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10 – Perfídia e embuste: Medeia insinuante

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PERFÍDIA E EMBUSTE: MEDEIA INSINUANTE

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Diante do rei, à mesa do jantar, Medeia incutia novos temores sobre o forasteiro perverso que assustava e matava nos arredores de Atenas. – Sim, meu senhor, ele é um homem mau, cheio de vícios e maldades – concluía a feiticeira. – Mas é tão perigoso assim? Soube que os fitálidas gostaram dele, até preparam-lhe um banquete e danças! – Ele é, na verdade, um sedutor. Um homem de traços indômitos, corpo avantajado e palavras gostosas de se ouvir. Mais conquistou as mulheres do que aos homens, sabia? – falava, cheia de enganos, aquela que tirou a vida dos próprios filhos e que arruinara os propósitos de Jasão. – Pois bem, que faremos, então?

A feiticeira da Cólquida ergueu-se, andou de um lado para o outro, sedutora. Fitava sua cúmplice, Selênia, que estava encostada à porta principal, aguardando o término do jantar dos senhores.

Medeia piscou o olho esquerdo, esboçou rápido sorriso e disse, com voz melíflua: – Vamos convidar o belo forasteiro para um banquete festivo em sua honra! – Um banquete em honra a um homem perigoso? – espantou-se o rei. – Por que não? Somente assim o teremos em nossas mãos, querido Egeu!

Egeu não sabia que tramava contra a vida do próprio filho. – Como faremos para prendê-lo? – questionou. – Prender? Não, querido, vamos envenená-lo durante o banquete e zás! Cairá morto aos nossos pés! – respondeu, rindo, a assassina.

Durante toda a vida, Egeu não soube dos detalhes trágicos e fatais que envolveram as duas crianças de Medeia naqueles tumultuados dias de Corinto.

Ao ouvi-la, subitamente um forte arrepio percorreu-lhe a espinha e suas mãos crisparam-se, irritadas. Um gosto ruim subiu-lhe à boca e ele estremeceu. – O que houve? Sentiu-se mal? – indagou Medeia. – Arrepiei-me e senti um forte enjoo quando falou que o perigoso estrangeiro cairá morto – confessou o homem.

As duas mulheres entreolharam-se, perplexas. Ambas sabiam quem era o pretenso e perigoso estrangeiro. – Vamos, vamos nos recolher. Amanhã será um dia cheio e devemos fazer os devidos convites e preparativos! – desconversou a mulher.

Egeu levantou-se, desgostoso, alguma coisa tocava-lhe o íntimo. Queria saber mais sobre o forasteiro, não queria lhe fazer mal. Subitamente, uma forte compaixão assaltou-lhe o coração, enternecendo-o.

Medeia olhava aflita o rei. Nada podia, agora, impedir-lhe de executar o plano certo: liquidar Teseu, tirando-lhe a vida em ocasião propícia, diante do próprio pai.

Ao amanhecer, após uma noite de sonhos pesados e sobressaltos repentinos, Egeu mandou chamar o fiel Ceres. – O que houve, senhor, por que mandou me chamar?

De pé, com a cabeça inclinada, o rei se sentia mal, desconcertado. A noite maldormida provocou-lhe dores no pescoço e os intestinos apertavam-lhe, fazendo movimentos incômodos e irregulares.

Ceres, diante do amigo, não sabia o que fazer. – O que houve, senhor? Fale comigo!

Egeu encarava-o perdido, sem expressão. – Não sei, não sei – principiou a falar –, não sei o que se passa comigo desde que soube das façanhas desse

estrangeiro que anda por aqui; esse estrangeiro famoso em atrocidades… O que sabe dele, Ceres?

O outro desanuviou o rosto, tranquilizando-se. – Ontem estive com ele numa taberna. Estava bem quieto. Bebeu pouco e não deixou que as mulheres se aproximassem. Parecia preocupado e observava atentamente a todos. – Ele lhe parece perigoso? Uma ruína para Atenas, Ceres? – perguntou Egeu, preocupado. – Não, não me parece perigoso; está sozinho e não se meteu em confusões, apesar de muitos desconfiarem dele e de muitos homens afrontarem-no com olhares e gestos. Manteve-se quieto, sempre alheio às provocações, entende, senhor? – Então foi provocado mas se conteve… manteve-se controlado. Ele parece ser um homem disciplinado? – Muito controlado, um homem seguro de si, senhor, que não se deixa abater por bagatelas mesquinhas ou tolas! – respondeu Ceres, entusiasmado.

