8 minute read

13 – Vida a dois: pai e filho

13

VIDA A DOIS: PAI E FILHO

Advertisement

Egeu não tinha outra alegria ou outro olhar além de Teseu. O reconhecimento dado ao filho trouxe-lhe uma felicidade constante. Promovia festas e mais festas, encontros animados e ruidosos; mas vez por outra uma nesga de tristeza atravessava-lhe a lembrança: quase matara o filho. Medeia era um fantasma assustador. Ela entrava-lhe nos sonhos, assustando-o, e aterrorizava-lhe as noites. Sobressaltado, acordava aos gritos. Em seus pesadelos, Teseu ora era envenenado covardemente à sua frente, ora decapitado.

Era comum agora um grito furioso sacudir a madrugada. O filho e os criados acudiam-no, e ele, chorando, abraçava Teseu, suplicando-lhe por seu perdão. – Meu bem, meu querido, perdoe-me! Perdoe-me!

Teseu não sabia mais o que falar. O homem se corroía em remorso. Sofria pelo que não praticou. Medeia planejou, Egeu não executou.

– Pai, deixe disso, vamos beber água e esquecer tudo. Está tudo bem, tudo bem!

E mais uma vez Egeu beijava o filho, acariciava-lhe o rosto e o abraçava enternecido.

Foi por essa época que Teseu se viu à mercê de novos contratempos em Atenas, por ocasião da morte de Androgeu, filho de Pasífae e Minos, o rei de Creta.

Androgeu era intrépido, um verdadeiro atleta, e suas habilidades trouxeram-lhe problemas com os esportistas atenienses. Estes, ressentidos porque aquele conseguira inúmeras vitórias, mataram-no.

A notícia espalhou-se por uma manhã chuvosa entre as bocas dos ambulantes e nas praças cheias. Todos estavam consternados e aflitos.

Quem trouxe a funesta notícia ao quarto de Teseu foram os amigos Menestes, neto de Ciro, e Nausítoo, acompanhado pela bela Eribeia.

Ela curvou-se exageradamente sobre o dorso seminu do filho de Posídon, curvou-se tanto que seu hálito acordou-o imediatamente. Seus olhos refletiram-se um no outro, tão próximos estavam. – Quê?! – espantou-se. – Temos notícias ruins! – disse Nausítoo.

Teseu apoiou-se nos cotovelos. – Meu pai? O que aconteceu? – Sossegue, sossegue, Egeu vive e dorme no quarto ao lado – amenizou Menestes.

Teseu não acreditou; como acreditar quando até uma mulher entrou em seus aposentos e o acordou? Adivinharam-lhe os pensamentos e o acalmaram com palavras fúnebres e terríveis: – Androgeu está morto! Mataram Androgeu esta noite, meu caro amigo!

Os olhos de Teseu fecharam-se, em seguida a boca, depois as duas mãos crisparam-se, nervosas. Ele morria? Nada enxergava? Um gosto amargo subiu-lhe a garganta e um jato repentino e intenso de vômito jorrou no chão. – N-n-não! Não! NÃO! Meu irmão! Meu amigo! – gritava Teseu, desesperado.

A amizade entre os dois cresceu rápida e benéfica nos poucos meses depois que o filho de Etra foi reconhecido como filho de Egeu e herdeiro do trono.

Tornaram-se amigos inseparáveis, homens de jogos, partidas e eventos ruidosos. Tudo era vigiado pelo rei, que temia pela vida do filho até a véspera dos jogos que mandou celebrar em Atenas.

– Meu filho, gostaria que participasse de todos os jogos, sim? – convidou Egeu. – Claro, meu pai, por que não? Fico feliz quando vejo você feliz! – assentiu Teseu.

Androgeu, posto que não foi convidado, ousou intrometer-se. – Posso participar também? – Claro, claro que sim! – incentivou o amigo.

Egeu não se opôs, porque desconhecia a destreza e desenvoltura do filho de Minos, rei de Creta. – Todos os jovens desejam participar dos jogos, por que não? – acrescentou, apenas.

