Revista Múltipla - #35

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REVISTA DO LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DO UNIBH

#35 :: NOV/14


tempos

editorial

outros Isso mesmo. Pra você que quer investir mais na sua formação, se tornar um profissional mais crítico, inovador e completo. E tudo isso em uma instituição reconhecida por sua qualidade de ensino e acessível pra você.

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Esta edição inaugura nova fase da MÚLTIPLA. Certas diferenças revelam-se sutis; outras, gritantes. Todo o visual da revista foi remodelado, a partir do polissêmico projeto gráfico elaborado pelo professor Rangel Sales, em proposta estética que dialoga com as publicações impressas, as redes sociais e os sites frequentados por aqueles que desenvolvem – e leem – este importante produto do curso de Jornalismo do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH): nossos alunos. Por outro lado, o processo de construção da revista permanece – propositadamente – o mesmo: tudo começa com as reportagens e os perfis desenvolvidos pelos estudantes, respectivamente, nas disciplinas “Jornalismo Opinativo e Interpretativo” e “Laboratório de Jornalismo”. Tais textos, em seguida, são repassados aos estagiários do Laboratório de Jornalismo Impresso, com quem dividimos os desafios da edição. Dentre as reportagens desta repagina-

da MÚLTIPLA – diagramada com maestria pela jornalista Ana Paula Abreu, responsável pelas elaborações visuais do Laboratório –, destaque para diferentes abordagens sobre o curioso tema da “luz”, dos efeitos dos raios do sol à iluminação da arte. Ressaltamos, ainda, os textos sobre cervejas artesanais, diferentes tipos de parto e garotas que se reúnem às quintas-feiras para jogar futebol. Por fim, aproveite o “Especial Perfis”, resultado de trabalho coordenado pela professora Lorena Tárcia e pelo ex-aluno Dany Starling. Em quatro reportagens, o leitor encontrará textos de fôlego sobre diversos (e imprevistos) “personagens”: um jornalista gourmet, um palhaço que vende balas, uma linha de ônibus e um bairro boêmio que, hoje, adapta-se às “exigências” da vida neste século XXI. Seja bem-vindo à novíssima MÚLTIPLA. Boa leitura! Leo Cunha e Maurício Guilherme Silva Jr

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EXPEDIENTE

Sumário Mondo savassi

reitor Prof. rivadávia C.D. de Alvarenga Neto

luzes sobre nós

instituto de ciências sociais aplicadas diretor Prof. Rodrigo Neiva diretora adjunta Profª. Cynthia de Freitas Oliveira Enoque Curso: comunicação social Rua Diamantina, 567 - Lagoiiha BH - MG - CEP: 31110-320 TELEFOnE: (31) 3207-2811 coordenação do curso de jornalismo Prof. João Carvalho

laboratório de jornalismo impresso editores Prof. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr. pROFESSORES DA DISCIPLINA JORNALISMO INTERPRETATIVO E OPINATIVO Prof. Marcílio Lana Profª. Tacyana Arce Profª. Virgínia Palmerston Oficina de perfis Profª. Lorena Tárcia Dany Starling Projeto gráfico Prof. Rangel Sales - LEGRA Diagramação Profª. Ana paula de abreu carvalho Estagiários Alex Moura, Mariana Gualberto e wilson Albino Anúncios Davinci Agência Experimental

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Impressão / Tiragem Gráfica e Editora O Lutador 300 exemplares

chiaroscuro a saideira? Múltiplos olhares dúvida solar normal ou natural? sábios saberes meu face, minha vida donas da bola ace mineiro

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cultura

cores da

Savassi Região da capital mineira encanta e acolhe público GLS Anita Andreoni • Werlison Martins C. V., homossexual que prefere não se identificar, encontra na Savassi um bem precioso: liberdade. “Jamais me senti inseguro e/ou ameaçado na região. Sinto uma sensação de liberdade mesclada a um pertencimento que me deixam totalmente à vontade para vestir o que quiser, andar de mãos dadas com um garoto que eu esteja namorando ou, ainda, sair de boates por volta das 6 da manhã e chegar em casa são e salvo. Não há valor que pague por isso”. A Savassi, descrita no depoimento do jovem, é o local em que todos podem ser quem realmente são, sem se preocupar

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mariana gualberto

cultura

com olhares de desaprovação. Assim que cai a noite é possível observar os primeiros movimentos no entorno da Praça Diogo de Vasconcelos, no coração da região centro-sul da capital mineira. Com visual e jeitos singulares de se comportar, os gays e simpatizantes escolheram a Savassi como “segundo lar ”, especialmente pelas boates GLS que estão localizadas na região. Coloridas e com vários ambientes diferentes, assim são caracterizadas as casas noturnas voltadas para o público GLS. Sem muitos lugares para se sentir confortável, a comunidade gay encontrou nas boates uma maneira de descontração em meio ao caos das cidades grandes. Como o público gay ainda sofre alguns tipos de discriminação e preconceito por parte da sociedade, esses locais se tornaram o point ideal para a “galera” extravasar suas energias e sentimentos. Aí mora o principal atrativo da Savassi: o grande número de casas noturnas e a grande aceitação de gays e lésbicas. Quem passeia pela região, na parte da noite ou nos fins de semana, encontra uma diversidade cultural muito grande. Considerada o coração cultural da cidade, a Savassi é pura boemia, cultura, gastronomia. Segundo a Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, são aproximadamente sessenta estabelecimentos entre bares, cafés, restaurantes, pubs e boates no entorno da Praça Diogo de Vasconcelos. “A Savassi virou o ponto de encontro mais querido entre o meio GLS”, conclui Gi-

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cultura selle Salviano, que conheceu sua namorada este ano, na boate Mary in Hell. Atualmente, ela trabalha como bartender na própria casa noturna e acredita que a Savassi acabou se tornando o ponto de encontro gay pela aceitação que as pessoas sentem na região, tornando-a referência para o público. “É como se na Savassi a gente assumisse a nossa verdadeira identidade”, aponta a bartender.

lázaro gurgel

cultura

Os inferninhos, o público e a região Desde os anos 80 a Savassi abriga os clubes e “inferninhos” mais modernos da cidade, como The Great Brazilian Disaster, Zone DK, Hype Club, Up Bar, Mary In Hell, Velvet Club, DDuck. Para Túlio Borges, proprietário da boate DDuck, todos esses lugares tiveram grande importância na formação da noite underground de Belo Horizonte, e eram lugares tipicamente gay friendly. “Isso contribuiu para que a Savassi se tornasse uma região “segura” para gays e lésbicas circularem. Após tanto tempo, virou tradição mesmo”, analisa Túlio. Murilo Couto, 50, morador da Savassi há mais de 30 anos, não se incomoda com a concentração do público na região, pelo contrário, o advogado até gosta da diversidade que o bairro oferece. “Essa é a característica da Savassi, se ela fosse elitizada ou frequentada por apenas um grupo, ela não seria a Savassi, aqui é o berço da diversidade e quem não aceitar isso, que se mude”, afirma. A região tem sido, há anos, o ponto de encontro de muitos grupos e isso transformou o local em referência de bons lugares, bons amigos e boa diversão. O estudante de fisioterapia Wesley Moura, 19, é frequentador assíduo da Savassi. Atualmente, o jovem de Sete Lagoas mora no centro de BH, o que facilita o acesso à região. No entanto, Wesley faz questão de ressaltar que a sua história com a Savassi começa bem antes de se mudar para capital. “Mesmo quando eu morava em Sete Lagoas,

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Mary In Hell acolhe público LGBT não passava um fim de semana sequer sem vir a BH. Amo a Savassi, principalmente a Josefine (boate GLS muito famosa da região). Já tive a oportunidade de frequentar casas noturnas de outras regiões de BH, mas as da Savassi são, sem dúvida, as mais atrativas e charmosas”, diz. Quem também frequenta a Josefine é o estudante Thiago Carvalho, 21. O morador de Betim destaca que a boate se difere das demais de BH. “A região da Savassi é bastante diferente das outras áreas GLS da capital, pela forma como as pessoas se aceitam, pelo respeito que um tem com o outro e por vários outros motivos. São poucas as boates em Belo Horizonte que eu não conheço, mas sem dúvidas as melhores

estão na região da Savassi”. Comandantes da night As profissões mais encontradas em boates e bares são as de DJ, bartender e barman. O DJ é responsável pela trilha sonora da noite e os chamados bartender e barman pelos famosos drinks coloridos que dão ainda mais glamour à noite. Apesar de frequentadora assídua das boates da região, a bartender Giselle Salviano está há pouco mais de um ano na função. “Sempre achei interessante a profissão, até que um dia rolou a oportunidade de entrar no bar e começar a aprender. Desde então, tenho direcionado minha vida a conhecer cada vez mais sobre bares e

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cultura jonathan viana

werlison martins

cultura

Hétero X GLS Boate Josefine, uma das preferidas da região criação de drinks, com ajuda de amigos experientes na área”, afirma. A bartender destaca ainda que o mais legal da profissão é a amizade entre os frequentadores e profissionais. “Além de fazer o que eu gosto, sempre conheço pessoas interessantes e acabo criando um laço de amizade. Oitenta por cento dos meus amigos conheci na noite, a maioria atendendo no bar ”. O DJ e produtor Nathan Cardoso, 19, é homossexual e também frequenta e trabalha nas boates da região. O DJ revela que já era interessado por música desde criança, mas que a oportunidade de discotecar em casas noturnas surgiu no início deste ano, quando ainda trabalhava com promoção de

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DJ Nathan: a Savassi é marco de modernidade festas em boates GLS. “O dono da boate achou interessante a forma de divulgação que eu fazia, na época em que era promoter, pois conseguia atrair bastante gente para o local. Aceitei o convite e ele me ensinou como tocar e me colocou para trabalhar em algumas festas”, conta. Acostumado a tocar em boates como Mary in Hell e Emmy Lounge, o DJ compartilha a ideia de que a Savassi é de fato o maior “berço para o público gay” da capital mineira. “A região é um marco de modernidade da cidade de BH. Tem muitas opções para se divertir, principalmente o público GLS. É um lugar onde todos se sentem bem, livres, longe de julgamentos. Isso favorece muito a escolha pela Savassi”, pontua o DJ.

Não são apenas os gays que frequentam boates GLS. O público simpatizante também cai na balada, acompanhando um amigo ou, simplesmente, aproveitando a noite. As boates GLS vêm adaptando-se cada vez mais à diversidade do público. “Já se foi o tempo em que as boates GLS tocavam apenas pop internacional e eletrônica, enquanto as boates com público heterossexual tocavam funk, rock e sertanejo. Hoje você vê uma grande transformação. Claro que há sempre uma predominância de um estilo, mas isso depende sempre da festa e da casa noturna”, afirma o DJ Nathan Cardoso. A bartender Giselle Salviano revela que já teve a oportunidade de trabalhar em eventos hétero e que há uma diferença notável. “O público geralmente não tem um terço do carisma, charme, carinho, descontração e simpatia que nós, gays, temos”. Nathan concorda com Giselle e afirma que se sente muito mais à vontade discotecando em boates voltadas para os gays. “É muito bom tocar músicas que eu gosto, representar, mesmo que seja por alguns minutos, as minhas maiores estrelas e também poder ganhar admiradores do meu trabalho”, finaliza.

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ciência cultura arquivo lab . jornalismo mpresso

cultura Ciência

iluminar é

preciso

Das plantas aos animais, dos olhos às telas, dos objetos às expressões artísticas, a luz se revela imprescindível

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Alessandra Faustino • Amanda Fernandes • Jéssica Silva • Letícia Silva • Thomaz Rocha O Ano Internacional da Luz será comemorado em 2015, quando se completam o centenário da Teoria da Relatividade Geral e os 110 anos da explicação do efeito fotoelétrico, estudos desenvolvidos por Albert Einstein. Outra data a ser comemorada, que se refere ao tema do evento, são os

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cultura

cultura elas eram há muitos anos. A tecnologia da luz também está presente na saúde. Técnicas como o infravermelho têm permitido diagnósticos valiosos para tratamentos, assim como os raios X, que são compostos por luz visível, formados por ondas de energia eletromagnética carregada por partículas chamadas fótons, produzidas individualmente.

Outras “luzes” O ano-luz equivale a, aproximadamente, nove trilhões de quilômetros e é usado para medir grandes distâncias. A velocidade da luz equivale a 299.792.458 metros por segundo. O grande desenvolvimento de pesquisas sobre as propriedades da fibra ótica, na segunda metade do século XX,

permitiu sua utilização na medicina e nas telecomunicações. A transmissão de luz pela fibra ótica, um filamento composto de vidro para transmitir feixes e informação digital, é usada para diversos fins, em TVs a cabo, em exames médicos e em inspeções de engenharia mecânica.

Cultura A luz também faz parte do cotidiano da vida humana e da cultura do homem, de modo a aparecer tanto nas obras renascentistas como nas pinturas modernas. O estudo das luzes permitiu que fossem desenvolvidas tecnologias de iluminação que auxiliaram não apenas o funcionamento de cidades, mas, também, a encenação teatral e a preservação de artes contemporâneas.

Boa iluminação permite destacar pequenos detalhes wilson albino

50 anos da descoberta da radiação cósmica de fundo, emitida durante o Big Bang. A celebração destas efemérides é uma importante oportunidade para destacar as descobertas científicas na natureza em diferentes contextos, promovendo a educação, especialmente nos países em desenvolvimento. Os raios do sol são compostos por uma onda de luz branca formada por todas as cores. A atmosfera de nosso planeta funciona como uma espécie de prisma, que atua onde os feixes solares colidem com as moléculas de ar, água e demais partículas suspensas, que fazem com que a luz disperse, formando uma onda azul. Quando a atmosfera está com muitas partículas suspensas, provocadas por névoas, ou até mesmo por poluição, esses fragmentos dispersam igualmente o comprimento das ondas de cores, formando um céu mais branco. O tipo de energia solar se transforma em muitas outras, como a energia química, no processo de fotossíntese. Tal processo é fundamental para a vida no planeta, uma vez que o efeito é a produção de oxigênio. Para o biólogo André Portugal, a luz é importante para praticamente todos os seres vivos. “Ela atua em diversos processos fisiológicos vegetais e animais, na produção de proteínas, no estímulo ou inibição de substâncias como hormônios vegetais e animais, nos ciclos reprodutivos, no crescimento e no desenvolvimento, na própria fotossíntese que envolve produção de oxigênio e energia para as plantas”, diz.

Ciência e tecnologia O estudo da luz abrange diversas áreas e vem sendo cada vez mais inovado, com as possibilidades da tecnologia. As luzes estão presentes desde o surgimento do universo. Por meio de um telescópio, os cientistas comprovaram que houve um início, e não apenas o surgimento do nada. O aparelho captou a luz das estrelas, que mostrou como

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cultura

Palcos iluminados Bruna Tavares • Fernanda Pontes • Patrícia Carvalho Light, lumière, lux, lucem. Cada país tem uma maneira de denominar a palavra luz. Em sua composição, ela traz mais do que simplesmente iluminação em determinado local. Ela pode esconder ou revelar. Pode ser branca, azul, verde ou uma mistura de tons, que serão responsáveis por diferentes sensações. A luz é democrática. Seja de uma forma ou de outra, a iluminação faz parte de nossa vida, e pode dizer muito mais sobre quem somos. O teatro, nascido por volta de 410 a.C e restrito ainda à cultura greco-romana, era encenado apenas à luz do dia, uma vez que não havia recursos de iluminação, que dessem conta de apresentações noturnas. Durante a Idade Média, o teatro renasce, dentro da própria Igreja, detentora do poder e da ordem. A iluminação, contudo, não sofreu alteração, sendo feita sob a luz do Sol e podendo ter variação de cores, a partir dos flashes que entravam por vitrais. Na obra A Linguagem da encenação teatral, Jean Jacques Roudine explica que só a partir de 1880 o teatro incorporou a iluminação elétrica como participante em espetáculos e apre-

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sentações teatrais. O autor associa o fato à possibilidade de novas formas serem exploradas nessas apresentações após e pela iluminação elétrica. A iluminação é um recurso tão importante para um espetáculo que precisa estar pronta para os ensaios das peças, diz Rodrigo Marçal, técnico responsável pela iluminação do Grupo Galpão, de Belo Horizonte. Rodrigo diz que, geralmente, se faz uma montagem prévia da estrutura de luz para apresentar no ensaio, e é aí que vão sendo definidos os efeitos. Assim, durante a apresentação, o ator já sabe onde determinada região ficará mais iluminada. “A proposta pode partir do iluminador para o grupo ou pode ser um pedido do diretor ou do cenógrafo para o iluminador ”, explica. Rodrigo diz que, durante o processo de inserção de um espetáculo novo, é necessário que haja comunicação afinada entre os técnicos de iluminação e os atores, para que determinados efeitos pensados pela equipe técnica não interfiram no que foi proposto pelo diretor do espetáculo. “Quando a luz não funciona como deveria, ela pode se tornar um elemento que atrapalha o ator, que pode ficar desconcentrado, nervoso, inseguro etc.”, conclui. Em algumas montagens para o Grupo, Rodrigo acrescenta que a ideia da desmitificação do tom mágico e romântico de uma peça depende de fatores como o texto e a maneira como ele será encenado, mas também da iluminação. “Na peça Tio Vânia

– Aos que vierem depois de nós, a história se passa em um casarão antigo. Assim, com a iluminação, nós tentamos aproximar mais de uma coisa natural. Por isso, o iluminador toma um cuidado especial, explora ângulos de visão da luz e de sombras que promovam a aproximação. A iluminação também contribui com a construção da cena. “De repente, a cor pode criar uma atmosfera mais abstrata. Iluminação incrementa performance MARIANA GUALBERTO

fernanda pontes

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a apresentação, mas interfere na maneira como aquele espetáculo será conduzido. Segundo Rodrigo, a importância da iluminação vai além de um refletor em cena. “A luz tem um papel no espetáculo muito importante, uma vez que contribui no direcionamento do olhar do público. Ela define como as coisas que estão acontecendo no palco serão reveladas.” Planejamento é vital para iluminação perfeita tarcísio luiz de paula

Assim, é função da equipe de iluminação avaliar a temperatura do branco, que pode ser mais quente ou mais frio, mais próximo da luz do Sol, ou algo mais sombreado”, afirma Rodrigo. Ele ainda destaca que uma cor diferente, que transforma determinado elemento no cenário, ou no figurino, ou contribui para um clima, é capaz de mudar os rumos de uma apresentação. A iluminação é capaz, ainda, de possibilitar novas representações em cena. Ao mesmo tempo em que cria o tom mágico de uma peça, por exemplo, em segundos, é capaz de desmitificar aquela sensação causada no público. Sua importância vai para além dos bastidores. Sobre a iluminação em apresentações e espetáculos de rua, que são uma característica forte do Grupo Galpão, Rodrigo explica que a montagem, tanto do cenário quanto da estrutura, devem ser pensadas com antecedência, respeitando as condições de iluminação do local. Em muitas cidades, os espetáculos do Galpão são na rua. Assim, a produção precisa saber se haverá um ponto provisório fornecido pela empresa responsável pela energia na cidade, ou se um gerador será alugado. “Nesse caso, temos que entrar em contato com a empresa do gerador para saber qual a potência dele, se é um gerador silenciado ou se o barulho do motor pode atrapalhar a apresentação”, explica. No teatro, a iluminação determina não só os locais que serão iluminados durante

ciência cultura Fernanda pontes

cultura Ciência

Para Rodrigo Marçal, luz carece de projeto

Lightning designer: o profissional da luz Asley Gonçalves Quando adentramos os museus e somos “transportados” para os séculos que nos antecederam - e nos mostram o presente com base na perspectiva dos artistas contemporâneos -, não imaginamos que um trabalho muito sutil e de muita dedicação é desenvolvido por trás de cada exposição. Esse trabalho se dá a partir da utilização de um bem precioso para a humanidade: a luz! Embora muitas vezes imperceptíveis no contexto da obra exposta e se apresentando apenas de forma subjetiva, no âmbito artístico, a luz é capaz de influenciar profundamente as reações e as emoções humanas, acentuando a capacidade de se sensibilizar diante do objeto exposto. Para realizar a composição de ambientes que necessitam deste acabamento, é necessária toda a perícia de um lightning designer, o qual também poderia ser chamado de “designer da luz”. Este profissional trabalha com uma mistura das técnicas

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wilson albino

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de iluminação das artes cênicas e dos métodos usados para a iluminação de arquitetura, capaz de proporcionar uma iluminação de alta qualidade. “O lighting designer deve fazer parte de uma equipe multidisciplinar, e, junto com os demais, definir a diretriz de projeto e determinar as condições gerais da iluminação da obra, a decisão não é só dele. No caso de objetos extremamente sensíveis à ação degradante pela incidência da luz, as decisões tornam-se bem mais complexas”, explica o arquiteto e lightning designer Luís Antônio Greno Barbosa. Diversos fatores devem ser levados em consideração por estes profissionais na hora de constituir uma iluminação de qualidade em ambientes artísticos, ainda que seja um desafio estabelecer uma fórmula numérica capaz de prover medidas que possam definir o equilíbrio entre a quantidade e a qualidade da luz. É neste espaço de subjetividade que o lightining designer precisa trabalhar com esmero, a fim de promover a sensibilização compatível com a intenção

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da obra, aferindo e contribuindo para uma melhor experiência artística, como ainda afirma Barbosa. “As sensações podem ser influenciadas pela iluminação, pelo uso de efeitos que causem sombras, usando o contraste como elemento que estimule e altera a percepção e o uso de fontes de luz coloridas que também, como o vermelho (fogo, calor, paixão), o azul (frio, água, gelo, calma), entre tantos efeitos”. A luz e os profissionais que a tratam da forma mais tangível possível, são responsáveis por definir e lapidar o apuro estético daqueles que se dispõem a observar um objeto artístico e a perceber sua intencionalidade. Diante disso, a obra de arte pode ser compreendida como inacabada e carente do toque final, até que despejem sobre ela o volume necessário de luz e mostrem suas dimensões a partir do contorno de suas sombras. Ao profissional que se dedica a este ofício, valem os méritos de ter a oportunidade única de se tornar o seu último e, não menos importante, escultor.


cultura

a luz da

arte

Combinação de claridade e escuridão dá dramaticidade e realismo a grandes obras do cinema e das artes plásticas Bianca Crispim • Clara Senra • Guilherme Scarpellini • Thaís Araújo Os pés descalços e pernas seminuas de uma brancura quase nívea contrastam com o negrume assustador da estrada envolvida pela noite escura. Correndo sem rumo, a passos de desespero, a femme fatale Marian Carr entra na frente do automóvel que vem em alta velocidade ao seu encontro. O carro se aproxima, ela abre os braços como que em um gesto de horror e, mais uma vez, a silhueta do seu esbelto corpo contrasta com o farol resplandecente da máquina veloz. A cena

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reprodução

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clássica faz parte do filme Morte em um beijo (Deadly Kiss Me, de 1955, dirigida por Robert Aldrich) uma das mais memoráveis produções do gênero film noir. A luz, concebida como matéria-prima para o campo artístico, é usada desde os tempos mais remotos, quando ainda era aplicada de modo inconsciente pelos artistas, na busca pela retratação da realidade no campo das artes plásticas ou na tentativa de trazer maior dramaticidade às narrativas cinematográficas. A iluminação é fundamental para ditar a atmosfera de uma fotografia, de um filme, de um quadro ou, ainda, de uma apresentação performática. O jogo de luz, a perspectiva, os contrastes e o sombreamento são exemplos de técnicas que caracterizam estilos em diversas esferas artísticas, de modo que a manipulação e aplicação contribuíram para o desenvolvimento da história da arte. O noir é um exemplo de como a aplicação de técnicas de luz pode definir até mesmo o nome de um gênero artístico. O célebre crítico americano James Monaco dizia, no começo do século XX, que o film noir não se trata apenas de um gênero, mas, também, de um estilo visual. O termo, que vem do francês, significa “filme negro”, e surgiu nos Estados Unidos, no começo da década de 1940, quando os mais importantes diretores do cinema alemão se viram forçados a emigrar para lá, fugindo da ditadura nazista. Entre eles, Fritz Lang, Billy Wilder e Robert Siodmak, que levaram

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Expressionismo alemão serviu de base para filmes noir

mudo. “Os filmes expressionistas, pesados e sombrios, eram gravados em ambientes claustrofóbicos”, afirma. “Para reproduzir um visual similar, os diretores que fizeram os primeiros Films Noir produzidos nos EUA nos anos 1940 utilizavam-se de tons escuros e da técnica chiaroscuro, por meio de sombras e do contraste entre claro e escuro, criando um cenário bem sombrio”, explica. O jornalista, cinéfilo e blogueiro João Drummond explica que o cinema consiste na técnica de projetar quadros – os chamados frames – em alta velocidade, com o intuito de simular o movimento. Nessa perspectiva, ele fala que as imagens são criadas através do contraste de luz e somreprodução

em suas bagagens elementos culturais do Expressionismo Alemão. O efeito de contraste, característico desse tipo de filme, se deve à utilização da técnica de fotografia chamada de iluminação em três pontos, que consiste na organização de focos de luzes em três diferentes posições: luz principal, de preenchimento e de fundo. A professora de Artes Plásticas da Universidade de Brasília (UnB) Mychele Virgolim explica que a visão sombria dos artistas do Expressionismo Alemão contribuiu para definir um estilo de filme durante a chamada Idade de Ouro do cinema germânico, que começou nos anos 1910 e ganhou maior visibilidade na época do cinema

cultura bra. “A chamada luz dura é uma iluminação que projeta uma sombra nítida, de forma que não há zona de penumbra entre a luz e a sombra. Por meio dessa técnica, fica possível ver um contorno de sombras por contraste. Agora, a luz difusa consiste em uma zona de penumbra maior, que decai gradativamente até a ausência de sombreamento. Nesse caso, não fica possível delimitar as sombras por causa da ausência de contrastes”, explica. O cenógrafo e produtor de cinema Gustavo Pereira explica que, antes de se pensar no manejo da iluminação, deve ser enxergado o que está sendo gravado. Para ele, a luz é um dos mais importantes elementos, pois produz diversos significados na composição da narrativa fílmica. “Serve para dar dramaticidade a uma cena, ajudando na narração visual, além de direcionar o olhar do espectador e destacar alguns detalhes gravados com a junção com as cores”, disse. “Nada melhor para definir a importância da luz no cinema do que dizer que ela foi o primeiro dos efeitos especiais”, acrescenta. O cenógrafo afirma que a luz natural do meio da tarde é tida como a iluminação ideal para filmar. No entanto, ressalta que nem sempre se pode contar com o ideal, daí o uso de luzes artificiais.

reprodução

cultura

Influência renascentista Já no campo das artes plásticas, o ex-presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos Profissionais do Estado de Minas

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O lado psicológico O campo da psiquiatria propõe explicar como os efeitos desencadeados pelas técnicas de iluminação no campo artístico são assimilados pelo cérebro humano. O psiquiatra Marcos Vinícius fala da complexidade que existe por trás de obras que trazem a ilusão de ótica, por meio da aplicação das técnicas de iluminação. Para ele, a ilusão não depende apenas do objeto ilustrado na pintura, mas também do observador, já que, a partir do nascimento, herdando a bagagem genética dos pais, ele começa a desenvolver sua própria percepção do

mundo. Essa percepção é única de cada ser. “A reação das pessoas é de espanto, estranhamento, que é justamente o que buscam os artistas que pintam esse tipo de arte. A intenção é causar isso nas pessoas, uma espécie de curiosidade, uma necessidade de desvendar aquilo que está ali à sua frente, saber como os artistas fizeram pra tornar tudo tão real. Parece que estamos olhando para o próprio objeto. Percebemos que há algo estranho, mas muitas vezes não conseguimos identificar ”, explica o arte-educador da Escola de Belas Artes da UFMG Rodrigo Vivas.

Contraste entre luz e sombra sensibiliza cenas reprodução

Gerais, Paulo Marques, conta que as técnicas iluminação foram uma das inovações da pintura renascentista de Leonardo da Vinci. “A metodologia de contraste empregada, por meio do manejo da iluminação, é o que mais me chama atenção no artista”, afirma. A professora do Departamento de Desenho da Escola de Belas Artes da UFMG Conceição Bicalho argumenta que, antes mesmo do uso da iluminação como técnica, a luz foi primordial para possibilitar o homem a promover as primeiras manifestações artísticas. “Se a gente pegar a arte desde a época das cavernas, vamos ver que aos poucos foi acontecendo uma mudança tanto na produção da luz, como na observação dela. Então, lá na pré-história, com o domínio do fogo, o homem, que provavelmente já pintava as cavernas, passou a ter um contato diário e noturno com a luz produzida. Era uma luz flamejante, responsável por toda a produção da arte pré-histórica que a gente conhece, porque foi usada para iluminar as áreas mais profundas e inóspitas da caverna, onde já foram encontradas imagens riquíssimas” disse. Na arte do Renascimento, as técnicas de iluminação, além de visar ao realismo, estão vinculadas ao teor do pensamento da época. “É preciso que a gente veja a pintura daquele período cara a cara, para entender esse valor que não é só representativo, que não é só pela busca do realismo, mas, sim, todo um pensamento da época que está vinculado àquele uso da luz”, pontuou.

cultura reprodução

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cultura

lúpulo e

othon villefort

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malte Cerveja Artesanal – Um mercado em constante crescimento Abner Barbosa • Jéssica Meirelles • Letícia Faria • Shara Rodrigues Há quem diga que a cer veja é inimiga do homem, e que o homem que foge dos inimigos, é um covarde. A despeito da banalização da coragem masculina, beber uma cerveja é mais que um alívio, é um prazer. Durante o happy hour, a vida não parece tão séria, os problemas deixam de ser pesados e o calor passa despercebido com aquela “gelada”. Desde os primórdios, o homem é dotado de habilidades, dentre elas, a da criação, o ser artesanal. Com a cerveja não poderia ser diferente. A nova forma de produção a torna exclusiva, aguçando o paladar e trazendo experiências incríveis aos apreciadores. As cervejas artesanais tem chamado a atenção dos consumidores. Cristiano Lamego, superintendente executivo do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas de Minas Gerais, conta que o crescimento médio de faturamento de cervejas artesanais é de 20% ao ano, enquanto o crescimento do mercado cervejeiro, como um todo, é de cerca de 3%. O

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Criatividade é destaque na produção artesanal levantamento ainda indica que é produzido atualmente, nas 30 empresas registradas no Ministério da Agricultura em Minas Gerais, um volume de 1.100.000 litros de cerveja artesanal, por mês. Esses dados fazem de Minas o 2º maior estado em volume de produção e número de microcervejarias. Segundo Silvania de Araújo, economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG), esses dados comprovam que o ramo de cervejarias artesanais é um

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mercado com forte oportunidade para o empreendedorismo, ancorado no hábito do consumo do brasileiro. Hoje, temos um consumidor mais aberto a experimentar, o que abre as oportunidades para novos sabores. “O mercado é força para o empreendedorismo e, principalmente, para o desenvolvimento local, ao refletir na geração de renda e fortalecer outros negócios, como o turismo gastronômico e de entretenimento”, afirma a economista. Para José Lúcio Mendes, diretor de marketing da Expocachaça e Brasilbeer, o universo das cervejas artesanais se configura como um mercado milionário. Algumas microcervejarias faturam mais de R$10 milhões por ano, mesmo com as elevadas taxas de impostos. “A tributação é muito alta, chegando a 60% do preço final das cervejas artesanais e, mesmo assim, notamos uma vitalidade do setor e percebemos que novas microcervejarias surgem a uma velocidade que nos impressiona muito, enquanto as tradicionais multiplicam as suas produções”, analisa Mendes. Em BH, um estabelecimento foi criado a fim de comercializar somente cervejas especiais. Daniel Cosendey, criador do bar Reduto da Cerveja, diz que a ideia veio dos anos vividos na Irlanda e da falta de bares especializados em cervejas artesanais. “Este universo das cervejas artesanais ainda é desconhecido por muitas pessoas, e o mineiro é um público que aceita bem as curiosidades A procura aumentou signi-

ficantemente nesses três anos de trabalho”, diz o proprietário do local. O mercado cervejeiro é inovador ao ponto de os donos de cervejarias, degustadores e sommelieres procurarem a especialização neste segmento. É o caso de Marco Penna, degustador e harmonizador de cervejas que não gosta de usar o termo “artesanal”, mas, sim, “especial”, afirmando que a maioria delas são produzidas em indústrias cervejeiras de médio e grande porte. Para ele, o termo artesanal seria mais apropriado para o cervejeiro caseiro, que faz sua própria cerveja de panela. A relação de Penna com a cerveja especial é voltada para o âmbito da degustação e harmonização. Seu sonho é um dia ser sommelier. Ele passa grande parte do seu tempo disponível pesquisando sobre a bebida e quais os pratos ideais para saborear cada um deles. “Na verdade, eu não diria que abandonei a cerveja comercial. Quando você está em alguns tipos de ambientes, como um churrasco, um boteco com os amigos ou uma festa, é inevitável o consumo das loiras geladas”, confidencia. Ao descobrir o universo da cerveja especial, o degustador teve um choque: o preço. Não importa se são importadas ou nacionais, os valores conseguem ultrapassar a faixa dos R$25,00 por uma longneck. Por outro lado, essas bebidas são mais fortes, encorpadas e mais alcoólicas, induzindo a um consumo mais baixo, o que pode evitar o vício. A sommelier Fabiana Arreguy conta

que o mercado do especialista de cervejas ainda está sendo aberto. “Atualmente meu trabalho é focado em palestras, cursos de treinamento e o curso de sommelier de cervejas que administro em sociedade com o microcervejeiro Marco Falcone (Falke Bier)”, comenta. De acordo com Fabiana, esse ainda é um mercado masculino, mas que vem se transformando com a entrada de cada vez mais mulheres. “Eu, pessoalmente, nunca sofri nenhum tipo de preconceito neste meio, por ser mulher ”, confidencia. A sommelier conta que seu interesse pelo universo da cervejaria começou em 2007, quando foi convidada para fazer parte da Confraria Feminina de Cerveja de Belo Horizonte (Confece-BH). “O jéssica meirelles

jéssica meirelles

cultura

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grupo se reunia mensalmente para degustar e estudar estilos diferentes de cerveja. A partir dali conheci alguns produtores locais, cervejeiros caseiros e comerciais. Fiz parte do grupo por dois anos, mas a paixão pela cerveja continuou, mesmo depois de sair da Confraria. Tenho preferência pelo que é novo, por isso meu foco de trabalho é neste segmento, no qual descubro a cada dia algo saboroso para degustar e para contar aos meus ouvintes e leitores”, revela. Em 2009, juntamente com Marco Falcone, surgiu a ideia de aliar sua graduação em Jornalismo à paixão por cervejas. “Havia um boletim na rádio sobre vinhos, e eu já tinha vontade de fazer algo relacionado à cerveja como jornalista. Foi então que a coluna ‘Pão e Cerveja’ nasceu”, conta. Fabiana Arreguy é repórter, produtora e apresentadora da coluna na Rádio CBN há 5 anos, e aproveita o espaço para falar das novidades do setor. O apreço pela bebida reuniu, em 2006, um grupo de cervejeiros caseiros para a

cultura troca de informação e produção de bebidas próprias. Assim surgiu a Associação dos Cervejeiros Artesanais de Minas Gerais (Acerva Mineira). Segundo José Bento Valias, diretor secretário da associação, a parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) rendeu bons frutos, ao auxiliar os produtores a formalizarem as novas cervejarias no estado, alavancando ainda mais o crescimento do setor em Minas. Conhecer a cerveja especial vai muito além da degustação. As nuances vão tomando conta de cada papila gustativa, a cada novo gole é possível perceber notas antes desconhecidas. A capital mineira tem se tornado o berço das especiais, não apenas na questão da quantidade de fábricas localizadas aqui, mas também pela quantidade de bares que a cada dia vem abrindo espaço em seus cardápios para acolher as cervejas artesanais.

letícia faria

cultura

Turismo Cervejeiro A procura pelas cervejas artesanais divulgação

Produção cervejeira em momento de ascensão

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também é alta por parte dos turistas. Segundo a Belotur, o evento Brasilbeer – realizado dentro da Expocachaça – teve 40% do seu público construído por turistas, mais de 80 mil pessoas. A empresa Libertas Receptivo oferece um roteiro turístico em Belo Horizonte, levando o visitante para explorar cada detalhe das cervejas artesanais, seus bares e processo de produção. É o Circuito Cervejeiro de Belo Horizonte. “A intenção é proporcionar aos turistas e aos belo-horizontinos novas experiências. São mais de 12 fábricas de cervejas artesanais de excelente qualidade só no estado de Minas Gerais. Já são reproduzidas mais de 50 tipos de cervejas dos 120 estilos existentes no mundo”, diz a representante da empresa, Helena Peres. Além disso, a fim de desenvolver diversas atividades como cursos e eventos relacionados à cultura cervejeira, a empresa trabalha em parceria com Felipe Lemos, sommelier de cerveja, presidente da Confraria da Cerveja de Belo Horizonte, membro fundador da Acerva Mineira e criador e organizador do Beer Tour. “O evento é um roteiro mensal de divulgação da cultura cer vejeira de Minas Gerais. Fazemos visitações às principais microcer vejarias de Belo Horizonte e região, incrementadas por visitas a lojas e bares especializados em cerveja artesanal, sempre aos sábados”, explica Felipe.

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barroco

Arquivo pessoal

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sortudo

Cozinheiro, enólogo e repleto de histórias, Lino Ramos do Nascimento sabe usufruir dos muitos acasos da vida Barbara Goulart Cotrim Em nossa última frase trocada, indaguei acerca de sua trajetória: “Uma palavra. Diga-me aquela que defina – ou resuma – toda essa história que hei de contar!” “Acaso”, disse-me, enfático. “Além da sorte”, retruquei! “Sim. Sorte, sempre!”, devolveu-me, sem piscar. Ao receber a incumbência de produzir um perfil sobre alguém, fui apresentada a Lino. Ele, o perfilado, aguardava em uma sala do jornal Impressão. Fomos apresentados por seu grande amigo, o jornalista Dany Starling, que propusera toda a brincadeira de estilo literário. Entusiasta que só, a proposta era movimentar o último semestre e exercer a criatividade – dos alunos e dele, também. É que Dany é daqueles que se alimentam de histórias. Isso, suponho, excluindo os vinhos, queijos e bolinhos de mandioca. Mas não, este perfil não pertence a ele, ao Dany. Embora

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Atleticano convicto, Lino não dispensa um bom vinho merecesse. O caboclo ao lado, Lino, é seu amigo e parece ter aceitado a aventura de ser analisado e perfilado de bom grado. Meio largado à cadeira, conversando despretensiosamente, logo se aprumou, levantou e cumprimentou-me com um aperto firme nas mãos, e notável desajeito. Nem tímido demais, nem de menos. Apenas um outro mineiro, logo soube. Sob consentimento de Lino, Dany o apresentou em minúcia. Pelo semblante tranquilo do amigo, pareceu-me não se importar em ser o protagonista. Nem em ter suas particularidades ali expostas, e por outrem. Como que num misto de curiosidade e desdém. Como se, independentemen-

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te do resultado da presepada em que lhe enfiaram, nada ali o definiria ao certo. Não devia ser lá tão preocupante. Mas havia, por detrás do ar ingenuamente desdenhoso, certo apreço pela experiência de ser perfilado. E de se descobrir aos olhos dos outros. A biografia lhe pertencia apenas, assim como seus sentimentos. Mas suas histórias, não eram diferentes. Os detalhes sobre sua história foram contados sob oolhar crítico, e igualmente generoso, de Dany. Adjetivos, bons ou ruins, não me foram negados. Pelo contrário. Recheariam a obra a seguir. E, após longos minutos de apresentação, tive, enfim, a oportunidade de entrevistá-lo. Direto com Lino e suas verdades. Seus achados e descobertas. Mas, oras, também com suas incertezas, meias respostas e insinuações. Além da perspicácia, a visível inquietação. E uma simplicidade sem fim.

Sorte do acaso Nascido em Ipatinga, no Vale do Aço, batizou-se Lino Ramos do Nascimento. Um nome de escritor, com alma de contador de histórias. Na data de aniversário, um verdadeiro imbróglio. O filho de José Ferreira nasceu em um dia, foi registrado em outro e suas comemorações passam das 48 horas de festejo em agosto. “Meus amigos me parabenizam no dia 23, dia em que fui registrado. Já meus familiares, no dia 24. data em que realmente nasci”, revela Lino, achando graça de si mesmo.

Não revelou o ano em que nasceu. Um pouco pela prerrogativa pergunta: “Em que dia nasceu?”. Primeiramente, achou se tratar do dia semana, mas disse não lembrar. Com ar suspeito de quem sequer sabia, tão menos importaria para si. Depois, se refestelou ao falar da confusão de datas, sob o olhar e os comentários atentos de Dany Starling. No que encerrou a resposta em seguida. Passou batido e deixou assim, sem fazer mise-em-scène sobre a idade. Consentimos. Poderia suspeitar que algo em torno de seus 47 anos, mas pode ser menos ou mais, uma vez que vigor e complacência não lhe faltaram em igualdade ao semblante. Pacato e confiante. Sabe de sua verdade e não a revela. No entanto, também não a esconde. Gasta energia para ser transparente o suficiente sem lhe expor o que é caro – este é o jeito barroco de ser.

Lino não curte o jornalismo atual, em que as mídias competem, ao invés de convergir. “Não acredito que uma coisa tenha a ver com a outra, pois o jornalismo revela-se a cada dia mais comercial e menos informativo.” Quando rapazote, Lino saiu da cidade natal para morar em “Beagá”, capital das Minas Gerais. Não que parecesse sonho de menino do interior, nem que depositasse grande expectativa na cidade grande. “Simplesmente aconteceu e vim”, resume, com a simplicidade de quem nunca duvidou que desse certo. O gancho para a mudança foi, ora veja, a cozinha. Matuto, gostava de cozinhar e, em um belo dia, alguém reconheceu que cozinhava muitíssimo bem. Estando em Belo Horizonte, não hesitou em se inscrever para a oportunidade de um curso de gastronomia, no Senac. Com centena de inscritos para uma dúzia de vagas, Lino reforçara a fé, ao estar entre os escolhidos. “Eu tenho um

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bom laço com o Papai do Céu”, reconheceu, gabando-se das constantes sortes que o “Pai” lhe confiara pelo caminho. Em uma dessas recorrentes tacadas de sorte, conheceu a companheira, a chilena Jacqueline Rosas. Outros novos caminhos foram, então, provocados por Jacqueline. Ela dizia, por exemplo, que o esposo merecia um curso superior. Certamente, não para refinar as já polidas ideias, mas para defini-lo como um homem de bem, de boas relações e graduado. Foi aí que o jornalismo entrou em sua vida, como oportunidade de se politizar, de saber reconhecer a aplicação de tantas opiniões, ou somente para viver o tempo percorrido em algo que lhe renderia uma formação. “Só trabalhei como assessor de impren-

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Jornalista não praticante, Lino viaja por mares diversos

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sa uma vez. E nem acredito que uma coisa tenha a ver com a outra, pois o jornalismo atual revela-se a cada dia mais comercial e menos informativo”, defende Lino. Reafirmando suas convicções de que, embora jornalista, antes, cidadão, político e atuante. Talvez, até, nessa mesma ordem. Ele não curte o formato atual do jornalismo, em que as mídias competem, ao invés de convergirem. Talvez por isso não o seja, no quesito profissional, o que não o impede de sê-lo no sentido literal do mundo das ideias e atitudes. Sim, um jornalista que aprecia cheiros e temperos, vinhos e música, partido político – Lino mantém-se de esquerda –, e se intitula enófilo. Lino parece não acreditar que há algo demais em ser quem se é, da mesma forma que não tem dúvidas de sua unicidade. Fala como se tratasse da trajetória de um homem que teve oportunidades, mas não aquelas de ouro, as ainda mais valiosas que o artigo de luxo. As advindas de elucubrações existenciais que resultaram em algo importante, em alguém. Nele! Com tom destemido, Lino contou que acha trabalho um saco. “Mas o amor é essencial”, refuta, dando a entender a alma encantada pelas boas coisas da vida. As que valem uma vida! Com um charme que parece desconhecer a autoria. Ou se saberia charmoso? Consenti a ambiguidade que emanava do discurso verbal e não verbal. Confessando-se leitor pouco assíduo, Lino recordou do livro Cozinha Confidencial,

do autor Anthony Bourdain, um dos chefs mais badalados de Manhatan, nos Estados Unidos, que leu e apreciou. O livro, embora o título remeta a culinária, receitas e afins, não se atém ao estereótipo. Bourdain articula suas linhas entre o universo dos pães e das panelas, perpassando o comportamento humano e suas complexas nuanças. Com doses de sarcasmo e muito senso de real. Uma perfeita obra-literária biográfica-gourmet definiria bem o conceito. Analisando bem, não é difícil perceber o que Lino viu no modo como o autor propõe Cozinha Confidencial. Gostou do teor, justamente, pelo modo como encara a sua própria vida. Com mais liberdade e menos hipocrisia. Mais propósito e menos preposições. Mais altruísmo, menos egoísmo. Mais coletividade. Menos egocentrismo. Mais. Menos. Maduro, ele mesmo vai, na linguagem corporal, tecendo o fim da conversa. Dá ares de, sabiamente, convencer-me da hora de parar o discurso, cedendo vazão ao olhar do outro, no caso, o meu. Generoso de sua parte fecundar o gérmen de seu perfil, sem saber que broto dali frutificaria. Sem saber quais linhas seriam descritas e reescritas. E quais verdades pudessem ser identificadas ou relegadas a último – quiçá, nenhum – plano. Corajoso e audaz, confiante e sinuoso. Tantas as definições pudessem conter Lino Ramos do Nascimento em lépidas palavras e tépidos conceitos. Mas ele se abstrai, sorrateiramente. Não se atém, tampouco revela ar arrogante à empreitada. Não se sente um perfilado. Apenas o Lino simples de sempre. Na realidade, Lino parece estar ali a realizar algo que, há muito, aprendeu a fazer tão bem: fruir a vida. As oportunidades. Mesmo que isso seja desfrutar dos amigos e suas propostas pantagruélicas. Nada como sentir-se provocado a fazer algo novo. E isso elucida o porquê de Lino apreciar o merken, um exótico tempero chileno. De sabor ligeiramente picante, com um toque enfumaçado, a especiaria rende sabor único a qualquer receita. Assim foi Lino, neste perfil.

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as faces de

Chiquinho Garçom, palhaço e fiscal de loja. Essas são algumas das inúmeras facetas do desenvolto vendedor ambulante Francisco Duarte Werlison Martins O celular desperta, são 6h30. O dia, para ele, não importa. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta-feira, sábado e domingo, com o tempo chuvoso, seco, nublado ou até mesmo um calor escaldante, acima dos 36 graus. Para o ambulante Francisco Duarte – mais conhecido como Chiquinho em sua comunidade no bairro São Benedito, em Santa Luzia – todos os dias são iguais. A rotina é sempre a mesma, o que muda é o enredo, o cenário e as pessoas que vão fazer parte dos seus próximos momentos. Mesmo que vez ou outra sempre acabe esbarrando com um conhecido, o que pode significar mais cliente.

As origens Natural de Montes Claros, norte de Minas, Chiquinho veio para a Região Metropolitana de Belo Horizonte à procura de uma nova vida. Mesmo sem a oportunidade de seguir em frente nos estudos, já que cursou apenas até a 4ª série do Ensino Fundamental, nunca perdeu as esperanças de vir para capital,

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conseguir um bom emprego, constituir uma família, ser feliz e capaz de providenciar uma história mais alegre a seus seis irmãos, que moravam na cidade do pequi. “A verdade é que em Montes Claros nunca tive uma boa vida. Meus pais eram muito pobres e, como era o filho mais velho, comecei a trabalhar desde cedo, aos 10 anos, para ajudar nas despesas da casa e não deixar que ninguém passasse fome”, afirma Francisco. Aos 22 anos, Chiquinho chegou a Belo Horizonte. Com dificuldades para pagar as despesas de aluguel, água, luz e alimentos, ele encontra abrigo na casa de parentes e se muda para Santa Luzia dois meses depois. O primeiro emprego em Beagá foi o de garçom, no Restaurante e Churrascaria Fiesta Brava, na região da Pampulha. Mesmo sem qualquer experiência na área, aceitou o desafio. Esses, segundo o próprio Francisco, foram os momentos mais difíceis na capital, chegando, inclusive, a pensar seriamente em retornar para Montes Claros. Durou pouco mais de seis meses sua passagem no restaurante, mas a vida de garçom ainda o iria acompanhar por um longo período. O pouco tempo que prestou serviço no estabelecimento foi suficiente para Chiquinho comprar um Fusca azul.

“Foi uma das maiores loucuras que cometi na vida. Não sabia como iria pagar aquele automóvel, mas desde criança sempre tive o sonho de ter um carro. Hoje, se você chegar em Santa Luzia e perguntar a qualquer morador onde mora o ‘Chiquinho do Fusca azul’, todos vão saber te orientar ”, ressalta. Apesar de toda a insegu-

william arAújo

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DOSSIÊ água compradas por R$ 0,50 eram vendidas por R$ 2,00. Chiquinho ganhava a cada dia mais e mais freguesia. Além do reconhecimento de quem passava pelo local. “Posso estar com sede, mas faço questão de esperar chegar até aqui na Avenida Brasília para comprar água na mão do Chiquinho. Além de bem vestido, ele é atencioso e a água é mais gelada inclusive do que em restaurantes”, pondera uma das clientes.

prem balas, pirulitos e doces. Engana-se quem pensa que o ambulante se sente constrangido com as fantasias. Para ele, essa é uma marca pessoal. Uma forma de ser notado e admirado por outras pessoas. O carisma do vendedor é surpreendente. Mesmo quando algumas crianças, insistentemente, choram para que os pais comprem as guloseimas e não são atendidas, o “palhacinho” faz questão, de forma espontânea e gratuita, presentear os pequenos. “Às vezes, penso na possibilidade dos pais verdadeiramente não terem o dinheiro para satisfazer o desejo do filho. Assim, não consigo simplesmente tapar os olhos para a situação”. A generosidade e o carinho de Chiquinho ao presentear os “guris”, como gosta de dizer, são vistos pelos “estranhos” que passam pela Avenida Brasília como atitudes humanas, de uma pessoa que tem um bom coração. A humildade do garoto que sofreu por muitos anos em Montes Claros prevalece em meio ao desejo comercial e à avidez por lucros.

Troca de estação Mas nem tudo são flores. A chegada do inverno representa uma brusca queda na venda de água. Devido à proximidade do frio, é hora de, mais uma vez, inovar. Com roupas coloridas, nariz de palhaço e uma fantasia bem chamativa, lá está o ambulante provocando a atenção novamente. Dessa vez, em especial, de crianças, que, vendo a cena, choram para que os pais com-

Nem tudo são flores. A chegada do inverno representa brusca queda na venda de água. Com a proximidade do frio, é hora de inovar. Com roupas coloridas, nariz de palhaço e fantasia chamativa, lá está ele a provocar a atenção novamente. reprodução

rança no início, o automóvel permitiu uma mudança radical em sua vida. Desde criança, ele afirma ter certo dom para a inovação. A criatividade é uma de suas marcas. Com o terno que adquiriu para se tornar garçom na churrascaria e o Fusca que comprara para satisfazer um desejo pessoal, Chiquinho decidiu unir o útil ao agradável e se tornar vendedor ambulante. Mas não um ambulante comum, e sim um “garçom”, que iria servir os clientes em semáforos. A ideia era ir para os sinais de trânsito e, com uma bandeja, vender água para motoristas e pedestres, vestido a rigor. “Pensei que não seria nada de mais, seria um vendedor como outro qualquer, mas me espantei com o sucesso. Vendi mais de 300 garrafinhas de água em apenas duas horas”. Foram meses e mais meses trabalhando dessa forma. O ambulante estava gostando de ser trabalhador autônomo. O lucro era espantoso. Garrafas de

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A vida fora das ruas Com a vida financeira já controlada, o ambulante se casou em 2006 com a empregada doméstica Elisa Reis. A vida não tem muita diferença dos dias vividos na rua como vendedor ambulante. Assim como foi criado e com características típicas de um “bom mineirinho”, Francisco dedica toda a atenção à esposa e ao filho de três anos, Chiquinho Júnior. Após o casamento, a esposa abandonou a profissão para se dedicar exclusivamente aos cuidados de dona de

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DOSSIÊ dependentemente de sol ou chuva, calor ou frio, é essa sua rotina. Se nem todos os brasileiros são felizes com as suas áreas de atuações, Chico enxerga a profissão de vendedor ambulante, vestindo de garçom e palhaço, como a melhor que possa existir. Mesmo que essa não seja uma atividade reconhecida por muitos cidadãos.

Volta ao trabalho formal Apesar de ser essa a única fonte de renda de Francisco e ser esse o trabalho que garante o sustento de toda a família, a atividade é irregular, já que em Belo Horizonte e Região Metropolitana é proibido o comércio de qualquer produto em vias públicas, exceto para idosos e deficientes físicos. O que era uma atividade que estava gerando muito lucro, de repente passou a ser um trabalho que gera prejuízos. “Mesmo com a maior parte dos meus produtos ficando dentro do Fusca, a maioria era apreendida por fiscais”. Dessa forma, o trabalhador autônomo optou por retornar

O vendedor adoça a vida das crianças

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A roupa de garçom é a marca de Chiquinho

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casa, do marido e do filho. As histórias de Chico e Elisa muito se entrelaçam, ambos são do interior, de famílias humildes, e vierem para a capital em busca de bem-estar. Os dois se conheceram em uma happy hour, quando Chiquinho ainda trabalhava no Fiesta Brava. Depois de alguns anos de namoro, e outros morando de forma amasiada, os dois resolveram oficializar a relação. Na cerimônia, nenhum luxo ou “esbanjamento”, como gosta de afirmar Elisa, mesmo com a situação financeira estabilizada. Os dois sempre priorizam controlar as economias. Com esforço, ele conseguiu atingir um dos objetivos do jovem vindo do interior. Casou-se, comprou um “barracão”, como gosta de enfatizar, além de quitar a dívida que tinha contraído com a compra do Fusca azul meses antes. Hoje, o trabalhador autônomo sustenta sozinho a família. Acorda todos os dias bem cedo para ir às ruas comercializar seus produtos e “garantir o leite da criança”. In-

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ao serviço formal. Agora, como fiscal de loja no supermercado Carrefour, também na região da Pampulha. Mais uma vez estava Francisco vestido de roupa social, só que agora, ao invés de correr atrás de motoristas e pedestres para vender água, o objetivo era correr atrás de possíveis ladrões. “Não era a melhor atividade do mundo, mas precisava de dinheiro para sobreviver. Meu filho ainda era muito pequeno, dependia de mim. Eu não podia correr o risco de sempre ficar levando prejuízo, tinha que ter uma renda fixa para não ficar dependente de outras situações. Foi uma época difícil. Enquanto ambulante, chegava a ganhar, de forma liquida, R$ 5.000,00 por mês. Como fiscal, não recebia R$ 800,00 mensais”, lamenta, cabisbaixo e saudoso. Cinco meses se passaram até que Francisco optou por abandonar o serviço formal

e se arriscar novamente como vendedor ambulante. A desistência, segundo Chiquinho, não foi nem tanto pela questão salarial, mas sim pelo bem-estar. Acordar cedo, se vestir de garçom ou palhaço tinha passado a ser uma rotina em sua vida, algo tão natural quanto escovar os dentes ou pentear o cabelo. “Ainda na época em que eu trabalhava no Carrefour, por diversas vezes acordei cedo e coloquei a fantasia para ir às ruas vender meus produtos. Em várias ocasiões, minha esposa acordava com o Chiquinho chorando e me perguntava se eu estava ficando louco. Só aí eu lembrava que minha vida tinha mudado e que o serviço de vendedor ambulante não existia mais”, afirma, com a voz triste.

Meio dia com Chiquinho É domingo, dia que muitos brasileiros utilizam para o descanso ou até mesmo

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quer banheiro próximo, com a roupa sempre à mão. Apesar da escolha pela de palhaço, Francisco reconhece que a fantasia de garçom é a mais original e inovadora. “Acho que fui o primeiro a ter essa ideia. Não conheço outro maluco que tenha tido essa coragem. Palhaços você vê vários por aí, até mesmo quem vende algodão-doce faz isso. Agora, se fantasiar de garçom para vender água no semáforo foi algo que eu nunca tinha visto. Essa é a minha marca e foi assim que eu consegui comprar meu barracão”, orgulha-se da missão cumprida. Antes de sair de casa, Chiquinho passa no quarto para verificar se está tudo bem com a esposa e o filho. Dá a benção à criança e, agora sim, com a chave do Fusca azul em mãos, parte para mais um dia de labuta. A trajetória de sua casa até o local de trabalho é bem curta, pouco mais de 15 minutos. Muito diferente do percurso que fazia a pé em Montes Claros, para chegar ao trabalho, um alívio. Ao chegar na Avenida Brasília, uma espécie de suporte é retirado de dentro do Fusca. Ali são colocadas balas, doces, pirulitos, paçoquinhas, pipocas e diversas outras guloseimas. Além disso, objetos de maior valor também são amarrados à cintura, como bolas, apitos e bonecos. Feito isso, as últimas alegorias da fantasia são inseridas: a peruca e o nariz de palhaço. Aos poucos, a avenida, que durante a semana é repleta de movimento, começa a receber um fluxo maior de veículos e transeuntes. A primeira cliente, por incrível que pareça, não é nenhuma criança insistindo para os pais comprarem qualquer doce ou brinquedo, mas sim uma idosa, aparentemente indo à igreja, já que segura uma Bíblia. A senhora pede uma

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passear com os filhos ou visitar parentes. Francisco acorda disposto. Nada daqueles cinco minutinhos a mais na cama antes de se levantar, que é bem típico do brasileiro. Desde criança, aprendeu que acordar cedo não deveria ser uma virtude e sim uma obrigação, um dever com o próprio corpo. “Como assim, 6h30 é um horário cedo? Em Montes Claros, eu costumava acordar às 3h, porque tinha que caminhar uma hora e meia para chegar até à zona rural, onde plantava mudas de eucalipto”, diz, em tom de brincadeira, mas fica sério. Antes de lavar o rosto ou escovar os dentes, o ambulante abre o armário e confere se todas as fantasias – ou material de trabalho, como gosta de dizer – estão devidamente organizadas para mais aquele dia que se inicia. Em seguida, toma uma xícara com chá – ressaltando que foi preparado pela esposa ainda no dia anterior – come um pedaço de bolo e parte para mais uma jornada, a desgastante rotiina. Com um sorriso bastante natural, como quem está verdadeiramente feliz, Chiquinho vai até o armário e pega a fantasia. “Hoje é domingo, dia bom para encontrar muitos pais indo passear com os filhos. Hoje, não pode ser outra, a fantasia tem que ser a de palhaço”, afirma. Entretanto, de forma bem cuidadosa, o ambulante também coloca o terno de garçom no banco traseiro do Fusca. Segundo ele, pode ser que a venda de água seja interessante para a ocasião. Assim, é possível trocar a fatiota em qual-

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DOSSIÊ paçoquinha. De forma atenciosa, Chiquinho oferece uma quantidade maior do produto com desconto. A idosa recusa. Após atender ao pedido, o palhaço se despede: “Vá com Deus. Ore por mim”, diz Chiquinho, simpático. Com o sorriso no rosto, a senhora se despede e segue seu caminho. Não é um dia muito movimentado, raros clientes durante as primeiras horas e pouquíssimas vendas. Apesar de não ser uma boa data para comércio, o ambulante segue sua rotina de forma otimista, mas com o receio de aparecer algum fiscal e apreender as mercadorias. “Por incrível que pareça, o dia de menos movimento é o dia em que eles nunca vêm. Acho que não gostam de trabalhar no domingo”, zomba, irônico da coincidência.

Desde criança, aprendeu que acordar cedo não deveria ser virtude, mas um dever com o próprio corpo. “Como assim, 6h30 é cedo? Em Montes Claros, acordava às 3h, pois caminhava uma hora e meia até a zona rural, onde plantava eucalipto.” Não há dúvidas de que o comércio ambulante, para Chiquinho, muito mais do que uma forma de sustento, é também um lazer. Correr atrás de carros, brincar com crianças, se fantasiar de palhaço e garçom foi o meio que ele encontrou não apenas para ganhar o pão de cada dia, mas promover um instante de bem estar às pessoas. O carisma com que Chiquinho trata cada cliente confirma essa ideia. Em meio a tantas dificuldades, seu maior desejo é que, algum dia, o governo encontre uma maneira de legalizar sua profissão e, assim, não tenha que temer a apreensão de suas mercadorias. Por fim, em meio a tantas personalidades, uma nunca deixa existir: a de um pai capaz de tudo, para garantir ao filho a oportunidade de futuro promissor. Algo que ele não teve quando criança.

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as

e

A familiar Aos 117 anos de idade, o Bonfim, antigo bairro boêmio de BH, abriga diversas casas familiares, mas não se livrou da velha fama Carine Santos Venho caminhando pela Rua Bonfim, principal via do bairro homônimo de Belo Horizonte, tentando pensar na melhor maneira de descrevê-lo. A rua tem início na Praça do Peixe, no bairro vizinho, Lagoinha, e seu final é no cemitério do Bonfim. No caminho, percebo comércios dos mais variados estilos e algumas residências familiares. Nesta rua, próximo à praça, existem várias peixarias, que são as atrações do Bonfim, perdendo o posto apenas para o cemitério. Lá estão a Cia do Camarão; Frigorífico Serradão; LC Pescados; Lambari & Cia; Jupescas e Sol & Mar. Todas estão próximas umas das outras, o que intensi-

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wilson albino

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fica a concorrência e deixa o consumidor “rindo à toa”, já que, assim, pode brigar por melhores preços e sai no lucro. Estes estabelecimentos atraem pessoas de todos os bairros da cidade, principalmente na Sexta-feira da Paixão, dia em que muitas famílias escolhem não consumir carne e optam pelo peixe, encontrado com fartura. Pensando nisso, há 23 anos, Afonso Brade Teixeira, proprietário de uma das peixarias, distribui mais de dez toneladas de peixe, gratuitamente, para famílias carentes da região. Por causa da caridade, ele consegue reunir cerca de mil pessoas em frente ao seu estabelecimento na Sexta-feira Santa. Alguns cidadãos chegam ao local na quinta-feira à tarde para serem os primeiros a conseguir o almoço do dia seguinte. O comerciante organiza duas filas, sendo uma preferencial para idosos e deficientes físicos. Um fato interessante é que o nome da peixaria de Teixeira nunca é divulgado, no dia da distribuição, pois, todos os anos, o proprietário coloca uma lona em frente à placa para cobrir o título do local. Ele diz que não quer promover seu comércio, apenas ser caridoso com a população. Além das peixarias, é possível encontrar seis lanchonetes e restaurantes, como a Fruiti Nature, onde são vendidos alimentos naturais, como vitaminas e sucos de frutas, além de sanduíches saudáveis. Há também duas sorveterias, ambas com produtos artesanais. A empresa de telefonia A&C, na mesma

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DOSSIÊ Nilsa realmente parece se divertir atendendo seus clientes, tanto que me surpreendi quando ela confidenciou não gostar de trabalhar em uma padaria. Acha o serviço enfadonho, pois sua profissão é mecânica, e é isso que gosta de fazer. Trocou de ramo após uma série de crises alérgicas enquanto prestava serviços para oficinas. Após a mudança de profissão, não precisou mais recorrer aos remédios. Sobre o Bonfim, Nilsa explica que, quando chegou ao bairro, ele era muito mais perigoso. Os assassinatos eram constantes. Atualmente, não há mais tanta prostituição e homicídios, mas ainda ocorrem muitos assaltos, furtos e confusões entre os moradores de rua.

Coroa de Flores para Velório e Cemitério, que atende amigos e familiares de pessoas enterradas no Bonfim. Na rua há somente uma padaria, que à noite pode ser confundida com um dos bares, devido às mesinhas cheias de gente bebendo cerveja. A proprietária é a mecânica Nilsa Marques da Silva, 55, moradora do Bonfim desde 1990. Ela e o marido se mudaram de Ipatinga, no interior de Minas. A padaria de Dona Nilsa, apesar de ter somente um ano de existência, é bem movimentada. Em menos de cinco minutos, sete clientes chegaram ao local e foram recebidos de maneira cortês.

Eis a esquina mais movimentada do bairro Bonfim

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rua, também atrai muitas pessoas, pois ali trabalham mais de mil funcionários, a partir dos 16 anos de idade, em três turnos. Fora os que trabalham sábado, domingo e feriados. Muitos destes funcionários residem ali mesmo nos arredores. Subindo a rua, em sentido ao cemitério do Bonfim, logo depois da creche Vovó Guiomar, aparecem os bares e os salões de beleza. São, exatamente, três salões femininos e uma barbearia. Já os bares... dá até para perder a conta. Há também aquelas empresas que sobrevivem com a morte alheia. É o caso da Funerária Pax de Belo Horizonte e da

Ao subir a rua, rumo ao cemitério do Bonfim, logo após a creche Vovó Guiomar, aparecem os bares e salões de beleza. São, exatamente, três salões femininos e uma barbearia. Já os bares... dá até para perder a conta. Jogo de cintura Na década de 1990, o Bonfim ainda era um bairro boêmio, com várias casas de prostituição. Uma delas era a casa da Zezé, situada na esquina da Rua Caparaó com Arceburgo. A residência ocupava um quarteirão inteiro, abrigava dezenas de garotas e era muito requintada e conhecida nos arredores. Tanto que muitos clientes saíam de bairros vizinhos – Lagoinha, Bom Jesus, Santo André, São Cristóvão, Centro e outros. Após a morte de Zezé, suas filhas não quiseram dar prosseguimento ao “negócio”, então venderam o imóvel. Após ficar fechado durante muito tempo, o novo proprietário mandou pintar e reformar o local, pois moradores de rua quebraram os vidros das janelas. Hoje, o lugar tornou-se uma casa comercial, que espera para ser alugada.

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quanto atendia aos clientes, um homem ficou andando atrás dela a noite inteira, falando coisas obscenas. A menina tentou relevar, pois ele havia bebido demais, mas chegou ao seu limite. Ameaçou chamar o pai para colocá-lo na rua. “Se a gente abaixar a cabeça uma vez, vai precisar abaixar sempre, aí a situação complica, né”, explica. Hoje, Nilsa e sua filha observam que muita coisa mudou no bairro. Principalmente o comportamento das garotas de programa e dos travestis. Elas explicam que, antigamente, esses profissionais andavam com roupas mais “comportadas” à luz do dia e respeitavam as famílias que ali residiam. “Hoje em dia, eles não se importam se

Cemitério do Bonfim guarda boas histórias

Em meio à tradição, a tecnologia wilson albino

Retomando o papo com Nilsa, perguntei como era o bairro na época da boemia. Ela explica que depois de oito horas da noite, nenhuma “moça de família” podia sair de casa, principalmente passar pela Avenida Pedro II (importante via que liga a Avenida Olegário Maciel ao Anel Rodoviário, interligando o Centro à região Noroeste), pois as pessoas achavam que qualquer mulher que estivesse por ali era garota de programa. Todas as vezes que ia visitar a família em Ipatinga, evitava comentar que morava no Bonfim, porque os parentes a olhariam com desconfiança, achando que ela se hospedava em uma casa de prostituição. “Mesmo casada, o preconceito era muito grande”, revela consternada. Nilsa tem uma filha de 18 anos, Ágata, e descreve como foi, naquela época, criar uma menina no Bonfim. “Você tem que ter muito jogo de cintura, por que se não tiver...”. Conta que ensinou a filha a respeitar as diferenças e fazer boas escolhas na vida, para que ela não se deixasse levar pelas más influências. Hoje, Ágata cursa Direito e faz estágio em um órgão público. A moça explica que sempre precisou “brigar ” para ser respeitada no bairro. À noite, a padaria funciona como um bar, ela e a mãe são as únicas pessoas que trabalham no local: enquanto uma atende às mesas, a outra fica no caixa. Vários homens frequentam o estabelecimento, muitos fazem “brincadeirinhas” com duplos sentidos. A estudante conta que, certa vez, en-

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tem alguém passando pela rua, mesmo se a pessoa estiver acompanhada com uma criança. Se você reclama, eles mandam você se mudar ”, reclama Ágata. Despedi-me de mãe e filha e continuei com minha caminhada sem destino certo. Como a padaria fica no meio da Rua Bonfim, recomecei minhas observações.

Rádio e cemitério Diversas ruas cortam, têm início ou final na Bonfim. Uma delas é a Itatiaia, onde, desde 1962, está localizada a sede da Rádio Itatiaia, fundada pelo jornalista e radialista Januário Laurindo Carneiro, em 1952. Próximo à emissora, há um hotel, o Belo Horizonte Hostel, e uma garagem de ônibus de viagem, pontos históricos do bairro. Enquanto prossigo com a caminhada, vejo o ônibus 4114 (Centro/ Bonfim) pas-

sando. Ele é o único a percorrer a rua inteira, porém, o bairro conta com duas linhas próprias (4114 e 4032), fora os diversos coletivos que passam pela Avenida Pedro II, em direção a outros bairros da região Noroeste. O Bonfim, antiga Fazenda dos Menezes, é um “conjunto” de ocupação operária. No final do século XIX, os empregados que trabalhavam na construção da nova capital mineira foram morar neste bairro, um dos mais próximos do centro da cidade. Na época em que Belo Horizonte foi planejada, a área residencial foi prevista somente para a região central da cidade, dentro dos limites estipulados pela Avenida do Contorno. Porém, com a superlotação do local, muitas famílias tiveram que habitar os bairros próximos ao centro, como o Bonfim e o Lagoinha.

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Minha caminhada terminou na Rua Bonfim, nº 1120, no cemitério. Inicialmente, denominado de Cemitério Municipal da Nova Capital, foi planejado pelo arquiteto português Antônio Teixeira Rodrigues, conhecido como Conde de Santa Marinha. O Cemitério do Bonfim, espaço repleto de obras de arte, foi aberto no dia 08 de fevereiro de 1897, precedendo a inauguração de Belo Horizonte em dez meses. Até então, os mortos eram enterrados em um cemitério provisório, localizado onde hoje é a esquina das ruas São Paulo e Tamoios, no centro da cidade. A primeira pessoa a ser sepultada no Bonfim, no mesmo mês de sua inauguração, foi Berthe Adele de Jeaguer, filha de um engenheiro belga, um dos responsáveis pela construção da cidade. Há boatos de que a garota, com 20 anos, morreu de tuberculose,

DOSSIÊ doença muito comum na época. O cemitério do Bonfim foi construído fora do atual padrão dos necrotérios de Belo Horizonte, criados no formato parque, com muitas áreas verdes. Seu conjunto de peças conta com a participação de artistas reconhecidos nacional e internacionalmente, como Carlos Simi Stor, Heitor Usai, Ettore Ximenes, César Formenti, Jeanne-Louise Milde, João Scuotto. Ele foi todo construído com materiais importados da Europa e, por sua imensa beleza, requinte e importância social, foi tombado como patrimônio cultural de Belo Horizonte em 1977.

Causos e lendas O cemitério é o cenário da lenda urbana da “Loira do Bonfim”, contada desde 1919. A história, que possui diversas variações, é basicamente a história de uma loira muito

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Cemitério foi tombado em 1977

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bonita, charmosa e bem vestida, que entra em um táxi no centro da cidade e entrega ao motorista um papel contendo um endereço. No mesmo papel, estava escrito outro endereço, onde o motorista deveria receber o dinheiro da corrida, caso ela não pagasse. No caminho do bairro Bonfim, o taxista tenta puxar assunto. A loira responde com frases curtas, como quem não quer conversa. Só diz que quer ir para casa rápido. Quando entra no bairro, o taxista percebe que a garota começa a agir de maneira estranha, fica inquieta e ansiosa, atitude que vai piorando quando o veículo chega mais perto do destino. Quando chega ao local indicado, o motorista percebe que a loira já está fora do carro, caminhando em direção a um grande portão. Notando que a moça não pagou a corrida, o taxista desce atrás dela. Ao tocar seu ombro, percebe que garota está gelada. Quando ela o olha, ele vê que aquela mulher bonita tem a face pálida, os olhos fundos e arroxeados. Com muito medo, ele fica ali parado, vendo a loira sumindo cemitério adentro. Achando tudo muito estranho, o taxista decide ir à residência indicada por ela no papel. Chegando lá, é informado de que a moça que ele descreveu estava morta há anos, e sepultada no cemitério do Bonfim. Desde que a lenda foi contada pela primeira vez, há diversos relatos de taxistas que dizem já tê-la visto no portão do cemitério. A história ficou tão famosa que

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inspirou Ricardo Horta a produzir e dirigir um curta-metragem em 1998. O filme foi rodado em 16mm, colorido, com dez minutos de duração.

Visitação Em 2012, a Fundação Municipal de Parques e a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) estrearam o programa de visitas orientadas ao cemitério. Os passeios acontecem sempre no último domingo de todo mês e são conduzidos pela historiadora e professora da UEMG, Marcelina das Graças de Almeida. Especialista em História do Brasil, de Minas e História Antiga Ocidental, a professora desenvolve pesquisas relativas à morte e culto aos mortos, especialmente os cemitérios oitocentistas. De acordo com ela, o cemitério possui, atualmente, 172.000 metros quadrados, 54 quadras e 25 mil sepulturas. Segundo dados do Censo Demográfico 2010, atualmente, o bairro Bonfim, com seus 117 anos, conta com cerca de quatro mil habitantes. Desses, 2.064 são homens e 2.384, mulheres. O local possui 2.052 domicílios particulares permanentes, ou seja, 76,1% das residências estão ocupadas. Mesmo com tantas famílias residindo no local, o bairro ainda não se libertou da fama de boêmio. Os moradores não conseguem ter tranqüilidade para ir e vir pelas ruas. Quem sai à noite está exposto a situações vexatórias e a olhares de crítica das pessoas que passam pela Avenida Pedro II.

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Do povo para o povo

Todos os dias, ouço inúmeras histórias, carrego sonhos diversos e compartilho desejos de chegada infinitos Anita Andreoni Um misto de pernas doendo, com suor e cansaço. É o que quem viaja comigo sente, durante horas, até seus destinos. Sem sair da capital mineira, vivo dando uma breve passada por Amazonas, Curitiba, Olinda, São Paulo e Paraná. A viagem diária é longa para aqueles que compartilham comigo uma ou até mesmo duas horas de seu dia. Até o destino final, dou o ar da minha graça em 29 ruas e avenidas, cruzando Belo Horizonte antes mesmo de o galo cantar. Quem sou eu? Sou a linha de ônibus 1207, que circula pelas ruas da capital mineira. Sou uma das únicas linhas da cidade que carrega três letras do alfabeto, A, B e C. Apesar da diferença alfabética, todas elas me levam ao mesmo destino. Ligo o bairro Betânia ao Santa Mônica. Cruzo BH todo dia num trajeto de quase 23 quilômetros, percorridos em duas horas, com trânsito fluindo normalmente. Mesmo não sendo um transporte de luxo, muitos largam seus carrões em casa para me dar o prazer da compa-

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Quantos sonhos nasceram aqui dentro?

Se fui motivo de lamento, desculpe-me

nhia. O trânsito está cada vez mais louco e tumultuado. O tempo voa, ele insiste em ficar parado. Sou uma alternativa boa, tenho minhas próprias pistas e sou muito popular. Aliás, não teria adjetivo melhor para me descrever. Sou do povo e para o povo. São ao todo 37 lugares, que amanhecem vagos e vão ganhando ocupação ao passar dos pontos pela cidade. Apesar do transporte em comum, cada um daqueles rostos que vejo entrar pela porta tem um destino distinto. Cada um tem um ponto de chegada e um objetivo a ser cumprido todos os dias no ponto de partida. Meus antigos parentes aqui da capital mineira, já falecidos, fizeram história entre 1902 e 1963. Os chamados bondes atingiram o auge em 1947, com 75 veículos e 73 quilômetros de extensão nas ruas da capital. Em 1963, de fato assumi o papel que me era de direito e comecei a transportar passageiros pela cidade. Atualmente, são mais de três mil veículos como eu, fazendo, em média, 712 mil viagens por mês, transportando mais de 30 milhões de pessoas no mesmo período. Recentemente, ganhei um novo irmão, mais confortável, mais agradável de viajar, que divide espaço comigo nas ruas. Ele se chama Move. O nascimento dele veio da ideia de desafogar o trânsito nos horários de pico nos principais corredores urbanos. Para mim, não faz muita diferença; ainda estou com um pouco de ciúme. Recém-nascido é sempre assim; desperta aquela invejinha;

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em mim, então, que sou irmão mais velho, nem se fala. Agora, em vez de ter menos viagens longas, terei mais trajetos curtos. Não visitarei o bairro Santa Mônica todos os dias; irei apenas do bairro Betânia ao centro da capital. A partir dali, quem segue é meu irmão, que vai até às grandes avenidas da regional Pampulha. Nas primeiras horas da manhã, carrego, em maior quantidade, trabalhadores e estudantes. Todos com aquela cara de cansaço. Os estudantes, então... É praticamente uma tortura para os adolescentes. Acordar cedo e pegar ônibus com certeza, estão na lista das dez coisas que mais odeiam fazer. Mas não só os estudantes; quem vai sempre carrega aquele mau humor matutino, mas quem volta sempre traz consigo aquele ar cansado, porém aliviado, de ir ao encontro do conforto de seus lares. A cada abertura de portas, os passageiros têm a certeza de que estão mais próximos de seus destinos finais. Alguns pedem ajuda. “É nesse que eu desço?”, pergunta uma. “Não, é no próximo”, responde o cobrador. Acho que, além de serem chamados de cobradores, deveriam fazer breve curso sobre a cidade ou o trajeto do seu ônibus, todo dia, pois poderiam aderir ao currículo uma nova ocupação; guia turístico. Depois, busco os estudantes que deixei pela manhã, por volta do meio dia. Na parte vespertina, rodo com lugares vagos, sempre à espera da noite, da troca de turno do motorista e do cobrador para buscar

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Feliz o dia em que ando sem engarrafamento os trabalhadores esgotados que vêm do trabalho, exaustos, cabeças cheias e com problemas para desabafar. Pensam que não entendo nada do que falam diariamente, comigo e pra mim. Quem precisa estar comigo, muitas vezes, reclama da vida amorosa, profissional, estudantil. É difícil achar um sujeito esbanjando felicidade. Caso aqui, caso acolá, dia desses ouvi uma conversa fiada, lá no fundão, dois jovens ensinando como roubar internet e estar sempre conectado por meio da operadora da qual são clientes. Mal sabem eles que não sou o melhor lugar para confiar segre-

dos; o nome desse lugar é confessionário, deveriam saber. Além das conversas presenciais, haja crédito de celular para falar tanto. Acho que as operadoras deveriam bloquear sinal de telefone dentro do ônibus, porque olha, o que tem de lavadeira todos os dias viajando comigo não é mole, não. Parece que o ônibus é o lugar do desabafo. Tem gente que resolve contar a vida durante a viagem. Não sei como 20 minutos rendem tanto papo. Às vezes, tenho a impressão que a pessoa fala sozinha, não para nem para respirar. Haja assunto, amigo, haja assunto. Sou também ambiente de encontro. Amigas de colégio, separadas pelas circunstâncias da vida, mesmo que em pequenas distâncias, dividem segredos de meses, até anos de separação, em apenas dez minutos. “Bom te ver, vamos marcar alguma coisa”, provavelmente não marcaram nada depois daquela despedida simpática. Mas, se depender de mim, em breve, elas se encontrarão para matar a saudade.

Quem precisa estar comigo, por vezes, reclama da vida amorosa, profissional, estudantil. É difícil achar um sujeito esbanjando felicidade. Caso aqui, caso acolá, dia desses ouvi uma conversa fiada: dois jovens ensinando como roubar internet. Separo, todos os dias, um lugar de destaque para aqueles que, por motivos de idade, precisam do meu apoio. Os sexagenários gostam de viajar comigo. Precisam de um pouco de distração, mesmo que seja para fazer uma visita rotineira ao médico. Todos, um dia, terão esse lugar separado em meu coração. Um fato triste que aconteceu dia desses é de que uma menininha, jovem, forte, queria ocupar esse lugar. Tentei dizer a ela: “Menina, espere a sua vez. Enquanto isso, deixe o lugar pra quem precisa mais”. O motorista não teve a minha paciência ao transmitir o recado

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suas bicicletas. Tenho um jornal próprio. Posso dizer que sou um pouquinhojornalista também. Presto serviços à comunidade. Transmito notícias da cidade que possam interessar a população, dou dicas de convivência durante a viagem e ajudo a encontrar pessoas desaparecidas. Nesses 13 anos de jornal, ajudei a encontrar 20 pessoas. Tá que não é lá um número exorbitante, mas o pedacinho jornalista que tenho fica muito feliz de oferecer tal serviço à sociedade. Falando em jornalismo, não preciso sequer entrevistar meus passageiros para saber sobre a vida de cada um deles. Na verdade, sou uma caixinha de segredos. Nesses longos quilômetros que percorro por BH, cada pessoa, com sua individualidade, compartilhou uma história que seja comigo. Apesar de as pessoas não serem amigas ou colegas, quando passam pela porta, são todos conhecidos, amigos do dia a dia, dos bons. Bom dia, boa tarde, boa noite, bom trabalho, bom descanso. Sempre tem alguém saudando outra pessoa. Desejando bom trabalho, bom estudo ou,

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para a garota e foi logo dizendo: “Ou você levanta ou o ônibus não vai sair do lugar ”. Taí um motivo para todos ficarem estressados diariamente: a disputa de lugares dentro do coletivo. Hoje, já sei por que brincavam tanto de dança da cadeira nos tempos do primário. Estavam era se preparando para o que enfrentariam no futuro. É um desce dali, um senta daqui. E, nessa dança, aquele que não sentou é surpreendido com um convite para que alguém carregue sua bolsa, seu material e, assim, os dias ganham forma com uma simples troca de gentilezas. Outros para quem guardo lugar reservado dentro de mim são os cadeirantes. Antigamente, não era possível transportá-los com certo conforto. Hoje, graças à tecnologia – ainda que pouca –, é possível carregá-los sempre que for preciso. Os elevadores fazem com que o cadeirante se sinta ainda mais independente daqueles que o cercam e não dependem mais da boa vontade de alguns passageiros para ajudar na subida e na descida. Escrever esse texto e não falar das crianças seria uma injustiça. É uma galerinha à parte, que pega sempre viagem comigo e faz do trajeto uma verdadeira brincadeira. Quase sempre passando por debaixo da roleta, ou com seus pais, elas adoram uma viagem de ônibus. Isso quando não se arriscam em nome da brincadeira, pegando carona com

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até mesmo, um bom encontro. Há quem ache que o outro não se importa ou não está reparando enquanto você canta uma música, ou lê um livro, mas a prova de que isso é mentira é o exemplo de um senhor, muito curioso, que estava lendo o livro de uma jovem dia desses. O título do livro era Dossiê Hitler. Encucado, o senhor se dirigiu à moça, dizendo: “Esse moço é ruim e você lê rápido demais, menina”. Ela, sem graça, respondeu: ”Ah, você acha? Ele foi um grande manipulador do povo, né?”, concorda? Em resposta, ouviu: “Ele era ruim demais, isso sim”. Um senhor, com um pouco de cultura que seja, estava lendo em parceria com uma desconhecida, e não deixou passar a oportunidade de dar um pitaco. Uma coisa curiosa que venho reparando há algum tempo é que quem toma o ônibus do ponto de partida quase nunca vai até o ponto final, no outro extremo da cidade. O centro belo-horizontino é o ponto de transição dos passageiros. Quase todo mundo

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DOSSIÊ desce, para uma nova leva de passageiros seguir viagem. Sou imponente no trânsito, grande, e busco meu espaço diariamente. Gostaria que os que convivem dentro de mim, diariamente, interagissem em harmonia. Nem sempre é possível; horário de pico, então... É motorista querendo chegar antes no ponto, é passageiro nervoso porque o motorista parou fora do ponto. A verdade é que deveriam investir mais em mim. Melhores carcaças, melhor conforto para ambos os lados. Assim, as reclamações seriam menores. Quem inicia uma viagem comigo nem sempre quer saber da vida do outro, nem sempre quer falar da sua vida. Mas acaba ouvindo tudo que se passa com cada passageiro. São dilemas da vida do trabalhador, do estudante. É um chefe mal educado aqui, um novo amor acolá. Sempre contando histórias. Se eu escrevesse um livro, as páginas seriam recheadas de relatos. Falando em vida, sou palco de verdadeiras histórias de reinserção social. Ex-usuários de drogas, por exemplo, frequentam os corredores, sempre pedindo alguma ajuda para aqueles que o curaram. Não querem matar, nem roubar. Querem apenas uma forma de trabalho digno e ajuda do trabalhador que os escuta. A viagem, quase sempre longa, não só a minha, mas a de muitos ônibus pela capital, é driblada pelos fones de ouvido e pela páginas dos livros. Presos em seus universos particulares, muitos passageiros não vêm o tempo passar e viajam em suas histórias e shows particulares. No caso dos livros, muita gente faz de mim uma biblioteca. Sinceramente, não sei como conseguem. Com tanta conversa paralela, ter ainda atenção para ler as linhas trêmulas dos livros que devoram ao longo da viagem. Se de um lado existem os educados, que não abrem mão de seus fones, de outro, existem pessoas querendo compartilhar seu universo com todos os outros passageiros, na maioria das vezes, sem um pingo de paciência. Alguns

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Sou palco de histórias de superação pensam até em doar fones de ouvido para o colega não incomodar tanto. Às vezes, falta senso da parte de alguns, e respeito, também, de outros. Falando em respeito, ônibus é um belo lugar para aqueles que gostam de se aproveitar dos outros. Mulheres, então, são as que mais sofrem as consequências; homens mal intencionados julgam pelas roupas e logo querem tirar uma casquinha das colegas passageiras. Dificilmente encontro uma mulher muito arrumada nas minhas viagens. Acho que têm receio. Isso precisa mudar, urgentemente. Apesar de eu ter espaço para pessoas ruins, dou vazão também para as amizades; muitos estão comigo há anos. Chegam com um belo bom dia no rosto, cumprimentando o companheiro motorista – o mesmo –,

sempre que conseguem pegar o ônibus no horário certo. Uma palavra amiga, logo cedo, não é nada mal. Apesar desse clima de proximidade, quem entra sempre busca sentar-se sozinho. O que é muito curioso. Será que ninguém gosta de sentar perto do outro quando tem dois lugares vazios? É medo? Acho que pegar ônibus se tornou uma necessidade tão grande para o passageiro que sentar sozinho é quase um luxo e cada um quer aproveitar o máximo enquanto pode, já que, diariamente, disputa lugar para conseguir pelo menos se manter em pé durante as longas e cansativas viagens. Não torço por nenhum clube de futebol, mas faço parte do time que leva os torcedores para o estádio em dias de jogos importantes. Fui sortudo – ou não – de

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DOSSIÊ de cansaço, confesso. Afinal, na vida real, ônibus não costumam falar. Mas se eu falasse, ah, quantas histórias eu contaria. Diariamente, são milhares de passageiros. Cada um com suas vidas distintas e singulares. Cada um tem um motivo para viajar diariamente comigo. E eu, na minha atividade de transportá-los, tento ser sempre a melhor escolha possível. Apesar de não ser o meio de transporte mais querido da sociedade, me tornei o mais necessário para os habitantes. Sem ônibus, adolescentes sem carro não conseguiriam ir à escola ou à faculdade. Aqueles que trabalham longe não conseguiriam chegar a tempo em seus escritórios, e todos aqueles a quem eu presto serviço não chegariam em segurança seus destinos. Fiz-me importante para cada um de uma maneira diferente.

Certas viagens parecem não ter fim

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ter pontos próximos ao Mineirão, palco de belos títulos, mas, confesso, sempre tive medo de ser alvo de vandalismos. Certo dia, atearam fogo no meu irmão gêmeo de linha. Fico cada vez mais inseguro e, na maioria das vezes, passo essa insegurança para os que viajam comigo. Ano passado, despertei um gigante que vinha adormecido há muitos anos, não só aqui em BH, mas no país inteiro. O custo de uma viagem comigo hoje é de R$2,65, mas quiseram acrescentar, a esse valor, a quantia de vinte centavos. O Brasil se revoltou e, desde então, venho com medo de ataques. Com a Copa chegando, rezo para que nada aconteça e que as tarifas mantenham-se congeladas no valor atual. Agora que a nossa viagem está chegando ao fim, me despeço com um pouco


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mocinho? Responsáveis por 90% do fornecimento da vitamina D no corpo, os banhos de sol nunca foram tão aclamados Gabriel Medeiros • Igor Vinicius • Thatiane Pereira Diz o protestantismo norte-americano que o trabalho leva à salvação. Há quem acredite e quem duvide. Enfim, há o livre arbítrio. No Brasil, a relação com o trabalho é diferente. Uma matéria realizada pela revista Super Interessante, no ano de 2011, revelou que o brasileiro não gosta de trabalhar. E, mesmo assim, tem uma das maiores jornadas de trabalho do mundo. O número de horas semanais trabalhadas é alto em comparação aos países

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desenvolvidos, como Alemanha (38h) e França (35h). De acordo com o Ministério do Trabalho, a população brasileira trabalha cerca de 44 horas semanais. Dito isso, coloca-se em xeque como o brasileiro divide o seu tempo fora do expediente. É comum dizerem que estão sem tempo para lazer, descanso, viagens e outras distrações por causa do ofício. Para o sociólogo Wilson Cruz, professor do UniBH, essa grande quantidade de trabalho é justificável. “Não acho que o brasileiro seja viciado em trabalho. Acho que se ele trabalha um número grande de horas é para completar o orçamento. Penso que, se o valor do salário mínimo fosse suficiente, as pessoas não passariam tanto tempo trabalhando”, afirma o professor. Muito trabalho e muitos afazeres acarretam às pessoas uma grande quantidade de horas “enfurnadas” em suas seções de trabalho. Em muitos casos, o bem-estar é deixado de lado. É tanto comprometimento que as pessoas se esquecem de rituais básicos para a saúde, como, por exemplo, tomar banho de sol. Recomendado desde a infância, o banho de sol é uma das atividades – em sua dosagem certa – mais benéficas à saúde. Quando se fala em Sol, imediatamente pensamos em altas temperaturas e forte calor. Assim, é inevitável associar um ambiente como esse às praias e piscinas. São os locais mais procurados pelos brasileiros, para se refrescarem em dias que o sol apa-

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saúde rece imponente e sem ser incomodado pelas nuvens que trazem a chuva. Porém, essa realidade passou por algumas alterações nos últimos anos. O brasileiro já não se expõe ao sol da mesma forma. Os famosos banhos de sol, que deixavam a pele bronzeada, não atraem mais. Para muitos, aquele que era o aliado de um padrão estético considerado ideal, passou a ser visto como vilão. Manchas na pele, envelhecimento e câncer de pele. Essas são algumas das consequências provocadas por longas horas de exposição ao sol. É preciso, de fato, ter cuidado. Mas, diferentemente dos que muitos podem pensar, o sol não é um vilão. Existe um horário recomendado para o banho de sol, mas é preciso ficar atento, já que este sofre uma alteração de acordo com a estação do ano. “O melhor é entre às sete e nove horas da manhã, e depois das 16h. Crianças devem usar filtro solar a partir dos seis meses. Deve-se evitar a exposição solar entre às 10h e 15h, pois nesse horário há maior intensidade de radiação ultravioleta B, que é a maior causadora de câncer de pele. No verão, a radiação costuma ser mais intensa. Mas mesmo em dias nublados deve-se ter cuidado, pois 80% da radiação ultrapassa as nuvens e chega à Terra. No inverno, a radiação ultravioleta é um pouco menor se comparada ao verão”, diz a dermatologista Lucilene Salles.

Sol do bem Mesmo assim, todo cuidado é pouco. Tudo em excesso faz mal, já dizia o ditado. A falta ou o excesso de raios ultravioletas pode ser visto no futuro, com o passar da idade. É o que afirma o médico Mauro Leduc. Há mais de 30 anos trabalhando como geriatra, Leduc comenta que pesquisas que evidenciam a falta da vitamina D são relativamente recentes. Nos últimos cinco anos, este exame, que até então não estava disponível a todos, foi se

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popularizando e, desde então, começou-se a detectar a deficiência da vitamina, tornando a população mais atenta. Como fonte da vitamina D, o Sol tem um papel importante. A exposição aos raios solares é responsável por cerca de 90% do fornecimento da vitamina. Através dos raios ultravioletas, acontece a metabolização da vitamina na pele, no fígado e nos rins. Por isso, há necessidade não só da ingestão de alimentos que fornecem esse tipo de vitamina, mas também a exposição direta à luz do Sol. Ela também está ligada ao ritmo de sono e ao estado de humor. Pesquisas já revelaram que em países mais frios e que a duração do Sol é menor, há uma grande incidência de depressão. Para o médico, o idoso tende a sofrer mais com a deficiência da vitamina ligada à falta de sol pelas deficiências naturais inerentes à idade, como a dificuldade de locomoção, que o impede a exposição ao sol. Fica sob os cuidados da família, conduzir esse idoso nos banhos solares. Leduc relata que a deficiência da vitamina D para o adolescente e jovem têm um agravante maior, pois é nessa faixa etária que a massa óssea está sendo construída. Devido a fatores como má alimentação, vida sedentária e passar grande parte do dia dentro de casa, a exposição ao sol é pequena. Já em pessoas de mais idade, a perda de massa óssea se faz mais intensa pela falta de vitamina D, o que acarreta em uma série de deficiências no corpo.

maurício guilherme silva jr.

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decidem Com altos índices dos partos por cesárea no Brasil, mineiras vão na contramão e buscam ter seus filhos sem intervenção médica André Peixoto • Paola Gomes

O relógio marca 10h. Estamos na ala Helena Greco

– Centro de Parto Normal – do Hospital Sofia Feldman, no bairro Tupi, região Norte de Belo Horizonte. De longe, ouvem-se gritos pelos corredores. Em primeiro momento, eles assustam, é verdade. Mas há algo de especial neles. São gritos de quem está prestes a dar à luz. Impossível precisar de onde vêm. A cada passo os gritos ficam mais próximos. Todos os ambientes com as portas fechadas. Com olhos e ouvidos atentos, conseguimos identificar o local dos gritos: era o quarto Dona Beja. De repente, um enfermeiro de jaleco azul abre a porta do quarto e faz o sinal com as mãos nos chamando. “Vem, vem! Entra”. “Me ajuda”, implora a mulher deitada na cama. Do lado esquerdo, a doula, identificada posteriormente apenas como Antônia. Ela segura firme a mão de Maryane das Dores Alves, de 24 anos, que estava prestes a receber nos braços a segunda filha. Com voz serena, a doula tenta passar tran-

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quilidade. “Calma. Já está quase nascendo”. Do outro lado, a tia Deise Alves Nicolau também segura a mão de Maryane. A dor parece insuportável e ela grita novamente. Clama as forças divinas para aguentar esse momento: “Ai, Jesus”. São 10h11. Nasce a segunda filha de Maryane. Enquanto limpa rapidamente a criança, com sorriso largo nos lábios, a enfermeira fala: “Safira, seja bem-vinda!”. “Posso colocar ela no seu colo?”, emenda. A mãe faz sinal positivo e recebe nos braços, pela primeira vez, Safira Ester, que nasceu com 2,490 kg e 44 cm. “Vamos conhecer a mamãe. Segura ela! Deus abençoe minha flor ”, diz a enfermeira, entusiasmada. A pediatra e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA), Sônia Lansky, destaca que esse primeiro contato “pele a pele” entre a mãe e o bebê é fundamental para o acolhimento humanizado dessa

saúde paola gomes

saúde criança que acaba de nascer. “Essa hora é de extrema importância para a criança, já que ocorre uma liberação muito alta de ocitocina endógena por parte da gestante, quando o parto é natural”, explica. Ao receber nos braços a criança a alegria toma conta do quarto. A mãe chora de emoção e sussurra calmamente: “Meu nenenzinho”. Deise tira as primeiras fotos com lágrima nos olhos. “A tia pode cortar o cordão (umbilical) do neném?”, pergunta a enfermeira para a mãe. Sinal positivo. A enfermeira prepara, limpa novamente o bebê e entrega a tesoura para a tia Deise, que corta o cordão. Mais tranquila e com cara aparentemente de alívio, Maryane ergue a cabeça e olha para o relógio, que está na parede, acima da cama. Mesmo após o parto, a doula continua no quarto dando assistência à mãe. A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. Essas mulheres são anjos da

Suporte é importante para parto bem-sucedido Ilda nogueira

Dona Mazarelo apoia as gestantes

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guarda que acompanham as gestantes e as mães antes, durante e após o parto. Elas tentam dar suporte emocional e físico. Maria Mazarelo de Freitas, ou simplesmente Mazarelo, como é chamada por todos, tem 78 anos e há 18 trabalha como doula voluntária no Hospital Sofia Feldman. Segundo Anayanse Correa Brenes, que trabalha há 12 anos como pesquisadora e

coordenadora do Núcleo de Estudos Saúde e Mulher (Nems) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho da parteira é reconhecido desde o século XVIII. “Parteira é uma profissão científica. No Brasil, a tradução para parteira foi em 1826. Antes, elas eram conhecidas como comadre”. Em 1830, no Rio de Janeiro, cria-se a primeira escola de parteiras no Brasil, que se legitima como profissão. A primeira aluna graduada na escola, dois anos depois, foi Madame Durocher, uma imigrante francesa que se instalou na capital fluminense. A crise na profissão de parteiras deu-se em 1870, após desentendimentos entre a classe e os médicos. Atualmente, a única instituição no país que fornece o curso de graduação em obstetrícia para mulheres que desejam ser parteiras é a Universidade de São Paulo (USP). O trabalho desenvolvido por Mazarelo é de acompanhamento às grávidas e as novas mães. Antes do parto, ela orienta as gestantes sobre as atividades que podem ajudar a diminuir a dor, por exemplo, caminhar pelos corredores do hospital, tomar banhos quentes e sentar na bola plástica. As gestantes chegam ansiosas para o trabalho do parto, mas dona Mazarelo, como doula, tenta acalmá-las. “Eu explico que a dor do parto realmente é intensa, mas é uma dor compensada. Você sente na hora, mas daqui a pouco você vê aquela carinha bonitinha perto de você. Nem lembra que sofreu (a dor)”, destaca. Toda a atenção

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saúde

Instruções recebidas humanizam o parto e o trabalho multidisciplinar que Maryane recebeu faz parte da assistência humanizada do parto, que consiste em um conjunto de ações que tem a finalidade de proporcionar as gestantes a escolha de querer ou não tomar anestesia, em qual posição dar à luz, se querem ou não ouvir música enquanto estão em trabalho de parto, a possibilidade de escolher ter o bebê numa banheira com água, entre outras. Também existe todo um cuidado que está relacionado ao acompanhamento multidisciplinar que essas mulheres recebem desde o início da gravidez. Seja por meio do direito a consultas de pré-natal de baixo e alto risco, apoio de psicólogos, a opção de utilizar meios não-farmacológicos para o alívio da dor, massagens, escalda pés,

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banhos quentes, exercícios com bolas, bem estar da família, assistência de uma enfermeira obstetra ou ainda uma doula. A falta de informação é considerada por muitos médicos o principal fator que leva as gestantes e mães brasileiras a se submeterem a uma cirurgia cesárea no momento de terem os seus filhos. Segundo dados da pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Ministério da Saúde, os números de cesarianas no país ultrapassam o percentual indicado pela OMS. A entidade internacional recomenda que apenas 15% dos partos realizados no país sejam feitos utilizando a cesariana, quando necessário. Entretanto, no Brasil, esse número é de 52%, colocando o país no ranking dos que mais realizam a cirurgia no mundo. De acordo com as informações divulgadas pela Fiocruz, 72% das gestantes que participaram da pesquisa disseram que optaram pelo parto normal ao descobrirem que estavam grávidas, mas em apenas 20% dos casos, a escolha da mãe foi mantida. Sônia Lansky afirma que os índices são assustadores e preocupantes para as políticas de saúde pública. “A cesariana é uma grande cirurgia. Sete camadas de pele são cortadas para a retirada do bebê e este procedimento pode causar diversos riscos para a saúde da mulher e da criança”, afirma. Em todo o país, o número de cesáreas realizadas em hospitais particulares é de

88%, segundo dados da Fiocruz. Só no ano passado, no Brasil, segundo a SMSA, 56,7% dos partos realizados foram por meio de cesariana. Na capital mineira, o percentual chegou a 52,5% em 2013, superando o número de 47,5% de partos normais feitos no mesmo período. A OMS recomenda que a prioridade deva ser a opção pelo parto natural, pois ele oferece melhores condições de recuperação para a gestante e ainda diminui os riscos para saúde do bebê. Assim como no parto do primeiro filho, Maryane das Dores ganhou Safira Ester de parto natural. “A recuperação pós-parto é bem mais rápida do que a cesárea. Você sente dor na hora, mas passa imediatamente após o parto”. Ela conta que chegou ao hospital às 14h no dia anterior, passou pela triagem, caminhou pelo hospital por sete horas seguidas para ajudar a diminuir a dor e aumentar a dilatação, tomou banhos

quentes e pulou na bola plástica. “Esses exercícios me ajudaram muito. Eu não quis a banheira. Preferi ficar na cama mesmo”. Monique Heringer, enfermeira obstetra há dez anos e a sete no Sofia Feldman, apaixonou pela profissão ainda na graduação. Formou-se em enfermagem pela UFMG e se especializou em obstetrícia. Teve a oportunidade de fazer estágio em uma unidade básica de saúde na pequena cidade de Monte Formoso, no Vale do Jequitinhonha. Lá, pôde conhecer um pouco do trabalho humanizado que é feito com as gestantes e mães. “As mulheres ganhavam seus bebês com suas famílias, nas suas casas. Elas não queriam ir para o hospital. Seguravam o máximo para chamar qualquer profissional, inclusive eu, para não dar tempo de colocá-las na ambulância e levá-las para o hospital. Eu vi isso como um processo natural da vida da mulher ”, conta.

Orientações podem evitar dores para as mães paola gomes

arquivo pessoal

saúde

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educação

Educação

comunicar é

dade de São Paulo (NCE/USP), precursor da área no Brasil, o novo trabalho realizado nas salas de aula, que utiliza recursos midiáticos, resgata os alunos e os torna críticos dos fatores sociais e dos meios de comunicação, favorecendo as boas e pequenas práticas por meio da consciência coletiva. Na prática, a Educomunicação pode ser exercida de diversas maneiras, mas, em todas, há a ideia de extrair do indivíduo o seu melhor. Filomena Bonfim, da Universidade Federal de São Jão Del Rey (UFSJ), reconhe-

aprender Educomunicação alia áreas do saber para renovar modos de ensino

Filomena Bonfim: foco em nuances locais arquivo pessoal

Barbara Goulart Cotrim • Talita Germani

ce o princípio da atuação da Educomunicação e informa que as ferramentas também podem ser diversas, mas o mais importante é que ela faça sentido para aquela região ou sociedade. “A internet é um importante dispositivo, mas não se pode restringir a ela. Aqui em São João Del Rey, por exemplo, a linguagem dos sinos é forte. Portanto, é preciso criar formas de transmitir o saber valendo-se dos meios locais de comunicação, pois eles são de conhecimento de todos”, explica Filomena. E finaliza afirmando

O termo Educomunicação ganhou notoriedade na pesquisa acadêmica. A prática educomunicativa busca estudar o papel da mídia na configuração da cultura e fortalecer os ecossistemas comunicativos em espaços educativos. Esse estudo pode ser aplicado tanto em instituições quanto em sujeitos, que tenham a formação e a transformação pelo conhecimento como constitutivas de determinadas atividades e interações sociais. Na Educomunicação, é importante que a discussão se dê sobre o lugar que ela ocupa na formação dos alunos envolvidos e de toda a sociedade contemporânea, sob diversos âmbitos: da circulação de informação à mudança dos conceitos de tempo/espaço, da modificação na produção de mídia à influência sobre o consumo e o mercado da atualidade. Segundo o professor Ismar Soares, coordenador e fundador do Núcleo de Comunicação e Educação da Universi-

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educação

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“A Educomunicação é a atmosfera onde os meios são trazidos. Ao invés de saírem da escola, os alunos estão se profissionalizando”, informa a professora dedicada ao projeto que propõe o diálogo, a produção conjunta e a corresponsabilidade na produção de conteúdos. Até em circunstâncias delicadas é possível atuar. Um aluno de baixa renda que, com a prematura morte dos pais adotivos, ficou como cuidador de dois idosos da família e inúmeros problemas, passou a contribuir de modo especial. “Ele é empoderado de suas circunstâncias, desenvolveu a aptidão para lidar com problemas difíceis e administrar muitas coisas simultaneamente. Portanto, passou a ser um braço direito desse projeto, atuando em frentes mais complicadas, onde os outros alunos não tinham amadurecimento para tal”, destaca Filomena, afirmando que “não é possível existir Educomunicação sem sentimento”. É neste contexto que surge o educomunicador, profissional que atua na convergência entre a educação e a comunicação. Ele deve ampliar o formato de aprendizado tradicional para novas possibilidades e, com isso, romper barreiras no processo do conhecimento, permitindo, assim, que o aprendiz participe ativamente em seu aprendizado, de forma interativa, por meio da produção de informativos (rádio, revista, jornal, música). Esses novos profissionais são os responsáveis por despertar uma nova visão crítica

do mundo, de forma analítica e comparativa. Esse método não é para fazer do aluno um jornalista ou apresentador, mas para ensiná-lo a analisar, de diferentes pontos de vista, a informação veiculada. Mas, para avançar na direção de grandes sistemas complexos nas redes de ensino, é preciso prever uma formação aos professores, tendo em vista que a formação não pode ser dada somente a eles e, sim, a toda comunidade educomunicativa, declara Ismar Soares. Dessa forma, o pesquisador demonstra que a sociedade também precisa do conhecimento sobre a importância da Educomunicação, uma vez que a ela só funciona quando envolve professores, alunos e comunidade simultaneamente, já que o poder da palavra não é somente do educador, é de todos.

Pesquisa do UniBH Criado para o estudo da área, o Educo-

muni, grupo de pesquisa do UniBH, tem o objetivo de desenvolver pesquisas sobre a interrelação Comunicação/Educação. Com o intuito de entender a aplicabilidade no viés do ensino, da interdisciplinaridade, do sujeito crítico, da transmídia e das organizações aprendentes, o grupo, formado por professores e bolsistas do curso de Jornalismo, Pedagogia e Direito, reúne-se periodicamente para discutir as diretrizes nesses âmbitos e clarear a vertente que atua no território limitrófe linha entre a comunicação e a educação. A prática docente como mediação para o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento torna-se um diferencial para a pesquisa e as interfaces entre os processos de aprendizagem, de mídias e comunicação. O grupo, que iniciou suas pesquisa em abril de 2013, já produziu artigos apresentados em congressos e simpósios em São Paulo e em Belo Horizonte.

Grupo Educomuni (UniBH): pesquisa interdisciplinar arquivo educomuni

que “praticar educomunicação é, sobretudo, valorizar os saberes que existem na comunidade”, diz a educomunicadora. Como uma disciplina bastante sensível à necessidade do outro, a Educomunicação se destaca por não ser dialógica, não fazendo distinção entre alunos e professores. Desse modo, os estudantes usam sua bagagem pessoal, pois ela os torna autores com empoderamentos únicos, fazendo com que sua contribuição seja mais espontânea, prazerosa e diferenciada. Exemplo disso é a de um aluno, filho de lavradores, que passou a utilizar seu saber atuando no desenvolvimento de pautas ligadas ao cultivo da terra. Outro aluno tem um pai que é dono de um haras e, por isso, pratica hipismo com maestria. “Este saber lhe é exclusivo, portanto, o permite contribuir nas pautas e matérias sobre esportes campestres como nenhum outro”, pontua Filomena Bonfim. Promovendo a extensão de um de seus trabalhos, Filomena leva a Educomunicação para a escola pública local, onde reuniu uma turma do ensino fundamental. Com o índice de evasão escolar alto, essa nova forma de educar chegou como uma via de mão dupla, em que professores e alunos atuam em colaboração mútua para a realização das tarefas. O celular era um grande problema em sala de aula, pois não havia regras. Com o exercício, o aparelho móvel foi trazido para a sala de aula, com a proposta de produzir filmes curtos, incentivando o uso mais consciente e produtivo do dispositivo.

Educação

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tecnologia

vícios

modernos

arquivo lab. jornalismo impresso

tecnologia

Quando o excesso de recursos tecnológicos pode atingir níveis extremos e complicar a vida pessoal e profissional de seus usuários Andréa Brandão • Ione Caetano • Jéssica Amaral • Poliana Micheletti “55 horas se completavam, ele não saía da frente do computador. Nem para se alimentar, nem para ir ao banheiro. Defecava nas calças”. Esse foi um dos casos de vício em tecnologia que mais marcou Cristiano Nabuco, psicólogo e diretor do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo (USP). Hoje em dia, comportamentos desse tipo têm se tornado comuns. De acordo com o psicólogo, estudos comprovam que 10% da população mundial é dependente da internet. O vício não se limita a isso, aparelhos eletrônicos, em geral, podem causar dependência. Aplicativos, jogos e redes sociais são os vilões no impulso ao consumo por conexões excessivas. Nabuco alerta para uma pesquisa realizada na Tailândia, que constatou que 97,8% dos jovens apresentaram algum sinal de dependência. Em território brasileiro, dados apontam que o consumo pela tecnologia também é significativo no país.

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tecnologia arquivo pessoal

tecnologia

tuais, recomenda-se que o usuário dê início ao tratamento presencial. Nessa etapa, um psicoterapeuta ou psicólogo é responsável por dar continuidade.

Ele pode sofrer com crises de abstinência e ansiedade, que, eventualmente, resultam em quadros de obesidade e depressão. O vício pode ser ocasionado por fatores psicológicos e familiares, nesse caso, a pessoa busca, no mundo virtual, a fuga do mundo real”, alerta Cristiano Nabuco.

Educação Na era da tecnologia, as crianças têm contato com aparelhos eletrônicos cada vez mais cedo. Em uma das pesquisas realizadas por Nabuco, foi constatado que o tablet e o celular são os recursos mais utilizados pelos pais para inibirem o choro dos seus bebês. “Antes mesmo da chupeta e da mamadeira, os pais já oferecem esses aparelhos aos filhos, como uma maneira de entretê-los e inibir os choros. Tal comportamento é alarmante, é necessário

Axel abandonou viagem em família pelo vício O estudo Mobilidade Brasil revelou que 18% dos entrevistados apresentaram vício em seus aparelhos telefônicos. A mãe de um adolescente, moradora da zona sul do Rio de Janeiro, prefere não se identificar, mas conta que o filho já chegou a ameaçá-la quando ela o proibia de ligar o computador. “Quando eu dizia que ele não iria usar o computador ele ficava agressivo. Refutava, respondia e insistia pela permissão para acessar a internet”, relembra. Existem situações que não resultam em agressões, mas ocasionam em mudanças na vida de um indivíduo viciado. É o caso do carioca de Piraí, Axel Mutz, criador e administrador do grupo no Facebook intitulado Viciados em Tecnologia. Nas últimas férias de Axel, ele viajou em família para uma ilha há poucos quilômetros de casa. Porém, não aproveitou o passeio devido à inviabilidade de conexão com a internet.

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“Quando percebi que não havia sinal disponível, quis voltar para casa. Tentei conexão pelo notebook e pelo celular, mas ambos estavam indisponíveis. Voltei no dia seguinte. Foi impossível ficar em um local sem me conectar ”, desabafa. Casos semelhantes ao de Axel foram analisados por uma pesquisa da Universidade de Stanford, nos EUA. Os estudos concluíram que o cérebro dos viciados em tecnologia se assemelha ao de viciados em drogas e bebidas alcoólicas. As áreas que correspondem às emoções, fala e memória, por exemplo, encolhem entre 10% e 20%, dependendo do tempo de conexão. Não apenas as propriedades biológicas de um viciado em tecnologia se assemelham a de um dependente químico, mas, também, o comportamento e o convívio com a sociedade. “O indivíduo tende a se isolar e, com isso, desenvolver algumas síndromes.

Para controlar o fenômeno da dependência tecnológica, existem hospitais e clínicas que oferecem tratamento. No Brasil, a instituição pioneira é o Hospital das Clínicas da USP. “Aqui o tratamento tem duração de 18 semanas. Consiste em terapias de grupo destinadas a ressocializar o viciado. Abordamos temáticas que fazem com que os dependentes identifiquem suas deficiências, percebam o estágio em que estão e retomem questões de valorização humana para que, no fim, desejem voltar ao mundo real”, detalha Nabuco. “Faltar à aula, ao trabalho e deixar de se alimentar são alguns dos sintomas da pessoa que está sendo dominada pelo vício”, caracteriza Ana Luiza Mano, psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O método utilizado por essa Instituição é totalmente virtual e ocorre por meio da troca de e-mails. Com duração de seis semanas, o tratamento tem como objetivo diminuir a frequência do uso da internet. Concluído os procedimentos vir-

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Soluções

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ciência TENCNOLOGIA arquivo lab. jornalismo impresso

TENCNOLOGIA Ciência

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Vício tecnológico põe em risco relações diárias

controlar sua utilização para que esta prática não se torne compulsiva. É realmente importante valorizar a interação entre pais e filhos”, ressalta Nabuco. Quando se trata de vício, mais comumente jovens entre 11 e 20 anos desenvolvem a dependência às redes sociais ou jogos eletrônicos. Aos 13, o filho de J.S. já foi reprovado na escola por dois anos consecutivos. “Ele já não tinha mais amigos,

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não saía do quarto e virava noites em jogos eletrônicos”, relembra a mãe. Na tentativa de eliminar o vício, o garoto foi submetido ao tratamento ofertado pela Santa Casa de Misericórdia do Rio, onde adolescentes entre são auxiliados a abandonar a prática. O problema também coloca as escolas em alerta, pois elas sofrem os reflexos do vício. Assim que o advento da internet chegou aos smartphones, o Instituto Libertas, em Belo Horizonte, iniciou discussões sobre a utilização moderada da tecnologia no meio educativo. “Nossos alunos aderiram às tecnologias. Não adianta proibi-los de trazer os aparelhos para escola. É preciso incorporar esses equipamentos como objeto de pesquisa. Nossos professores incentivam os alunos a utilizarem a biblioteca, autorizam que eles busquem por informações no Google e em sites indicados, como forma de potencializarem seus estudos”, afirma Andréa Zica, diretora pedagógica da Instituição. A escola prioriza as relações interpessoais e o controle do uso de aparelhos eletrônicos durante as aulas. Até mesmo nos intervalos, espera-se que os alunos permaneçam desconectados. “Precisamos incentivar o contato com o outro, moderando o uso do ambiente virtual. O que nos preocupa é a substituição das relações humanas pelas tecnologias. Valorizamos uma relação complementada e não substitutiva”, explica a diretora. Para efetivar esse contato, a escola determina os dias e horários para que os alunos possam utilizar seus

aparelhos. O objetivo é educá-los quanto à frequência de conexão.

Mercado de trabalho O ambiente virtual também influencia o mercado de trabalho. Samantha Dutra é analista de mídias sociais e argumenta sobre alguns prejuízos ocasionados pelo mau uso da internet. “Tem muita gente que vive extremamente conectada. Admiro a qualidade do humor veiculado nas mídias sociais, por exemplo, mas o compartilhamento e os comentários em alguns conteúdos podem funcionar como um descritivo de personalidade de uma determinada pessoa. Algumas

empresas se atêm a essas publicações para selecionar um candidato”, alerta. Outro prejuízo apontado por Samantha é o uso excessivo da internet, além da necessidade profissional. “Trabalho média 12h/dia e nesse período não posso me desconectar. Vai do ritmo de cada um, mas acredito que ter atitude para sair do virtual e começar valorizar a vivência offline é uma boa saída para que as conexões existam de maneira controlada. Amo internet. Só desligo o celular quando vou dormir. Já nos fins de semana, dedico-me à família, ao meu namorado e aos amigos. É também tenho para cuidar de mim”, comenta.

Olah! O aplicativo Olah, criado pelo analista de sistemas Jean Hansen, visa incentivar o convívio das pessoas. O idealizador do projeto, preocupado com a situação de dependência que observava, decidiu contribuir com algo que fosse tecnológico, mas que, ao mesmo tempo, aproximasse as pessoas. Foi aí que surgiu o Olah, o programa que envia mensagens que só podem ser abertas na presença do remetente e do destinatário. A cada encontro, o dono do aparelho aumenta sua pontuação.

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esportes Fernando Dutra

Fernando Dutra

esportes

meninas de

quinta

Uma vez por semana, elas se reúnem e provam que a prática do futebol também integra a rotina da mulher

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Para boleiras, o futebol é uma paixão Fernando Dutra • Vander Pinto “Sou uma mulher que gosta mais de futebol do que muito homem”, assim se define Ana Flávia Macedo de Almeida, Gestora Cultural, 44 anos. Ana é uma das Meninas de Quinta, um grupo de garotas que se reúne todas às quintas-feiras para jogar futebol em uma quadra no bairro Coração Eucarístico, em Belo Horizonte. A pelada das meninas teve início em março de 2009, entretanto, a maioria das

mulheres desistiu. O grupo que, ainda hoje, resiste, buscou o auxilio de um preparador físico. “Algumas amigas da minha irmã se reuniram para jogar, chamaram o meu marido para treiná-las, eu fui junto, me diverti e não parei mais.” explica Paula Guimarães Dutra, funcionária pública de 32 anos. “As meninas evoluíram muito. No início elas possuíam um nível muito básico, mas agora já dominam alguns fundamentos”. Estas são palavras do educador físico Marcelo Ferreira Dutra, encarregado de instruir o grupo. O treinador afirma, também, que, “atualmente, as garotas já alcançaram o nível intermediário”, graças aos treinos. As chuteiras, caneleiras e os coletes, bem como os brincos, os anéis e os prendedores de cabelo, tudo faz parte do uniforme. A preocupação com a beleza, comum ao mundo feminino, não atrapalha na hora das divididas. Elas não aliviam nos lances. Segundo o treinador, as meninas nunca participaram de um campeonato. Com idades que variam entre 17 a 44 anos, essas mulheres mostram que a adesão feminina ao futebol é cada vez maior. As moças que participam do grupo tem amor pelo futebol. É o caso da engenheira metalurgista e artista plástica Cynthia Shema, 44 anos, que após a realização de uma cirurgia, escolheu o futebol para melhorar seu condicionamento físico. Ela está na pelada há três anos, e hoje, é a goleadora da equipe. “Amo futebol, vejo em casa com a família, mas não vou ao estádio”, afirma.

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Os maridos são deixados em casa pelo jogo

A paixão de Cynthia pelo futebol é tão grande que, a artista plástica chegou a pintar um quadro em homenagem à conquista do pentacampeonato mundial pelo Brasil em 2002, na Copa da Coreia e do Japão. “Eu fiz o quadro com o Ronaldo levantando a Taça de campeão. Meu sonho é entregar esse quadro a ele”, confidencia feliz a atleta com brilho nos olhos. Entre as histórias das Meninas de quinta, uma em especial chama a atenção, a da psicóloga Luciana Fonseca Koroth, de 37, que faz parte do grupo há quatro anos. “Queria aprender um esporte novo”, afirmou. “Realizei o meu sonho quando disse ao meu marido que não poderia busca-lo no aeroporto, pois iria para o futebol. Foi o meu troco”, relata a Psicóloga, que é frequente nos treinos. Uma das mais jovens do grupo é a estudante Bárbara Gomes, de apenas 17 anos, há seis meses na pelada. “Eu sempre procurei um time de mulheres para jogar, aí uma amiga me chamou para esta pelada e eu vim parar aqui”, disse. “Os jogos são sérios, assim como o trabalho do preparador, aqui, ninguém joga só por jogar ”, declara. O nome “Meninas de Quinta”, segundo a nutricionista Clarisse Ferreira Dutra, de 32 anos, não tem a ver com a categoria ou técnica das jogadoras. Ele foi escolhido

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Quando a bola rola, a delicadeza é posta de lado

Fernando Dutra

ciência esportes Fernando Dutra

esportes Ciência simplesmente por jogarem às quintas-feiras, o apelido pegou e nunca mais deixaram de jogar nesse dia da semana. Mesmo com as constantes mudanças de quadra até se estabelecerem no Coração Eucarístico, nunca mudaram o ritual das quintas-feiras, parece que deu certo. A relação que existe entre os participantes da pelada é bem familiar. Esse é outro fator relevante para a longevidade dos encontros. Clarisse tem a companhia da irmã Luiza Ferreira Dutra. As duas são noras de Ana Flávia e primas do preparador físico, Marcelo, que por sua vez, é esposo de Paula. A Funcionária Pública Paula afirma que “ser treinada pelo marido é difícil, pois o dia que ele resolve gritar, ele grita só comigo”, disse em tom de brincadeira. As Meninas de Quinta seguem fielmente a rotina de jogar sua pelada toda semana. Enfrentam adversidades, como a falta de times adversários por exemplos, mas não desistem. Os homens deveriam aprender com elas, ao invés de ensiná-las. Pois elas ainda mantem a essência do prazer de jogar futebol, isso é mágico.

Atletas atingiram nível intermediário

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saque para o

sucesso

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esportes reprodução

esportes

Tatiane Consuelo • Cristine Leal • Gabriel Lopes • Karla Lopes Pai-xão. Grande inclinação ou predileção. Afeto violento, amor ardente. Pena, cuidado, trabalho. Esse é o sentimento que move os mineiros. Apaixonados pela vida, por trens, uais, montanhas, e pão de queijo, enfim, são muitas as coisas que fazem seus corações baterem em um ritmo diferente. Ritmo esse que se acelera em jogos domingueiros. Mas se engana quem acha que só de Cruzeiro e Atlético vive Minas Gerais. Há 80 anos, outra rede e outra bola arrebatam torcedores mineiros e assim, os saques, sets, bloqueios e cortadas do vôlei começaram a fazer parte desse trem. “O voleibol, desde a década de 1930, ocupa as quadras esportivas de Minas, especialmente de Belo Horizonte”, afirma Cláudio Olívio, professor no curso de educação física da faculdade Izabela Hendrix. Naquela época, as principais instituições eram os colégios, representados pelos alunos que disputavam torneios acadêmicos. Dentre os mais tradicionais, estão o Izabela Hendrix e o Instituto de Educação Minas Tênis Clube. A tradição do vôlei mineiro passou por vários capítulos até os dias atuais. “O Minas Tênis Clube consagrou seu nome no vôlei brasileiro na década de 1980 (1984, 1985 e 1986), quando conquistou o tricampeonato brasileiro masculino e dois torneios sul-americanos e depois, na década de 2000 (2000, 2001 e 2002), mais três campeona-

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esportes

Modalidade tem muitos adeptos em Minas Gerais tos. Hoje, nas últimas Superligas, o Cruzeiro tem mantido a tradição do esporte em Minas Gerais, ganhando os dois últimos campeonatos (2011/2012 e 2013/2014)”, explica Cláudio Olívio. Em uma época de supremacia do eixo Rio-São Paulo, a equipe de vôlei masculino do Minas Tênis Clube conseguiu um feito histórico. Nos anos de 84, 85 e 86, o grupo dominou o cenário nacional, conquistando o Campeonato Brasileiro. Com atletas como Pelé e Henrique Bassi, comandados pelo coreano Young Wan Sohn, a equipe do Minas Tênis superou as grandes forças da época, a Atlântica/Boavista e o Bradesco. “A minha atuação tanto no país quanto

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fora do país foi muito importante para meu desenvolvimento, sobretudo no Minas Tênis Clube, onde me destaquei e fui eleito o melhor atacante do Brasil”, ressalta Pelé, jogador destaque do Minas na campanha do tricampeonato. O ex-atleta engrenou sua carreira no voleibol quando foi visto por técnicos do Clube Guaíra, no bairro Betânia, brincando com sua irmã. Depois disso, ainda passou pelo Atlético Mineiro, time tradicional da época também no vôlei. Foi no Minas Tênis Clube que Pelé se destacou e alavancou sua carreira, ao ponto de atuar, inclusive, na Seleção Brasileira. “A primeira convocação para a Seleção Brasileira foi uma grande surpresa, pois, à época, somente jogadores do Rio e São Paulo eram selecionados., afirma. A segunda fase veio no início dos anos 2000, quando o investimento nas equipes mineiras já era intenso. Com equipes fortes, como Telemig Celular/Minas (Masculino) e MRV/Minas (Feminino), Minas Gerais voltou a figurar como potência. A temporada 2001/2002 foi de glórias para os minastenistas, já que foi nessa época que as equipes do Minas Tênis Clube conquistaram a Superliga nas versões masculina e feminina. Com elenco recheado de estrelas e com jovens e talentosas atletas, a equipe MRV/Minas fez uma temporada impecável. Sob o comando do técnico Antônio Rizolla, o Minas venceu o BCN/Osasco na final, por 3 sets a 2, no ginásio do Mineirinho lotado. A equipe daquele ano contava com

as experientes Ângela Moraes, Ana Flávia, Fofão e com a romena Cristina Pirv, além de Sheila, Fabiana e Jucielly, que hoje integram a Seleção Feminina, comandada pelo técnico José Roberto Guimarães. Completando o ano vencedor das equipes do Minas, na Superliga Masculina, os comandados do técnico Cebola venceram o Banespa, em um jogo histórico, também no Mineirinho. Com jogadores como Ezinho, Maurício, Dante e André Nascimento venceram um time de tradição que tinha, em seu elenco, Nalbert, Serginho Escadinha, Giovane Gávio e Badá. Entraram para a história ao conquistar o tricampeonato para a equipe de Belo Horizonte. Já na fase atual, a equipe que se destaca é o Cruzeiro, que desbravou os limites dos torneios nacionais e internacionais. Demonstrando a força de um patrocinador, o Sada, e de uma excelente estrutura. “É uma equipe diferenciada. Sem dúvidas, está num nível muito acima dos outros times do

Brasil, é bem diferente”, afirma Ivan Drummond, jornalista especializado no esporte do jornal Estado de Minas. Drummond vê o vôlei mineiro com qualidade e crê que Cruzeiro e Minas se destacam no Brasil, porém, ainda com certa vantagem para a equipe celeste. “O Cruzeiro tem banco, ao contrário do Minas. E tem a diferença de patrocínio. O dinheiro que a Sada põe no time mantem todos os jogadores. O Minas perdeu patrocínio para esta temporada e ainda perdeu o Marcelinho, um craque de bola, que foi para o Sesi-SP, equipe com muito dinheiro para investir ”, ressalta. O jornalista destaca a superioridade do Cruzeiro e acredita que não há time no Brasil que supere o grupo do técnico argentino Marcelo Méndez. “Ninguém compete com ele. E tem um detalhe importante: a base agora está chegando e funcionando muito bem. Eles têm três jogadores juvenis, Éder Levi, Lucas Salim e Cadu, que subiram para

Trabalho em equipe é fundamental para sucesso reprodução

reprodução

esportes

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esportes reprodução

esportes além do Praia Clube, de Uberlândia, no feminino, já disputam a competição nacional há algum tempo. Segundo Ivan Drummond, o vôlei chegar a outras cidades do estado é de extrema importância para o desenvolvimento do esporte. “O mineiro gosta muito de vôlei. Outras cidades estão tentando sobreviver e montar boas equipes, levar o vôlei de qualidade a essas cidades importantes como Juiz de Fora e Montes Claros, com certeza traz mais torcedores e admiradores aos ginásios”, afirma. O sucesso de público do vôlei em Minas influenciou as realizações de grandes competições nacionais e internacionais no estado. Desde 2009, eventos como Mundial de Clubes Masculino, Liga Mundial, Sul-Americano Masculino e Mundial Masculino Sub-21 levaram muita gente às quadras. Esse crescimento de público é visto a partir da criação de uma nova equipe no

Vôlei ganhou visibilidade na mídia

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são alguns dos nomes que podem ser citados como atletas que chegaram aos clubes de Minas ainda adolescentes e hoje estão em grandes equipes do vôlei brasileiro. Marcelo Mesquita Melado, técnico juvenil de vôlei e assistente técnico da equipe principal masculina do Minas, conta que, ao treinar atletas que têm entre 18 e 20 anos, o objetivo dele, desde a chegada dos jovens ao clube, é levá-los ao time principal. “Investimos pesado na nossa categoria de base, acreditamos nos nossos ‘pequenos’ atletas”, afirma. “Ao selecionarmos os meninos, sempre prestamos atenção no potencial deles, não só no biotipo, como também no comportamento e na postura”, explica. Com o fortalecimento das categorias de base e o desenvolvimento do trabalho de formação de atletas, outros clubes surgiram no estado e ganharam destaque disputando a Superliga. No masculino, Montes Claros e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

Minas Tênis Clube coleciona vitórias no Brasil reprodução

o time adulto. Eles estão dispensando jogadores de qualidade, como o levantador Vinhedo e o Luis Diaz, um excelente ponteiro venezuelano, para esses três ocuparem as posições no time principal. Isso é importante para o sucesso futuro das equipes,” explica. Sobre a formação dos atletas nas categorias de base dos clubes, pode-se dizer que as escolas de vôlei em Minas são celeiros de promessas. “Hoje em dia, é o estado que mais forma atletas com qualidade técnica”, afirma Sérgio Veloso, técnico principal das categorias de base do vôlei masculino do Estado. “MG sempre teve escola e os iniciantes enxergam o esporte como uma oportunidade. Nós temos aptidão, treinamento e qualidade nesses treinamentos, três fatores que fazem com que você tenha excelência no resultado”, explica Cebola, ex-técnico mineiro com reconhecimento no cenário nacional. Lucarelli, Otávio, Carla, Lucas Salim, Éder Levi e Gabriela Guimarães

cenário do vôlei nacional. O Minas Tênis Clube passa a ter a companhia do Sada/ Betim, que, posteriormente, viraria Sada/ Cruzeiro. Com essa junção com um clube de futebol, o crescimento da torcida foi estratosférico. O nome da marca Cruzeiro começou a levar a torcida de futebol para os ginásios. “Um esporte chama o outro”, comenta Cláudio Gomes, editor-chefe do programa Meio de Campo, da Rede Minas. Outro fator é ter um templo do vôlei nacional, como o Ginásio Jornalista Felipe Drummond, mais conhecido como Mineirinho. Segundo o professor Cláudio Olívio, a paixão do mineiro pelo esporte já é antiga e o Mineirinho é a representação disso. O ginásio já registrou recorde de público na Superliga. No final do campeonato de 2001/02, entre o Telemig Celular/Minas e o Banespa, de São Paulo, 24.082 espectadores lotaram o lugar. “A seleção brasileira é sempre recebida muito bem em BH. Em um

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dos jogos da equipe na cidade, em 1995, na decisão da Liga Mundial entre Brasil e Itália, o Mineirinho recebeu 27 mil pessoas e estabeleceu o maior público da história do vôlei mundial”, completa Cláudio Gomes. Se o esporte tem um passado e um presente já bem definidos, faz sentido, é claro, procurar entender também o que o vôlei pode esperar no futuro. “O vôlei é um esporte que precisa de investimentos. É caro, os jogadores têm alto custo”, afirma o jornalista Ivan Drummond. “Antigamente, o basquete, por exemplo, tinha importância esportiva em Minas, mas por causa do dinheiro que precisava, perdeu força. Se as equipes daqui não conseguirem segurar seus patrocínios, isso pode acontecer com o vôlei também”, explica. Com resultados expressivos desde os anos 1970 até os dias de hoje, a história do vôlei, por hora, pode continuar elevando o nome de Minas Gerais em âmbito mundial. Pelé, Hilma, Cristina Pirv, Leila, Henrique, Maurício, Willian, Wallace e Serginho são apenas alguns dos nomes, que marcaram o vôlei mineiro e, sem dúvidas, serão eternos ídolos. A história deles já foi escrita e, agora, a nova geração – e porque não a que vem depois dela? – tem a missão de continuar trilhando esse caminho e firmar o esporte como um dos mais importantes do país.

Pedra preciosa A diamantinense Hilma Aparecida Caldeira é uma forte incentivadora do esporte

em Minas Gerais. Representa um pouco das dificuldades que alguns atletas passam até hoje. Aqueles que são de origem pobre e encontram barreiras até chegar em um clube com boa estrutura. Mesmo após encerrar a carreira, ela continua envolvida com o esporte e é frequentadora assídua do Minas Tênis Clube em treinos e jogos. Serve de inspiração para atletas futuros. Destaque do voleibol feminino na década de 1980, desde a adolescência, sonhava em seguir carreira no esporte. Com apenas 15 anos, enviou uma carta ao então presidente do Minas Tênis Clube, Urbano Santiago, demonstrando interesse por uma oportunidade em treinar no clube, o que foi decisivo para se firmar no esporte. Urbano Santiago decidiu apostar na atleta e a chamou para realizar um teste no qual foi aprovada. Após um ano no clube, Hilma já se destacava no time adulto. Em 1989, teve a chance de fazer parte da Seleção Brasileira e se consagrou campeã mundial juvenil, jogando no Peru. No mesmo ano foi considerada a melhor jogadora do mundial infanto-juvenil em Curitiba. Outros destaques da jogadora durante a carreira nacional e internacional Passagens pelo Minas: - Campeã brasileira pela L’Acqua di Fiori/ Minas em 1992/1993 juntamente com outras jogadoras, como Leila Barros e Ana Flávia; - Em 1997/1998, conquistou o terceiro

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Hilma fez parte de time vencedor do Minas lugar no campeonato brasileiro; - Entre os anos 1998 e 2001, teve boas passagens na Itália e na Turquia. Passagens pela Seleção Brasileira: - Duas medalhas de ouro e uma de prata no Grand Prix, nos anos 1994/1995/1996 em Xangai; - Em 1999, ouro nos jogos Pan-Americanos em Winnipeg, no Canadá; - Nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, conquistou o bronze; - Prata no Campeonato Mundial de Voleibol em 1994, em São Paulo; - Em 1995, recebeu medalha de prata pela Copa do Mundo de Voleibol no Japão.

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