Egeu ouviu em silêncio e pôs-se a fitar longamente Ceres. – Por que me olha dessa maneira? O que disse? – Você gostou do forasteiro, Ceres, viu nele o quê?

Ceres desconcertou-se e titubeou ao responder. – Se-senhor, ele ficou quieto, é um homem que se revelou cheio de virtudes, próprio para estar a serviço de um rei e do seu reino. Um homem pacífico

e senhor de si como não encontramos por aqui, em nosso reino.

Egeu andou pelo quarto e foi à janela, mais nervoso. Demorou-se olhando o campo defronte e voltou-se, resoluto. Disse: – Em poucas horas ele estará morto, num banquete oferecido por mim. Temo que seja um assassino, um usurpador do trono. Vamos matá-lo diante de todos! – falou e sentou-se à borda do leito.

Ceres nada respondeu. Tinha a boca entreaberta, o olhar turvo e seu coração estava acelerado. – O que devo fazer, meu senhor? – Quero que se dirija ao homem, convide-o a vir à presença do rei, numa festa, e que não rejeite o convite, pois queremos lhe homenagear as virtudes e a intrepidez.

Ceres ouviu, aquiesceu e retirou-se, sem fazer qualquer comentário.

Egeu tombou na cama, desalentado, e murmurou: – Por Zeus, o que estou fazendo? Meu coração aperta demais. Que homem é ele que me molesta tanto assim o coração, meus sentimentos?

E fechou os olhos, queria descansar um pouco. Agora que o sono lhe pesava demais, insistindo no recolhimento com o sol levantado e toda a cidade em burburinho agitado de manhã.

Ceres encontrou Teseu no porto, conversando com os marinheiros. Na verdade, estavam combinando uma luta.

O estafeta de Egeu aproximou-se. – Quero falar-lhe, forasteiro!

Teseu prontificou-se, rápido. – Em que posso lhe ser útil? – O rei deseja lhe oferecer um banquete pelos seus feitos, além de querer saber de onde você veio e o que veio fazer aqui em Atenas.

O filho de Etra sorriu espontaneamente. – Sou obrigado a aceitar? Posso recusar? – Não pode recusar: ou aceita, ou se retira do reino, agora mesmo! – informou Ceres, secamente. – Então aceito, aceito o convite!

Ceres estava imóvel. Teseu aproximou-se. – Devo acompanhá-lo agora ou posso me banhar e me perfumar para ocasião tão comemorativa? – Em duas horas esteja às portas do palácio e será convidado a entrar no salão principal.

Ceres começou a se retirar e, quando estava a alguns passos do outro, ouviu: – Diga ao rei Egeu que me sinto lisonjeado pelo convite e que também sou nobre e sei como me comportar à mesa. Tenho avô e mãe nobres, de reino não tão distante – falou Teseu, com voz forte.

Ceres diminuiu o passo em alguns instantes, mas prosseguiu seu rumo sem olhar para trás, porque, de

novo, sentiu aquele mal-estar no coração. O que era? O que havia naquele estrangeiro que lhe provocava sensações estranhas?

Teseu fez um gesto furioso. Desconfiava que lhe armavam uma cilada. Como evitar? O que fazer?

Queria ver o pai. Queria apresentar-se como o filho desejado, mas agora tinha receio. Sua fama atrapalhou-lhe a recepção, temiam-no como a um malfeitor e logo o eliminariam. Como ser morto pelo próprio pai? Queria correr, gritar a plenos pulmões que era Teseu, filho de Etra e neto de Piteu, rei de Trezena.

Egeu recordaria que deixara um filho em outra terra? Recordaria-se do filho? Ter-lhe-ia carinho? Ainda lembraria os lábios, a boca, os olhos do filho quando criança nos braços da mãe?

Sozinho, observado pelos circunstantes e, pela primeira vez, sentindo medo de continuar, Teseu baixou a cabeça e dirigiu-se à casa onde encontrou comida e banho. Queria ficar sozinho e tomar a decisão acertada: ficar e ver o pai ou retornar a Trezena? O que fazer? Como continuar?

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