E em poucos dias estavam os dois príncipes treinando árdua e habilmente diversos instrumentos e exercícios. Queriam mostrar um corpo adequado e esbelto e, quando o fizeram, exibindo os belos corpos para toda a população na festividade solene de abertura dos jogos atenienses, aplaudiram-nos de pé e gritaram seus nomes: – Viva! Viva Teseu! Viva Androgeu! Viva!

Egeu, ao ouvir o nome do outro, incomodou-se e chamou Ceres. – Sim, senhor, pode falar? – O que houve com os atenienses? O que é isto de ovacionar meu filho Teseu e este outro, Androgeu? – Meu senhor, desconhece as habilidades de Androgeu? – O quê?! Como assim, habilidades?

– Pois bem, senhor, Androgeu é um habilidoso jogador, homem dedicado e grande vencedor!

Os olhos de Egeu voltaram-se para o filho de Minos. Seu olhar não era mais indiferente, era um olhar ferino e despeitado. – Ele não pode vencer! Meu filho e somente ele é o vencedor, Ceres!

O outro calou-se, não tinha o que responder.

A partir desse instante, Egeu sentiu-se mortalmente voltado contra Androgeu; passou a hostilizá-lo e tudo nele o aborrecia muito.

E Androgeu obteve uma vitória após a outra, enquanto tinha toda a aprovação de Teseu, que lhe erguia o braço, feliz, no centro de arena, diante da multidão. – Viva! Viva! Androgeu mais uma vez! – gritava, sem inveja, o herdeiro do trono de Atenas.

Egeu, no entanto, não aprovava aquela atitude. Acreditava que Teseu fingia perder para que o outro vencesse. – Por que faz isto, filho? – O quê? – Por que perde para que Androgeu vença? – Quê?! Pai querido, não, não, ele é o melhor, meu pai! – respondia sorrindo, Teseu. – Como?! Que nada, o melhor desta terra é você, meu filho!

Teseu ria, nada toldava-lhe o espírito, porque era um bom amigo e amava Androgeu.

Outros olhos também não se agradavam de Androgeu, aquela intensa e recíproca amizade enciumava a muitos. – Gosta mais do cretense do que dos atenienses! – comentavam, movidos pela inveja e pelo ódio.

Contudo, Teseu a todos ignorava e mais e mais se devotava ao amigo e aos exercícios atléticos.

– Quem fez a maldade? Quem retirou a vida de meu amigo? – gemeu Teseu.

Menestes desviou o olhar. Nausítoo fez o mesmo, encaminhando-se ao parapeito da janela, mas Eribeia encarou-o e respondeu: – Não podemos apontar diretamente para Egeu, mas quem o executou foram os atletas atenienses… – Como? Meu pai? – interrompeu. – Meu pai planejou para matar Androgeu? – gritou, enfurecido.

Eribeia estava firme, não abaixou a cabeça. – Egeu morre de ciúme de você, Teseu, ele só tem os olhos para você! Ele está fascinado e apaixonado pelo filho, porque você era e ainda é a esperança de Atenas. Então aparece um ginasta melhor, dinâmico, excepcionalmente superior ao filho do rei? Não pode ser… Ele deve sucumbir, ser morto, porque usurpou a glória que era devida ao filho máximo do senhor de Atenas!

Teseu apenas fitava Eribeia, seus olhos fixos, voltados para a companheira, mas lágrimas vertiam, incessantes porque o filho de Egeu era compassivo. – Onde ele está? Onde o puseram? – quis saber, com a voz abafada. – Numa casa, perto do cais, velado por duas senhoras, mulheres de pescadores. – Quero vê-lo… Quero ver Androgeu – disse, chorando, e se ergueu, resoluto.

Os amigos acompanharam-no, silenciosos.

