Cinema do IMS Paulista, agosto de 2023

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ago.2023
cinema

A mulher de todos, de Rogério Sganzerla (Brasil | 1969, 87’, 35 mm)

destaques de agosto 2023

O programa Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, que segue em cartaz até janeiro de 2024, apresenta seis novos títulos. São filmes que abordam as lutas e reivindicações feministas de um ponto de vista interseccional, passando por temas como imigração, direitos humanos, violência obstétrica, greve de trabalhadores, Guerra do Vietnã e a prisão de Angela Davis. Artista e criadora fundamental na história do cinema brasileiro, Helena Ignez estará presente na Sessão Cinética para conversar sobre o trabalho em A mulher de todos, de Rogério Sganzerla, apresentado em cópia 35 mm, e sobre seu curta A miss e o dinossauro, que apresenta os bastidores de duas produções da Belair, produtora que criou ao lado de Sganzerla e Julio Bressane.

Entre Reino Unido, Brasil e EUA, três experiências do horror do final dos anos 1960 e da primeira metade dos 70 poderão ser vistas no Cinema do IMS: O homem de palha, de Robin Hardy, completa 50 anos e será exibido em nova restauração 4K, em sessão dupla com Corrida com o diabo, de Jack Starett. Já A praga, em cartaz, retoma um filme perdido de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

Ainda este mês, as primeiras experiências de Eduardo Coutinho com documentário, no Globo Repórter; o mergulho da diretora Paz Encina na cosmovisão do povo Ayoreo-Totobiegosode, em meio à destruição do Chaco paraguaio; seis décadas de imagens do Teatro Oficina, companhia de José Celso Martinez Corrêa; e o mais novo filme de Wes Anderson que, entre o sci-fi e a metalinguagem, retoma a experiência do cinema americano dos anos 1950.

[imagem da capa]

Máquina do desejo, de Joaquim Castro e Lucas

Weglinski (Brasil | 2023, 110’, DCP)

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Corrida com o diabo (Race with the Devil), Jack Starett | EUA | 1975, 88’, DCP (Park Circus) Eami, de Paz Encina (Paraguai, França | 2022, 85’, DCP) A FHAR – Frente Homossexual de Ação Revolucionária (Le FHAR – Front homosexuel d’action révolutionnaire), de Carole Roussopoulos (França | 1971, 26’, Arquivo digital)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

Sessão Cinética

Coutinho 90

A praga

Pedro Junqueira, Matheus Sundfeld, Luis

Claudio Bonacura, Cédric Fanti e José

Mojica Marins | DCP

Asteroid City

Wes Anderson | DCP

Canção ao longe

Clarissa Campolina | DCP

Eami (imagem à esquerda)

Paz Encina | DCP

Fogo-fátuo

João Pedro Rodrigues | DCP

Fantasma Neon

Leonardo Martinelli | DCP

Luz nos trópicos

Paula Gaitán | DCP

Máquina do desejo

Joaquim Castro, Lucas Weglinski | DCP

A mulher de todos

Rogério Sganzerla | 35 mm

A miss e o dinossauro

Helena Ignez | Arquivo digital

Sessão seguida de debate com Helena

Ignez, Júlia Noá e Juliano Gomes

Especial Terrror

O homem de palha (The Wicker Man)

Robin Hardy | restauração em DCP

Corrida com o diabo (Race with the Devil)

Jack Starett | DCP

Seis dias de Ouricuri

Eduardo Coutinho | Arquivo digital

O pistoleiro de Serra Talhada

Eduardo Coutinho | Arquivo digital

Theodorico, o imperador do sertão

Eduardo Coutinho | Arquivo digital

Exu, uma tragédia sertaneja

Eduardo Coutinho | Arquivo digital

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Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir

Trate de parir! (Accouche!)

Ioana Wieder | França | 1977, 49’, Arquivo digital (CaSdB)

Young Lord (Young Lord)

Carole Roussopoulos | França | c. 1970-

1975, 15', Arquivo digital (CaSdB)

Genet fala de Angela Davis

(Genet parle d’Angela Davis) Carole

Roussopoulos | França |1970, 7', Arquivo digital (CaSdB)

Os veteranos do Vietnã (Les Vétérans du Vietnam) Carole Roussopoulos | França |1972, 12', Arquivo digital (CaSdB)

Greve na Jeune Afrique (Grève à jeune Afrique) Carole Roussopoulos e Paul

Roussopoulos | França | 1972, 21', Arquivo digital (CaSdB)

A marcha do retorno das mulheres no Chipre (La Marche du retour des femmes à Chypre) Carole Roussopoulos | França |

1975, 36', Arquivo digital (CaSdB)

Où est-ce qu’on se mai?

Iona Wieder, Delphine Seyrig | França | 1976, 55’, DCP (CaSdB)

A conferência sobre a mulher – Nairóbi 85 (La Conférence des femmes - Nairobi 85)

Françoise Dasques | Arquivo digital

Os racistas não são nossos camaradas, nem os estupradores (Les Racistes ne sont pas nos potes, les violeurs non plus) Anne Faisandier, Ioana Wieder e Claire Atherton | Arquivo digital

Maso e Miso vão de barco (Maso et Miso vont en bateau)

Carole Roussopoulos, Ioana Wieder, Delphine Seyrig e Nadja Ringart | DCP

Seja bela e cale a boca! (Sois belle et tais-toi!)

Delphine Seyrig | Arquivo digital

Flo Kennedy, retrato de uma feminista americana (Flo Kennedy, portrait d’une féministe américaine) Carole Roussopoulos

e Ioana Wieder | Arquivo digital

A morte não quis saber de mim: retrato de Lotte Eisner (La Mort n’a pas voulu de moi: portrait de Lotte Eisner)

Carole Roussopoulos, Carène Varène, Michel Celemski | Arquivo digital

A FHAR – Frente Homossexual de Ação Revolucionária (Le FHAR – Front homosexuel d’action révolutionnaire)

Carole Roussopoulos | Arquivo digital

SCUM Manifesto (S.C.U.M. Manifesto)

Carole Roussopoulos e Delphine Seyrig | DCP

Delphine e Carole, insubmusas (Delphine et Carole, insoumuses)

Callisto McNulty | Arquivo digital

Carole Roussopoulos, uma mulher por trás das câmeras (Carole Roussopoulos, une femme à la caméra)

Emmanuelle de Riedmatten | DCP

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Transformações… em Mondoubleau (Ça bouge… à Mondoubleau)

Carole Roussopoulos e Catherine

Valabrègue | Arquivo digital

Os homens invisíveis (Les Hommes invisibles)

Carole Roussopoulos | Arquivo digital

Profissão: ostreicultora

(Profession: conchylicultrice)

Carole Roussopoulos e Claude Vauclaire |

Arquivo digital

As trabalhadoras do mar (Les Travailleuses de la mer)

Carole Roussopoulos | Arquivo digital

É só não trepar! (Y’à qu’à pas baiser!)

Carole Roussopoulos | DCP

Com a palavra, as prostitutas de Lyon (Les Prostituées de Lyon parlent)

Carole Roussopoulos | Arquivo digital

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15:00 Canção ao longe (76')

16:30 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

18:30 Maso e Miso vão de barco (55')

20:00 A conferência sobre a mulher - Nairóbi 85 + Os racistas não são nossos camaradas, nem os estupradores (83')

8

16:00 Canção ao longe (76')

17:40 Luz nos trópicos (260')

15:00 Canção ao longe (76')

16:30 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

18:30 Profissão: ostreicultora + As trabalhadoras do mar (60')

20:00 Où est-ce qu’on se mai? (55')

9

16:00 Canção ao longe (76')

18:00 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

20:00 Máquina do desejo (110')

15

16:00 Asteroid City (105')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 Seis dias de Ouricuri + O pistoleiro de Serra Talhada (90')

16

16:00 Asteroid City (105')

18:00 Máquina do desejo (110')

20:00 Asteroid City (105')

15:00 Canção ao longe (76')

16:30 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

18:30 Transformações… em Mondoubleau + Os homens invisíveis (51')

20:00 Flo Kennedy, retrato de uma feminista americana + A morte não quis saber de mim: retrato de Lotte Eisner (85')

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16:00 Asteroid City (105')

18:00 Máquina do desejo (110')

20:00 Asteroid City (105')

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15:00 Asteroid City (105')

17:00 Eami (85')

19:00 Sessão Cinética

A mulher de todos + A miss e o dinossauro (105') seguida de debate com Helena Ignez, Julia Noá e Juliano Gomes

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16:00 Asteroid City (105')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 Eami (85')

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16:00 Asteroid City (105')

18:00 Eami (85')

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15:45 Máquina do desejo (110')

18:00 Asteroid City (105')

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16:00 Asteroid City (105')

18:00 Eami (85')

20:00 Theodorico, o imperador do sertão + Exu, uma tragédia sertaneja (88')

20:00 Young Lord + Genet fala de Angela Davis + Os veteranos do Vietnã + Greve na Jeune Afrique + A marcha do retorno das mulheres no Chipre (91') 30

16:00 Máquina do desejo (110')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 Eami (85')

20:00 Eami (85') 31

16:00 Máquina do desejo (110')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 Eami (85')

6 quarta quinta terça
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14:00 Máquina do desejo (110')

16:30 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

18:30 A FHAR - Frente Homossexual de Ação Revolucionária + SCUM Manifesto (53')

20:00 Carole Roussopoulos, uma mulher por trás das câmeras (76')

22:00 A praga (70')

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14:00 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

16:00 Asteroid City (105')

18:00 Máquina do desejo (110')

20:00 Asteroid City (105')

22:00 A praga (70')

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14:00 Eami (83')

15:50 Máquina do desejo (110')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 Eami (85')

22:00 Asteroid City (105')

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14:00 Máquina do desejo (110')

16:15 Asteroid City (105')

18:15 Eami (85')

20:00 Corrida com o diabo (88')

22:00 O homem de palha (93')

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14:00 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

16:00 Seja bela e cale a boca! (115')

18:30 É só não trepar! + Com a palavra, as prostitutas de Lyon (63')

19:50 Máquina do desejo (110')

22:00 A praga (70')

