sistema escravocrata brasileiro de 300 anos atrás e o sistema que nos encontramos hoje, mas ainda existem comportamentos que nos lembram e retomam esses tempos anteriores. A crise que vivemos hoje tem cor, e é a partir dela que nossa sociedade elege quem
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morre e quem vive. Podemos medir isso pelo quão descartáveis e substituíveis são os corpos negros. Ao lançarmos mão de uma visão crítica dessa realidade que afeta todos nós, percebemos que a maioria da população negra é excluída da possibilidade de tentar sobreviver quando se vêem obrigadas a trabalhar e frequentar os “casarões dos senhores”, ainda que eles estivessem contaminados pelo coronavírus. O que trago aqui, vai ao coração da estrutura racista em que vivemos: muitos moradores das comunidades brasileiras mantém a força de trabalho, compõem uma parcela social mais vulnerável, estão destituídos de uma rede eficaz de tratamento de saúde e proteção à vida e dependem de transporte público massificado. Eles são a prova de que resquícios da escravidão, como opressão e territorialismo, ainda são obstáculos que dificultam qualquer reparação. Como esquecer de Dona Cleonice, primeira vítima da pandemia no RJ, que nem após a sua morte escapou da invisibilidade quando lhe tiraram até o nome, sendo retratada pela mídia apenas como “A empregada doméstica que morreu de coronavírus” por contrair a doença de sua empregadora que nem se deu ao trabalho de avisar que estava doente. São vidas de homens e mulheres que precisam provar que não são menos, e que as mesmas adversidades dos seus “senhores” não lhes são diferentes, quando são reduzidos a uma forma contemporânea de subjugação da vida ao poder da morte. Se pensarmos um pouco mais afundo nessa estrutura, chegamos ao modelo de encarceramento brasileiro, com a terceira maior população carcerária do mundo com pouco mais de 800 mil presos, sendo que, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DNP), 65% da população presa é predominantemente composta por pretos ou pardos. O sistema penal funciona quase como uma limpeza colonialista maliciosa, de valores eugenistas e que mantém uma lógica ainda opressora e estrutural de captura e extermínio da população negra. Parafraseando Conceição Evaristo, em seu livro Olhos D’Água (2018), “Deve haver uma maneira de não morrer tão cedo e de viver uma vida menos cruel”. A gente vive uma vida inteira de negação de dignidade e de direitos, e custa muito pouco para os capitães-do-mato e seus senhores continuarem a explorar, segregar e pedir um sacrifício da população negra e pobre, porque para tais já estamos e somos destituídos de humanidade. Xeque-mate para a casa-grande e toda essa estrutura. Eles banalizam nossos corpos e colocam em tabelas e números quantos dos nossos devem morrer. O racismo, assim como o coronavírus, não conhece fronteiras étnicas ou de gênero. Da senzala de séculos atrás restaram apenas assombrações, uma imagem diluída no tempo. No entanto, quanto mais a casa-grande habitar em nós e oferecer morada aos desejos e ilusões senhoriais, mais reais e violentos serão os retornos de imagens adormecidas dos sofrimentos que fomos coniventes em soterrar. Será que não superaremos as explorações humanas? Será que reencarnaremos em corpos vivos a imagem morta do colonialismo? Não aprenderemos que toda vida importa? Até quando haverá uma senzala querendo nos aprisionar e uma casa-grande nos afastando a possibilidade de existência?
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PUBLICIDADE EM TEMPOS DE PANDEMIA A rede de influência das marcas continuará produzindo e incentivando boas ações quando tudo isso passar?
Por Eduardo Almeida A publicidade, por meio de suas ações, sempre teve o papel de construir conceitos. Já as campanhas publicitárias são estratégias de vendas, que trabalham com o reflexo da sociedade e, na maioria das vezes, buscam influenciar nossos comportamentos. Elas têm o poder de incentivar uma compra, a aceitação de algum produto ou mudanças de hábitos. Evidentemente, no cenário de pandemia, a forma com que a publicidade conversa com o consumidor teve que se alterar. Como disse o vice-presidente de data e estratégia da agência Leo Burnett, Tiago Lara: ‘‘é hora das marcas atuarem com empatia antes de pensarem em vendas’’. Sendo assim, vemos que muitas empresas estão abraçando a ideia de alertar seus clientes e informá-los por meio de peças publicitárias que podem ser positivas para o posicionamento das marcas, enquanto outras se afastam ou tentam conter seus consumidores pelo medo. Temos como exemplo o GRAACC - Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, realizador de uma campanha para arrecadar doações chamada ‘‘A gente sabe’’, em que contextualiza que todos os fatores que estão nos fazendo sofrer - como não estar perto de quem amamos e a briga com um “inimigo que não vemos”, se referindo ao novo coronavírus –, fazem parte da realidade de crianças que lutam contra o câncer. A mensagem positiva é que, assim como as crianças em tratamento, todos nós temos que saber nos proteger, lutar,
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importar com quem amamos, manter a esperança e acreditar. Outra campanha positiva, que buscava motivar as pessoas a ficarem em casa, foi a #PlayFortheWorld, criada pela Nike e pela Agência Wieden + Kennedy Portland. A propaganda deixa claro que o coronavírus parou o mundo dos esportes, porém, ela incentiva as pessoas a treinarem em casa, com várias imagens de atletas realizando suas atividades físicas em diversos cômodos de suas residências. Além desse incentivo, a campanha reforça a questão de que, mesmo separados, está na hora de todos fazermos o bem pelo coletivo com frases que dizem: ‘‘A gente pode não estar num estádio lotado. Mas hoje representamos 7,8 bilhões de pessoas’’ e ‘‘Essa é nossa chance de jogar pelo bem do mundo’’. Mesmo com tantas boas maneiras de influenciar a população, algumas empresas não tiverem um bom posicionamento perante ao momento e alcançaram repercussão negativa. É o caso da rede de hambúrgueres Madero. Em suas redes sociais online, o proprietário da marca, Junior Durski, fez um vídeo apelativo se posicionando contra o lockdown. No vídeo, o empresário diz que ‘‘as consequências que nós vamos ter no futuro são muito maiores do que as pessoas que vão morrer’’. É evidente que Júnior destacou seu posicionamento individual, no entanto, é possível destacar a falta de empatia que são refletidas em cima de sua marca. Existem também companhias que prefeririam não usar a publicidade nesse momento, como a Coca-Cola Brasil. Em seu Instagram, a instituição fez um anúncio alertando que, por termpo indeterminado, iriam parar todas suas campanhas publicitárias e iriam doar 120 milhões de dólares para os esforços ao combate à doença. Para mais, a instituição fez um outro pós em suas redes sociais, agradecendo a todos os profissionais que estão na linha de frente. De fato, a publicidade está agindo com empatia e usando de consciência social diante esse desafio. No entanto, nós devemos refletir: será que só perante a dificuldade é hora da publicidade fazer o bem? Em resumo, é muito fascinante a forma que o bem, interligado com a promoção de várias marcas, altera a forma de pensar, agir e consumir da sociedade. Mas, e após essa crise, as grandes empresas vão continuar induzindo seus consumidores a realizarem boas ações ou voltarão a aliená-los em busca do consumismo maçante?
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COMBATE À DESINFORMAÇÃO: O RESGATE DO VALOR DO JORNALISMO 7 em cada 10 internautas acreditaram em pelo menos uma notícia falsa sobre o novo coronavírus
Por Laura Mourão Desde seu surgimento, confiamos à imprensa a responsabilidade de divulgar notícias pelo mundo todo e de checar e comprovar a veracidade das informações que circulam. Assim, em meio a pandemia do novo coronavírus, não é muito difícil falar sobre a importância do papel da mídia para a sociedade. As mídias tradicionais, como emissoras de rádio, TV e jornais impressos, reafirmaram seu papel de protagonistas na disseminação de informações confiáveis. O trabalho jornalístico incansável na cobertura da pandemia e seus impactos em todas as esferas da sociedade, feito por profissionais comprometidos com a fidelidade dos fatos e com o bem-estar coletivo, se tornaram uma vacina poderosa no combate à propagação da Covid-19. Segundo levantamento feito pela Datafolha, dos dias 1 a 3 de abril de 2020, em relação à confiança nos meios de comunicação na divulgação de informações sobre o coronavírus, os programas jornalísticos na TV e os jornais impressos seguem como os mais confiáveis entre os meios pesquisados. Já as redes sociais online seguem como os meios menos confiáveis. É justamente a veiculação de informações devidamente apuradas e checadas que representa um pilar para a população identificar as informações que não são confiáveis e que estão, muitas vezes, nas mensagens que circulam pelos nossos celulares. Ao trazer luz aos fatos, o jornalismo profissional contribui para que as autoridades públicas, em seus diversos níveis, sintam-se pressionadas a adotar, mais rápido, políticas públicas que possam atenuar os efeitos dessa pandemia. Para não faltar informação para a população, boa parte dela em isolamento, um exército de jornalistas trabalha incansavelmente nas redações, ruas e hospitais, expondo-se ao risco de ser contaminado.
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A esses profissionais, esse momento histórico trouxe não só uma rotina de trabalho mais pesada, mas também obstáculos para retratar, com impacto, os diferentes aspectos da crise sanitária. Com a pandemia da covid-19, o mundo inteiro precisou se reinventar. Um exemplo bem claro disso está estampado nas capas de revistas, um veículo que, junto às outras mídias jornalísticas, tem reforçado sua relevância e recuperado a atenção do público. As bancas de jornais têm sido tomadas por capas cada vez mais criativas sobre a pandemia que assola o mundo. Revistas de moda, acostumadas com produções glamorosas, recorreram a ilustrações ou ao vazio. As duas capas que tiveram maior repercussão nos últimos meses
VOGUE/REPRODUÇÃO
foram da Vogue Itália, em abril, e da Marie Claire México, em maio.
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A edição italiana da Vogue trouxe uma capa toda em branco. “Em tempos como estes, uma capa silenciosa diz muito mais do que qualquer palavra ou imagem”, explica o diretor criativo da revista, Ferdinando Verderi, em coletiva de imprensa da revista. A iniciativa, segundo a publicação, é uma homenagem à roupa usada pelos profissionais da área da saúde, em referência à pandemia do novo coronavírus. Em carta divulgada pela Vogue Itália, o editor chefe Emanuele Farneti justificou a escolha. Segundo ele, além da homenagem aos médicos e enfermeiros, a escolha do branco representa o renascimento, a luz após a escuridão, a soma de todas as cores. “A decisão de imprimir uma capa completamente branca pela primeira vez em nossa história não é porque houve falta de imagens — muito pelo contrário. Nós escolhemos porque branco significa muitas coisas ao mesmo tempo”, acrescenta Farneti. O editor chefe explica também como nasceu a ideia. “Há pouco menos de duas semanas, estávamos prestes a imprimir uma capa que estava sendo planejada há algum tempo […], mas falar de qualquer outra coisa enquanto as pessoas estão morrendo…”, refletiu.
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Já a edição mexicana da Marie Claire, viralizou com um retrato de uma médica, e um título que também chamou muita atenção: “Os Influencers de Verdade - A Resiliência Tem Cara de Mulher”. A edição traz os verdadeiros influenciadores que se destacam em meio à pandemia do novo coronavírus: os profissionais da saúde. “Uma pandemia que de repente tirou a relevância do que não merece, para dar lugar a verdadeiros influenciadores. Eles são nossos influenciadores, as mulheres que prestam, cuidam e trabalham, nesta edição queremos homenagear cada uma delas”, diz a revista. Fotografada por Alberto Giuliani, a imagem foi captada em um hospital da região de Pésaro, na Itália. O fotógrafo relatou detalhes sobre o trabalho. “Os olhares dos médicos e enfermeiros no final do turno estão vazios, exaustos por uma quantidade de trabalho nunca antes vista. Suas certezas também são vazias, sufocadas pela sensação de impotência em relação a um vírus desconhecido e letal”, contou em seu Instagram. PANDEMIA DA DESINFORMAÇÃO
Um dos principais desafios do Brasil, e do mundo, durante a pandemia de Covid-19, é conter a disseminação de fake news. A ONU – Organização das Nações Unidas considera as fake news sobre o novo coronavírus “mais mortais que qualquer outra desinformação”. Levantamento da Avaaz (comunidade de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para os espaços de tomada de decisão em todo o mundo) revelou que cerca de 100 milhões de brasileiros, 7 em cada 10 internautas, acreditaram em pelo menos uma notícia falsa sobre o coronavírus. Os resultados da pesquisa demonstram, ainda, que o alcance da disseminação de informações falsas no Brasil é enorme: 141 milhões de pessoas identificaram pelo menos uma fake news sobre o novo vírus. Segundo o estudo, 6 a cada 10 internautas receberam informações falsas sobre a doença pelo WhatsApp, principal vetor de desinformação. Em segundo lugar, vem o Facebook com 5 em cada 10 pessoas recebendo fake news pela plataforma. A pesquisa também foi realizada nos Estados Unidos e na Itália e mostrou que os brasileiros acreditam mais em notícias falsas. Segundo uma pesquisa publicada pela ONU, em parceria com o International Center for Journalists (ICFJ), o principal tema das fake news está relacionado à origem e à disseminação do novo coronavírus. Enquanto cientistas identificaram o primeiro caso da Covid-19 ligado a um mercado de animais na cidade chinesa de Wuhan, teorias da conspiração acusam outros atores. Isso vai desde culpar as redes 5G, até responsabilizar os fabricantes de armas químicas. Nessa confusão, é fundamental que a imprensa — e isso vale para veículos tradicionais— jamais perca a perspectiva de fazer valer todo o processo correto: informar com responsabilidade, checar antes de comunicar, ouvir antes de falar e combater veementemente as ilações com fatos e dados. Em meio a tanta insegurança e instabilidade, temos uma certeza: é fundamental fomentar a pluralidade e o debate das ideias, mas para que esse debate seja rico e frutífero é necessário ter informação confiável. Os produtos jornalísticos emergem novamente como artigo de primeira necessidade, onde mais do que nunca se faz fundamental seu exercício para o combate à desinformação da população.
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