Cada passo dado era como avançar em caminho tenebroso e cheio de perigos. Teseu vacilava, mas era amparado pelos outros. A morte inesperada de Androgeu tocou-lhe no âmago de sua experiência de vida: quem era confiável? Como sobreviver ao mal da decepção? Meu pai não fez isto! Como pôde praticar ato tão hediondo, tão infame?, e seus pensamentos apertavam-lhe a alma e os passos.

Ao entrar na casa, viu o corpo de Androgeu no chão, sobre uma esteira de folhas secas. Parecia estar dormindo, mas havia no dorso uma grande ferida, uma clava abriu-lhe as carnes com impetuosidade assassina.

Teseu debruçou-se sobre o amigo com ternura. Eribeia encostou-se à parede, estava silenciosa e chorosa. Menestes também se inclinou para examinar melhor os estragos feitos no belo corpo do atleta. Nausítoo

ficou à porta; estava amuado, seu semblante revelando angústia e dor. – Covardia… Covardia! – disse ele, comovido.

Eribeia aproximou-se de Teseu. – Vamos! É hora, ele descansou, a dor não lhe fere mais. Os deuses ampararam sua alma logo que lhe foi retirada a vida.

Os olhos encharcados de lágrimas e a boca trêmula mostravam a dor de Teseu. – Vou, sim, espere um pouco, quero olhar bem, estar firme, porque até o último dia de minha vida estrangularei, com estas mãos, os inimigos de Androgeu!

Eribeia desviou o olhar, mas seus pensamentos acusavam Egeu.

Até ao pai ele dará a morte? Veremos! O que fazer com tamanha covardia?, pensou Eribeia.

Em passos lentos, corpos curvados, todos se retiraram, acabrunhados. Teseu estava em pedaços, seu coração pulsava em ritmo lento, entre a dor e a vingança.

Passados três dias do funeral de Androgeu, seu corpo retornou a Creta, para seu pesaroso pai, Minos. Foi quando Teseu começou a vingança. Todo o seu ser tremia só em relembrar o amigo morto, ferido de modo tão ingrato, tão doloroso e na traição da inveja.

Iniciou seu plano com o apoio de seus fiéis amigos, Nausítoo e Menestes, tendo como conselheira Eribeia, que conseguia desvendar os escusos abrigos, grutas e ilhas por onde tencionavam esconder-se os inimigos de Androgeu.

Os atenienses, em sua maioria, lamentaram o fim trágico de Androgeu. A população desconhecia que o rei também estava envolvido no crime. Contudo, o morto necessitava de vingança, e eles conseguiram armar ciladas, criar embustes e atrair os mais valorosos para armadilhas inéditas. Eram cinco atletas e eles sacrificaram todos com requinte e criatividade: o primeiro foi despedaçado numa gruta por um urso; o segundo foi picado ou quase devorado por milhares de abelhas; o terceiro foi coberto por pez e azeite e em seguida incendiado e torrou feito um carvão; o quarto teve as pernas esmagadas por uma armadilha enterrada num fosso e simultaneamente degolado por uma grande tesoura que foi armada em duas frondosas árvores; e o quinto foi perseguido por uma matilha que, além de devorar-lhe as carnes, comeu-lhe os ossos, não restando nada de seu corpo.

Todos tiveram mortes incríveis e nenhum deles foi tocado nem sequer viu os antigos amigos de Androgeu. As mortes não criaram suspeitas, mas toda a Atenas lamentou o desaparecimento de seus heróis, os atletas.

Egeu, no entanto, desconfiou, mas como Teseu não lhe dirigia a palavra e nem ao menos erguia a cabeça para fitá-lo, não ousou perguntar-lhe ou tomar-lhe satisfação.

Reunidos em um bosque próximo ao palácio, os amigos comemoravam. Comemoração sossegada, a vingança é seu prato frio, e eles estavam em luto. – Androgeu, descanse, meu amigo! – proferiu Teseu erguendo uma taça.

Os outros, silenciosos, fizeram o mesmo.

Eribeia fitou Teseu e viu-lhe os olhos marejados enquanto uma sutil lágrima desceu-lhe pela face.

This article is from: