5 minute read

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

pivetes

pixotes

Advertisement

e capitães-de-areia [grifos nossos].

É forçoso e oportuno sublinhar que essa esperança vital interpretada no marco do esperançar, conforme expusemos, é, na compreensão de Abdias, uma obra possível e necessária. E essa auspiciosa construção de “um mundo diferente” segue, inapelavelmente, nutrida “ao axé de Exu”.

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

“Drummond, que Exu te salve, poeta!”

Aos 6 de dezembro do ano de 1981, Abdias Nascimento escreve artigo publicado no jornal Gazeta de Notícias em resposta às afirmações preconceituosas do poeta Drummond de Andrade referidas ao orixá Exu274. A resposta dada ao poeta em defesa do orixá mensageiro possui, para a nossa tese, singular valor, porque possibilita, dentre outros fatores, dimensionar o lugar proeminente do orixá mensageiro para Abdias, bem como apresentar como o negro senador da República Federal se utiliza de seu lugar de destaque na esfera pública para dialogar com a sociedade, vincadamente eurocentrada, desde uma perspectiva contra-hegemônica. Dessa feita, Abdias manifesta cumprir a tarefa que ouvira da boca de Mãe Senhora, qual seja: “Cuidar dos santos lá fora”.

Agora vamos apresentar a charge do cartunista Ziraldo, origem de toda polêmica em torno de Exu. Depois, vamos expor o apoio do poeta Drummond de Andrade ao trabalho de Ziraldo.

O cartunista Ziraldo propõe, em charge, que se mude o nome da cidade do interior de Pernambuco.

274 Tal artigo foi transcrito no segundo número da revista Thoth, maio/agosto de 1997, p. 21-24.

Figura 21 – Charge de Ziraldo. Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/1981.

No dia 21 de novembro de 1981, no Jornal do Brasil (JB), Drummond escreve um artigo endossando o pensamento de Ziraldo, intitulado “Exu não é nome que se cheire”. Escreve o poeta: “Ziraldo tem razão ao propor a mudança de nome do município pernambucano de Exu. Para justificar a proposta, bastaria lembrar que esta denominação foge ao espírito tradicional da toponímia brasileira”. E diz ainda Drummond: “Parece indiscutível, psicologicamente, o efeito maligno que tal invocação produz na mente de pessoas submetidas à atmosfera de terror infernal... Ziraldo acertou o dedo na ferida, ao pedir um nome novo para Exu. Um nome cristão...”.

Nei Lopes275 escreve no mesmo JB, em texto intitulado Exu Nagô, resposta a Drummond em defesa de Exu na qual afirma:

Por isto, sirvo-me desta para, em defesa de Exu, prestar os seguintes esclarecimentos: A teogonia nagô, da qual se originam quase todos os cultos afrobrasileiros, não concebe a existência de um demônio, de um capeta, pelo menos nos termos concebidos pelo Cristianismo...

E o escritor/pesquisador continua sua escrita dizendo que a associação de Exu e Diabo é resultante de um “tremendo equívoco, fruto de toda uma série de preconceitos e desconhecimentos, como, aliás, sempre ocorre com as manifestações da cultura negra”.

Abdias Nascimento, sai em defesa do orixá-mensageiro contra os ataques de Ziraldo e de Drummond. É forçoso sublinhar que a religião no sistema africano e afrodiaspórico, conforme a vida de Abdias desvela, não é realidade separada da vida. E é nessa perspectiva que, curiosamente, Abdias comece o artigo discorrendo sobre a situação de degradação do negro (individual e coletivamente) no Brasil construída pelo poder dominante de brancura para o qual o ser negro está associado ao mal e à criminalidade que o faz objeto privilegiado de toda sorte de humilhação, desprezo e agressão. Escreve

275 Jornal do Brasil, 24/11/1981. Edição 00230; seção Cartas.

Abdias Nascimento (1981, p. 21): “Não ter um cartão de identidade já constitui para o cidadão negro motivo de agressão policial; também a ausência de uma carteira de trabalho assinada é outra pedra no caminho do descendente de africano” (NASCIMENTO, 1981, p. 21).

Dentre outras ocorrências de racismo sofridas pela população afro-brasileira, Abdias narra o comentário que fez de uma coluna publicada no Jornal do Comércio, de Recife (15/11/81), em que os bispos Dom Pedro Casaldáliga e Dom José Maria Pires são fortemente atacados em razão de oficiarem a Missa dos Quilombos. Para Abdias trata-se de “mera agressão racista” provinda de um jornalista de extrema-direta e a serviço do status quo.

Mas, segundo Abdias, “o que surpreende e entristece são as afirmações de um homem de cultura e poeta da estatura de um Carlos Drummond de Andrade”, que comentando a proposta de Ziraldo de trocar o nome da cidade de Exu (Recife) para outro a fim de resolver a situação de violência local, revela sua faceta preconceituosa e etnocêntrica no referido assunto. Para Abdias, Drummond se revela, nessa matéria, tão truculento quanto o jornalista do Recife. E o negro senador faz a comparação:

Por exemplo, o cronista do Jornal do Comércio denomina a cerimônia católica aos quilombos de ‘Missa do Diabo’; para Drummond, a divindade iorubana da contradição dialética, Exu, evoca uma ‘Igreja do Diabo’. Enquanto o policial de Pernambuco denuncia a ‘missa negra do terror’, Drummond atribui ao nome, para ele diabólico, de Exu uma ‘atmosfera de terror infernal’. E da mesma maneira que o direitista identifica a missa negra com o derramamento de sangue, porque ‘Belzebu gosta de receber oferendas assim’, o poeta liberal atribui a Exu (através de seu ‘efeito psicológico maligno’) a culpa pelo derramamento de sangue na cidade que ostenta o seu nome. Pior ainda: ele o faz com a seguinte frase realmente espantosa: ‘O diabo manda matar, e os possessos obedecem ao mandamento’ .

E questiona o senador em defesa dos africanos, seus descendentes, do patrimônio cultural e religioso da população negra e, em especial, de Exu, objeto do insulto de Drummond. Indaga Abdias:

Poeta ilustre: já não basta aos africanos e seus descendentes em nossa terra as calúnias da suposta ciência darwinista que classifica os transes religiosos da espiritualidade africana como ‘histeria coletiva’, ‘manifestações patológicas’, outras formas de ‘doença mental’ e ‘estado sofrológico’? Já não é bastante a repressão policial que, através de nossa história, ataca violenta e permanentemente os nossos templos (terreiros), confisca objetos sagrados e os encaminha para museu de psiquiatria ou de criminologia, e atira as mães e pais-de-santo na cadeia ou na penitenciária?

E acusando epistemicídios, continua Abdias:

This article is from: