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14 – Minos indignado

14

MINOS INDIGNADO

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Atenas estava sitiada há três semanas quando, numa tarde chuvosa, Egeu encaminhou-se ao aposento do filho para falar-lhe.

O rei batia todos os dias à porta, o criado abria-lhe a porta assustado e ele sempre dizia: – Não vou lhe fazer mal, responda: meu filho não quer me atender?

O criado temeroso meneava a cabeça. Egeu se retirava com vergonha, humilhado e sofrido.

Desta vez apenas tocou a porta e esta se abriu de par em par. –O que você quer comigo, homem? – desafiou o filho. –Não fale assim, sou seu pai! – Como? O quê? Tenho vergonha e vou embora daqui!

As mãos do rei tocaram-lhe as faces, Egeu num átimo abraçava apertadamente o filho.

– Você é meu filho, eu o amo! – gritava Egeu.

Teseu comoveu-se e inclinou a cabeça, choroso. Não tinha ódio, mas repulsa. – Por quê?! Por quê? O que houve, pai? – falava e chorava, Teseu, de pé. – Eu não pedi que o matassem, pedi que o sequestrassem e o escondessem a fim de não se sair mais uma vez vitorioso! – confessava, também chorando, o rei de Atenas. – Então você não queria que ele vencesse, meu pai? Mas ele era um vencedor intrépido! – Sei, agora sei; antes do sequestro já sabia, por causa de você, eu não soube o que fazer direito, querido, me perdoe, me perdoe, filho! – pedia aos prantos o homem, senhor de Atenas.

Teseu fez-se sério, encaminhou-se ao pai. – Você me ama? – Sim, amo! – Pai, deixe que eu parta, quero ir embora!

Egeu arregalou os olhos, as mãos trêmulas e balbuciou: –Não, meu filho, não isso, eu quero o perdão, me peça tudo, meu reino, mas não vá embora!

Teseu saiu de diante do pai e trancou-se no quarto. A dor ainda lhe massacrava a alma.

Alguns dias depois, quando as forças de Atenas fraquejavam e o povo estava angustiado e esfomeado, Ceres compareceu perante o rei e seus ministros. – O que deseja, senhor? – apresentou-se.

O rei e as cortes política, militar e diplomática estavam reunidos no salão nobre, aquele mesmo da apresentação de Teseu. Os olhos de Egeu estavam inchados, o filho não só não o recebia como desdenhava dele e passava dias e noites em bebedeiras colossais, sempre embriagado e sem o menor sinal de respeito ao pai. – Ele não é meu pai – dizia –, meu pai verdadeiro é Posídon – afirmava constantemente, e, apesar de ser verdade, ninguém lhe dava crédito.

Mas Egeu definhava e mostrava nas faces os traços da grande preocupação. – Senhor, chamou-me? – falou Ceres, percebendo o alheamento do rei. – Ah! Ah! Meu filho, Ceres, estamos mal, muito mal! Minos nos quer perdidos!

Ceres avançou, resoluto. – Majestade, já sofremos coisas piores. Atenas vai resistir, a nossa deusa Atena nos protegerá! – acalmou-o o fiel comandante. – Como?! A peste nos mata os melhores guerreiros, porque Zeus está favorável a Minos, retirando-nos o que há de mais vigoroso e saudável!

– Mégara foi assolada pelos cretenses! – contou-lhe um dos ministros. – Sabemos que ele marcha com novos e mais cruéis soldados.

Ceres fixou o olhar em Egeu. – Quem está vindo ao nosso encontro? – quis saber. – Minos, o rei de Creta, para vingar a morte do filho – retrucou Egeu, entristecido. – O que nos resta a fazer? – perguntou-lhe, alheio, sem saber o porquê. – Resta-nos pedir trégua ou nos render! – proferiu outro ministro.

Egeu soltou um grito: – Arre! Arre! O que é isso? Não, nunca! Que a peste nos mate! Que não fique pedra sobre pedra, mas não me humilharei! É Zeus que protege esse rei sanguinário! – gritou. – Minos quer vingar o filho, meu rei! – insistiu Ceres. – Bem sei, bem sei, não é preciso me lembrar desse infortúnio e desgraça! – Senhor, será necessária uma intervenção, uma negociação, não é mesmo? – lembrou o ministro. – Certo, faremos isso! O que negociaremos? – interessou-se o rei. – Posso ir ao encontro de Minos e propor-lhe, senhores – ofereceu-se Ceres.

E, após intensa discussão e propostas objetivas e negociações não tão boas, Egeu determinou:

– Que ele venha ao palácio e fale comigo, diante de mim! – Senhor, isto é extremamente perigoso! – falaram todos. – Quero me redimir ante meu filho. Cometi grave delito e é preciso humildade, paciência e força! É isso que será! Parta amanhã, Ceres, e convença Minos a vir à minha presença!

E todos entreolhavam-se, nervosos, mas silenciosos, já que a situação de Atenas necessitava de atos extremos. Egeu tinha razão, mas se expor ante a vingança de um pai irado e vingativo parecia loucura!

Minos recebeu friamente a delegação chefiada por Ceres. Era um homem de alta estatura e voz forte. Em seus olhos se viam mergulhados ódio e tristeza.

Ceres falou-lhe do convite de Egeu. O homem olhava os atenienses com desdém. Ele tinha profundo desprezo por todos os atenienses, porque via neles a armadilha e a traição que levaram à morte o filho.

Ao receber o convite de Egeu, perguntou: – Por que o assassino de meu filho me quer em seu salão nobre? Tenciona também me matar? Creio que não seja tão ingênuo, porque caso ouse fazer qualquer mal, Atenas será destruída totalmente em menos de três dias.

Ceres avançou resoluto e notificou formalmente: –Venho, senhor de Creta, como embaixador do senhor de Atenas para uma possibilidade de paz, não mais que isso. Que eu saiba, Egeu, rei de Atenas, não matou seu filho Androgeu, tampouco almeja matar o rei de Creta!

Minos adiantou alguns passos e, frente a frente com Ceres, proferiu com voz lenta e monótona as palavras mais tristes que os ouvidos de Ceres jamais haviam escutado: – Meu filho está morto! Minha vida está agora pela metade. Tenho uma vida cortada, sem graça e sem brilho. Sou um infeliz; um rei de nada, um homem de angústia. Eu irei ao encontro de quem me retirou a paz! Admiro, soldado, sua lealdade e fidelidade ao rei de Atenas. Amanhã estarei diante do mal – e assim dizendo, logo voltou-se e retirou-se aos aposentos internos.

Ceres apressou-se a comunicar Egeu sobre a aceitação do rei Minos.

No dia seguinte, cercado dos mais valorosos guerreiros, Minos subiu a longa escadaria do palácio real e foi recebido por Egeu.

Todos os soldados de Minos seguiram-lhe até o salão da conferência, mas Egeu estava apenas acompanhado por Ceres. Ele recusou terminantemente segurança e proteção, porque reconhecia seu erro fatal.

Minos avançou até ao centro da sala e ficou em silêncio por um instante. – Aqui estou, Egeu, rei de Atenas! – apresentou-se.

Egeu não conseguia falar. Parecia que tinha perdido o ânimo, a voz. – O que… o que poderemos fazer para cessar esta guerra? – murmurou. – Meu filho era o meu bem, Egeu, por isso serei breve e firme: me retiro de Atenas com a condição de que, anualmente, sete moços e sete moças sejam enviados ao Labirinto e sirvam de pasto ao Minotauro!

Os olhos de Egeu abriram-se assustados, porque rápido calafrio percorreu-lhe a espinha. Era terrível a condição. O que fazer? – Alguma objeção, senhor de Atenas? – perguntou Minos.

Egeu permaneceu calado, então Minos replicou: – Posso entender que seu silêncio seja o mesmo que assentimento, Egeu?

O rei de Atenas fez que sim com a cabeça. – Então, a partir de amanhã, ao meio-dia, a guerra entre Creta e Atenas estará finda!

E sem olhar para trás, Minos retirou-se, enquanto Egeu cambaleou pela sala e foi amparado por Ceres. – Senhor, está passando mal? – Estou morto, Ceres, meu coração dói e minha alma está pequena, apertada. Eu morro, meu amigo!

E desmaiou, tamanha era a angústia que sentia. Os criados conduziram-no aos seus aposentos. Ceres observava seu senhor.

Minos escolhia com seleção rigorosa e pessoalmente todas as vítimas; também irônico ante o desespero dos jovens, sempre dava esperança, dizendo: – Caso consigam matar o Minotauro, poderão regressar livremente à sua pátria!

Mas o monstro estrangulava, matava a todos, e a ruína abatia os atenienses, que não suportavam mais assistir aos seus jovens massacrados um por um pelo Minotauro.

Então Teseu intrometeu-se e dirigiu-se ao seu pai. – Eu irei e matarei o monstro! – Não, nunca! Jamais o permitirei! Além de me desprezar, quer que eu aceite tamanho despropósito? – Despropósito? Meus amigos, meus melhores amigos como Menestes, Nausítoo e até a princesa Eribeia, filha do rei de Mégara, estão partindo para a morte, e eu ficarei, aqui, assistindo? – Meu filho! – Pai! Eu irei e isto é certo! – gritou Teseu.

Então Egeu teve que ceder. Como reconquistar o filho senão pelo caminho do sofrimento: saber que o Minotauro poderia matar o filho querido angustiava o coração do rei.

O Minotauro era uma criatura que fora encerrada no Labirinto construído por Dédalo.

A criatura monstruosa, com forma humana e cabeça de touro, habitava os antros subterrâneos, abaixo do palácio real de Creta. Solitária, nutria-se de carne humana; era insaciável, voraz no apetite e seus dentes e patas podiam em instantes dilacerar um homem robusto.

Pasífae, mulher de Minos, concebeu tal aberração por ocasião de seus encontros furtivos com Posídon.

A mulher, quando teve o filho nos braços, horrorizou-se tanto que o escondeu dos olhos alegres dos visitantes e ocultou-o para sempre no ambiente da confusão, o Labirinto.

A criança deformada jamais obteve carinho ou ternura. Sujeitou-se à escuridão, à lama, à frialdade das lajes e ao silêncio costumeiro. A solidão era sua companhia frequente, assim o medo, o ódio e a vingança cresceram em seu coração que, enrijecido pela indiferença, tinha apenas vontade de matar e matar: a morte era o seu fim.

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