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14:00 Fogo-fátuo + Fantasma neon (87')

16:00 Asteroid City (105')

18:00 Asteroid City (105')

20:00 O homem de palha (93')

22:00 Corrida com o diabo (88')

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14:00 Asteroid City (105')

16:00 Theodorico, o imperador do sertão + Exu, uma tragédia sertaneja (88')

18:00 Trate de parir! (49')

20:00 Eami (85')

22:00 Asteroid City (105')

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15:00 Máquina do desejo (110')

17:30 A mulher de todos + A miss e o dinossauro (105')

20:00 Eami (85')

22:00 Asteroid City (105')

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14:00 Canção ao longe (76')

15:30 Máquina do desejo (110')

17:40 Luz nos trópicos (260')

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15:00 Asteroid City (105')

17:00 Delphine e Carole, insubmusas (68')

18:30 Trate de parir! (49')

20:00 Asteroid City (105')

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14:00 Asteroid City (105')

16:00 Asteroid City (105')

18:00 Young Lord + Genet fala de Angela Davis + Os veteranos do Vietnã + Greve na Jeune Afrique + A marcha do retorno das mulheres no Chipre (91')

20:00 Eami (85')

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19:00 Seis dias de Ouricuri + O pistoleiro de Serra Talhada (90')

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br

7 sexta sábado
domingo

Aquelas pessoas

lá de longe

50 anos de O homem de palha em sessão dupla com Corrida com o diabo

Oferecemos em agosto uma oportunidade de ver em sala de cinema dois filmes marcantes do gênero horror/medo. Nosso ponto de partida para projetá-los é o aniversário de 50 anos de O homem de palha (The Wicker Man, 1973), o filme de Robin Hardy que permanece uma força maior no gênero. E nos pareceu que a companhia de Corrida com o diabo (Race with the Devil, 1975), seu parente hollywoodiano de baixo orçamento via 20th Century Fox, lhe cairia bem. Que sejam duas descobertas excitantes para o nosso público.

Cada filme dessa sessão dupla tem cerca de 90 minutos enxutos e múltiplas sensações de insegurança na pele. De onde vem essa angústia? Talvez esteja relacionada à forma como os dois filmam pessoas desconhecidas lá e acolá no quadro. Quem são elas ali longe? Do que são capazes de fazer tão fora de um comportamento padrão?

O filme de Hardy passou décadas em relativa obscuridade. Tornou-se um clássico reconhecido com número cada vez maior de admiradores ao ser literalmente redescoberto em cópia rara (os negativos originais foram perdidos nos anos 1970, na Inglaterra). São exatamente sessões como estas que irão manter O homem de palha vivo sempre.

O filme chega ao Cinema do IMS na versão

restaurada em 4K (via Tamasa, da França), com o corte mais próximo do que Robin Hardy quis fazer em 1973 (o filme foi mais tarde mutilado por distribuidores durante o lançamento).

Para os que estarão vendo pela primeira vez, é importante não se informar com antecedência. Não se trata de um mero alerta da cultura do spoiler que nenhuma falta faria, mas de proteger uma construção incomum de suspense.

O homem de palha tem esse corte britânico que talvez gere um sentido maior de ansiedade e incertezas no espectador, algo brusco e seco, sempre dois passos à frente do personagem principal e da plateia. Não é um filme violento no sentido gráfico, mas é forte como um pesadelo.

Seguiremos um policial escocês (Edward Woodward), religioso cristão, caxias e uniformizado, que é enviado para investigar o desaparecimento de uma jovem garota numa ilha isolada chamada Summerisle, no alto verão do norte escocês. As descobertas graduais do nosso herói careta em Summerisle são também as nossas descobertas. O senso de perigo e terror aumenta.

Por todo o terror inquieto de O homem de palha, o filme parece ter sido escrito e dirigido por alguém que durante algum tempo

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acumulou um medo real e ensolarado da geração hippie, um fruto possível daquela época. A transformação de um movimento tão abraçado com a paz e o amor numa fonte impensável de terror, cheio de sorrisos musicais e alegria tribal, é um desdobramento poderoso como contação de história. E ter Christopher Lee como figura patriarcal de Summerisle é um toque e tanto. Corrida com o diabo encontra-se na mesma vibração de angústia, mas já há aqui um tom de cinema comercial dos anos 1970

feito nos EUA. Foi produzido para o mercado de drive-ins , mas o extrapolou, gerando reações melhores do que se esperava. Um road movie, sempre filmado em exteriores, como Sem destino (Easy Rider, 1969), de onde vem a presença carismática de Peter Fonda como um dos heróis.

Com Warren Oates (ator constante de Sam Peckinpah), Fonda faz parte de dois casais de amigos que viajam de motor home , a casa móvel tão USA que parece atualizar o símbolo de liberdade americana antes

marcada pela motocicleta. Numa noite em lugar ermo, eles testemunham um ritual sinistro que não deveriam ter visto. Suas companheiras (Loretta Swit e Lara Parker) compõem as descobertas de uma viagem aventureira, mas que vai tomando rumos assustadores. Entre O bebê de Rosemary, Sem destino, O homem de palha, a escola Roger Corman de schlock também se faz presente em Corrida com o diabo, uma bela descoberta do terror do outro.

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Da carne e da carcaça A miss e o dinossauro (2005)

e A mulher de todos (1969)

Júlia Noá

A rejeição ao establishment não é feita por fálicos fuzis. A contrapartida à militarização é – em A mulher de todos – a volúpia carnal de uma mulher. O espaço do coletivo não é a organização de assembleias e palanques políticos, mas o gesto colérico de amor de Angela Carne e Osso ao dizer: “Eu amaria todos os homens do mundo”. A erótica resiste ao entojo do poder policial adestrador. Helena Ignez veicula em seu corpo a personagem Angela, o corpo indócil sobre o qual não recaem as regras sociais, a “inimiga número um dos homens”, a que conquista todos os homens e os larga sem melindres. Como atriz e como produtora, Helena construiu parte do que seria um período incontornável do cinema brasileiro. Ganhou inúmeros prêmios e foi fundadora e idealizadora da produtora carioca Belair, junto a Julio Bressane e Rogério Sganzerla. Como um lampejo que cruzou o céu do cinema brasileiro, a Belair foi um coletivo que mal nasceu e foi implodido pelos adventos autoritários que tomaram conta do país em meados dos anos 1960. Forjado em meio a agitações socioculturais, o coletivo teve uma breve existência de menos de quatro meses, entre fevereiro e maio de 1970, e sete filmes, que culminou com o exílio de seus membros.

O curta-metragem A miss e o dinossauro (2005) é o segundo filme dirigido por Helena

Ignez depois de seu retorno ao Brasil. Ainda que já houvesse retornado seus trabalhos no campo da atuação desde meados dos anos 1980, período em que saiu do exílio, A miss e o dinossauro estabelece um marco tanto em sua carreira de diretora como também em um movimento de mirada ao que havia sido a Belair e quais seriam suas inflexões na contemporaneidade. A investida da diretora de recapitulação de um material da qual ela mesma fez parte produz como efeito um espelhamento fractal. Desmembrar imagens conhecidas e reorganizá-las, em parelha, com arquivos não antes vistos gera um encadeamento de ideias calcado na lembrança, na rememoração, mas que visa à articulação de novos sentidos.

A miss e o dinossauro é um filme sobre um corpo coletivo no derradeiro dia de sua existência. A festa que sobressai ao luto do exílio, a partilha do olhar que é, também, a partilha do desejo de filmar. O curta-metragem de Helena Ignez é um making-of tardiamente elaborado, que desabrocha como retrato-homenagem daqueles últimos momentos de existência da Belair, delongando a existência fugaz desse empreendimento. Ao reorganizar, a seus moldes, imagens produzidas à época, Helena Ignez não se deixa inebriar pelo saudosismo. A visada em perspectiva, atualizada, se combina à ternura

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daqueles fotogramas, e é nesse desmoronamento de expectativas que está a grandiosidade da obra.

O filme dá início ao que seria um projeto híbrido de criação e apropriação de imagens da Belair retrabalhadas pelo olhar de quem a fundou, uma mulher mirando seu próprio passado através dos materiais produzidos pela sua trupe. As reflexões que realiza, entretanto, não se limitam à mera homenagem ao grupo do qual fez parte, mas ensejam debates sobre a realidade social daquele momento e, sobretudo, a coloca em discussão com o contemporâneo. Ao se debruçar sobre o arquivo da Belair, Helena Ignez manuseia seu próprio corpo materializado na película, sua atuação experimental reelaborada a partir do olhar de si sobre si, sempre atravessada por esses outros personagens-amigos que permearam aquele momento. Cria-se um duplo, portanto: a intimidade e o público. Os filmes de Helena Ignez se alimentam de imagens, sons e palavras do passado. O filme abraça a melancolia dos eventos ao não se furtar da sensação de finitude que permeia os últimos dias da Belair. A recuperação de um material sensível a nível pessoal e coletivo é o que faz de A miss e o dinossauro um filme que trafega pleno entre a apropriação de frames, o documental e o registro caseiro, meio making-of, meio colagem.

Helena detém em suas mãos imagens que ecoam na esfera do privado e do coletivo, que se intercambiam entre si sem hierarquia particular entre o que está no âmbito do íntimo e do compartilhado, fazendo uma espécie de descentralização anárquica que remete justamente ao material que manipula. O aspecto marginal, aqui, se presentifica na relação desimpedida entre a diretora e as imagens, na liberdade semântica de criação. A desobediência formal como elemento fulcral da elaboração criativa do filme prospera no encadeamento catártico estabelecido entre as cenas, numa busca incessante pela compreensão cinematográfica da baderna que é o Brasil.

Angela Carne e Osso é muitas coisas: ela é casada e é devassa, é apaixonada e desapegada, é envolvente e fria, é ultrapoderosa e ultrassensível. Relacionado à produção marginal, A mulher de todos é uma incursão na vida caótica da protagonista, mediada por uma câmera que se interessa por amplificar. Bastante fragmentário, o filme retrata a viagem de Angela à Ilha dos Prazeres, praia de nudismo onde se permite a maior sorte de libertinagens. Angela é casada com Dr. Plirtz (interpretado por Jô Soares), “o mais boçal dos homens”, empresário rico e abestalhado a quem constantemente trai. Angela é inescrupulosa, seu enfado em relação aos

homens se equipara ao tesão que sente por eles, os assalta com seu corpo sempre à mostra e não escanteia seu desejo, seja de conquistar, seja de largar.

A sina marginal repousa no corpo esguio de Angela, espaço físico da contravenção. A superfície interessa ao filme e à protagonista, no sentido material mesmo, em que a linguagem exprime o mesmo temperamento caótico de Angela, em uma espécie de simbiose entre câmera e objeto, que se retroalimentam de suas próprias erupções. A manifestação corpórea é dada através de uma nudez incessante, que tem no pudor uma manifestação forte contra a qual se empenha em acachapar. O pudor é a ordem, é velar o desejo, é a família, é a supressão da sexualidade. Como fábula, Angela é a canibal antropofágica que devora os boçais; como mulher, ela é a antítese do ideal feminino submisso, mas, mais do que isso, ela ultrapassa qualquer conformismo identitário, qualquer regra castradora, qualquer lógica de comportamento “bom-mocista” que a iniba de operar em função de seu próprio desejo. A lei estabelecida por Angela e pela marginalidade enquanto método é a lei orgânica do corpo, que permite a descoberta de algo inesperado frame a frame , membro a membro; é a lei que coloca tudo que se conhece sob suspeita ao mesmo

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tempo que suspende a vigilância hierarquizada em que os termos que definem a qualidade da linguagem, falada ou manipulada, são erradicados em benefício de um cinema e de uma vida que consegue aproveitar da carne e da carcaça.

Não é propositivo no que tange à busca de uma consagração tradicional, não mira a autorização externa e, ao mesmo tempo, anseia a disrupção interna. Assim como em O paraíso proibido (1970), de Carlos Reichenbach, também exibido na Sessão

Cinética, de um filme que se contenta com seu próprio peso e fala sua própria língua insubordinada à tradução. Reichenbach, Sganzerla e Ignez incorporam a precariedade dos modos de produção “terceiro-mundistas” sem que haja a pretensão de se fazer um discurso suntuoso marcado por verbos intelectuais. A intenção aqui é outra, é a transmutação do raciocínio do proceder do lixo para ser o lixo. O lixo comporta tudo, não faz a decoupage das carnes nem separa os legumes, não escapa daquilo que jogam dentro dele. O lixo aceita, decompõe, reduz ao chorume todas aquelas partes incongruentes, produz uma matéria (torpe, de fato) que só ele é capaz de produzir em sua resiliência e auto aceitação.

O outro lado da aposta era no vigor do cinema de gênero, reclamam para si

elementos cênicos e narrativos clássicos na costura de uma cinematografia heterogênea que indiscriminadamente recolhe suas referências. Em ambos os filmes, cada um à sua maneira, se detecta um humor ácido característico das chanchadas brasileiras, gênero popular que vinha sendo recalcado pela intelectualidade e que, pro Cinema Marginal/Boca do Lixo, retorna com status renovado. Aqui, a lógica mercantil não é, então, afugentada como oposição ao cinema “autoral”; pelo contrário, é a partir dela ou em função dela que muitos desses filmes são feitos. Ainda que com profundas diferenças em termos de estilo e de apostas estéticas, ambos os filmes partilham do desejo de serem vistos e compreendidos como brasileiros na mais profunda de suas contradições.

A batalha não é contra o establishment e contra o cinema comercial, tampouco se ocupa de se opor ao cinema intelectual, é um combate à morosidade dos rótulos, do cinema sem envergadura, desapaixonado. A mulher de todos é um filme chanchadesco, mas também é irônico e vanguardista; tem uma protagonista que cativa, mas que tem motivações torpes. Os pactos imersivos com o espectador são rompidos, caem as cortinas da ilusão, mas, debaixo delas, ainda reside um espetáculo

bélico, divertido e amoral. A função política não reside no discurso, mas no gesto mesmo de apreender, no tecido fílmico, a explosão multifacetada que é o Brasil. Angela como metáfora antropofágica, porque ela comporta, em si, todos os discursos, do clássico ao vulgar. Angela é o corpo feroz que não negocia com o poder, porque ela é, em si, seu próprio poder absoluto, sua própria régua, sua própria lei. O Cinema Marginal tem um tanto de Angela em si não porque a fabricou, mas porque a cosmologia caótica regeu essas forças criativas e a Belair permite que tudo esteja dentro do todo e produz o efeito radical ensejado pelo grupo. Ignez e Sganzerla confabularam um cinema amotinado de referências que mirava, na superfície chamuscada, a elaboração de um retrato brasileiro receptivo a sua própria crueza, desordem e mistificação.

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A praga

Pedro Junqueira, Matheus Sundfeld, Luis Claudio Bonacura, Cédric Fanti e José Mojica Marins | Brasil | 2021, 70’, DCP (Elo Studios)

A praga é o último filme inédito dirigido pelo mestre do horror José Mojica Marins, também conhecido como Zé do Caixão. No filme, o casal Marina e Juvenal passeia pelo campo e para em frente à casa de uma estranha idosa para tirar fotos. Irritada, a mulher se revela uma bruxa e joga uma maldição em Juvenal: uma perseguição psíquica horrorizante, provocando uma ferida que se abre em seu corpo de forma descontrolada. O ferimento leva Juvenal a uma fome insaciável por carne crua.

Inicialmente, A praga foi concebido como um episódio do programa Além, muito além do além, escrito por Rubens Francisco Lucchetti e exibido pela TV Bandeirantes entre 1967 e 1968. Essa primeira versão da história se perdeu em um incêndio na emissora e, em 1980, Mojica decidiu refilmá-la, mas não conseguiu concluir o trabalho. Após mais de 15 anos empenhado na recuperação das obras

de Mojica, Eugênio Puppo encontrou os rolos de filme originais do projeto, que eram considerados perdidos. Sabendo da grande afeição do mestre pela obra, o produtor trabalhou na correção de cores, remasterização sonora, trilha musical e até na inclusão de dublagem, já que as gravações das vozes originais não foram encontradas. A história desse processo de restauro em 4k foi registrada no curta-metragem documental A última praga de Mojica, que antecede a exibição do filme.

“Todo o cuidado que tivemos com a recuperação do filme foi importante para não deixar que ele se perdesse através da história”, conta Puppo em depoimento disponível no material de imprensa do filme. “Fizemos de tudo para manter a autenticidade, oferecer ao público algo muito próximo do que tínhamos encontrado, com a veracidade de um autêntico filme de Mojica. Quando me contava sobre os vários trabalhos que não conseguiu concluir, ele sempre fazia referências a A praga. Agora, finalmente, o filme terá um lançamento à altura de sua importância.”

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Asteroid City

Wes Anderson | EUA | 2023, 104’, DCP (Universal)

No mais recente filme de Wes Anderson, somos apresentados aos bastidores e à encenação de uma peça chamada Asteroid City, que se passa em 1950 em uma cidade fictícia do deserto norte-americano. Na peça, uma convenção juvenil de astrônomos é interrompida por uma série de eventos misteriosos.

“Asteroid City era algo sobre o qual Roman Coppola e eu estávamos conversando. Durante muito tempo, pensei em fazer algo que tivesse a ver com o teatro aqui [na cidade de Nova York] quando ele estava em seu último auge – seu último momento de ouro, ou algo assim. A era do Actors Studio e a Broadway”, comenta Wes Anderson em entrevista ao portal The Daily Beast. “Tínhamos mais ou menos duas coisas. Queríamos fazer algo com Jason Schwartzman no centro; tínhamos a ideia de escrever um papel para Jason. Acho que tínhamos a sensação de que seria um pai que está lidando com um momento de extrema tristeza.

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Em cartaz

Depois, tivemos a ideia de fazer algo em um palco, e também contaríamos a história da peça que eles estavam montando, e isso seria uma grande parte do filme. [...] Estávamos pensando em algo parecido com Sam Shepard, em algum lugar do Oeste. Então, tudo se misturou e se tornou essa coisa dos anos 1950.”

“Há muitos filmes de deserto dos anos 1950 (e anteriores) – é meio que uma coisa americana. Voltei a alguns desses filmes e assisti a vários que nunca tinha ouvido falar antes, e foi interessante. Há um novo tipo de cinema que acontece nos anos 1950, com o Cinemascope. Há um tipo de cinema em widescreen, o de David Lean, que tem essa coisa épica. E há outro tipo com o qual me associo mais, não necessariamente de filmes B, mas não tão prestigiados, que têm uma natureza selvagem e uma energia diferente. Eles não têm o ritmo dos filmes dos anos 1930, mas têm algo feroz que, em parte, vem do mundo de [Elia] Kazan. Mas também acho que isso pode ter algo a ver com essa nova forma da imagem e para onde ela está levando os cineastas.”

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/imsacity]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Canção ao longe

Clarissa Campolina | Brasil | 2022, 76’, DCP (Vitrine Filmes)

Vinda de uma família tradicional de Belo Horizonte, Jimena é uma jovem arquiteta, responsável pelo desenho técnico da nova sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Seu pai deixou o Brasil quando ela tinha só 4 anos, e, após um longo afastamento, eles voltam a se comunicar através de cartas. Filha de uma mãe branca e um pai negro, Jimena busca sua identidade enquanto lida com a inadequação de morar com uma família branca e se identificar com um homem negro que não vê há tempos.

Em entrevista ao blog Colab, da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, a diretora Clarissa Campolina reflete: “Eu acho que todos os meus trabalhos têm uma transformação, algo em transformação, em movimento, às vezes mais ligados a esse cinema diário, cinema ensaísta e, às vezes, ligado ao cinema da paisagem, mas cada um com características particulares. De alguma

forma, os filmes buscam sempre um lugar para se estar e um jeito de se transformar.”

“Lá no Girimunho [2011, codirigido com Helvécio Marins Jr.], a Bastú começa em luto, e é o acompanhar da transformação dela, dessa passagem. No Canção, é a busca de uma jovem mulher que procura o lugar dela no mundo. Começou motivado pela questão da família, o que é a família. Eu estava grávida na época em que comecei a escrever, e fiquei me questionando: eu sou hétero, tenho meu companheiro, a gente está junto até hoje, já estávamos juntos há um tempo, e eu engravidei. Aí eu falei: ‘Cara, eu estou nesse modelo porque é um modelo ou por que eu quero?’. Na época, estava tendo aquelas enquetes no Senado sobre o que é família, é composto por um homem e uma mulher? Pode ser composto por duas mulheres? Tinham várias perguntas, e eu tinha certeza de que família não é só isso que eu estava construindo, existiam outras possibilidades. Eu tenho uma amiga que os pais são separados, e ela se relaciona com o pai por cartas, ele mora em um país da América Latina, e eles não tinham se visto desde quando ele deixou o Brasil, quando ela tinha 7 anos. Aí, a partir desse desejo que eu tinha da história dessa minha amiga, eu comecei a desenvolver um argumento e um desejo de olhar um pouco para essas estruturas. Eu acho que o filme fala um pouco de raça, de classe, de gênero, a partir de um drama familiar.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/cançãoao]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

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Eami

Paz Encina | Paraguai, França | 2022, 85’, DCP (Filmicca)

No idioma do povo indígena AyoreoTotobiegosode, “eami” significa “floresta”. Também significa “mundo”. Atualmente, eles vivem em uma área que está sofrendo o desmatamento mais rápido do planeta, no Chaco paraguaio.

A diretora Paz Encina mergulhou na mitologia Ayoreo-Totobiegosode e ouviu histórias sobre como as pessoas estão sendo expulsas de suas terras. A partir dessa experiência, fez um filme sobre uma menina de cinco anos chamada Eami. Depois que sua aldeia é destruída e sua comunidade se desintegra, Eami vagueia pela floresta tropical. Ela é o deus-pássaro – explica em voice-over em seu próprio idioma – procurando por quem quer que tenha sobrado. “Lembre-se de tudo”, diz o lagarto/velho que acompanha Eami em sua jornada.

Em entrevista à revista Variety, Encina comenta o processo de realização do filme, desde o encon-

tro com a comunidade indígena até o trabalho de reelaboração do roteiro na sala de edição: “Logo no início do processo, me surpreendi ao ver que quase não havia contato físico entre pais e filhos, eles nunca se abraçavam, mal se tocavam. Logo percebi que isso se devia ao fato de que, para eles, tudo é transmitido por meio de palavras. É uma relação profunda com o mundo por meio da oralidade, a linguagem está no centro e estrutura toda uma relação. Eles não usam nossas convenções verbais com relação ao tempo. Por exemplo, falam todos ao mesmo tempo, ao contrário de nós, que esperamos que o outro termine a frase. É uma harmonia totalmente diferente, em que a palavra é essencial. Portanto, o filme só poderia seguir essa mesma estrutura lógica, em que não há futuro ou passado, e se baseia fortemente em suas palavras. Um dos momentos mais bonitos foi quando uma mulher me disse: ‘Para mim, isso é amor, o que estamos fazendo agora, o encontro com a palavra’.”

“Tive a imensa sorte de trabalhar com Jordana Berg, a editora dos filmes de Eduardo Coutinho. Foi como uma escola de edição, um sonho que se tornou realidade. Fiquei maravilhada com seu processo, e ela me ajudou imensamente, pois eu havia escrito o filme e, como sempre acontece, você chega à sala de edição, e o filme não é mais aquele. Eu havia filmado rostos e entrevistas que achei que seriam centrais e poderiam se tornar o fio condutor, mas não funcionou, então tivemos que reescrever o filme, literalmente. Fizemos muitas subtrações e reformulações. Mas ela fez uma imensa contribuição espiritual, estive na sala de edição com essa mulher que podia ver através do

que havíamos encontrado durante a filmagem e encontrar as pérolas. Parecia uma jornada interior que percorremos juntas, lado a lado. Foi maravilhoso, mas tempestuoso, porque muitas vezes eu me sentia muito perdida.”

Em 2022, Eami foi o vencedor do Tiger Award, prêmio principal do Festival de Cinema de Roterdã.

[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/imseami]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Fantasma neon

Leonardo Martinelli | Brasil | 2021, 20’, DCP (Vitrine Filmes)

Um entregador de aplicativo sonha em ter uma moto. Disseram a ele que tudo seria como um filme musical.

Fantasma neon, primeiro filme do diretor viabilizado a partir da captação de recursos públicos, via Lei Aldir Blanc, estreou em 2021 na competição oficial do Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, no qual recebeu o Leopardo de Ouro de Melhor Curta-Metragem. De lá para cá, o filme reuniu exibições e prêmios ao redor do mundo. Em entrevistas concedidas respectivamente aos portais Le Polyester e Le Monde Diplomatique, Leonardo declara:

“Estou convencido de que é possível fazer um filme que trate de problemas realistas, políticos do mundo contemporâneo, mas com uma encenação estilizada. Com essa ideia em mente, eu e nosso diretor de fotografia, Felipe Quintelas, pensamos em como aproximar as ruas antigas do Rio

de Janeiro desses personagens que pertencem ao mundo moderno. Cada construção arquitetônica da cidade nos mostra uma justaposição de realidades.”

“O filme traz essa hibridez de um documentário, com um viés dramático e de fantasia, mas, ao mesmo tempo, também tem alguns elementos documentais, como os depoimentos no início, que são reais. Usamos o musical como uma plataforma de contraste narrativo, mas também espacial. Como contrastar o cinema mais fantasioso possível, o menos diegético, que é a fantasia musical, com as realidades mais duras de extinção de direitos trabalhistas que o Brasil enfrenta hoje?”

O curta-metragem Fantasma neon será exibido junto ao filme Fogo-fátuo

[Citações extraídas de bit.ly/fantasneon e bit.ly/fantasmaneon, respectivamente em francês e português.]

Fogo-fátuo

João Pedro Rodrigues | Portugal, França | 2022, 67’, DCP (Vitrine Filmes)

2069, ano talvez erótico – logo veremos –, mas fatídico para um rei sem coroa. No seu leito de morte, uma canção antiga o faz rememorar árvores, um pinhal ardido e o tempo em que o desejo de ser bombeiro para libertar Portugal do flagelo dos incêndios foi também o despontar de outro desejo.

Neste filme, que se apresenta como uma fantasia musical, João Pedro Rodrigues tensiona, a partir de seu ponto de vista, visões de raça, classe e sexualidade, ao fabular o encontro amoroso entre Alfredo, um homem branco, um “príncipe” que não quer ser príncipe, e Afonso, aparentemente o único homem negro entre os bombeiros da corporação. Uma tensão que se coloca já em uma das primeiras imagens, na qual descendentes brancos da família real estão em primeiro plano e têm ao fundo uma pintura do fim do século XVIII realizada no seio do racismo colonial por-

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tuguês pelo pintor oficial do império. João Pedro Rodrigues fala sobre o quadro em algumas de suas entrevistas recentes:

“A pintura é do século XVIII e se chama O casamento da preta Rosa, de José Conrado Roza”, disse ao portal Film Comment. “Retrata uma cerimônia de casamento que uma das nossas rainhas fez para anões. Preta Rosa era a confidente da rainha. A pintura é uma representação relativamente diversa: tem um homem brasileiro, um indígena – todos anões. O quadro está agora no Musée du Nouveau Monde, em La Rochelle, na França, e é chamado de Mascarada nupcial. Acho que fala muito dos tempos que estamos vivendo. Não se pode chamar um quadro de O casamento da preta Rosa hoje, porque é considerado racista – e é claro que é, mas também era esse o título que o quadro tinha. O filme é sobre esse tipo de sutilezas – o que você pode dizer e o que não pode dizer.”

Ao mencionar o quadro em um debate após o filme no Cinema Nimas, em Lisboa, o diretor declara também: “É muito curioso que, na pintura, cada personagem tenha pintada, nas roupas, a sua história, o nome, quando veio, quando chegou à corte, quem o trouxe… Para mim, é como se toda a nossa história passada estivesse ali representada. No fundo, tratou-se de usar aquela obra como uma espécie de pano de fundo, como uma pintura que atravessa épocas. No filme, ela está na casa da família desde o início, e percebe-se que é uma espécie de herança de família que eventualmente será vendida no final.”

Fogo-fátuo foi exibido na Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes, em 2022. O filme será exibido junto ao curta-metragem Fantasma neon.

[Citações de João Pedro Rodrigues extraídas do portal Film Comment, em inglês: www. filmcomment.com/blog/interview-joao-pedro-rodrigues-on-will-o-the-wisp/ e À pala de Walsh, em português: bit.ly/fogofatuope]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Luz nos trópicos

Paula Gaitán | Brasil | 2020, 260’, DCP (Descoloniza Filmes)

Em Luz nos trópicos, a cineasta e multiartista

Paula Gaitán tece uma densa estrutura de histórias e linhas do tempo, enredados por cosmogonias indígenas, cadernos de viagem e literatura antropológica. O filme é um tributo à abundante vegetação das Américas e às populações nativas do continente. Um rivermovie, filme de navegação, livre como um rio sinuoso.

“O filme foi se transformando ao longo de 15 anos, porque a primeira versão do roteiro foi de 2003 e o nome também é de 2003”, conta a cineasta em entrevista a Camila Macedo para o festival Olhar de Cinema. “Na realidade, quando eu comecei a fazer o filme ele estava muito mais ligado à própria ideia da fotografia, da história da fotografia. Muito inspirado pela história do Hercule Florence, que fez a descoberta isolada da fotografia no Brasil. Era uma ideia mais de pesquisa da própria imagem, que é um projeto que per-

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corre todo o meu cinema. [...] Quando eu consegui materializar imagens e sons com essa equipe maravilhosa, eu já tinha colocado algumas das ideias do Luz em outros projetos. Então o roteiro também teve que ir se modificando. O roteiro também sofreu o processo da Paula amadurecendo como realizadora, do mundo se transformando. Não foi um roteiro que se congelou no tempo. Então meus interesses também foram se abrindo e também o Brasil foi… Não dá mais pra ter uma visão muito de observação. O Brasil também foi se transformando. Não é um cinema que pode se manter ligado apenas à questão da própria imagética. [...] Por isso que eu digo que é um filme que tá ainda em processo. É uma obra expandida. Tanto que outro dia eu sentei aqui pra começar a editar uma quarta parte. Eu não contei isso pro Vitor [Graize, produtor] pra ele não ficar nervoso. Eu senti essa necessidade vital. Não é gratuito.”

“É um filme brutal também. É um filme político, muito político. Ele não é exatamente político explícito, mas ao colocar na tela uma mulher Kuikuro, uma mulher indígena, a Kanu, uma das nossas protagonistas, fazendo um beiju na sua duração, é trazer de volta a importância dos gestos. Os primeiros gestos, aquilo que já foi esquecido. O tempo de produzir o alimento. No fundo, é um filme materialista dialético. Ele tem uma base não só no contemplativo, não é uma questão estética, é o tempo mesmo tanto da personagem da Kanu quanto da personagem da Maíra [Senise], que é a escultora. É o tempo do fazer as coisas, o tempo do objeto, da realização da própria vida.”

Luz nos trópicos teve sua première mundial na mostra Forum do Festival de Berlim em 2020. No Brasil, no mesmo ano, recebeu o prêmio de Melhor

Filme no 9º Olhar de Cinema – Prêmio de Melhor Filme. O elenco conta ainda com a participação dos artistas Paulo Nazareth e Arrigo Barnabé.

[Íntegra da entrevista ao Olhar de Cinema: bit.ly/ Luztró]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Máquina do desejo

Joaquim Castro, Lucas Weglinski | Brasil | 2023, 110’, DCP (Descoloniza Filmes)

Em seis décadas, o Teatro Oficina fez mais que revolucionar a linguagem teatral no país: a influência estética da companhia de José Celso Martinez Corrêa estende-se do Tropicalismo à renovação das linguagens audiovisuais brasileiras a partir dos anos 1960. A partir do precioso acervo audiovisual da Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona, o filme revisita uma história que envolve personalidades como Caetano Veloso, Glauber Rocha, Lina Bo Bardi, Chico Buarque e José Mojica Marins, aproxima arte cênica, ecologia, arquitetura e sexualidade, e se propõe a misturar arte e vida em busca de uma linguagem verdadeiramente brasileira.

Originalmente previsto para estrear em outubro, o filme teve o lançamento antecipado como parte de um mutirão artístico em homenagem a Zé Celso.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Sessão Cinética

Com curadoria da revista Cinética, a sessão de agosto contará com a presença da cineasta e atriz Helena Ignez para conversar sobre os filmes A mulher de todos, pelo qual recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília em 1969 e que será exibido em cópia 35 mm, e seu curtametragem A miss e o dinossauro, que documenta os bastidores de duas produções da Belair, produtora que fundou junto a Rogério Sganzerla e Julio Bressane.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

A mulher de todos

Rogério Sganzerla | Brasil | 1969, 87’, 35 mm (Cinemateca Brasileira)

Ângela Carne e Osso é uma ninfomaníaca insaciável, casada com Dr. Plirtz, ex-carrasco nazista e dono do truste das histórias em quadrinhos no Brasil. Entediada com sua vida doméstica, passa seu tempo colecionando homens no retiro idílico da Ilha dos Prazeres.

Na edição de 1969 do Festival de Brasília, Helena Ignez recebeu o prêmio de Melhor Atriz, e o filme levou ainda o troféu de Melhor Montagem. O elenco conta com as interpretações de Jô Soares, Stênio Garcia, Paulo Villaça e Antonio Pitanga. Em fevereiro de 1970, a seção “O filme em questão”, do Jornal do Brasil, dedicou ao filme uma série de críticas e também um texto de Sganzerla, em que além de dizer que o filme é mais inteligente que as críticas, declara:

“Jamais transmitirei ideias limpas, discursos eloquentes ou imagens plásticas diante do lixo – apenas revelarei, através do som livre e do

ritmo fúnebre, nossa condição de colonizados mal-comportados. Dentro do lixo, é preciso ser radical. Daí o amor pelo cinema brasileiro tal como ele é: malfeito, pretensioso e sem pretensões e ilusões estéticas. Esmagado e explorado, o colonizado só pode inventar seu próprio sufocamento: o grito do protesto vem da mise en scène abortada. Ninguém pensa de forma limpa e estética de barriga vazia.”

“Continuo realizando um cinema subdesenvolvido por condição e vocação, bárbaro e nosso, anticulturalista, buscando aquilo que o povo brasileiro espera de nós desde o tempo da chanchada: fazer do cinema brasileiro o pior cinema do mundo! Ah, como isso seria maravilhoso e sensato!”

[O texto completo pode ser lido na revista Contracampo: bit.ly/sganzerlacc]

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A miss e o dinossauro

Helena Ignez | Brasil | 2005, 18’, Arquivo digital (Mercúrio Produções)

Ao registrar em super-8 o making-of de Cuidado, madame e Sem essa, aranha, duas produções simultâneas da Belair, Helena Ignez tinha o projeto de fazer este documentário à época do lançamento dos filmes da produtora, o que não foi possível. Em 2005, ela dá forma final ao ensaio, narrando em primeira pessoa sua experiência com o grupo.

Sobre A miss e o dinossauro, o crítico Leonardo

Levis escreveu para a revista Contracampo: “Em toda a construção do filme, existe a tentativa de criar uma ponte entre um momento importante e em parte esquecido de nossa história cinematográfica e os dias atuais, ainda que essa ponte não seja feita de forma óbvia. As imagens dos filmes de Sganzerla e Bressane colocadas na tela, o churrasco filmado em uma super-8 desorientadora, as músicas entrando e saindo da narrativa, as sentenças de um Sganzerla jovem e extrema-

mente lúcido que acompanham a obra servem não apenas ao início dos anos 70, mas principalmente ao início do século 21, momento no qual o terceiro mundo parece que nunca vai explodir e os sapatos continuam a sobrar. A miss e o dinossauro serve, sobretudo, a boa parte do cinema de nossa retomada, que, em busca de uma perfeição, se esqueceu de ser livre ao mesmo tempo.”

O filme recebeu o prêmio de Melhor Direção no Recine – Festival Internacional de Cinema de arquivo, em 2007.

[Íntegra do texto em: bit.ly/amisscc]

Especial terror

O homem de palha

The Wicker Man

Robin Hardy | Reino Unido | 1973, 93’, restauração em DCP 4k (Tamasa)

Quando uma jovem desaparece misteriosamente, o sargento da polícia Howie viaja para uma remota ilha escocesa para investigar. Mas essa comunidade pastoral, liderada pelo estranho Lorde Summerisle, não é o que parece, pois o detetive devotamente religioso logo descobre uma sociedade secreta pagã.

Apontado pela revisa Time Out e pelo British Film Institute em suas listas dos melhores filmes britânicos de todos os tempos, O homem de palha deixou uma série de marcas na cultura pop, referência direta, por exemplo, para o videoclipe em stopmotion da canção “Burn the Witch”, do grupo Radiohead. Em seu 50º aniversário, o filme recebeu uma nova restauração em 4K a partir do negativo original.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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Corrida com o diabo

Race with the Devil

Jack Starett | EUA | 1975, 88’, DCP (Park Circus)

Clássico cult – uma das três parcerias entre Warren Oates e Peter Fonda –, é um misto de filme de terror, filme de estrada e filme de “férias que deram errado”. Oates e Fonda aparecem como Roger e Frank, coproprietários de uma concessionária de motocicletas em San Antonio, Texas, que viajam em um trailer com suas esposas para passar as férias esquiando em Aspen, Colorado. No entanto, quando fazem uma parada no meio do nada para correr com suas motos, eles presenciam um ritual satânico terrível e passam a ser perseguidos por um pequeno exército de membros de um culto sanguinário.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Em 11 de maio deste ano, o cineasta Eduardo Coutinho, nome fundamental no cinema de não ficção no mundo, completaria 90 anos. Por onde passou, Coutinho tensionou os limites da representação e do assim chamado “documentário”. Em homenagem a sua trajetória, o Cinema do IMS exibirá uma seleção de obras do cineasta ao longo do ano. Na programação de agosto, exibimos quatro dos seis episódios do Globo Repórter dirigidos pelo cineasta. Coutinho começou a trabalhar na TV Globo em 1975. Foi lá que, em suas próprias palavras, retomou o diálogo com o Nordeste e concluiu seu primeiro documentário, Seis dias de Ouricuri. Em entrevista de 1977 a José Marinho de Oliveira, ele declara: “O drama é o seguinte: a Globo te dá todas as condições para se preparar rapidamente, preparar uma equipe, ter um bom equipamento, ter uma boa equipe, dinheiro para filmar, para viajar. E tem a limitação de ser televisão: há um tempo preciso, há censura etc. Então eu tenho uma coisa e não tenho a outra. Porque, se eu fosse independente, teria toda a liberdade de fazer o filme, mas não teria de nenhum jeito a capacidade que tem esse equipamento na Globo, teria que pagar equipamento, pagar a viagem. [...] Então a contradição é esta: eu estou na Globo, aprendendo… Não só fazendo os filmes que eu acho que são filmes importantes… Além de tudo, cada coisa que faço, além daquilo que não vai para o ar, seja por censura, seja porque não consegui filmar, me enriquece profundamente em relação à realidade do Nordeste, que é a que mais me interessa.”

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Seis dias de Ouricuri

Eduardo Coutinho | Brasil | 1976, 46’, Arquivo digital (Globo)

Seis dias foi o período que o diretor Eduardo Coutinho e sua equipe passaram na cidade de Ouricuri, no interior de Pernambuco, para documentar a crise socioeconômica local causada pela seca e as frentes de trabalho organizadas para a população, de cerca de 200 mil habitantes. “O primeiro documentário que eu fiz no Globo Repórter foi sobre uma seca no Nordeste, Seis dias de Ouricuri”, conta Coutinho, em uma longa entrevista concedida a José Carlos Avellar e publicada no número 22 da revista Cinemais, em 2000. “O Armando Nogueira mandou cortar para dez minutos. O Globo Repórter ia ter naquele dia três filmezinhos de dez minutos; eu fiquei louco. Daí insistiram para que ele fosse lá ver, porque não dava para cortar para dez minutos. Ele foi ver, sentou 40 minutos na moviola. Ele foi lá duas vezes nos seis anos em que trabalhei naquela casa, que ficava a 200 metros da sede, essa foi

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Coutinho 90

uma das vezes. Sentou, viu – justiça seja feita, o Armando é jornalista – e disse: ‘Tem que ir para o ar sem cortar’. Mandou uma garrafa de uísque para a equipe… Foi realmente incrível… Aliás, eu acho que foi aí que realmente vi que só queria fazer documentário, entende? Janeiro de 1976, Ouricuri, Pernambuco, feito em filme reversível, o fotógrafo foi Edson Santos… Agora o genial –e esse é o assunto central aqui –, Ouricuri não iria para o ar hoje. O Armando disse que ia para o ar, depois passou pela Censura, não cortaram e foi para o ar. Veja a diferença: nessa altura, nesse filme, nesse caso, a televisão era uma aliada; ela também cortava, mas era uma aliada, inclusive pela coisa prática – tinha um horário a ser preenchido, entende? De 1979 em diante, mudou; deixou de ter o inimigo externo… Aí é dentro, entende? Por que Seis dias de Ouricuri não iria para o ar hoje? É claro, ele envelheceu; muitas coisas desse documentário envelheceram; mas ele tem um plano de três minutos e dez. Um plano de três minutos e dez e um cara – que tem uma voz extraordinária, parece um locutor –, um camponês que conta… Tem quatro raízes na frente dele, ele conta as raízes e diz de cada uma delas o que se pode comer e o que ele comeu, mucunã, batata de mandacaru… três minutos e dez; ele fica bordando sobre esse tema: ‘Isso pra porco; isso é ruim, isso não é tão ruim’. É só isso. Não ia para o ar, hoje não ia para o ar porque – sabe? – ele está tecnicamente, como um professor, dizendo as raízes horríveis que ele come na seca. E todas as raízes têm uma história, a seca de 1958, a de 1968: ‘Isso a gente come porque tem precisão de comer, mas nenhum de nós quer comer isso aí”. Três minutos e dez; não é um plano fixo, porque o

cara está mostrando raízes desse tamanho, bem pequenas, delicadas diferenças de quadro com o zoom. Está certo, o plano muda, mas é um plano de três minutos e dez, sem cortes. E depois tem mais um plano longo de uns caras que, enfim: comida não tem, aquela fome desgraçada. Um velho – 60, 70 anos – faz um discurso sobre a fome que é absolutamente extraordinário como dor; ele começa a contar, e as pessoas consolam com humor, só vendo. É um plano praticamente fixo; fixo. O cara lá, dois minutos. Dois minutos e pouco. Um plano só. Você consegue isso? Você acha possível que uma televisão aberta ponha um plano de dois ou de três minutos de um cara falando? Não põe! Não põe nem um cara falando num gabinete, imagine um plano em que, além do tempo, um cara fala de fome. O plano é lancinante. O problema é que dura dois, três minutos. Questão estética mesmo… Mas o que é estética? O que é a fome? É a forma de dizer também, entende? Que é política. Esse é o problema. É isso que me mata, há anos, dizer isso aí.”

O pistoleiro de Serra Talhada

Eduardo Coutinho | Brasil | 1977, 44’, Arquivo digital (Globo)

“Há três anos que eu queria fazer um filme sobre o coronelismo. Mas como é muito difícil, demanda muito dinheiro, muito tempo para fazer esse filme, a televisão não dá essa condição, muito menos o curta-metragista tem essa condição. Então, fiz há três meses uma reportagem sobre pistoleirismo. Mas não em geral. Porque um filme sobre pistoleirismo em Alagoas é um filme impossível. Você realmente pode morrer fazendo o filme. Ou não chega à verdade porque as pessoas não falam. Existe realmente uma máfia. [...] Ou então as pessoas que dão declarações podem morrer atacadas por outra. Então se escolheu fazer um filme sobre Vilmar Gaya, que é um pistoleiro que os jornais diziam que era o novo Lampião, pistoleiro nascido em Serra Talhada. Se dizia então que, como Lampião nasceu lá também, que era o novo Lampião etc. Então esse filme me interessava por vários motivos: primeiro porque,

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aprovado o tema, eu li tudo o que foi publicado em jornal sobre o Vilmar. Recolhi uma série de dados, alguns conflitantes inclusive, número de crimes, quem matou, quem não matou, quem era o prefeito, quem era o juiz, o que a polícia fez ou não fez, quem era o culpado e quem não era. Além disso, completei a minha leitura sobre tudo que fosse referente ao assunto: violência, cangaço, pistoleirismo. Aliás, não há nenhum livro sobre pistoleirismo no Brasil. Não existe nenhum livro que documente. O que me interessava nesse filme, então, e creio que tenha conseguido, não foi ficar só no Vilmar. E, ao mostrar o Vilmar dentro do contexto de violência que permanece até hoje, sem grandes mudanças, dentro de um contexto de grande diferença social e de miséria que permanece até hoje, dentro de um contexto de coronelismo que, redefinido e mudado permanece até hoje, dentro de um contexto de latifúndio que permanece até hoje, dentro de um contexto de código de honra familiar, de sistema de parentela, que permanece até hoje, mas com outra intenção também, que é demonstrar que toda tentativa da imprensa ou da polícia, até às vezes de gente mais séria, em dizer que surge um Lampião ou pode surgir, é uma absoluta tolice, porque é tão lendário como as lendas que existem sobre Lampião. Lampião como um revolucionário, um homem bonzinho. Não é aquilo nada. Aliás, não era isso. O cangaço era uma profissão. O cangaço com Lampião se torna uma profissão.”

“É uma reportagem muito forte e que esclarece dentro dos limites do tempo, embora eu tenha cortado muita coisa importante. E ainda foi censurada uma parte que fala da tortura da polícia, num cara da família Gaya. Acho que não é uma visão

romântica, conta o passado de Serra Talhada, as brigas de famílias, a permanência do latifúndio… Tudo isso só através das entrevistas, só sugerindo. E depois passa para uma escalada de crimes do Vilmar Gaya, mostrando que há outros pistoleiros, que a vingança da família não acaba através do pistoleiro, e que em todo crime a polícia está metida. Seja porque ela é arbitrária, seja porque ela é conivente com uma das facções. [...] O filme mostra toda essa sujeira, tira toda a aura romântica desse tipo de coisa, até alimentada pela imprensa.”

[Depoimento de Eduardo Coutinho extraído de entrevista concedida em 1977 a José Marinho de Oliveira reproduzida no livro Eduardo Coutinho (2013), da editora Cosac Naify.]

Theodorico, o imperador do sertão

Eduardo Coutinho | Brasil | 1978, 49’, Arquivo digital (Globo)

O “major” Theodorico Bezerra, latifundiário, ex-deputado federal e vice-governador, além de presidente do Partido Social Democrático (PSD) do Rio Grande do Norte, é o foco deste episódio do Globo Repórter, que foi ao ar em 22 de agosto de 1978. Aos 75 anos, Theodorico ainda exercia total domínio sobre suas terras e as pessoas que o cercavam. Comandava seus funcionários sob um rígido contrato de comportamento e exploração econômica. Cada um deles tinha escrito na parede de casa as regras impostas pelo patrão, que proibiam, por exemplo, consumir bebidas alcoólicas e fazer compras no mercado concorrente da fazenda.

Eduardo Coutinho viajou para a fazenda de Irapuru, a 100 quilômetros de Natal, para traçar o perfil de Theodorico. Destoando do padrão geral da Globo, o filme tinha muitos planos longos, e a narração era do próprio Theodorico, falando

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diretamente para a câmera e comandando as entrevistas. Eduardo Coutinho tinha ficado incomodado com as intervenções do “major” durante os primeiros depoimentos dos empregados e decidiu dar de vez a ele o posto de entrevistador, um recurso que serviu para expor as relações de poder e explicitar o autoritarismo, mas também para contornar a necessidade formal de um repórter fazer a locução. Em entrevista de 2008 a Felipe Bragança, o cineasta comenta:

“A grande luta estética era não ter um locutor. E eu consegui no Theodorico. No Theodorico, eu só pensava como conseguiria eliminar o locutor; eu precisava criar um jeito de justificar lá dentro essa opção. Aí eu fiz ele fazer o começo e o final, apresentando o filme. E consegui botar no [Sergio] Chapelin, nas apresentações de estúdio, na cabeça, como se diz, todos os dados que tinham que ser passados. Digamos que a grande vitória ali era de não ter o locutor, que era o negócio da informação, e que ficou cada vez mais obrigatório. Ou o repórter que fala ou o locutor com script Então eu só queria fazer coisas que realmente tivesse vontade de fazer e que fossem assim, sem essa vontade de informação.”

[Trecho de entrevista extraído do volume dedicado a Eduardo Coutinho da série de livros Encontros, da editora Azougue.]

Exu, uma tragédia sertaneja

Eduardo Coutinho | Brasil | 1979, 39’, Arquivo digital (Globo)

Programa levado ao ar em 16 de janeiro de 1979, retratou a briga das famílias Sampaio e Alencar, na cidade pernambucana de Exu, que se arrastava desde 1949, com mortes violentas de lado a lado. Exibido como um Globo Repórter Documento, com direção de Eduardo Coutinho, contou com depoimentos do cantor e compositor Luiz Gonzaga, natural de Exu, e de membros das duas famílias. Até uma intervenção federal foi sugerida para dar fim ao conflito.

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Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual

Impulsionados pela emergência de equipamentos portáteis para captação de som e imagens no final da década de 1960, coletivos feministas franceses adotaram a produção de filmes e materiais audiovisuais como ferramenta de mobilização, difusão e aprofundamento de pautas. Fundado em 1982 pelas cineastas e militantes Delphine Seyrig, Carole Roussopoulos e Ioana Wieder, o Centro Audiovisual Simone de Beauvoir (CaSdB) é um arquivo audiovisual que reúne e preserva parte expressiva da produção realizada nesse contexto de ebulição social.

Nessa, que é a maior retrospectiva desse acervo já realizada no Brasil, serão apresentadas obras que buscaram registrar e intervir na realidade não apenas da França, mas de outros países, com uma seleção de filmes históricos e contemporâneos preservados no Centro. São imagens que apresentam conferências feministas, manifestos, greves e movimentos de trabalhadoras, reivindicações por diversidade sexual, retratos de personalidades, como Simone de Beauvoir, Angela Davis e Flo Kennedy, além de abordar temas densos e ainda urgentes, como guerra, democracia, estereótipos televisivos, aborto, abuso, prostituição.

Com curadoria de Barbara Alves Rangel, ex-programadora do Cinema do IMS e atual diretora-geral do Centro, a mostra tem início em julho e agosto, com uma grande seleção de filmes, e segue até janeiro de 2024, exibindo novos programas mensais. Em texto publicado no blog do Cinema do IMS, a curadora faz um panorama inicial da trajetória do Centro e de suas fundadoras: bit.ly/br-casdb

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Trate de parir!

Accouche!

Ioana Wieder | França | 1977, 49’, Arquivo digital (CaSdB)

As mulheres gritam enquanto Frédéric Leboyer advoga pelo parto sem dor. A partir do testemunho de diversas mulheres, o filme tece uma crítica e uma análise das práticas médicohospitalares e a ideia de “instinto maternal” é posta em xeque.

Restauração feita no Laboratório de Restauro Digital do Serviço Audiovisual da Biblioteca Nacional da França.

Young Lord

Young Lord

Carole Roussopoulos | França | c. 1970-1975, 15’, Arquivo digital (CaSdB)

Os “young lords” são porto-riquenhos que moram nos Estados Unidos, mas não possuem os diplomas necessários para encontrar trabalho. O filme narra de forma breve a história do movimento, criado em 1969, inspirado nas lutas dos negros americanos. Aborda também um espaço de acolhimento dentro do movimento para os toxicômanos: as difíceis condições de vida das minorias, os problemas com as drogas e os auxílios criados para tentar fazer com que se livrem da dependência. Os entrevistados denunciam um plano do governo que teria como objetivo aniquilar os negros e os porto-riquenhos através da droga: o programa de substituição por metadona, substância legal e disponibilizada pelo governo, que mantém os toxicômanos numa espécie de dependência mental e pode conduzi-los à morte. Falam, ainda, de todo o sistema de propaganda e de condicionamento mental da sociedade.

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Genet fala de Angela Davis

Genet parle d’Angela Davis

Carole Roussopoulos | França |1970, 7’, Arquivo digital (CaSdB)

No dia 16 de outubro de 1970, no Hotel Cecil, em Paris, o grupo Video Out (Carole e Paul Roussopoulos) filma a declaração do escritor

Jean Genet gravada após o anúncio da prisão de Angela Davis, ativista do Partido dos Panteras Negras e professora de filosofia nos Estados Unidos.

Jean Genet denuncia com veemência a política racista dos Estados Unidos e manifesta seu apoio a Angela Davis e aos Panteras Negras. A pedido do diretor do ORTF (Office de Radiodiffusion

Télévision Française), ele retoma duas vezes a leitura do discurso, empenhando-se em transmitir na tela mais o caráter político de seu texto do que sua personalidade. A transmissão acabou sendo censurada.

A diretora imprime à cena um olhar irônico. Aponta a diferença de atitude entre Jean Genet,

consciente de seu engajamento, e a equipe de TV, ansiosa para encerrar a gravação. O ritmo e a fragmentação das tomadas de TV se opõem à fluidez do olhar de Carole Roussopoulos e à proximidade que ela tem de seu personagem. De um lado, uma câmera de televisão que busca fornecer uma visão “objetiva”, e de outro, uma câmera no ombro, em total empatia com seu personagem e seu discurso político.

Os veteranos do Vietnã

Les Vétérans du Vietnam

Carole Roussopoulos | França |1972, 12’, Arquivo digital (CaSdB)

“Veteranos de guerra americanos e indochineses contra o inimigo comum: o imperialismo dos EUA”, diz o letreiro que abre o filme.

Em uma coletiva de imprensa em junho de 1972, um homem afirma que os veteranos americanos expressam sua solidariedade aos veteranos do Vietnã e lutam agora contra o mesmo inimigo. Em off, uma mulher comenta as imagens de veteranos do Camboja, do Laos e do Vietnã.

Em uma coletiva de imprensa em Paris, um detrator de Nixon demonstra que o governo é a favor da continuação da guerra, do genocídio e da devastação das terras. Um vietnamita intervém em francês.

Em outra conferência, um veterano de cabelo comprido denuncia a política de Nixon, bem como o controle da mídia, que só reproduz a política oficial, e as bombas antipessoais lançadas pelos Estados Unidos. Outros veteranos tomam a palavra e traçam um paralelo entre o racismo contra os vietnamitas e o racismo contra os negros nos Estados Unidos. Também mencionam uma espécie de motim que ocorreu no exército para que as bombas fossem lançadas no mar, e não nas aldeias. Há, ainda, a leitura de uma declaração contra a guerra.

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Greve na Jeune Afrique

Grève à Jeune Afrique

Carole Roussopoulos e Paul Roussopoulos | França | 1972, 21’, Arquivo digital (CaSdB)

Um filme em torno das denúncias à revista Jeune Afrique durante uma greve de seus funcionários. Entre as críticas reportadas, está a ideia de que a revista não se interessa pelos seus trabalhadores e que não é suficientemente política a ponto de que os próprios funcionários desejem lê-la.

O letreiro do documentário diz: “Dois meses depois de uma greve duríssima, seguida de uma ocupação das instalações, dia e noite, os funcionários da Jeune Afrique são vítimas de um decreto do tribunal a partir de um requerimento de urgência que autoriza seu diretor-executivo, Bechir Ben Yahmed, a expulsá-los com a ajuda da polícia. Em caso de resistência, eles corriam o risco de se sujeitar à lei pela manutenção da ordem pública. Para evitar que os camaradas africanos fossem expulsos do território francês, os grevistas decidem ir embora. Mas, antes de dei-

xar as instalações, organizam uma manifestação de solidariedade com centenas de jornalistas da imprensa tradicional e da imprensa revolucionária. Aqui estão essas imagens. A manifestação terminou com a ocupação temporária das instalações provisórias em que Ben Yahmed tinha se refugiado com os fura-greves. O filme narra essa greve exemplar que foi traída por um sindicato.”

A marcha do retorno das mulheres no Chipre

La Marche du retour des femmes à Chypre

Carole Roussopoulos | França | 1975, 36’, Arquivo digital (CaSdB)

Em maio de 1975, com o apoio de delegações de mulheres do mundo inteiro, as cipriotas se esforçam para conseguir, por meio de uma marcha pacífica, a aplicação da resolução da ONU que obriga a Turquia a permitir que os cipriotas gregos retornem a suas casas.

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Les Racistes ne sont pas nos potes, les violeurs non plus Anne Faisandier, Ioana Wieder e Claire Atherton | França | 1986, 23’, Arquivo digital (CaSdB)

Após uma série de estupros cometidos em plena luz do dia em 1985, organiza-se uma manifestação em setembro. Os panfletos acusam “a corja criminosa dos imigrantes”. Imigrantes e muçulmanos são acusados. Oito feministas – Claire Atherton (montagem), Claire Auzias, Marie-Jo Dhavernas, Catherine Deudon, Anne Faisandier (imagem), Liliane Kandel, Nadja Ringart e Ioana Wieder – querem dar seu depoimento e lutar contra o sexismo, o estupro e o racismo, seja qual for sua origem e quaisquer que sejam seus perpetradores. Elas decidem fazer um documentário. Encontram Souad Benani e Malika Bennabi, ativistas do grupo Les Nanas Beurs, e depois Fatima e Rosa, ativistas do SOS Racisme. Encontram ainda três ativistas antirracistas, Harlem Désir, Adil Jazouli e Sami Naïr, para discutir o assunto.

A conferência sobre a mulher –Nairóbi 85

La Conférence des femmes – Nairobi 85 Françoise Dasques | França | 1985, 60’, Arquivo digital (CaSdB)

Depois do México, em 1975, e de Copenhague, em 1980, as Nações Unidas escolhem o continente africano para sediar a terceira Conferência Mundial sobre a Mulher. Em paralelo à Conferência Oficial dos Estados, ocorre o Fórum das Organizações Não Governamentais (ONGs), do qual participam 14.000 mulheres. Ao longo de dez dias, no campus da universidade, elas se reúnem para debater questões de política geral e feminista, como paz, desenvolvimento, apartheid, islã, lesbianismo, violências e mutilações sexuais e o conflito entre Israel e Palestina.

Où est-ce qu’on se mai?

Où est-ce qu’on se mai?

Iona Wieder, Delphine Seyrig | França | 1976, 55’, DCP (CaSdB)

Este documentário é dedicado às manifestações de Primeiro de Maio de 1976. Sequências que mostram o cortejo feminista se alternam às entrevistas com mulheres, que falam principalmente dos embates com a CGT (Confederação Geral do Trabalho). Além disso, Delphine Seyrig lê um artigo do jornal L’Humanité e uma carta da CGT.

O título do filme faz um trocadilho com duas palavras que, em francês, têm a mesma sonoridade: “mai”, que designa o mês de maio, e “met”, do verbo “mettre”, que pode ser traduzido como colocar, pôr, inserir. Uma tradução possível seria “Qual é o nosso lugar?” ou “Onde é que a gente se enfia?”.

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Os racistas não são nossos camaradas, nem os estupradores

Maso e Miso vão de barco

Maso et Miso vont en bateau

Carole Roussopoulos, Ioana Wieder, Delphine Seyrig e Nadja Ringart | França | 1976, 55’, restauração em DCP (CaSdB)

No dia 30 de dezembro de 1975, após assistirem, no canal Antenne 2, ao programa misógino de Bernard Pivot intitulado Mais um dia e o ano da mulher... Ufa! Acabou, que tinha como convidada Françoise Giroud, quatro feministas subvertem o programa por meio de intervenções humorísticas e irreverentes, chegando à conclusão de que “a Secretaria de Estado da Condição da Mulher é uma mistificação”. A secretaria em questão foi coordenada por Giraud entre 1974 e 76, durante o governo de Jacques Chirac.

Maso e Miso vão de barco foi restaurado pelo ZKM Karlsruhe, em parceria com o Centre Pompidou.

Flo Kennedy, retrato de uma feminista americana

Flo Kennedy, portrait d’une féministe américaine

Carole Roussopoulos e Ioana Wieder | França | 1982, 59’, Arquivo digital (CaSdB)

Margo Jefferson, professora de jornalismo em Nova York, e Ti-Grace Atkinson, escritora e teórica feminista, conversam com Flo Kennedy, advogada americana negra, sobre racismo, direito das minorias e sobre a ERA, Equal Rights Amendment (emenda constitucional para garantir os direitos das mulheres).

A morte não quis saber de mim: retrato de Lotte Eisner

La Mort n’a pas voulu de moi: portrait de Lotte Eisner

Carole Roussopoulos, Carine Varène, Michel Celemski | França | 1983, 26’, Arquivo digital (CaSdB)

Crítica de cinema na Alemanha do entreguerras, Lotte Eisner se refugia na França após a chegada de Hitler ao poder e funda a Cinemateca Francesa junto com Henri Langlois e Georges Franju. O filme revela o regozijo profissional de uma mulher com olhar sensível e político. Em uma entrevista filmada alguns meses antes de sua morte, Lotte Eisner faz referência a Louise Brooks, Fritz Lang, Murnau, bem como ao jovem cinema alemão, de Herzog e Fassbinder.

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Delphine e Carole, insubmusas

Delphine et Carole, insoumuses

Callisto McNulty | França, Suíça | 2018, 70’, arquivo digital (Les Films de La Butte)

Como uma viagem ao âmago do “feminismo encantado” dos anos 1970, o filme narra o encontro entre a atriz Delphine Seyrig e a cineasta Carole Roussopoulos. Por trás de suas batalhas radicais, conduzidas com a câmera na mão, surge um tom impregnado de humor, insolência e intransigência.

Um documentário de Callisto McNulty, neta de Roussopoulos.

Carole Roussopoulos, uma mulher por trás das câmeras

Carole Roussopoulos, une femme à la caméra Emmanuelle de Riedmatten | Suíça | 2011, 76’, DCP (CaSdB)

O filme aborda a trajetória de vida de Carole de Kalbermatten, natural do cantão de Valais, na Suíça, que aos 21 anos chega a Paris, onde conhece Paul Roussopoulos.

O tema central é seu trabalho como pioneira na utilização de câmeras portáteis, e, como temas periféricos, surgem o casal, o amor como fonte de energia permanente, uma incessante cumplicidade criativa, a política, a descoberta dos primeiros equipamentos de vídeo, Jean Genet, a Palestina, a militância, a causa das mulheres e dos mais desamparados.

Alternam-se material de arquivo, depoimentos de pessoas próximas, trechos de seus filmes, testemunhos das lutas sociais e da emancipação das minorias.

Transformações… em Mondoubleau

Ça bouge… à Mondoubleau

Carole Roussopoulos e Catherine Valabrègue | França | 1982, 17’, Arquivo digital (CaSdB)

A partir do trabalho de reflexão conduzido pelos alunos de ensino médio de uma escola em Mondoubleau sobre os papéis femininos e masculinos e sobre igualdade de gênero, acontece um debate entre os alunos e o professor. Eles abordam os estereótipos nos manuais escolares de aprendizagem de leitura, a divisão de tarefas no ambiente familiar, a escolha profissional (pouco tempo antes, havia duas listas de profissões: rosa para as meninas, azul para os meninos), a importância da educação sexual e a diferença de atitude dos pais em relação a meninos e meninas. A música “Résiste”, de France Gall, dá o ritmo da montagem.

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Os homens invisíveis

Les Hommes invisibles

Carole Roussopoulos | França | 1993, 34’, Arquivo digital (CaSdB)

Sem-tetos, pessoas em situação de rua...

Inúmeras pessoas vivem sem residência fixa, à margem dos dispositivos de acolhimento e de cuidados. O Centre d’Hébergement et d’Accueil pour les Sans Abri [Centro de Abrigo e Acolhimento para as Pessoas em Situação de Rua] do hospital de Nanterre é o primeiro centro, no serviço público, em meio hospitalar, a propor um serviço de acolhimento e cuidados para os mais desamparados.

Profissão: ostreicultora

Profession: conchylicultrice

Carole Roussopoulos e Claude Vauclaire | França | 1984, 34’, Arquivo digital (CaSdB)

Através do retrato de seis mulheres que cultivam ostras na bacia de Marennes-Oléron (Charente-Maritime), o filme aborda suas condições de vida e de trabalho, as dificuldades da profissão, a divisão de tarefas entre homens e mulheres e o status profissional das ostreicultoras. Um grupo de mulheres da bacia ostreícola se reuniu para criar uma associação profissional.

As trabalhadoras do mar

Les Travailleuses de la mer

Carole Roussopoulos | França | 1985, 26’, Arquivo digital (CaSdB)

O documentário apresenta as condições de vida e de trabalho de duas categorias de mulheres que são funcionárias do porto de pesca de Lorient, na Bretanha. Quase 800 mulheres trabalham no porto, sob condições que praticamente não mudaram ao longo de 50 anos. Trabalham no frio, em meio à umidade, ao gelo, de pé e carregando cargas pesadas. À noite, são as que fazem a triagem dos peixes, de dia, as que os preparam para serem comercializados.

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Seja bela e cale a boca!

Sois belle et tais-toi!

Delphine Seyrig | França | 1976, 115’, restauração em arquivo digital (CaSdB)

Delphine Seyrig entrevista 23 atrizes de várias nacionalidades sobre suas experiências profissionais enquanto mulheres, seus papéis dramáticos e relacionamentos com diretores e equipes técnicas. Um relatório coletivo bastante negativo de 1976 sobre uma profissão que permitia apenas personagens estereotipadas e alienadas. Entre as entrevistadas, estão Jane

Fonda, Shirley MacLaine, Marie Dubois, Maria

Schneider, Juliet Berto, Patti D’Arbanville, Anne

Wiazemsky e Ellen Burstyn.

Restauração feita no Laboratório de Restauro Digital do Serviço Audiovisual da Biblioteca Nacional da França.

A FHAR – Frente Homossexual de Ação Revolucionária

Le FHAR – Front homosexuel d’action révolutionnaire

Carole Roussopoulos | França | 1971, 26’, Arquivo digital (CaSdB)

Documento sobre a primeira manifestação de rua gay e lésbica da França, em Paris. A manifestação da FHAR (Frente Homossexual de Ação Revolucionária) ocorre no âmbito da tradicional manifestação sindical de Primeiro de Maio e denuncia o racismo sexual.

Pela primeira vez se inserem nessa manifestação homens e mulheres que desfilam com alegria e orgulho, sem serviço de segurança, segurando simples bandeiras de tecido branco com a sigla FHAR. As vozes clamam: “Os gays estão na rua”.

SCUM Manifesto

S.C.U.M. Manifesto

Carole Roussopoulos e Delphine Seyrig | França | 1976, 27’, restauração em DCP (CaSdB)

Uma leitura encenada de trechos do SCUM Manifesto, de Valerie Solanas, editado em 1967 e rapidamente esgotado em francês. Delphine Seyrig traduz algumas passagens para Carole Roussopoulos, que as digita na máquina de escrever. Ao fundo, uma televisão transmite imagens ao vivo do telejornal, no qual ouvimos, em certos momentos, notícias apocalípticas. Assim como o livro, o filme é um panfleto contra a sociedade dominada pela imagem “masculina” e pela ação “viril”.

Restauração feita no Laboratório de Restauro Digital do Serviço Audiovisual da Biblioteca Nacional da França.

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É só não trepar!

Y’à qu’à pas baiser!

Carole Roussopoulos | França | 1971, 17’, DCP (CaSdB)

Produzido no início da década de 1970, quando o aborto ainda era ilegal na França, este vídeo militante documenta o debate sobre a questão, desde a propaganda antiaborto nos meios de comunicação até a primeira grande manifestação a favor do aborto e dos direitos reprodutivos em Paris, em 20 de novembro de 1971. As imagens mostram feministas realizando um aborto a partir do método Karman.

É só não trepar!, na altura um instrumento de luta e de transmissão de uma prática, é hoje um documento histórico essencial.

Com a

as prostitutas de Lyon

Les Prostituées de Lyon parlent Carole Roussopoulos | França | 1975, 46’, Arquivo digital (CaSdB)

Em junho de 1975, as prostitutas de Lyon ocupam a igreja de Saint-Nizier. Elas falam de sua história pessoal, de suas relações com a sociedade, das condições de trabalho e de suas reivindicações.

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palavra,

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral e Juliana Travassos

Os filmes de agosto

O programa do mês tem o apoio do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, da Rede Globo, da revista Cinética, das distribuidoras

Descoloniza Filmes, Elo Studios, Filmicca, Park Circus, Tamasa, Universal Pictures, Vitrine Filmes e do projeto Sessão Vitrine.

Agradecemos a Barbara Rangel, Peggy Préau, Nicole Fernández Ferrer, Helena

Ignez, Ludmila Patricio, Silvia Galante, Júlia Noá, Hermano Callou, Juliano Gomes.

Agradecemos ainda a Marcela Antunes e Taiane Brito, responsáveis pela arte de cartaz e divulgação da mostra Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir, e a Debora Fleck pela tradução das sinopses do francês.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir apoio

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito.

Confira as classificações indicativas no site do IMS.

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Young Lord (Young Lord), de Carole

Roussopoulos (França | c. 1970-1975, 15’, Arquivo digital)

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h.

Fechado às segundas.

Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

Entrada gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo

tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br

ims.com.br

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@imoreirasalles

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O homem de palha (The Wicker Man), de Robin Hardy (Reino Unido | 1973, 93’, restauração em DCP 4k)

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